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Programa Cultura Viva

IMPACTOS E TRANSFORMAÇÕES
SOCIAIS

Hugo Leonardo Ribeiro


Mário Lima Brasil
(Organizadores)
Hugo Leonardo Ribeiro
Mário Lima Brasil
(Org.)

Programa Cultura Viva


impactos e transformações sociais

1º Edição

Brasília
2016
Programa Cultura Viva
impactos e transformações sociais

Observatório de Políticas Públicas


Culturais – OPCULT

Centro de Estudos Avançados


Multidisciplinares – CEAM

Universidade Federal de Brasília

Financiamento
Ministério da Cultura

Administração de recursos
FINATEC

Equipe de pesquisadores Redação do relatório

Coordenadora geral Hugo Leonardo Ribeiro


Fátima Makiuchi Mário Lima Brasil
Wanessa Ferreira de Sousa
Professores coordenadores Marta Martins Pederiva
Hugo Leonardo Ribeiro Deborah Rebello Lima
Mário Lima Brasil
Flávio Santos Pereira
Representantes dos
Estudantes de mestrado Pontos de Cultura
Wanessa Ferreira Sousa
Deise Ramos da Rocha Célia de Fátima Pinheiro Moreira
Anderson do Nascimento José Maria Reis e Souza Jr.
Leandro Arthur Anton
Estudantes de graduação Yuri Soares
Marta Martins Pederiva Maria Fulgência Silva Bonfim
Marília de Souza Oliveira
Mariana Saturnino Silva
Fernando Bastos
Programa Cultura Viva
impactos e transformações sociais
P962 Programa Cultura viva : impactos e transformações sociais /
Organizadores: Hugo Leonardo Ribeiro, Mário Lima Brasil.-
Brasília: UnB, 2016.
223 p. : il., gráfs., fots.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-62539-37-4

1. Cultura. 2. FIB. 3. Pesquisa Qualitativa. 4. Avaliação de


Programas. 5. Brasil. I. Ribeiro, Hugo Leonardo. II. Brasil,
Mário Lima. III. UnB.
CDU: 316.7
Apresentação

Este é o relatório final do projeto de pesquisa intitulado Pro-


grama Cultura Viva: impactos e transformações sociais, financiado
com recursos do Ministério da Cultura (MinC). Essa pesquisa faz
parte do Observatório de Políticas Públicas Culturais (OPCULT1),
projeto fomentado pela Secretaria de Cidadania, Diversidade e Ges-
tão Cultural (SCDC/MinC), ligado ao programa de pós-graduação
em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional do Cen-
tro de Estudos Avançados Multidisciplinares – CEAM, da Universi-
dade de Brasília – UnB.
O relatório está dividido em três partes. A primeira parte conta
com quatro capítulos: Introdução, que aborda objeto da pesquisa, sua
problematização, e apresenta o modelo analítico; A revisão bibliográ-
fica; o Desenvolvimento do projeto, que apresenta a pesquisa em de-
talhes, sua preparação, viagens e resultados brutos; e um capítulo so-
bre a Felicidade Interna Bruta, explicando sua relação com o Progra-
ma Cultura Viva (PCV) e a forma com que foi utilizada nessa pesqui-
sa. A segunda parte é composta pela análise individual de oito Pontos
de Cultura dentre os dezoito visitados. A terceira parte é uma breve
conclusão sobre a pesquisa, e possibilidades para futuros desdobra-
mentos.
Aproveitamos para agradecer à professora Fátima Makiuchi,
coordenadora do OPCULT, e à equipe de pesquisadores que auxiliou
na escrita desse relatório, em especial à Wanessa Souza, Marta Pede-
riva, e Déborah Lima. Agradecemos também à Comissão Nacional
dos Pontos de Cultura, através de seus representantes regionais.

1 Para maiores informações, acessar http://www.opcult.unb.br.


Índice

Apresentação..................................................................................................5
PARTE 1 – O PROJETO..............................................................................11
Capítulo 1 – Introdução................................................................................13
Um breve histórico do Programa Cultura Viva......................................15
As pesquisas do IPEA.............................................................................20
O FIB como indicador de análise...........................................................26
Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica..............................................................29
2007........................................................................................................31
2008........................................................................................................33
2009........................................................................................................35
2010........................................................................................................37
2011........................................................................................................39
2012........................................................................................................44
2013........................................................................................................48
2014........................................................................................................54
Análise da revisão bibliográfica.............................................................59
Capítulo 3 – Desenvolvimento do Projeto...................................................63
Metodologia............................................................................................67
Organização dos dados coletados...........................................................70
Resultados obtidos..................................................................................74
Capítulo 4 – Felicidade Interna Bruta (FIB)................................................75
FIB e as pesquisas sobre o bem estar social...........................................75
Relações ideológicas entre o FIB e o Programa Cultura Viva................79
FIB como indicador qualitativo de análise.............................................81
Domínios do FIB....................................................................................90
Bem-estar psicológico.......................................................................91
Saúde.................................................................................................92
Educação...........................................................................................93
Cultura...............................................................................................95
Uso do tempo....................................................................................97
Boa governança.................................................................................98
Vitalidade comunitária....................................................................100
Meio ambiente (diversidade ecológica)..........................................102
Padrão de vida.................................................................................102
Resumo.................................................................................................104
PARTE 2 – ANÁLISE DOS PONTOS DE CULTURA.............................107
Interarte – COEPi (GO)..............................................................................109
Introdução.............................................................................................109
Análise..................................................................................................112
Ponto de Cultura de Caldas Novas – CEJUVI (GO)..................................119
Introdução.............................................................................................119
Análise..................................................................................................121
Ponto de Cultura Caminhos Audiovisuais (DF).........................................129
Introdução.............................................................................................129
Análise..................................................................................................131
Ponto de Cultura Ludocriarte Editora (DF)................................................139
Introdução.............................................................................................139
Análise..................................................................................................142
Ponto de Cultura CENPRO Faces de Cultura (MT)...................................147
Introdução.............................................................................................147
Análise..................................................................................................150
Ponto de Cultura Só Falta Você (MT)........................................................157
Introdução.............................................................................................157
Análise..................................................................................................160
Ponto de Cultura Yokone Kopenoti (MS)..................................................167
Introdução.............................................................................................167
Análise..................................................................................................170
Ponto de Cultura Pájaro Campana (MS)....................................................177
Introdução.............................................................................................177
Análise..................................................................................................180
PARTE 3.....................................................................................................185
Conclusão...................................................................................................187
Os pilares dos Pontos de Cultura..........................................................191
Impactos no FIB...................................................................................194
Bibliografia Consultada..............................................................................201
Índice de Figuras e Fotos

Figura 01: Gráfico analítico da região das instituições onde foram


defendidas as pesquisas................................................................................59
Figura 02: Gráfico analítico da relação entre os trabalhos teóricos e os que
envolvem alguma forma de pesquisa de campo...........................................60
Figura 03: Gráfico analítico da região onde foram realizadas as pesquisas de
campo...........................................................................................................61
Foto 01 – Sede da COEPi...........................................................................109
Foto 02 – Entrada da área de Agroecologia da COEPi...............................111
Foto 03 – Salas onde ocorrem as atividades do CEJUVI...........................119
Foto 04 – Alunos participando da oficina do PC Caminhos Audiovisuais 129
Foto 05 – Oficineiro WT e alunos de um dos cursos do Ponto. Ao fundo, a
bolsista Marta Pederiva entrevista Rafaello Santoro..................................132
Foto 06 – Sede do Espaço Ludocriarte.......................................................139
Foto 07 – Atividade do PC Ludocriarte na área externa............................141
Foto 08 – Contação de histórias no PC Cenpro/Faces de Cultura..............147
Foto 09 – Último espaço ocupado pelo PC Só Falta Você.........................157
Foto 10 – Parte do figurino utilizado para as danças do PC Só Falta Você,
guardados na sala da casa de Iolita.............................................................160
Foto 11 – Sede do PC Yokone Kopenoti....................................................167
Foto 12 – Cartaz do concurso 1º Beleza Indígena do Pantanal..................169
Foto 13 – Parte externa do PC Pajaro Campana........................................177
Foto 14 – Davi estudando harpa paraguaia no PC Pájaro Campana..........179
Foto 15 – Aula de violão no PC Pájaro Campana......................................180
PARTE 1 – O PROJETO
Capítulo 1 – Introdução

O Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania –


Cultura Viva ou, simplesmente, Programa Cultura Viva (PCV) se
fundamenta em diretrizes criadas para uma política de valorização da
pluralidade e diversidade das práticas culturais brasileiras reconhe-
cendo, em instâncias institucionais ligadas ao Estado, a multiplicida-
de dos movimentos culturais contemporâneos, pontuando e reafir-
mando a diversidade como parte da história e da conjuntura brasilei-
ra.
O Programa foi criado com o objetivo de “promover o acesso
aos meios de fruição, produção e difusão cultural, assim como de po-
tencializar energias sociais e culturais, visando a construção de novos
valores de cooperação e solidariedade” (MINISTÉRIO DA CULTU-
RA, 2004). Esse objetivo está em conformidade com o disposto no
artigo 215 da Constituição Federal de 1988, o qual preceitua que “o
Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valori-
zação e a difusão das manifestações culturais.” (BRASIL, 1988).
Nesse sentido, um dos pontos chaves do programa é a aplicação do
conceito de gestão compartilhada, cuja ideia por trás dessa definição
é de,
no lugar de impor uma programação cultural ou chamar os gru-
pos culturais para dizerem o que querem (ou necessitam), pergun-
tamos como querem. Ao invés de entender a cultura como produ-
to, ela é reconhecida como processo. […] o Ministério da Cultura
diz quanto pode oferecer e os proponentes definem, a partir de
seu ponto de vista e de suas necessidades, como aplicarão os re-
cursos. (TURINO, 2010, p. 63)

13
Além dos Pontos de Cultura, o Programa Cultura Viva previu
a necessidade da criação das Redes, presenciais e/ou virtuais, com o
objetivo de fomentar a troca de experiências entre os PC. Através da
rede foram organizados espaços de encontros locais e regionais, tais
como os fóruns, reuniões, comissões, grupos de discussão e grupos
de trabalhos, além dos encontros nacionais das TEIAs e dos Fóruns.
Esses encontros têm como objetivos propor estratégias de políticas
públicas culturais, analisar e avaliar o programa, assim como apre-
sentar a diversidade das ações culturais dos PC. Já foram realizadas
cinco TEIAs, a saber: Teia 2006, São Paulo (SP); Teia 2007, Belo
Horizonte (MG); Teia 2008, Brasília (DF); Teia 2010, Fortaleza
(CE); Teia 2014, Natal (RN).
Para termos uma ideia do sucesso da implementação do PCV,
já na primeira edição da TEIA, em 2006, participaram quatrocentos
PC de todo o país e mais de mil pessoas de forma direta. E, de acor-
do com informações da Secretaria da Cidadania e da Diversidade
Cultural (SCDC/MinC), foram cadastrados “desde sua implantação,
em 2005, e até o ano de 2011, o total de 3.670 Pontos de Cultura em
todos os estados da federação” (BRASIL, 2015). O número de even-
tos locais, regionais e mesmo internacionais relacionados ao PCV
cresce a cada ano2.
Dessa forma, o Programa Cultura Viva, através dos Pontos de
Cultura (PC), possibilitou que áreas populacionais com carências di-
versas pudessem usufruir de ações civis que ocuparam o papel do Es-
tado no sentido de garantir seus direitos culturais, ao possibilitar aos
“indivíduos e às coletividades o direito à criação, à fruição, à difusão
de bens culturais, além do direito à memória e à participação nas de -
cisões das políticas culturais” (BARBOSA DA SILVA e ARAÚJO,
2010, p. 11). O objetivo dessa pesquisa foi analisar os impactos e
transformações sociais ocorridas nessas comunidades a partir da im-
plantação do Programa Cultura Viva.

2 No ano de 2014, foram divulgados trinta e oito eventos no site da SCDC.

14
Um breve histórico do Programa Cultura Viva

Em julho de 2004, por meio de uma portaria ministerial, foi


criado o Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania –
Cultura Viva (PCV). Ao longo de seus doze anos de existência, a
ação foi se tornando um exemplo essencial para refletirmos sobre as
dinâmicas das políticas públicas de cultura em um contexto contem-
porâneo.
O Programa foi criado como um conjunto de ações que se in-
terligariam, entre as quais o Agente Cultura Viva, Cultura Digital, en-
tre outras. No entanto, o conceito de Ponto de Cultura é o eixo cen-
tral do PCV, a partir do qual se relacionam todas as outras atividades.
Nesse sentido, o PCV, gerido pela Secretaria de Programas e Projetos
Culturais do Ministério da Cultura na época de sua criação, foi elabo-
rado para ser um contraponto à proposta anterior da criação das Ba-
ses de Apoio à Cultura – BACs.
O elemento principal das BACs era a criação de centros (espa-
ços) de prática cultural nas diversas periferias das cidades brasileiras.
Ou seja, a ênfase estava na construção de infraestrutura para a circu-
lação e publicização de práticas culturais que ficavam restritas a pe-
quenos circuitos. Uma proposta de alto custo e com grandes dificul-
dades de operacionalização.
Por sua vez, o PCV está centrado no fomento direto a grupos e
a ações culturais com comprovada experiência em suas localidades e
que tiveram pouco ou nenhum acesso a recursos públicos. Ou seja,
foi pensado como um programa governamental que desse mais aten-
ção aos processos criativos das iniciativas comunitárias do que aos
produtos e resultados advindos desses processos.
Nas palavras de Célio Turino, gestor responsável pelo desenho
inicial do PCV:
Ponto de Cultura é um conceito de política pública. São organiza-
ções culturais da sociedade que ganham força e reconhecimento

15
institucional ao estabelecer uma parceria, um pacto com o Esta-
do. Aqui há uma sutil distinção: o Ponto de Cultura não pode ser
para as pessoas, e sim das pessoas; um organizador da cultura em
nível local, atuando como ponto de recepção e irradiação de cul-
tura. Como um elo na articulação em rede, o Ponto de Cultura
não é um equipamento cultural do governo, nem um serviço. Seu
foco não está na carência, na ausência de bens e serviços, e sim
na potência, na capacidade de agir de pessoas e grupos. Ponto de
Cultura é cultura em processo, desenvolvida com autonomia e
protagonismo social. (TURINO, 2009, p. 64)

Dessa forma, o PCV teve como foco a possibilidade de forne-


cer melhorias na estrutura de produção de grupos e associações cul-
turais, o que representaria o emprego de baixo investimento para alto
impacto em curto período de tempo. A escolha entre uma proposta ou
outra sinalizou uma maior ênfase nos cidadãos e menos nas institui-
ções, ainda que de maneira simbólica 3.
Todavia, a gestão do PCV não percorreu um processo homogê-
neo, linear, ou mesmo sem maiores percalços. Inúmeros foram os
problemas e tensões enfrentados ao longo do processo. Alguns deles
foram os atrasos em repasses de verbas, os severos entraves na pres-
tação de contas dos recursos, a instabilidade e insegurança quanto à
continuidade das ações pelas organizações, entre outros. Dificulda-
des próprias do processo de adequação entre tipologias, formas de
tratamento governamental e diálogo com grupos sociais oriundos das
mais diferentes realidades. Soma-se a isso um campo de atuação com
características informais e pouco institucionalizadas.
Ao longo de seus mais de doze anos de existência, é possível
perceber que o PCV não somente ocupou diferentes espaços na agen-
da governamental brasileira, como também teve distintos momentos
de visibilidade dentro e fora do país. Um breve panorama sobre o
3 No entanto, é pertinente deixar claro que a proposta da criação de espaços de circulação e
ocupação pelos agentes culturais não foi completamente abandonada. A proposta original
das BACs não foi operacionalizada, mas outras abordagens com propósitos bem
semelhantes foram colocadas em prática ao longo dos últimos doze anos de distintas
gestões no Ministério da Cultura.

16
histórico de gestão poderia enfatizar tais características e ocorrências
ao longo destes doze anos. Utiliza-se a noção da estrutura de opera-
ção da rede4 criada pelo Programa Cultura Viva para ilustrar o que
podemos compreender como três fases percorridas até os dias de
hoje.
A primeira fase dá conta do esforço de agendamento e imple-
mentação da ação em escala nacional. Observa-se, neste contexto, a
iniciativa do Ministério da Cultura para a criação e o fomento da rede
por meio do estabelecimento de contato com os mais distintos Pontos
de Cultura espalhados pelo país. Tal esforço de fortalecimento desta
rede seria a tônica da diferenciação alcançada pelo Cultura Viva em
termos de mobilização (mais tarde fortalecida). A característica fun-
damental deste contexto está na criação de uma rede centralizada na
figura governamental, pois as organizações participantes e nomeadas
como Pontos de Cultura tinham convênios firmados diretamente com
o governo federal.
Nesta fase, o Estado tinha o papel central. Era dele a missão de
fortalecer a importância de uma rede entre os Pontos de Cultura e a
possibilidade de gerar autonomia e empoderamento entre os agentes.
Existia um esforço do Ministério da Cultura de fomentar discursos
coletivos, além de possibilitar que as organizações percebessem o
quão valoroso seria o processo de trocas entre a própria sociedade ci-
vil.
Podemos ilustrar que tais características foram percebidas en-
tre os anos de 2004 e 20075. Neste período, o “encantamento” com a
descoberta da diversidade cultural brasileira pode ser enfatizado
como um elemento marcante. Tal encantamento pode ser visto como
4 É válido enfatizar que desde sua criação até os dias atuais a noção de gestão
compartilhada e da criação de uma rede de atuação cooperativa entre Estado e sociedade
sempre estiveram presentes. Ainda que as compreensões e características de cada um
destes conceitos possam ter variado ao longo do tempo, a valorização de ações em rede
sempre foram a tônica iniciada pelo MinC/SCDC e também fomentada pelos gestores de
ponto de cultura, também conhecidos como ponteiros.
5 Não há nenhum objetivo de traçar marcos históricos estanques. As indicações de datas são
apenas para estabelecer uma indicação de cronologia com o propósito de facilitar a
compreensão e a percepção de mudanças.

17
uma via de mão dupla: o governo brasileiro aos poucos percebia a di-
mensão de uma ação como esta, e o Cultura Viva aos poucos ganha-
va mais visibilidade política. Ao mesmo tempo, através da rede, os
ponteiros (ou partícipes da ação) conseguiam vislumbrar outras orga-
nizações que passavam pelas mesmas dificuldades ou que poderiam
oferecer ajuda e possibilitar novos resultados.
A segunda fase é percebida quando a rede, antes focada no
governo federal, começa a se transformar, por ocasião do processo
denominado federalização do Programa Cultura Viva. Desde sua cri-
ação em 2004 e durante os primeiros anos de atividades, por mais
que o ambiente de encantamento/empoderamento fosse fortalecido,
inúmeros entraves de gestão foram percebidos. A manutenção de
uma ação governamental deste porte, por meio da capilaridade terri-
torial em todas as regiões e estados do país, não poderia ser gerencia-
da por uma pequena secretaria alocada no Ministério da Cultura. Era
preciso exercitar a chamada “gestão compartilhada” e dividir a res-
ponsabilidade com outros entes federados (estados e municípios).
Este novo cenário trouxe também mudanças na rede e na forma de
operação do programa. Os esforços para a construção de discursos
nacionais comuns entre os Pontos de Cultura seriam agora atravessa-
dos por particularidades locais, por novos atores, por uma maior
complexidade no ambiente.
Da mesma maneira, a tônica da relação entre Estado e grupos
sociais não pode ser caracterizada da mesma forma. O tensionamento
em relação aos problemas, ou a maior organização da rede de Pontos
de Cultura, indicaram posturas mais assertivas em relação ao direcio-
namento estatal. Vozes dissonantes, maiores cobranças, e colocações,
eram percebidas entre os Pontos de Cultura. Houve um processo de
organização dos Pontos em uma Comissão Nacional, com o propósi-
to de representar todo o grupo de ponteiros em questões mais rele-
vantes, cujo objetivo foi o de estabelecer um diálogo mais maduro
sobre direcionamentos e possíveis alterações.
Considera-se que, nesse momento, a rede deu sinais de esfor-
ços para a construção de discursos comuns, de questões a serem de-

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batidas e tensionadas entre estado e sociedade civil. Os ponteiros, ou
rede de Pontos de Cultura do Brasil, organizaram-se e articularam-se
para ocupar distintos espaços nas discussões de políticas públicas de
cultura no Brasil. As reflexões e ações não ficaram restritas ao uni-
verso dos problemas ou acertos do Cultura Viva. As noções de trans-
versalidade e a defesa por outras políticas foram importantes para o
próprio amadurecimento e revisão dos seus problemas.
Neste contexto, a chamada “federalização” ganha maior fôlego
e a rede passa a viver posturas dicotômicas entre o fortalecimento de
discursos e propostas nacionais, mas de acordo com dinâmicas lo-
cais. Os indicativos deste período foram encontrados de maneira
mais evidente entre os anos de 2007 e 2010, não necessariamente
apenas neste contexto.
A terceira e última fase ilustra o contexto de ampliação de
contornos e demandas vividos pela rede do Cultura Viva. Por mudan-
ças de abordagens e alterações na agenda política do governo, a ges-
tão da ação passa por transformações e estabelece vínculos mais evi-
dentes com outras ações de promoção da diversidade cultural brasi-
leira, tal como o Programa Brasil Plural.
Ao mesmo tempo, a rede ganha cada vez mais contornos des-
centralizados com a criação de “micro redes” em estados e municípi-
os, por conta de novos conveniamentos executados pelos entes da fe-
deração. A sociedade civil não apenas articula-se em redes localiza-
das, mas há também um processo de internacionalização das ativida-
des, pois o modelo do Cultura Viva ganha mais força e atenção em
outros países da América Latina.
Se internamente percebe-se que o programa já não ocupava o
mesmo espaço dentro da agenda política, internacionalmente, os gru-
pos sociais caminhavam para a complexificação ainda maior do ce-
nário. A discussão sobre ser ou não ser uma política de base comuni-
tária, por exemplo, permeou a rede nacional e internacional.
Nesse período percebeu-se distintas posturas entre os partíci-
pes, desde um tom de desilusão por conta de problemas com atrasos

19
de repasses, a judicialização dos PC, o cancelamento de editais já di-
vulgados, até mudanças administrativas realizadas dentro do Ministé-
rio da Cultura. Por outro lado, a mobilização em função do debate in-
ternacional fornece aos grupos sociais novos desafios a serem en-
frentados. A mobilização e os esforços de uma atuação em rede ga-
nham particularidades.
Em suma, é possível remontar o quadro de atuação do Cultura
Viva utilizando diferentes abordagens. As nuances existentes na rede
podem ser uma base para compreendermos processos de interação
entre governo e grupos sociais, próprios deste contexto contemporâ-
neo. O mais interessante no caso do Cultura Viva é refletirmos sobre
como a sociedade civil vai passando por processos de mudanças de
postura, adotando tons mais críticos e em busca de maior defesa das
necessidades dos PC. O governo, por outro lado, enfrenta o desafio
de propor mudanças em sua estrutura ou mesmo garantir a existência
de recursos com o propósito de não criar um grande hiato entre o dis-
curso de defesa dos PC e as reais ações existentes para possibilitar a
operação dos mesmos.

As pesquisas do IPEA

Juntamente com o investimento de recursos públicos, veio o


interesse em acompanhar e avaliar como estava sendo utilizado tais
investimentos. Assim sendo, a SCDC/MinC junto com o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), produziu diversas pesquisas
avaliativas do Programa Cultura Viva.
A primeira pesquisa avaliativa do IPEA (BARBOSA DA SIL-
VA e ARAÚJO, 2010) contemplou 386 Pontos de Cultura dos 526
conveniados (73%) até o final de 2007. Essa pesquisa consegue mos-
trar que, embora esses editais tenham permitido o acesso de novos
atores sociais aos recursos estatais, e dado visibilidade a iniciativas
culturais até então restritas às suas comunidades, criando novas legi-

20
timidades; o ineditismo da proposta não esconde diversas dificulda-
des em sua implementação. De acordo com a publicação:
Propõe-se neste livro que as unidades de análise das políticas
culturais devem se relacionar à capacidade de incentivar, multi-
plicar, consolidar e reconhecer circuitos culturais, articulando-
os e coordenando-os em diferentes escalas. Os sujeitos destes
verbos são as instâncias organizacionais6. (BARBOSA DA SIL-
VA e ARAÚJO, 2010, p. 12, ênfase do original)

E logo em seguida, deixa mais claro que o foco será na capaci-


dade dessas instâncias organizacionais em “coordenar e proporcionar
articulações políticas entre os agentes culturais de forma a atingir os
fins almejados” (p. 13). Como instrumentos da pesquisa avaliativa,
foram utilizados o modelo lógico (ML), a aplicação de questionário,
o grupo focal, e a observação de campo (p. 27), ocorridos entre os
anos de 2008 e 2009.
A segunda pesquisa avaliativa realizada pelo IPEA, em 2010,
buscou ir além dos aspectos considerados na primeira avaliação, pro-
curando por uma abordagem “etnográfica e de imersão nas ativida-
des dos pontos e pontões de cultura” (BARBOSA DA SILVA e ZIVI-
ANI, 2014, p. 10). Uma vez que o universo da primeira pesquisa
contava com 526 pontos conveniados e, durante essa nova pesquisa,
já ultrapassava a marca de 2.600 pontos, a técnica de amostragem
teve que ser aplicada. Apesar da intenção etnográfica e da realização
de oficinas de avaliação, o IPEA lançou mão, novamente, de questio-
nários7.
6 “As formas organizacionais podem estabelecer escalas variadas de articulação e
interdependências entre os circuitos culturais. Em linhas gerais, são três as instâncias
organizacionais: administração pública, mercados e comunidades. Elas se configuram
como dispositivos de organização das atividades. Conforme se pode observar a partir dos
dados, os mercados enquanto forma de regulação são praticamente inexistentes no
programa.” (BARBOSA DA SILVA e ARAÚJO, 2010, p. 105).
7 É importante ressaltar que, durante nossa pesquisa, vários gestores de Pontos de Cultura
reclamaram da quantidade de questionários avaliativos que tiveram que responder durante
sua participação no programa, dando a entender que esse instrumento de avaliação não era
bem visto entre eles. Inclusive, quando os abordávamos, muitos já ficavam receosos de
ter que responder novos questionários.

21
Todavia, a segunda pesquisa realizada pelo IPEA também con-
tou com uma pesquisa de campo em 16 pontos de diversas regiões do
Brasil, cujo processo de imersão obteve uma análise mais qualitativa
das ações dos pontos através da “observação participante, associada
à técnica de entrevista semidirigida” (BARBOSA DA SILVA e ZIVI-
ANI, 2014, p. 12). O texto final é dividido em 5 partes, sendo que a
última parte é intitulada Narrativas de campo, composta por textos
etnográficos de 7 pontos dos 16 visitados.
O que se percebeu é que ambas as pesquisas realizadas pelo
IPEA (nos anos de 2008 e 2010, respectivamente) apontaram que o
Programa possuía vários problemas, principalmente no que refere à
gestão, pois os instrumentos jurídicos e normativos e as políticas de
fomento disponíveis não davam conta adequadamente dessa experi-
ência social. Na análise sobre o resultado da primeira pesquisa, reco-
nhecem que:
O relatório demonstrava que a administração pública tinha muitas
dificuldades. Podemos continuar a falar daqueles problemas no
presente. Há normas formais que lhe dificultam a ação, embora
sejam estas normas importantes em termos da cultura política que
valoriza a segurança jurídica e a lisura nos usos de recursos pú-
blicos. (BARBOSA DA SILVA e ZIVIANI, 2014, p. 13)

No relatório dessa segunda pesquisa, ficou claro que os pro-


blemas burocráticos da administração de recursos financeiros públi-
cos, potencializados pela não surpreendente falta de experiência dos
gestores dos pontos em gerir tais recursos, resultou em situações
muito complicadas para os “ponteiros”, uma vez que muitas das pro-
messas feitas à comunidade não puderam se concretizar, mesmo com
o repasse das verbas.
Nas falhas do MinC, os próprios grupos, pelo menos muitos de-
les, tinham recursos e capacidades próprias que permitiram dar
fôlego às suas ações e, portanto, contribuir para consolidar o pro-
grama. Outros, no extremo oposto, tiveram real ou potencialmen-
te a atuação inviabilizada pelas confusões da burocracia. (BAR-
BOSA DA SILVA e ZIVIANI, 2014, p. 56)

22
Essas situações puderam ser melhor identificadas graças à
imersão da pesquisa de campo etnográfica, quando os pesquisadores
puderam identificar esses problemas no discurso dos próprios gesto-
res e participantes das atividades dos Pontos de Cultura visitados.
Mais à frente, esse problema é novamente abordado:
Isto revela a linha tênue que mistura elementos de uma política
inovadora, de reconhecimento, participação e acesso à cultura, e
uma gestão centralizada e não transparente; mecanismos de dois
tipos distintos de política que ainda convivem no programa Cul-
tura Viva e revelam problemas políticos e administrativos concre-
tos. ( BARBOSA DA SILVA e ZIVIANI, 2014, p. 56)

Concluiu-se que existiam limitações de ordem prática como o


contingenciamento orçamentário, a escassez de recursos humanos, a
mudança de orientação política, a ausência de um sistema de infor-
mações adequados para o monitoramento do desenvolvimento das
ações, entre outros fatores.
Em função dessas constatações, em 2012 desenvolveu-se o
projeto de Redesenho do Programa Cultura Viva, cujo relatório final
foi primeiramente disponibilizado na internet sob o título “Relatório
redesenho do Programa Cultura Viva – Grupo de Trabalho Cultura
Viva” (BARBOSA DA SILVA et al, 2012), sendo posteriormente for-
matado e publicado pelo IPEA sob o título de “Linhas gerais de um
planejamento participativo para o Programa Cultura Viva” (BARBO-
SA DA SILVA e LABREA, 2014).
Segundo a então secretária da SCDC/MinC, Márcia Rollem-
berg, esse relatório
representa o resultado de um processo de aprendizagem sobre o
funcionamento do Programa Cultura Viva, que surgiu da necessi-
dade de readequação e realinhamento de suas ações, definindo
com maior precisão os conceitos e as diretrizes para seu fortaleci-
mento como uma política nacional. (ROLLEMBERG, 2014, p. 6)

23
A partir do mapeamento dos problemas e dificuldades para a
consolidação da política, constatou-se a necessidade e a oportunidade
para encetar uma atualização dos parâmetros conceituais e do modo
de implementação do programa. O redesenho foi direcionado à supe-
ração das dificuldades e avançar no sentido das mudanças necessári-
as, realizando, para tanto, uma remodelação do programa.
De acordo com o texto do Relatório (BARBOSA DA SILVA e
LABREA, 2014, p. 11), a proposta inicial era a criação de um Grupo
de Trabalho com a participação dos PC através de 5 representantes
da CNPdC, com a intenção de melhoria do desempenho global do
programa.
A orientação era ampliar as ações com consistência e responsabi-
lidade, valores centrais para a sustentabilidade do programa no
médio e longo prazo. Quando fosse o caso, a orientação era rever
as ações para que fossem desenvolvidas com as qualidades exigi-
das pelo governo e pela sociedade civil (BARBOSA DA SILVA e
LABREA, 2014, p. 11).

Um dos resultados do Redesenho do Programa Cultura Viva


foi rever o conceito de sistema de gestão do conhecimento cuja fina-
lidade era:
articular os gestores culturais dos entes federados, pontos e pon-
tões e o conjunto de instituições, entidades, Mestres, grupos for-
mais e informais que são beneficiários das políticas públicas de-
senvolvidas pela SCDC, a fim de poder acompanhar, monitorar,
avaliar, dar visibilidade ao plano de trabalho desenvolvido e man-
ter a memória viva do programa. […] O sistema realizaria um
processo contínuo de mapeamento e sistematização de informa-
ções sobre as ações, e dialogaria com os diversos ambientes e ba-
ses de dados já produzidos pelos pontos e pontões. (BARBOSA
DA SILVA e LABREA, 2014, p. 26)

Todavia, após a finalização e publicação dessa última pesquisa


que propôs o Redesenho do PCV, houve pouca receptividade e mui-
tas críticas por parte dos representantes dos PC. Entre as críticas esta-

24
va o fato de que tais pesquisas realizadas pelo IPEA focavam muito
nos problemas do PCV e eram em sua maioria quantitativas (basea-
das em relatórios e estatísticas). Havia pouco espaço para a identifi-
cação dos impactos positivos que essa política pública cultural trouxe
para as comunidades distantes dos principais centros culturais, assim
como para a manutenção e valorização de práticas culturais que não
estivessem sintonia com a indústria cultural 8 ou com a chamada “alta
cultura”9.
Houve também uma tensão política no contexto de mudanças
de gestão (presidencial e ministerial). Como bem expôs a pesquisa-
dora LaBrea,
Se em 2009, quando ocorreu o Seminário Internacional, o MinC
e os pontos eram parceiros e aliados, trabalhando juntos para que
a política fosse bem-sucedida e, nesse contexto, o discurso que
explicitava que os conceitos não davam conta da experiência dos
Pontos não foi alvo de nenhuma comoção para mantê-los inalte-
rados. Ao contrário, a aposta de então era qualificar a política, ga-
nhar escala, ampliar os recursos e estava valendo o discurso que
o “Programa Cultura Viva estava em permanente construção...”
[...]. Em 2011 o clima político era outro e a ideia de redesenho foi
vista com desconfiança pelos ponteiros e o redesenho foi entendi-
do por uns como uma estratégia para acabar com o programa, ou-
tros entendiam que não havia necessidade de redesenho - os con-
ceitos eram adequados e suficientes, não precisava mudar nada, a
necessidade era de retorno ao que era antes. Se até então as análi-
ses do Ipea eram referência e apareciam como argumento - tanto
para gestores, ponteiros e pesquisadores - para qualificar a políti-
ca, a partir de então as credenciais dos pesquisadores, seu alinha-
mento conservador, sua metodologia positivista, sua parcialidade

8 Utiliza-se aqui o conceito Adorniano, no qual a Industria Cultural é um negócio, e só se


importa com as pessoas enquanto empregados ou consumidores. “Sua ideologia são os
negócios. A verdade é que a força da indústria cultural reside em seu acordo com as
necessidades criadas e não no simples contraste quanto a estas, seja mesmo o contraste
formado pela onipotência em face da impotência.” (ADORNO, 2002, p. 18)
9 Aqui, novamente outro conceito relacionado à escola de Frankfurt, cuja produção é
relacionada à uma subjetiva qualidade cultural, geralmente identificada com uma classe
social mais alta.

25
foram objetos de críticas e questionamentos. (LABREA, 2014, p.
244, ênfase do original)

Um exemplo dessa tensão pode ser vista numa publicação in-


formal no site do grupo Viola de Bolso: arte e memória cultural, no
qual há a seguinte crítica:
O Redesenho nada mais é do que uma atitude reacionária contra a
ação criativa e libertária das comunidades culturais, tentativa em
vão de modelar o imodelável; regular no sistema o anti-sistêmico
por natureza e tornar cinza a beleza das cores e fitas das culturas
identitárias, sua face e os seus cantos impossíveis de resignação.
(VIOLA, 2014?)

Foi a partir desse contexto de embate entre os Pontos de Cultu-


ra e as pesquisas apresentadas pelo IPEA que surgiu a presente pes-
quisa. Nosso objetivo principal foi o de oferecer uma outra visão so-
bre o programa, por meio de uma abordagem unicamente qualitativa,
etnográfica, com o intuito de investigar como os Pontos de Cultura
participaram e tiveram influência na transformação social das comu-
nidades nas quais estavam inseridos.

O FIB como indicador de análise

Uma vez definido que essa pesquisa teria uma abordagem qua-
litativa, etnográfica, foi necessário definir quais critérios seriam utili-
zados para analisar o impacto dos Pontos de Cultura em suas comu-
nidades. Como nossa abordagem tem sido interpretativa, optamos
por escolher indicadores que pudessem nos auxiliar na interpretação
dos dados, que auxiliasse na identificação das mudanças na qualida-
de de vida de uma forma geral. Diante dos diversos indicadores de
avaliação da qualidade de vida estudados, foi eleito o conceito de Fe-
licidade Interna Bruta (FIB), que pareceu ser apropriado para nossos
objetivos. A escolha pelo FIB se deu por duas razões básicas.

26
A primeira razão é o fato desse conceito envolver uma visão
de qualidade de vida que vai além do que prega o tradicional Produto
Interno Bruto (PIB). De acordo com o economista Paul Singer 10, o
PIB é
a somatória das transações – compras e vendas – realizadas em
todos os mercados dum país durante o ano. Como a grande maio-
ria dos bens e serviços produzidos se destina à venda, o valor de
todas as transações corresponde ao total de mercadorias produzi-
das, que passa a ser propriedade dos compradores que os conso-
mem quando se trata de serviços e bens perecíveis ou os usam
quando se trata de bens duráveis. De um modo ou outro, as mer-
cadorias produzidas são transacionadas e em seguida passam a
satisfazer necessidades e desejos dos que as adquiriram. Daí a no-
ção de que o PIB mede a riqueza produzida durante o ano, que ao
ser consumida ou usada passa a ser a causa eficiente do bem estar
da população (SINGER, 2015).

Entretanto, de acordo com o mesmo autor, essa visão econô-


mica contém falhas, entre as quais o fato de não levar em considera-
ção o desgaste e esgotamento dos recursos naturais e todas as con-
sequências que eles causam na natureza, gerando desastres ambien-
tais diversos (incêndios florestais, efeito estufa, poluição, aterramen-
to de rios e mananciais, etc).
Pode parecer incrível, mas quanto mais desastres um país sofre
tanto mais o seu PIB aumenta, o que demonstra que seu cresci-
mento às vezes não representa um aumento do bem estar do
povo, mas a sua redução. (SINGER, 2015)

Por outro lado, o FIB leva em consideração muito mais ele-


mentos para chegar à conclusão se as políticas e investimentos públi-
cos estão ou não contribuindo para elevar a qualidade de vida da po-
pulação. Dessa forma, a felicidade não está atrelada somente à aqui-
sição de um bem ou à capacidade de aumentar seu patrimônio pesso-

10 Professor da PUC-SP, com estudos voltados à economia solidária e desenvolvimento


local.

27
al, pois outras situações influenciam tanto ou mais na percepção da
felicidade.
Diversos textos de pesquisadores do Butão, país de onde origi-
nou esse conceito, são unânimes em afirmar que não existe uma úni-
ca e oficial definição para o FIB, mas que o mais comumente utiliza-
do é:
Felicidade Interna Bruta mede a qualidade de um país de uma
forma mais holística [do que o PIB], e acredita que o desenvolvi-
mento benéfico da sociedade humana ocorre quando desenvolvi-
mento material e espiritual ocorrem lado a lado para complemen-
tar e reforçar-se mutuamente. (URA, 2012b, p. 7)

A segunda razão é o fato do FIB estar organizado em nove


domínios, cada qual já bem definido dentro de seu aspecto individual
e em relação ao aspecto global. Tais domínios são: bem-estar psico-
lógico, saúde, uso do tempo, educação, diversidade cultural, boa go-
vernança, vitalidade comunitária, diversidade ecológica e padrão de
vida. Assim sendo, cada domínio serve como um “filtro analítico”,
através do qual podemos realizar uma análise de discurso e identifi-
car como cada um desses domínios aparece nas falas dos entrevista-
dos, com o cuidado de não influenciar ou direcionar as respostas.

28
Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica

Como era de se esperar, essa nova forma de política cultural


também despertou o interesse de pesquisadores acadêmicos de diver-
sas áreas e pontos de vista. Logo, um primeiro passo dado foi uma
revisão bibliográfica sobre estudos e pesquisas brasileiras que tratas-
sem do Programa Cultura Viva e dos Pontos de Cultura para identifi-
car o que já havia sido estudado e sob quais perspectivas. O objetivo
inicial foi perceber como as pesquisas têm chegado à empiria sobre
os Pontos de Cultura e, sobretudo, como tais pesquisas teriam capta-
do o impacto percebido na relação entre os Pontos de Cultura e as
comunidades.
Apesar de haverem diversos textos apresentados em congres-
sos e publicados em revistas e/ou jornais, foi dado preferência aos
textos acadêmicos resultados de cursos formais em níveis de especia-
lização, mestrado ou doutorado. Para cumprir esta etapa da pesquisa,
utilizamos dos dados armazenados na Biblioteca Digital Brasileira de
Teses e Dissertações11 e a base de dados disponibilizada pelo Google
Acadêmico, que realiza buscas avançadas e livres na internet, por in-
termédio de palavras e termos chaves.
A pesquisa sobre o estado da arte levantou um total de trinta e
sete trabalhos de conclusão acadêmicos entre os anos de 2007 a
2014, dentre os quais duas monografias de especialização, vinte e
nove dissertações de mestrado, e seis teses de doutorado. As áreas de
pesquisa incluem:

11 Essa biblioteca digital possui um acervo de mais de 120 mil teses e dissertações de 90
instituições de ensino, a tornando uma das maiores bibliotecas dessa natureza, no mundo,
em número de registros de pesquisas de um só país.

29
• Administração (NOGUEIRA, 2007; SANTOS, 2008; DI-
NIZ, 2009; MEDEIROS, 2013)
• Antropologia (NUNES, 2012)
• Artes, ciências e humanidades (LIMA, L., 2013, MURUGA,
2014)
• Ciência política (ANDRIES, 2010)
• Ciências da informação (SILVA, 2007; NOGUEIRA, 2014)
• Comunicação (REIS, 2008; FÉR, 2009; ROCHA, 2011)
• Desenvolvimento humano e tecnologias (PEDROSO, 2013)
• Educação (VILUTIS, 2009; ALMEIDA, 2011; FONETENE-
LE, 2011; LABREA, 2014)
• Estudos da mídia (CUNHA, 2012)
• Extensão rural e desenvolvimento local (PEREIRA, 2008)
• Gestão cultural (LABREA, 2012)
• Geografia (MARINHO, 2013; DORNELES, 2011)
• História (SILVA, 2009; COSTA, 2011; LIMA, D., 2013)
• Linguística (FREIRE, 2012)
• Medicina (DIBA, 2012)
• Políticas públicas (DOMINGUES, 2008; BEZERRA, 2014)
• Psicologia (BERZINS, 2011)
• Serviço social (ASSIS, 2007; SARTOR, 2011)
• Sociologia (MATTOS, 2010; PAIXÃO, 2013; ALVES, 2009)
Partindo do total das categorias encontradas, percebemos a
existência de subcategorias, sobre as quais as pesquisas desdobram-
se a discutir. Entre tais categorias destacamos a preocupação com a

30
constituição das políticas públicas para as áreas culturais; com a cul-
tura tradicional e popular e as relações imbricadas nessa instância da
sociedade; a gestão compartilhada dentro das instituições culturais; a
gestão descentralizada e a relação entre o Programa Cultura Viva e os
Pontos de Cultura; o interesse na produção e consumo cultural tendo
os PC como produtores de cultura independente; e a construção da
identidade cultural.

2007

Sob um outro olhar analítico, sincrônico, podemos destacar o


fato de que já no ano de 2007 foram defendidas duas dissertações de
mestrado (ASSIS; NOGUEIRA) e, inclusive, uma tese de doutorado
(SILVA). Essas informações chamam a atenção ao cruzarmos dois
dados: por um lado, o tempo médio de uma pesquisa de mestrado ge-
ralmente dura dois anos (desde sua entrada no programa de pós-gra-
duação até a defesa da dissertação), e uma pesquisa de doutorado,
quatro anos; por outro lado, o Programa Arte, Educação e Cidadania
- Cultura Viva, foi lançado em julho de 2004, cerca de três anos antes
da defesa desses trabalhos. Isso indica que, desde seu início, o PCV
despertou o olhar de pesquisadores interessados em estudos sobre
políticas culturais na contemporaneidade.
Esse é o caso específico da dissertação de Aline de Assis
(2007), com um enfoque teórico a respeito de políticas sociais sob
um viés marxista. Em sua dissertação a autora analisa as diversas po-
líticas culturais do Ministério da Cultura a partir do governo de Luiz
Inácio Lula da Silva, e depois se concentra na análise do PCV, atra-
vés de questionários enviados aos Pontos de Cultura. Há uma grande
seção dedicada à análise das respostas de tais questionários, na qual
há um resumo dos resultados mais citados nas entrevistas tanto com
coordenadores, alunos e parceiros, entre os quais destacamos:
A elevação da autoestima; o Ponto como um novo espaço de so-
cialização capaz de afastar os jovens do envolvimento com as

31
drogas e com o mundo do crime; despertar a criatividade do pú-
blico; melhora no comportamento dos jovens (maior disciplina) e
em sua relação com seus familiares; valorização pessoal e comu-
nitário; aquisição de novas amizades; maior conhecimento da
cultura local e da cidade em que vive; melhora no rendimento es-
colar. (ASSIS, 2007, p. 203),

A tese de doutorado de Liliana Silva (2007) analisa o Prêmio


Cultura Viva a partir do conceito de política cultural de proximidade,
que tem “o bairro e a cidade como principais referências, uma vez
que precisam aproximar-se de demandas culturais e artísticas dos ci-
dadãos” (p. 206), Para a autora,
“a proposta tem como foco as iniciativas que favorecem a partici-
pação dos cidadãos na vida cultural local, do bairro ou do muni-
cípio, apropriando-se dos meios necessários para desenvolver
suas próprias práticas culturais. (SILVA, 2007, p. 207)

Destaco também a dissertação de Fernanda Leite (2007) que,


mesmo sem enfocar o PCV ou algum Ponto de Cultura específico, já
discute o sentido e importância das Redes de Cultura, conceito que se
tornou essencial para a concepção desse programa.
A partir das formas de organização de um gestão cultural des-
centralizada, Nogueira (2007) se interessa em saber como este fato
impacta na funcionalidade dos Pontos de Cultura, analisando especi-
ficamente dois pontos: os graus de burocratização, e a racionalidade
na lógica da ação. Sua perspectiva é na gestão administrativa das “or-
ganizações culturais” analisadas, com pouco interesse nos impactos
sociais que tais organizações têm ou tiveram após a sua vinculação
ao PCV.

32
2008

Em 2008 já temos a primeira dissertação com a análise quali-


tativa de um Ponto de Cultura específico. De acordo com o próprio
texto, o objetivo foi “compreender o Ponto de Cultura Estrela de
Ouro, localizado no município de Aliança – Pernambuco, como es-
tratégia de intervenção para o Desenvolvimento Local” (PEREIRA,
2008, p. vii). Nessa pesquisa o autor esteve em contato com coorde-
nadores, mestres e agentes do PCV, além de moradores do local,
numa faixa etária dos 16 aos 70 anos. Na conclusão o autor reconhe-
ce o impacto positivo que a implantação do Ponto de Cultura teve na
comunidade de Chã de Camará:
Os indivíduos encontram-se mais confiantes, o envolvimento da
comunidade com o Ponto de Cultura é intenso, a possibilidade de
obtenção de renda com as atividades ali praticadas está se tornan-
do realidade e os benefícios para a comunidade estão acontecen-
do. (PEREIRA, 2008, p. 94)

Em seu texto há diversos relatos dos moradores locais relatan-


do melhorias em aspectos como a autoestima e satisfação pessoal.
Uma de suas conclusões é que, “unindo o útil ao agradável, as pesso-
as melhoraram seu ethos tornando-se pessoas mais felizes” (p. 100).
A dissertação de Paula Félix dos Reis (REIS, 2008) analisa as
ações da gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura durante o
governo de Lula, destacando o Sistema Nacional de Cultura (SNC) e
o Plano Nacional de Cultura (PNC). Apesar de falar brevemente so-
bre o PCV (p. 50-55), sua análise da conjuntura política durante a
implementação do SNC é fundamental para entender o contexto do
surgimento do PCV.
As pesquisas de João Domingues (2008) e Eduardo dos Santos
(2008) também fazem uma análise teórica sobre o PCV, ambas com
uma discussão gramsciana sobre as intenções em relação às cadeias
produtivas da cultura. A primeira questiona se são medidas compen-

33
satórias ou se são de fato democráticas; a segunda compara o PCV
com a Lei de Incentivo à Cultura e seus processos de branding.
Domingues assume que sua pesquisa é, de certa forma, uma
“avaliação política” sobre a origem do Cultura Viva, confrontando as
ações do MinC com chamada “'administração da precariedade', de
forma a minimizar os efeitos da exclusão social, sem mudanças no
escopo do que produz os efeitos da exclusão” (p. 199). Por fim, o au-
tor reconhece que:
A simplicidade do conceito do Cultura Viva é inversamente pro-
porcional ao impacto de sua realização. Ao reconfigurar a enge-
nharia de transferência de recursos públicos e colocar a tecnolo-
gia digital a serviço da produção e circulação dos bens culturais
das classes populares e de seu desenvolvimento econômico, o
Programa acena com a possibilidade de construção de novos con-
sensos, a partir da construção de uma rede solidária de atores
com experiências culturais diversas, e com um processo político-
pedagógico de sua inserção na gestão cultural. (DOMINGUES,
2008, p. 200)

A exclusão a qual Domingues se refere encontra reflexo no


processo de branding que Santos (2008) aborda, “em que a marca da
empresa se utiliza de manifestações culturais selecionados ao sabor
dela mesma para se fixar nas mentes dos consumidores” (p. 24), pois,
Na maioria das vezes, os projetos apoiados não são representati-
vos das referências culturais das camadas populares, principal-
mente por não corresponderem aos interesses dos grandes grupos
de comunicação, responsáveis diretos pela propagação e difusão
das iniciativas culturais no país. (SANTOS, 2008, p. 49)

Seu texto conclui com um quadro comparativo entre as duas


políticas culturais analisadas (Leis de incentivo e Programa Cultura
Viva), identificando que, mesmo com um investimento financeiro
muito inferior que o valor que não é arrecadado pelas leis de incenti-
vo, o PCV tem um alcance social muito superior.

34
2009

A pesquisa de Luisa Diniz (2009) analisou a contribuição do


PCV na sustentabilidade de três pontos contemplados em Pernambu-
co, sob a ótica da administração (sustentabilidade organizacional). A
autora percebeu que a participação dos grupos no PCV deu visibili-
dade política ao serem reconhecidos pelo governo como importantes
parceiros na execução de políticas públicas culturais (p. 81). Todavia,
conclui que há “níveis diferenciados do impacto do PCV nas dimen-
sões da sustentabilidade, bem como não foram percebidas contribui-
ções do programa em todas as organizações entrevistadas” (p. 98).
Éster Fer (2009), por usa vez, analisou a produção, distribui-
ção e formação audiovisual realizada em oito Pontos de Cultura na
região da Grande São Paulo durante o período de 2005 a 2008, “en-
quanto potenciais instrumentos para o desenvolvimento de processos
comunicacionais e culturais ocorridos dentro da rede virtual e pre-
sencial” (p. 7). Vale notar que grande parte de sua pesquisa foi basea-
da em questionários enviados para 67 PC, sendo que somente 15 res-
ponderam. Esse número demonstra a baixa receptividade dos PC a
essa forma de pesquisa, tal como já foi discutido a respeito das pes-
quisas do IPEA. Em sua conclusão reconhece que a linguagem audi-
ovisual “pode adquirir aspectos estruturantes dentro das mais dife-
rentes formas de se apresentar enquanto ação cultural e comunicacio-
nal” (FER, 2009, p. 168). Logo, os registros audiovisuais ajudam a
dar visibilidade à produções e atores sociais locais que antes passa-
vam desapercebidos por grande parte de sua comunidade.
A pesquisa de Juliana Silva (2009) teve como objeto de estudo
a Associação Grãos de Luz e Griô, mais especificamente as “estraté-
gias pedagógicas e educativas acionadas pela Associação Grãos de
Luz e Griô para integrar os saberes comunitários de tradição oral no
âmbito de um processo de educação comunitária” (p. 17) conhecida
como Pedagogia Griô, que culminou num Programa Nacional finan-
ciado pelo MinC. Essa ONG se localiza na cidade de Lençóis-BA, e
sua história remonta ao ano de 1993, tendo sido agraciada como Pon-

35
to de Cultura no ano de 2004, e no ano seguinte, convidada pela “Se-
cretaria de Programas e Projetos Culturais – SPPC / MINC, para cri-
ar e coordenar a Ação Griô Nacional, a fim de articular redes educa-
cionais e culturais de transmissão oral em todo o país, por meio de
100 pontos de cultura, escolas e universidades” (p. 23).
A autora reconhece que:
Percebe-se uma forte intenção da Associação Grãos de Luz e
Griô em influenciar as políticas públicas em nível local, regional
e nacional. […] Ao ocupar um lugar na educação formal, os sabe-
res de tradição oral poderiam fortalecer a participação, o respeito
às identidades e às práticas culturais individuais e coletivas de
pessoas que historicamente foram excluídas das políticas cultu-
rais. (SILVA, 2009, p. 83)

Luana Villutis, procurou “estudar o caráter social e educativo


da formação cultural realizada com jovens nos Pontos de Cultura”
(VILUTIS, 2009, p. 12, ênfase do original), levando em consideração
o acesso dos jovens aos meios de criação e “o exercício do direito à
participação na vida cultural da comunidade” (p. 14). Para alcançar
esse objetivo, a autora reuniu 17 jovens que participaram da forma-
ção da ação Agente Cultura Viva em dois PC da zona leste de São
Paulo. Sua análise do Ação Cultura Viva revelou diversos problemas
de gestão12, inclusive a
fragilidade da proposta de transversalidade política do programa
Cultura Viva e o limite de uma das dimensões da gestão compar-
tilhada que o MinC se propunha a trabalhar, no âmbito da articu-
lação interministerial. A falta de acompanhamento pedagógico e
monitoramento gerencial também revelaram limitações relativas
à inoperância dos instrumentais de gestão e a insuficiência de
pessoal para avaliar e acompanhar a gestão. (VILUTIS, 2009, p.
140)

12 A principal reclamação em todas as pesquisas está relacionada ao atraso no repasse dos


recursos financeiros.

36
Entretanto a pesquisadora reconhece que o a “Ação Cultura
Viva contribuiu para impulsionar os projetos dos Pontos de Cultura,
pois foi por meio dessa ação que os pontos encontraram seu público,
ampliaram sua dimensão territorial e alargaram o alcance de suas
ações” (p. 147).
Também nesse ano foi defendida a tese de doutorado de Elder
Alves (2009) em sociologia que, apesar de não focar especificamente
no PCV, aborda sua interferência no âmbito das transformações sofri-
das no campo da produção simbólico-cultural contemporânea da cul-
tura popular sertanejo-nordestina13. Para o autor, os PC atuam como
“selos institucionais de reconhecimento”, ao legitimar práticas ou sa-
beres “tradicionais” que por sua vez eram exploradas por empresas
no que Santos (2008) identificou como branding.
Em sua conclusão o autor identifica que,
diante da intensificação do processo de industrialização do sim-
bólico e da respectiva expansão dos mercados de bens e serviços
culturais no ambiente glogal, emergiu uma nova formação dis-
cursiva que atualizou e potencializou o valor atribuído às catego-
rias de tradição e “autenticidade”. Essa atualização só foram
possíveis, entretanto, a partir da operacionalização de determina-
das políticas culturais públicas (como o Programa Cultura Viva e
o Programa Nacional do Patrimônio Cultural Imaterial), cujos
efeitos práticos corroboraram para para estruturar mercados sim-
bólicos bastante específicos. (ALVES, 2009, p. 368-369)

2010

No de 2010 temos o primeiro trabalho de conclusão de curso


acadêmico que analisa o impacto do PCV na região norte do Brasil,
em Belém do Pará. Nessa pesquisa, Mattos (2010) realizou 17 entre-

13 Entre outros exemplos de influência o autor também cita o papel do repertório discursivo
UNESCO, que inclui temas como diversidade, tradição, criatividade, patrimônio
imaterial, entre outros; e O Programa Nacional de Patrimônio Imaterial (PNPI).

37
vistas em profundidade (não estruturadas, exploratórias), seguida de
uma observação participante em uma das oficinas oferecida por um
PC. O objetivo do autor foi o de compreender os processos sociais
existentes nas políticas culturais e “as complexas relações de usos da
cultura que envolvem o Programa Cultura Viva” (p. 23). Para alcan-
çar esse objetivo, realizou um estudo de caso do Pontão de Cultura
Rede Amazônica de Protagonismo Juvenil (PCRAPJ), “buscando
compreender sua atuação, seu modus operandi no que tange a uma
articulação em rede dos elementos constitutivos do PCV” (p. 112).
Em sua conclusão, Mattos entende que, uma vez que a cultura
trabalha com valores, tais valores são preenchidos “por sentidos dos
quais cada um fala e faz, de seus respectivos lugares” (p. 159). E, ao
contrapor os valores propostos e mobilizados pelo PCV com sua pes-
quisa de campo, procura contribuir com uma nova visão:
Talvez a equação valorativa que compõem o programa deva ser
pensada em termos mais complexos, adicionando alguns elemen-
tos a essa cadeia inicial. Para isso é necessário uma separação e
re-união dos conceitos. Os valores que o Programa efetivamente
mobiliza, e o fazem se ampliar e se modificar (segundo sustenta-
mos), são: autonomia e protagonismo, compartilhamento, empo-
deramento, ruptura e transformação. Nesta ordem de aconteci-
mentos. (MATTOS, 2010, p. 159)

Por sua vez, o trabalho de Andries (2010) faz uma reflexão


teórica sobre o PCV e traz para o debate avanços e limites institucio-
nais de um programa de governo. O autor apresenta uma discussão
sobre políticas públicas culturais; o histórico, o conceito, a dinâmica,
a TEIA e as formas de gestão da constituição dos pontos de cultura.
Finaliza apontando os avanços e as dificuldades na busca da institu-
cionalização dos pontos de cultura: descompasso na gerência do pro-
jeto; no repasse e na prestação de contas; a descentralização da ges-
tão e cooperação entre os entes federados.

38
2011

O ano de 2011 é o mais produtivo, com sete pesquisas defendi-


das, sendo cinco dissertações e duas teses.
A pesquisa de Berzins (2011) levanta um debate sobre a utili-
zação de políticas públicas para promoção de cultura, como objetivo
em promover desenvolvimento econômico e social, a partir de um re-
corte teórico baseado em Deleuze, Guattari, Hardt e Negri. É uma
discussão teórica, a partir de documentos oficiais e algumas incur-
sões em eventos e conversas com gestores. A partir dessa perspecti-
va, o trabalho faz uma análise em cima do Programa Cultura Viva
como política que promove uma alternativa aos ditames mercadoló-
gicos, levando a uma diferente forma de organização, de gestão cul-
tural, e como uma política aberta aos movimentos sociais e aos dife-
rentes grupos da sociedade brasileira.
A pesquisa de Costa (2011) aborda o processo da conquista da
temática da cultura digital pelo Ministério de Cultura, na gestão de
Gilberto Gil (2003-2008), e coloca seu foco na genealogia da política
pública de criação de Pontos de Cultura, com ênfase em estúdios de
produção audiovisual que tenham conexão com a internet, em áreas
de vulnerabilidade social. É o campo de estudo que ela chama de Es-
tudos Culturais e Estudos Culturais do Software. Sua pesquisa é teó-
rica e documental, e não analisa nenhum Ponto de Cultura específico.
A centralidade do debate se concentra no potencial de transformação
suscitado pelos novos paradigmas de produção e consumo cultural,
tendo como um dos pilares o uso do software livre.
Importa ressaltar que essa dissertação foi escrita num contexto
de troca de ministros e de presidente, e sua conclusão deixa claro a
preocupação com o conjuntura de instabilidade e continuidade com
as políticas públicas em processo de consolidação.
Inambê Fontenelle (2011), nos traz a primeira pesquisa sobre o
impacto que a Ação Griô Nacional – Mestre dos Saberes 14, teve so-
14 Desenvolvida pelo Ministério da Cultura através do Programa Nacional de Cultura,

39
bre as pessoas que assim passaram a ser consideradas. Mais especifi-
camente, como as contadoras de histórias da cidade Carira-CE, fo-
ram afetadas, absorveram, interpretaram e significaram essa experi-
ência.
O termo griô tem origem nos músicos, genealogistas, poetas e co-
municadores sociais, mediadores da transmissão oral, bibliotecas
vivas de todas as histórias, os saberes e fazeres da tradição, sábi-
os da tradição oral que representam nações, famílias e grupos de
um universo cultural fundado na oralidade, onde o livro não tem
papel social prioritário, e guardam a história e as ciências das co-
munidades, das regiões e do país. (O QUE É GRIÔ, 2015)

Todavia, a autora percebe que as senhoras entrevistadas não


sabiam explicar exatamente se eram ou não Griô. Quase sempre as-
sociavam esse nome à sua função dentro de um projeto específico.
Considero que as palavras passam a ser nossas, quando habitam
dentro e fora de nós, e isso não aconteceu com estas mulheres em
relação a esta palavra Griô, não foi construída uma identificação,
uma relação pessoal, social e cultural, que favorecesse esse habi-
tar, essas senhoras não foram afetadas pelos significados desta
palavra. (FONTENELLE, 2011, p. 34)

Por fim, em sua conclusão, Fontenelle identifica diversos pon-


tos positivos desse programa governamental, mas sua maior contri-
buição está na crítica que faz sobre a influência negativa da interfe-
rência estatal:
Ao agregarem as suas expressões culturais uma dimensão finan-
ceira, eles e elas [mestres griô] modificam as motivações gerado-
ras das suas artes, se antes acontecia por tradição, resistência, es-
piritualidade ou prazer, passam a acontecer por encomenda e em
alguns outros casos tornam-se até em espetáculos culturais, com-
pletamente desconectados e deslocados dos valores, das inten-
ções, dos espaços, dos horários e do período do ano que imprimi-

Educação e Cidadania – Cultura Viva.

40
am sentidos as suas expressões culturais. (FONTENELLE, 2011,
p. 172)

Doriedson Almeida (2011) analisou o impacto que o acesso


das TIC tiveram nos PC de três municípios do estado da Bahia. Se-
gundo o autor,
Investigar as relações entre governo, sociedade e TIC durante a
implementação de processos destinados ao fomento da cultura di-
gital e à democratização do acesso às TIC, sob uma ótica que pri-
vilegie a análise do que ocorre nos cotidianos onde se desenvol-
vem, confrontando-as com discursos oficiais, contribuiu para
identificar práticas conflituosas e paradoxais, importantes para o
fornecimento de pistas capazes de articular melhor os interesses
de governos e sociedade, que ao longo desse estudo contribuem
para reflexões sobre possibilidades de melhoria dessas interven-
ções. (ALMEIDA, 2011, p. 10)

De forma não muito comum, mas bastante importante, o autor


finaliza seu texto com diversas sugestões para “adequar a gestão es-
tatal ao seu tempo e aos desafios contemporâneos” (p. 206). E con-
clui que:
ao mesmo tempo em que a formulação e a implementação de
uma ação e/ou política de governo pensada para ser executada em
parceria com a sociedade civil oferece uma riqueza conceitual e
operacional imensa, pelas diversas questões já inumeradas e, so-
bretudo, por apontar possibilidades de apropriação das TIC a par-
tir de vieses que corroborem para processos descentralizados em
direção à construção de mecanismos de democracia direta, tam-
bém aponta a complexidade que envolve tais postulados à medida
que estes não ocorrem em cenários ausentes de conflitos sociais.
(ALMEIDA, 2011, p. 216-217)

A pesquisa de Sophia Rocha investiga o processo de federali-


zação do PCV, ou seja, o momento no qual iniciou-se uma descentra-
lização do programa, cujos editais e controle do processo de repasse
de recursos deixou de ser responsabilidade do MinC, e passou a ser

41
responsabilidade das secretarias de cultura estaduais e municipais. O
contexto em estudo foi o estado da Bahia. Apesar de basear grande
parte de sua pesquisa em documentos oficiais, o autor também reali-
zou entrevistas com funcionários do MinC, da secretaria de cultura
da Bahia e gestores de PC, além da experiência de ter participado
como gestora de um PC e como avaliadora no Prêmio Cultura Viva.
Seu principal foco foi a discussão sobre o Programa Mais Cultura.
Sua análise conta com muitos dados, organogramas e gráficos
elucidativos. Em sua conclusão a autora identifica diversos proble-
mas que surgiram com a federalização do PCV, desde a falta do
MinC em disponibilizar, de forma organizada, dados e metodologias
de trabalho, que pudessem auxiliar tanto na comunicação entre os
pontos, quanto em seu acompanhamento; como a falta de estrutura
nas esferas estaduais e, principalmente, municipais, para acompanhar
e administrar esse modelo de política pública compartilhada.
Todavia, houve pontos positivos como o fato da Secretaria de
Cultura da Bahia rever a forma de contratos e gestão financeira dos
PC tais como:
dispensa de licitação e não apresentação de contrapartida por par-
te dos Pontos de Cultura; acompanhamento dos projetos por meio
da presença in loco dos representantes territoriais da cultura; dis-
tribuição de DVDs com programas em software livre; entrega de
placa de identificação para os Pontos de Cultura exporem na sede
ou no local de realização do projeto; parceria com outros órgãos
do estado (Secti e Ingá). (ROCHA, 2011, p. 172)

A tese de doutorado de Carla Sartor (2011), também faz uma


análise teórica da importância do PCV dentro do contexto das políti-
cas públicas em cultura no Brasil. A autora faz uma pesquisa docu-
mental exaustiva, sendo que duas de suas principais contribuições
são a bibliografia extensa sobre o assunto, e os anexos, que reúnem
vários documentos importantes produzidos pelos pontos, pontões,
Teias e pelo MinC. Todavia, ela se vale também de sua experiência e

42
pesquisa de campo em PC do estado do Rio de Janeiro. Seu pressu-
posto é a da possibilidade dos PC,
serem o lugar da criação e não da instrumentalização da cultura,
sobretudo sem a exigência do produto em si, mas onde o proces-
so vivido por um coletivo é o mais importante, uma vez que são
ampliadas as perspectivas, a possibilidade de escolha e de hori-
zontes. (SARTOR, 2011, p. 27)

Em sua conclusão, a autora enumera onze características/ações


que impactaram as comunidades locais com o advento do PCV,
exemplificando-as através de sua pesquisa e experiência no progra-
ma. São eles: pontos como subsídios para políticas públicas; pontos
como desafios; pontos como fluxos; pontos como memória e força
política; pontos de contradição; pontos de suporte, interação e itine-
rância; pontos de experimentação e experiência coletiva; ponto de in-
vestigação e mobilização; pontos de resistência; pontos em processo;
pontos em disputa: ampliação do acesso público, de conceitos e valo-
res; pontos a conquistar. (SARTOR, 2011, p. 333-347)
Por fim, a tese de Patrícia Dorneles, defendida em um progra-
ma de Geografia, procura investigar como os “conceitos de território
e territorialidade se constituem a partir do espaço 'geração de ambi-
ência' (Rego 200015) promovida nos Ponto de Cultura fomentados
pela sua ação cultural” (DORNELES, 2011, p. 16). Seu foco são os
PC da Região Sul do país. Dorneles baseia sua compreensão de terri-
torialidade (interna e externa) a partir do conceito desenvolvido por
Raffestin16:
utilizaremos aqui o conceito de territorialidade interna referindo-
nos aos grupos minoritários que lutam por seus direitos sociais e
pelo reconhecimento de diferença cultural em relação ao grupo
cultural majoritário. Por territorialidade externa compreendemos,
tal como coloca o autor [Raffestin], que refere-se a multiterritori-
15 REGO, Nelson; SUERTEGARAY, Dirce; HEINDRICH, Álvaro (Orgs.) Geografia e
educação: geração de ambiências. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2000.
16 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Tradução de Maria Cecília França.
São Paulo: Ática, 1993.

43
alidade existente na sociedade em geral. (DORNELES, 2011, p.
180)

Sua conclusão é que “o grande trabalho de suas ações [Pontos


de Cultura da Região Sul] está no fortalecimento da identidade cultu-
ral local, da inclusão digital e da formação de cidadania” (p. 301).
Em relação à questão da territorialidade, sua análise das experiências
dos PC evidencia o que “Milton Santos entre outros já pautaram: em
escalas menores, a potência da localidade pode fazer contrapartida
aos processos da globalização” (p. 309).

2012

A tese de doutorado em linguística de Rosângela Freire (2012)


reconstitui a história da Tipografia São Francisco, fundada em 1936
na cidade de Juazeiro do Norte, Ceará, responsável pela publicação
de cordéis por mais de meio século e posteriormente identificada
como Lira Nordestina. Em 2005 essa tipografia se torna Ponto de
Cultura, oferecendo oficinas de xilografura e impressão de cordéis,
além de participar da Ação Griô. Assim como diversos folcloristas
das décadas de 1950 e 1960 prenunciaram o fim de diversos folgue-
dos folclóricos, outros acreditaram que a arte da xilografia estaria
com os dias contados. Todavia, a pesquisa mostrou que essa arte con-
tinua viva, graças ao esforço pessoal de seus herdeiros, e de seu in-
gresso no PCV, por meio das diversas oficinas de xilogravura ofere-
cida em escolas públicas, ou pelo entusiasmo com que algumas pes-
soas celebram a leitura dos cordéis, que continuam à venda nas feiras
populares.
O contexto da pesquisa de especialização em gestão cultural
de Valéria Labrea se dá em meio às discussões sobre o redesenho o
PCV, lembrando que essa pesquisadora fez parte do Grupo de Estudo
que elaborou o relatório redesenho do programa. Para esse texto a
pesquisadora se vale da análise de discurso para

44
descrever o funcionamento das redes do CV a partir do discurso,
do que é dito sobre elas, em um primeiro momento, focando o
discurso institucional que descreve o funcionamento das redes do
Programa e em um segundo momento a partir do discurso que
descreve o que as redes fazem, do que é dito pelos Pontões de
Cultura sobre seus problemas, limites e potências. Os Pontões do
CV construíram uma narrativa sobre o Programa e ela reflete os
lugares sociais e ideológicos de cada sujeito, ela mostra os dife-
rentes níveis de entendimento que circulam na formação discursi-
va que compõem o CV, a disputa pelo sentido. (LABREA, 2012,
p. 4-5, ênfase do original).

Para Labrea, apesar do discurso institucional propor a criação


de uma rede complexa, que se articula em vários níveis, essa só exis-
te de forma fragmentada. Isto é, “existem várias redes, muitas e vari-
adas, temáticas, territoriais, virtuais, locais, estaduais, nacionais,
sempre no plural, mas um espaço coletivo único - uma Rede do CV -
ainda está para ser construído” (p. 16). Por isso sugere que distinguir
as redes temáticas, já instituídas, da criação de uma “rede mais estru-
turada, voltada à governança do CV […] um espaço de articulação
política e teria como finalidade articular os pontos e pontões a fim de
poder acompanhar, monit[or]ar, avaliar e dar visibilidade ao plano de
trabalho desenvolvido.” (p. 17-18).
Já a dissertação de Ariel Nunes (2012), parte de uma etnogra-
fia em Pontos de Cultura de Goiânia e Brasília para discutir o funcio-
namento do PCV como um todo. Uma observação feita pela pesqui-
sadora é que,
como um novo paradigma político-cultural, os Pontos de Cultura
vieram acompanhados de demandas que extrapolam o círculo de
atuação das instituições nacionais. Estas demandas apontam para
distorções entre as realidades locais e o projeto político nacional,
ou seja, tensões entre os grupos orientados para a Nação, e gru-

45
pos orientados para a comunidade (Wolf, 1955 17 e 195618). (NU-
NES, 2012, p. 65)

Em sua experiência, a autora vivenciou o que chamou de “de-


sajustes entre proposta inicial do Programa e a execução desta políti-
ca” (p. 76), ao perceber como a “burocratização e o engessamento do
aparelho estatal brasileiro impediam a execução desta política tal
como foi idealizada” (p. 76). Problemas mais graves também foram
verificados, tais como PC vinculados a partidos ou que estabeleciam
relações suspeitas com o poder público local, ou PC que utilizavam o
recurso de forma irregular. E cita uma entrevista que realizou com
Célio Turino, que teria reconhecido que, “no Brasil, a proposta re-
dundou em sobreposição de poderes, o que bloqueou o exercício do
protagonismo, do empoderamento e da autonomia dos ponteiros.” (p.
76-77).
A dissertação de Sônia Cunha (2012) estudou o caso do Ponto
de Cultura Cinema para Todos, localizado na cidade de Natal-RN. A
observação para esta pesquisa foi realizada durante três oficinas de
cinema e vídeo, no ano de 2010, nos municípios de Açu, Lajes e São
Gonçalo do Amaral. Seu objetivo foi o de “identificar o processo de
apropriação do recurso audiovisual (video digital) para a produção
coletiva simbólica (prática videográfica participativa que expressa a
cultura popular) num contexto sociocultural onde estão as minorias”
(CUNHA, 2012, p. 7).
Além do aprendizado técnico em relação à manipulação de
equipamentos e da linguagem fílmica, habilitando-os a atuar em no-
vos espaços profissionais, a pesquisadora identificou diversos pontos
positivos nas ações desse PC, entre as quais destacamos: desenvolvi-
mento da capacidade de autonomia; do poder de decisão para plane-

17 WOLF, Eric R. Types of Latin American peasantry: a preliminary discussion. American


Anthropologist, New Series, Vol. 57, No. 3, Part 1 (Jun., 1955), pp. 452-471. Disponível
em: http://www.jstor.org/stable/665442. Acesso em:11 set 2015.
18 WOLF, Eric R. Aspects of Groups Relations in a Complex Society. American
Anthropologist, New Series, Vol. 58, No. 6 (Dec., 1956), pp. 1065-1078. Disponível em:
http://www.jstor.org/stable/666294. Acesso em:11 set. 2015.

46
jar e agir; criatividade; e conscientização da participação política e
cidadã (p. 116). E finaliza:
São agentes que aprenderam a se reconhecer no enquadramento
da câmera, descobriram a autoestima, nos prêmios obtidos em
festivais e mostras locais, e vislumbraram uma possibilidade de
alcançar um status profissional numa carreira ainda em arquitetu-
ramento. (CUNHA, 2012, p. 120).

Por fim, a dissertação de Denise Diba (2012) defendida no


programa de medicina preventiva da faculdade de medicina da USP
procurou compreender
de que maneira as atividades de teatro têm sido compreendidas e
operacionalizadas no trabalho realizado nos últimos anos pelo
Instituto Pombas Urbanas no Centro Cultural Arte em Constru-
ção, distrito de Cidade Tiradentes [município de São Paulo], ana-
lisando se e como elas podem estar relacionadas com a Promoção
da Saúde de jovens participantes do projeto. (DIBA, 2012, p. 13,
ênfase do original)

Esse distrito Cidade Tiradentes já foi considerado uma região


muito violenta e muitos jovens relataram sobre a dificuldade e o pre-
conceito que já sofreram por morarem no local (p 50). De acordo
com pesquisa da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, esse
distrito está entre os com maior Índice de Vulnerabilidade Juvenil
(IVJ). Em 2004, o Instituto Pombas Urbanas ocupou um galpão de
1600m² na zona leste de São Paulo, onde já havia funcionado um su-
permercado, mas ficou abandonado por quase dez anos, “sendo utili-
zado como ponto de uso e tráfico de drogas, esconderijo de ladrões,
habitat para ratos e escorpiões, etc. Enfim, o oposto de um ambiente
favorável à saúde.” (p. 76)
A autora realizou uma pesquisa etnográfica, acompanhando
durante um ano o trabalho realizado pelo grupo de teatro Pombas Ur-
banas com interesse em analisar a relação existente entre a participa-
ção nestas atividades, a redução da vulnerabilidade e o empodera-

47
mento (em caminho oposto ao do assistencialismo), considerados
como componentes importantes da Promoção da Saúde.
A pesquisadora reconhece que essa transformação do local e
da comunidade foi possível não só pelo interesse e capacidade de um
grupo de pessoas, mas também pelo acesso a recursos financeiros do
estado, entre os quais o PCV. Conclui dizendo que, no caso estudado,
a forma como é proposta a vivência teatral tem proporcionado mu-
danças positivas em vários aspectos determinantes da saúde da vida
dos jovens relacionados ao trabalho, lazer, sexualidade, relaciona-
mento com familiares e com a comunidade.

2013

Medeiros (2013) faz uma análise do PCV, com o foco na refor-


mulação de políticas culturais e a relação direta com as comunidades,
criando os Pontos de Cultura. Objetiva analisar como os pontos de
cultura passam a integrar a organização da cultura no estado de São
Paulo e, mais especificamente, qual o perfil dessas organizações e
qual o efeito da inclusão de diferentes tipos de organização na políti-
ca pública de cultura. Sua área de interesse é a administração, dessa
forma, sua análise baseou-se em pesquisa de cunho documental e um
survey com as organizações participantes do programa.
Ao comparar o PCV com o modelo de mecenato promovido
pela Lei Rouanet, tal como fez a pesquisa de Santos (2008), a autora
diz que é possível afirmar que o PCV promove uma maior distribui-
ção regional, e inclusão de novas organizações que antes não tinham
nenhum acesso ao financiamento público, resultando numa maior di-
versidade de perfis.
Como efeito da inclusão de diferentes tipos de organização na po-
lítica pública de cultura, o campo organizacional da cultura
muda, por passar a ser mais diverso, já que passa a contar com
organizações de naturezas distintas. O campo não conta apenas
com companhias teatrais, cineastas e grupos musicais consagra-

48
dos, por exemplo, mas também com associações comunitárias,
institutos de pesquisa, cooperativas de agricultores, por exemplo.
(MEDEIROS, 2013, p. 148)

E finaliza afirmando que uma política pública, no caso o pro-


grama Cultura Viva, é capaz de modificar a organização cultural, ao
alterar a composição e as relações estabelecidas de poder, gerando
competições no campo organizacional, modificando até mesmo o
perfil e a formação de relação das organizações (p. 150).
A dissertação de Luciana Lima (2013) traz um panorama da
implantação do PCV no Estado de São Paulo a partir de uma análise
documental. Sua principal preocupação diz respeito aos entraves le-
gais e jurídicos encontrados no processo da prestação de contas nesse
modelo de parceria entre estado e sociedade civil.
Seu texto é bastante minucioso na análise dos problemas rela-
cionados à prestação de contas, comparando os PC apoiados através
da rede estadual com os beneficiados pelo MinC, através de questio-
nários submetidos. Sua análise conta com diversos gráficos compara-
tivos, demonstrando como diferentes modelos de prestação de contas
impactam nos problemas vivenciados pelos PC.
Sua conclusão está em sintonia com diversas outras pesquisas
sobre PCV, ao identificar que “seu delineamento conceitual inovador
não condiziam com os mecanismos de implementação adotados para
consecução de seus objetivos”, pois:
O excesso de demandas administrativas apresentava-se como
agravante, também, para os Pontos de Cultura. A estrutura neces-
sária para lidar com a gestão dos recursos públicos e a infinidade
de preceitos jurídicos para a execução dos projetos acabou por
gerar entraves relacionados às alterações nos planos de trabalho,
aos procedimentos de compras e contratações, à gestão financeira
dos recursos e às despesas administrativas de boa parte das insti-
tuições contempladas. (LIMA, L., 2013, p. 219)

49
Suas conclusões demonstram que, as instituições que pos-
suíam assessoria jurídica e contábil tiveram menos problemas na
prestação de contas e que, quando existia um formato de prestação de
contas simplificado, “uma estrutura mínima de contabilidade era su-
ficiente para lidar com as demandas de controle” (LIMA, L., 2013, p.
221).
Cleiton Paixão dedica sua tese de doutorado em Ciências Soci-
ais ao estudo das políticas públicas em cultura no Brasil, desde a era
Vargas (1930-1945) até o final do governo Lula (2003-2010). É uma
pesquisa documental/historicista, que identifica rupturas e continui-
dades nessas políticas “até assumir, em décadas mais recentes, parti-
cular centralidade” (PAIXÃO, 2013, p. 1).
De acordo com o pesquisador, o PCV tem origens no conceito
de economia criativa na década de 1990 na Europa. Mas, com um
discurso que vai ao contrário de muitos, procura demonstrar e pro-
blematizar que é durante essa última década, mais especificamente
com a criação do PCV, que “a relação entre economia e cultura se
concretiza de forma mais plena” (p. 1). Sua posição é que,
de maneira minuciosa, a intervenção na área cultural realizada
pelo governo Lula procurou adequar as políticas e programas cul-
turais ao processo de desenvolvimento econômico (PAIXÃO,
2013, p. 13).

De acordo com o autor, os dois mandatos de Fernando Henri-


que Cardoso tiveram o sociólogo Francisco Weffort à frente do Mi-
nistério da Cultura, “que marcou a pasta com uma gestão na qual o
trabalho artístico passou a depender de uma adequação a um padrão
de cultura regulado pelo mercado” (p. 76-77). Ele se refere, princi-
palmente, à Lei Rouanet e à Lei do Audiovisual: “O documento dis-
tribuído pelo Ministério no período, intitulado Cultura é um bom ne-
gócio, demonstrava o pensamento desse governo a respeito da área”
(p. 77).
Em relação ao governo Lula, o autor destaca a criação do Sis-
tema de Indicadores e Informações Culturais (SIIC), cuja finalidade

50
era “apontar as possibilidades de inserção da área cultural como um
setor produtivo na economia” (p. 135, ênfase do original). Outro ele-
mento importante foram os dados levantados pela pesquisa do IBGE
(2006), nas quais “os serviços e produtos culturais nacionais repre-
sentam em torno de 10,1% da economia brasileira.” (p. 137).
Em relação ao PCV, o autor conclui que, apesar de ter se con-
solidado como política de Estado em 2012,
na realidade ampliou as possibilidades de investimento da inicia-
tiva privada. A lógica exercida pelo programa foi a de promover e
fomentar um Ponto de Cultura até que ele se consolidasse e tives-
se condições de buscar sua sobrevivência sozinho na competitivi-
dade do mercado. (PAIXÃO, 2013, p. 181)

A dissertação de Deborah Lima também realiza uma investiga-


ção sobre o desenvolvimento do PCV a partir de uma análise docu-
mental/historicista. Sua intenção é “compreender especificidades da
relação que se construiu entre o Ministério da Cultura e os partícipes
envolvidos no processo” (p. 18), focando nas “mudanças de concep-
ções, tanto dos sujeitos quanto do pensamento político” (LIMA, D.,
2013, p. 18).
Sua atenção está voltada, entre outros aspectos, para a trans-
versalidade das políticas públicas em cultura, ou seja, em como são
coordenadas as ações que permitam que esse investimento público
seja compartilhado entre diversas pastas governamentais e a socieda-
de civil. Essa ideia é posta em prática no conceito de gestão compar-
tilhada, nas redes de comunicação, e nas Teias. Seu texto faz uma
boa análise das Teias de 2006 a 2010, inclusive sobre o contexto dos
anos de 2011-2012, quando não foi realizada nenhum encontro. E
conclui que,
De uma forma geral, o Cultura Viva reacende o debate sobre o
papel do político na gestão de uma ação governamental e no diá-
logo construído com a sociedade civil. Especialmente em um
campo com poucos recursos e muitas escolhas políticas sobre
como e onde o montante financeiro existente pode ser emprega-

51
do, o trabalho desempenhado pelo gestor/político cumpre uma
função de mediação entre o possível a ser feito e o necessário,
dois mundos bem distantes. (LIMA, D., 2013, p. 193)

A pesquisa de Pedroso (2013) investiga como a cultura digital


no PCV contribuiu para a transformação da rede de PC em um movi-
mento social. Sua metodologia é baseada em estudos documentais,
bibliográficos, e no que chamou de netnografia, que pode ser relacio-
nada à ideia de uma etnografia do ambiente virtual (no sentido do
“não-lugar”, espaço não localizável geograficamente). Para realizar
sua netnografia, o autor passou a integrar uma lista de e-mails cha-
mada pontossp, criada pela Comissão Paulista de Pontos de Cultura
em 2007, e contava com 743 membros, que podiam ser participantes
da rede de PC do Estado de São Paulo e por interessados em movi-
mentos culturais.
Ao reconhecer a pluralidade de ideologias e posicionamentos
políticos, e a inexistência de uma grande rede de comunicação que
congregue todos os PC nacionais, seu texto conclui que:
apesar da falta de afinidade entre alguns grupos, existe em todo
esse processo pequenas redes já formadas, e que dão base e su-
porte para a existência de uma potência de formação de um mo-
vimento social de abrangência nacional, ainda mais quando veri-
ficada a importância que se tem o uso das ferramentas digitais na
articulação dos grupos. Assim, a Cultura Digital e o Software Li-
vre (premissas do Programa Cultura Viva) se mostram como im-
portantes fundamentos nesse processo. (PEDROSO, 2013, p. 80,
enfatizou-se)

Por fim, a tese de Alba Marinho (2013) tem como foco os Pon-
tos de Cultura situados em Olinda, Pernambuco, enquanto espaços de
práticas culturais de interesse turístico. Seu interesse está nas mudan-
ças promovidas nas entidades após o convênio com o PCV, procuran-
do a continuidade de suas ações com vistas à sustentabilidade inde-
pendente das políticas públicas. De acordo com a autora, a rede for-
mada entre os PC se mostra essencial para esse objetivo. Ao mesmo

52
tempo, identifica que uma rede de relacionamento já existia, entre
determinados grupos, mesmo antes de passarem a integrar o PCV,
conforme expõe nos depoimentos de seus informantes (MARINHO,
2013, p. 22-25). Nos depoimentos coletados, a rede é vista tanto de
forma benéfica como negativa.
Após contextualizar os recentes movimentos culturais de Per-
nambuco e rever a implementação do PCV nesse estado, a autora faz
um levantamento do estado dos 15 PC situados na cidade de Olinda,
incluindo endereço, contato, área de atuação e situação à época. Inte-
ressante também é sua análise do processo de internacionalização do
PCV.
Ao retornar à questão do turismo, a autora acredita que “hoje,
talvez mais do que outrora, considera-se o resgate da memória histó-
rica e a vivência dos espaços culturais como um elemento essencial à
inclusão e à conquista da plena cidadania” (p. 134), identificando o
PC da Xambá como um exemplo dessa ação. E finaliza seu texto re-
conhecendo que:
Os Pontos de Cultura de uma forma geral, e particularmente os
de Olinda, representam o reconhecimento e inédito empodera-
mento dos saberes, destacadamente os imateriais, que são trazi-
dos para o centro da agenda das políticas públicas. […] Quanto
ao trade do turismo, são agentes que podem se impor no lugar
por meio das grandes operadoras de viagens e agências de recep-
tivo. Porém a força da horizontalidade que vem do lugar também
podem se associar aos que vêm de fora do lugar, ONGs por ex-
emplo. As experiências relatadas sugerem otimismo visto acenar
à aproximação e cogestão entre os Pontos de Cultura, as organi-
zações não governamentais e o Poder Público, associados a mo-
bilização dos cidadãos, engendrando a possibilidade inovadora de
inibir vícios advindos tanto da cultura quanto do turismo. (MA-
RINHO, 2013, p. 149-150)

53
2014

Defendida em 2014, a tese de Mariela Muruga foca na rede


dos Pontos de Cultura do Distrito Federal. Seu objetivo principal foi
analisar as possibilidades de configuração de uma rede cultural
dentro do espaço urbano, que vise colaborar, difundir e, sobretu-
do gerar ações para que o cidadão tenha maior acesso e participa-
ção nas áreas da arte e a cultura no Distrito Federal, abrindo as-
sim também a oportunidade de fazê-lo partícipe na conformação
de políticas públicas culturais. (MURUGA, 2014, p. 15)

Seu foco está na estrutura tecnológica do DF para a implemen-


tação do uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)
na criação de uma rede digital que possibilite tais ações culturais vol-
tadas à comunidade local. Para a autora, as TICs “estão sendo consi-
deradas como um dos pilares da sociedade contemporânea, sua inser-
ção gera novas práticas de interação e participação por parte do cida-
dão” (p. 42). Sua discussão envolve o conceito de Cidade Digital de
Toru Ishida19, que seria a “construção de uma arena na qual pessoas
em comunidades regionais possam interagir e partilhar conhecimen-
to, experiências e interesses mútuos” (ISHIDA apud MURUGA,
2014, p. 43).
Em seguida a autora faz diversos mapeamentos dos Pontos de
Cultura do DF, cruzando informações sobre ações e localidade dos
pontos, chegando a uma possível rede de Pontos e Pontões (p. 104),
calculando as relações de densidade e centralidade com o software
UCINET. Sua pesquisa identificou que os
Pontos de Cultura do DF não interagiam em rede para a realiza-
ção de atividades em conjunto, por outro lado o incentivo deles
na hora de entrar no Programa estava focado em receber recursos
e não demonstraram interesse na formação de redes ou criação de
vínculos fato que não foi incentivado pelo MinC/SCDC por falta
19 ISHIDA, Toru. “Digital City Kyoto”, Communications of the ACM, Vol. 45, n 7, p. 76-81,
Julho 2002.

54
de experiência na gestão de um programa social desse porte. Na
hora de analisar de forma estatística a rede percebemos alguns
pontos com baixa interação mas com eixos que poderiam aportar
novas perspectiva para a rede geral. (MURUGA, 2014, p. 114)

Entretanto, conclui afirmando que a rede de PC do DF tem po-


tencial para funcionar apropriadamente, como se imaginou teorica-
mente, a partir da inserção de novos atores, como os monitores e co-
municadores (p. 118), organizando-se a partir de relações como: ei-
xos temáticos; parceria de serviços; apadrinhamento; e eventos con-
juntos.
Bezerra (2014), em seu trabalho, traz para a discussão os con-
ceitos de cultura popular para a constituição de políticas públicas na
área da cultura, além de discutir as formas com que os sujeitos envol-
vidos no processo conceituam a cultura popular como direito. Essa
pesquisa tem como objeto de análise três PC de Fortaleza-CE. Dessa
forma, contextualiza a criação e o desenvolvimento de políticas pú-
blicas voltadas para a cultura popular e problematiza os conceitos da-
dos para a constituição dessas políticas. Para a autora, sua pesquisa
se insere em uma nova demanda por olhares críticos ao PCV, “que
ultrapassa a análise da Ação em si, e reflete sobre a própria política
cultural como indutora de uma autodiscursividade pelos agentes do
objeto do discurso” (p. 22).
Nesse sentido, tomando a política cultural como uma articulação
simbólico-discursiva, que define conceitos e significados, como
um espaço de enfrentamentos, procurei compreender nesta pes-
quisa as construções discursivas acerca do conceito norteador das
políticas públicas para as culturas populares, que é a própria defi-
nição dessas culturas, através da análise dos discursos institucio-
nais e por meio dos discursos dos agentes do campo das culturas
tradicionais e populares. (BEZERRA, 2014, p. 26)

Para alcançar esse objetivo, fez uma pesquisa documental so-


bre o PCV, e “entrevistas semiestruturadas em profundidade com os
sujeitos dos três Pontos de Cultura” (p. 28). Em sua conclusão, a au-

55
tora identifica que os Pontos de Cultura variam seu discurso entre o
alinhamento ao discurso oficial, como forma de se adequar à norma e
ter acesso aos mecanismos de fomento, e a negação ou resistência ao
uso de concepções acadêmicas.
Nesse sentido, destacamos como os sujeitos do campo das cultu-
ras populares operam dois movimentos: por um lado, reivindicam
em seu próprio espaço e lugar discursivo a produção simbólica
do que se afirma por cultura popular, mestre ou Griô; essa reivin-
dicação significa uma disputa pela legitimação de um discurso
entre os “iguais que se pensam diferentes”; por outro lado, reali-
zam uma apropriação e uso do discurso do Estado para ter acesso
ao fomento e à visibilidade de suas práticas culturais. (BEZER-
RA, 2014, p. 157).

Em consonância com a pesquisa de Bezerra (2014), o trabalho


de Labrea (2014) se desdobra em cima dos discursos dos sujeitos en-
volvidos com os espaços de interlocução entre os gestores, pontos e
pontões de cultura. Sua metodologia baseou-se na análise do discurso
a partir da memória discursiva desses sujeitos. Nesse percurso, a au-
tora busca os significados dos processos vivenciados e o sentido que
produzem nestes sujeitos, percebendo uma contribuição para um pro-
jeto societário que valorize as experiências e a diversidade da cultura
brasileira. É interessante que seu texto também tem uma veia bastan-
te crítica, sem se deixar levar pelo “encantamento” pelo PCV. Isso
provavelmente aconteceu pelo fato da autora já estar envolvida há al-
gum tempo com a organização de seminários sobre o PCV (RAN-
GEL; LABREA, 2009; RANGEL, DOUNIS, LABREA, 2009), ou
pesquisas sobre o programa (BARBOSA DA SILVA; LABREA,
2014; LABREA, 2012; LABREA; CHALUB, 2014).
Em seu trabalho, é possível enxergar uma ação paradoxal por
parte do Estado que, ao mesmo tempo cede espaço para uma gestão
compartilhada como estratégia em atingir os objetivos do programa,
onde também se forma uma rede híbrida que constrói um espaço
contra hegemônico, e contraditoriamente mantém e perpetua diversas

56
relações hierárquicas. Ao abordar a não funcionalidade das redes te-
máticas Labrea afirma:
Se a descrição acima descreve e sintetiza as redes do Cultura
Viva, a proposta de gestão compartilhada e transformadora é ain-
da mais sucinta porque ela não ancora em práticas concretas, não
há espaços institucionais, não há clareza do que deveria ser com-
partilhado e essa agenda de encontros e reuniões - que se entende
como participação social -, se esgota em si mesma porque não há
memória institucional publicizada, problematizada, debatida,
conversada, construída junto (p. 316)

Para a autora, o que acontecia nos “encontros das ações e na


agenda de reuniões” foi, por um lado, a inclusão de segmentos popu-
lares até então negligenciados, procurando quebrar com a “lógica da
humilhação e a pedagogia da desigualdade característica da relação
entre Estado e segmentos sociais vulneráveis” (p. 316); e por outro
lado, a oportunidade dos pontos se mostrar seus saberes, vê-los reco-
nhecidos e nomeados, fazendo com que “a profusão de tanta diversi-
dade tornava cada encontro um momento de transcedência, de ser
[sic] ver no olhar do Outro” (LABREA, 2014, p. 316).
E finaliza seu texto ao identificar que:
As redes híbridas revelam que a comunidade disputa a hegemo-
nia representada pelo Estado e pelo mercado, e ela se concretiza
na disputa de narrativas. Os pequenos mundos têm, cada um, a
sua narrativa e essas narrativas isoladas, mas principalmente reu-
nidas, desconstroem e reconstroem o discurso do Cultura Viva. O
espaço de interlocução nessa lógica, torna-se um espaço de po-
der, de tomar para si a posição de narrador que diz o que é a polí-
tica pública. (LABREA, 2014, p. 324)

O último texto que será aqui analisado é a dissertação de mes-


trado de João Nogueira, defendida na Escola de Comunicações e Ar-
tes da USP. Sua pesquisa em Ciência da Informação se baseia em
uma “corrente teórico-metodológica denominada Mediação, Circula-
ção e Apropriação da Informação, que adota uma abordagem históri-

57
ca, social e política do conhecimento, da informação e do saber”
(NOGUEIRA, 2014, p. 9). De acordo com o autor,
O estudo através das mediações culturais indica antes de qualquer
coisa as mediações políticas da organização da informação, e as-
sim, por isso mesmo, procura em lugares além dos já consagra-
dos, além dos “acervos”, indícios dos novos dispositivos que me-
deiam as relações socioculturais de hoje com a “informação”: da
cultura dispersa, materializada na criatividade cotidiana da pro-
dução popular e sua mediação com o imaginário das massas, à
sua institucionalização que, “antropologizada”, indica novos e
ambíguos caminhos para o desbloqueio de suas amarras a partir
das políticas públicas de cultura contemporâneas. (p. 68)

Dessa forma, seu objetivo foi o de:


mapear, compreender e avaliar as mediações culturais, técnicas e
da informação relacionadas ao âmbito das políticas públicas de
cultura no Brasil contemporâneo, acompanhando sua implantação
e desdobramento em diferentes instâncias: das macropolíticas
elaboradas pelo Ministério da Cultura (MinC), passando pelos ar-
ranjos institucionais locais que a viabilizam até as relações esta-
belecidas com seus públicos/beneficiários. (p. 12)

Seu objeto de pesquisa foi a análise da implementação do PCV


a partir da Rede Municipal de Pontos de Cultura de Ribeirão Preto-
SP. Faz uma discussão interessante sobre o papel do Pontão na medi-
ação entre os PC e o MinC, e como foram as ações e dificuldades em
“por em prática uma ideia que se presumia a mais natural: as intera-
ções colaborativas e potencialmente criativas entre Pontos.” (p. 149).
Em sua conclusão reflete sobre o quanto a abordagem a partir
das mediações pode auxiliar a Ciência da Informação a ir além do
pensamento clássico e levar em consideração “tudo o que de nossa
realidade social e cultural não cabe nem em sua sistematização nem
em sua 'dialética'”.

58
A questão fundamental refere-se ao reconhecimento dos condici-
onantes contextuais e culturais dos modos de produção do sentido
e de articulação no simbólico a partir da constatação da pluralida-
de de experiências estéticas e dos modos de fazer e usar social-
mente a cultura. (NOGUEIRA, 2014, p. 189)

Análise da revisão bibliográfica

A partir dessa revisão bibliográfica, fizemos o cruzamento de


alguns dados e identificamos que a maioria das instituições que reali-
zaram pesquisas sobre o PCV se concentram nas regiões Sudeste
(18) e Nordeste (13), havendo quatro no Centro-Oeste, e somente
uma na região Sul. Dentre os estudos analisados, nenhum foi realiza-
do por uma instituição de ensino no Norte do Brasil.

Sudeste (18)
Nordeste (13)
Centro-Oeste (4)
Sul (1)

Figura 01: Gráfico analítico da região das instituições onde foram


defendidas as pesquisas

59
Dessas trinta e seis pesquisas analisadas, somente vinte e cinco
envolvem algum tipo de trabalho de campo e/ou análise de um ou
mais Pontos de Cultura específicos20. Isso nos deixa um total de doze
trabalhos voltados, principalmente, para uma discussão teórica sobre
o PCV, baseados em pesquisa bibliográfica e documental.

Pesquisa de
campo (25)
Teóricos (11)

Figura 02: Gráfico analítico da relação entre os trabalhos teóricos e os que


envolvem alguma forma de pesquisa de campo.

Dos vinte e cinco trabalhos que envolvem algum tipo de pes-


quisa e campo, a maioria envolve Pontos de Cultura no Nordeste
(13), sendo que todas as regiões são alvo de ao menos uma pesquisa:
1 no Norte; 1 no Sul; 2 no Centro-Oeste; e 8 no Sudoeste.
Esse é um dado interessante pois, apesar de a maioria das pes-
quisas serem desenvolvidas em instituições do Sudeste brasileiro (18
de 36), quando há pesquisa de campo, o interesse é maior nos PC do
Nordeste (13 de 25).

20 Ainda assim, muitas das pesquisas que envolvem contato com os PC utilizam
questionários como coleta de dados para suas pesquisas, exemplificando uma das
reclamações recorrentes dos “ponteiros”, que era o fato de estarem sempre tendo que
preencher questionários diversos.

60
Sudeste (8)
Nordeste (13)
Centro-Oeste (2)
Sul (1)
Norte (1)

Figura 03: Gráfico analítico da região onde foram realizadas as pesquisas de


campo

Essa revisão bibliográfica nos auxiliou a identificar três espa-


ços os quais a atual pesquisa procurou ocupar: 1) Pouca quantidade
de trabalhos realizados por instituições do Centro-Oeste; 2) Poucos
trabalhos sobre a realidade dos PC do Centro-Oeste; 3) Poucos traba-
lhos com foco nas mudanças positivas que o PCV tiveram em suas
comunidades.
Em seguida iremos descrever como essa pesquisa foi realizada
a partir do treinamento teórico, prático, sua metodologia de pesquisa,
e os resultados obtidos.

61
Capítulo 3 – Desenvolvimento do Projeto

Essa pesquisa começou a ser gestada no ano de 2012, em meio


às discussões sobre o Redesenho do Programa Cultura Viva, quando
surgiu a ideia da criação de um Observatório de Políticas Públicas
Culturais dentro da Universidade de Brasília. Todavia, a assinatura
do Termo de Cooperação nº 10/2013 entre a Secretaria da Cidadania
e Diversidade Cultural do MinC e Observatório de Políticas Públi-
cas/UnB só ocorreu em 11 de dezembro de 2013. Esse termo previa
descentralização de um valor orçamentário para ser gerido pela FI-
NATEC, com o objetivo de: 1) Criar uma plataforma virtual para a
implementação, alimentação de dados do Observatório da Cultura –
Minc/CEAM/UnB; 2) Realização de pesquisa sobre o Programa Cul-
tura Viva.
A primeira reunião do projeto ocorreu no dia 28 de Março de
2014, quando reuniram-se os pesquisadores coordenadores do proje-
to: a Profa. Fátima Makiuchi, o Prof. Hugo Ribeiro, o Prof. Mário
Brasil, e o Prof. Flávio Santos. Durante todo o mês de março ocorre-
ram diversas reuniões para revisar os objetivos do projeto, delimitar
as ações de cada pesquisador, e traçar o perfil dos bolsistas necessári-
os para o êxito do mesmo.
Ainda em março foi lançado um edital público para chamada
de bolsistas, contemplando duas modalidades de bolsa: 2 bolsas para
pesquisadores que estivessem cursando mestrado na UnB; 4 bolsas
na modalidade de Iniciação Científica para alunos de graduação nes-
sa mesma instituição.
Após a seleção das bolsistas, no mês de maio passamos para a
primeira fase do projeto que consistia na preparação técnica e teórica

63
da equipe. A preparação teórica iniciou-se com a leitura de textos so-
bre o Programa Cultura Viva (TURINO, 2010; BARBOSA DA SIL-
VA e ARAÚJO, 2010; BARBOSA DA SILVA e CALABRE, 2012;
BARBOSA DA SILVA e LABREA, 2014; LABREA, 2014). Após a
leitura inicial sobre o PCV, as bolsistas de mestrado iniciaram uma
busca sistemática em bancos de teses, dissertações, e internet em ge-
ral, à procura de todo texto acadêmico que abordasse direta ou indi-
retamente o PCV. Essa busca gerou mais de cem fontes bibliográfi-
cas, que foram utilizadas na revisão bibliográfica. Em seguida passa-
mos à leitura dos referenciais teóricos que iriam orientar a pesquisa
de campo. Foram lidos textos de Geertz (2004, 2012), Foucault,
(2000), Bourdieu (1983), LaPlantine (1996), Fino (2003; 2008), to-
dos a respeito das características, e problemas que poderiam ser en-
contrados na pesquisa de campo etnográfica ou na análise dos dados
coletados.
No final do mês de maio, o Prof. Mário Brasil viajou para
TEIA no Rio Grande do Norte, onde organizou o Primeiro Encontro
dos Pontos de Cultura e Pesquisadores do Programa Cultura Viva. O
objetivo principal do encontro foi a apresentação oficial desse proje-
to de pesquisa para os demais pesquisadores e para a Comissão Naci-
onal dos Pontos de Cultura, formada por cinco representantes, um de
cada região: Célia de Fátima Pinheiro Moreira (Sudeste), Sergio
Meirelle (Sul), Leila Lopes (Centro Oeste), Maria Fulgência Silva
Bonfim (Nordeste), e Lucimar Weill (Norte). Entre os pesquisadores,
estiveram presentes a prof. Fátima Makiuchi (UnB), Lia Calabre e
Débora Rabello Lima, ambas da Fundação Casa de Rui Barbosa.
Após essa apresentação, aconteceram algumas intervenções e suges-
tões para o projeto, entre as quais, destacamos:
• Que o projeto levasse em conta sua ampliação para todo o
Brasil, e que as pesquisas fossem feitas em interiores distan-
tes e de difícil acesso, pois será essa situação que se encon-
trará em alguns pontos da Região Norte;
• Ênfase na necessidade de um maior preparo dos pesquisado-
res no que se refere à compreensão da dinâmica dos pontos,

64
antes de ir a campo. Citaram exemplo de pesquisas anterio-
res, onde as visitas foram em momentos inoportunos, pois
aconteceram quando os pontos estavam em plena atividade e
os ponteiros não tinham tempo para participar de entrevistas
nem de responder questionários;
• Necessidade da criação de um Grupo de Trabalho permanen-
te para a pesquisa e da necessidade de mais um encontro pre-
sencial, desse GT, antes de ter a pesquisa consolidada;
• Troca de informações com outras pesquisas que estão sendo
realizadas como forma de auxiliar e fortalecer a rede de pes-
quisadores sobre o PCV;
• A necessidade de se fazer um levantamento dos trabalhos es-
critos sobre o Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura.
Ressalte-se que todos esses pontos foram sendo incorporados
ao ao longo da pesquisa, o que pode ser verificado nesse relatório.
Após cerca de três meses de leitura e discussão de textos, no
mês de Agosto, quando chegaram os equipamentos solicitados 21, ini-
ciamos o treinamento da parte técnica, que consistiu na leitura de
textos básicos sobre fotografia, a manipulação dos equipamentos, e
treinamento de software a ser utilizado.
Seguindo o espírito do Programa Cultura Viva, utilizamos so-
mente software livre para a manipulação, edição e criação de conteú-
do, dando preferência a programas que rodem nas principais platafor-
mas disponíveis (Linux, Mac, Windows). Os programas escolhidos
foram: LibreOffice (edição de texto); Audacity (edição de áudio);
Gimp (edição de imagem); Irfanview (edição e renomeamento de
imagens). Juntamente com o treinamento dos softwares, foi criado
um arquivo contendo o processo de padronização do uso desses
softwares, assim como indicações de uso da máquina de fotografia
digital.

21 Uma câmera de fotografia Nikon D5300, um gravador de áudio Zoom H4n, um tripé, dois
computadores laptops, um desktop e uma impressora.

65
Após cerca de um mês de treinamento com os equipamentos,
quando cada uma das bolsistas teve a oportunidade de levar para sua
residência e testá-los das mais diversas formas, passamos para a par-
te prática de entrevistas. Esse teste envolveu uma bolsista para dirigir
a entrevista enquanto duas outras se revezavam na gravação do áu-
dio, vídeos e fotos. Esse pequeno teste se mostrou essencial para dis-
cutirmos sobre os problemas enfrentados durante essa vivência etno-
gráfica, assim como o resultado dos processos de gravação de áudio
e vídeo, antecipando uma situação que elas vivenciariam mais tarde.
Ainda nesse mês de Agosto de 2014, pudemos participar da
Reunião da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura com o MinC,
que aconteceu nos dias 25, 26 e 27. Nesse momento, os demais parti-
cipantes do projeto puderam ter o primeiro contato com pessoas que
participavam ativamente do PCV. Acompanhamos as discussões le-
vantadas durante as reuniões e realizamos algumas entrevistas como
forma de pôr em prática o treinamento realizado previamente. Duran-
te tais entrevistas, tentamos focar na forma que os PC dos entrevista-
dos contribuíram para suas comunidades. No decorrer da análise des-
sas entrevistas preparatórias, pudemos corrigir alguns erros de manu-
seio de equipamento e de condução da entrevista, que tentamos evi-
tar em nossa pesquisa de campo.
Após essa primeira fase de preparação, iniciamos a fase de
pesquisa de campo.
Sua preparação não foi tão simples quanto prevíamos, pois a
maior parte dos dados que conseguimos a respeito dos Pontos de
Cultura do Distrito Federal e demais Estados do Centro Oeste, esta-
vam defasados. Dessa forma, muito tempo foi perdido tentando des-
cobrir quais os Pontos que estavam ativos e como contatá-los.
Nessa segunda fase conseguimos contatar e visitar oito Pontos
de Cultura no Distrito Federal. Em relação às viagens interestaduais,
essas foram mais proveitosas, sendo que foram visitados três Pontos
no Mato Grosso do Sul, quatro Pontos no Mato Grosso, e três de
Goiás. Dessa forma, a pesquisa de campo finalizou com a visita a de-
zoito Pontos de Cultura.

66
A terceira fase foi caracterizada pelo estudo mais aprofundado
do FIB, análise dos dados a partir de seus domínios, e escrita desse
texto final.

Metodologia

Esse é um projeto piloto que foi pensado para ser replicado,


posteriormente, em outras regiões do Brasil. Uma vez que os coorde-
nadores do projeto são diretamente ligados à Universidade de Brasí-
lia, escolheu-se iniciar o projeto pela região Centro-Oeste. Dessa for-
ma, como recorte metodológico inicial, foram eleitos todos os Pontos
de Cultura do Distrito Federal e quatro Pontos de Cultura em cada
um dos demais Estados da região. Nesses Estados seriam visitados
dois PC na capital e dois PC em duas cidades do interior, numa dis-
tância máxima de 200km (duzentos quilômetros) da capital.
A escolha de se pesquisar PC em outros Estados está relacio-
nado diretamente com a intenção de testar a logística necessária de
tempo e gasto financeiro para tais viagens, como recomendado nos
fóruns com os representantes dos PC. Uma vez que o Distrito Federal
é a menor unidade federativa do país, sendo que a distância percorri-
da entre o centro de Brasília até sua fronteira mais distante não chega
a cem quilômetros22, qualquer pesquisa realizada dentro dos limites
do Distrito Federal pode ser feita saindo e voltando para dormir na
residência própria do pesquisador, sem necessitar agendar viagens de
avião, ônibus intermunicipais, deslocamento de táxi ou gastos com
comida e hospedagem.
A inclusão dos PC nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso
do Sul e Goiás criou essa situação de viagem que, em regiões como o
Estado de São Paulo, Amazonas, Bahia ou Pará seriam comuns e ne-
cessárias para realizar uma pesquisa semelhante. Dessa forma, pude-

22 Por exemplo, a distância do centro de Brasília para as quatro cidades de Goiás que a
circunda são: Planaltina (Norte) 55km; Águas Lindas (Oeste) 40 Km; Valparaíso de Goiás
(Sul) 40km; Emater Jardim (Leste) 80km.

67
mos testar não só a construção de uma logística que desse conta de
todas as visitas programadas dentro de um certo espaço de tempo (foi
definido uma semana para cada viagem interestadual), como vivenci-
ar realidades que se mostraram bem diferentes daquelas encontradas
dentro do Distrito Federal.
Inicialmente, dois critérios principais foram eleitos para a es-
colha dos PC a serem pesquisados nesse projeto piloto. O primeiro
critério levava em consideração o tipo da ação desenvolvida nesses
PC, escolhendo ao menos um PC relacionado a um dos Grupos de
Trabalho ativos na Comissão Nacional dos Pontos de Cultura. Outro
critério de escolha seria o tempo de existência do PC, incluindo des-
de aqueles que se conveniaram ao MinC entre os anos de 2004 a
2007 (primeira fase de implantação do programa), a pontos que se
conveniaram durante a fase inicial de federalização do programa
(2008 a 2010), e pontos que tenham sido contemplados a partir de
2011 até o presente.
A metodologia foi baseada na pesquisa de campo etnográfica,
realizada em cada um dos Pontos de Cultura contatados. Para alcan-
çar esse objetivo, nós contamos com seis bolsistas: Duas de mestrado
e quatro de graduação.
Uma vez que conseguíamos contatar algum dos pontos, marcá-
vamos as entrevistas, que eram sempre realizadas por dois pesquisa-
dores. Essa metodologia foi utilizada para que um pesquisador ficas-
se encarregado da parte técnica de gravação de áudio, vídeo e fotos,
enquanto o outro poderia se concentrar mais diretamente na entrevis-
ta em si. Tais visitas foram pensadas para ser realizadas em três eta-
pas:
1. Num primeiro momento os pesquisadores iriam visitar o PC,
e fazer um levantamento de suas ações, intenções e sua es-
trutura física. Nessa etapa, seria realizada uma listagem de
alguns participantes de oficinas e ações contínuas do PC, e
escolha de alguns desses para serem entrevistados;

68
2. Na segunda parte seriam realizadas visitas à escolas e entor-
no do PC, para descobrir se a comunidade local se relaciona-
va com o mesmo e se essa relação trouxe algum benefício à
comunidade;
3. Na terceira parte seriam realizadas entrevistas com alguns
participantes das ações promovidas pelo PC pesquisado, as-
sim como seus familiares, com a intenção de descobrir se a
formalização do PC teve algum impacto sobre seu modo de
vida.
Como instrumentos de coleta de dados, foram realizadas:
1. Pesquisa bibliográfica e revisão do Estado da Arte, levando
em consideração pesquisas sobre Pontos de Cultura;
2. Observação das estruturas físicas, ambientes e contexto no
qual o PC está localizado;
3. Entrevista semiestruturada com gestores dos PC, professores,
palestrantes e oficineiros, participantes e familiares;
4. Gravações de áudio das entrevistas realizadas nos diferentes
espaços, com o intuído de analisar e revisar o discurso dos
entrevistados;
5. Gravações de vídeo, tendo como objetivo registrar as entre-
vistas realizadas e poder analisar, posteriormente, as reações
corporais aos estímulos verbais durante a entrevista;
6. Registros fotográficos, captando aspectos gerais do ambiente
e do contexto dos PC;
7. Diário de campo, documento no qual o pesquisador iria es-
crever suas impressões sobre cada momento da pesquisa de
campo, de forma intencionalmente subjetiva e pessoal.
Para a documentação e análise do processo foi muito impor-
tante o recurso audiovisual. Esses registros, além de ampliarem as
possibilidades analíticas, serviram como importante ferramenta para
ilustrar e complementar aspectos descritos nos textos gerados a partir

69
do trabalho, como o relatório técnico-científico, publicação de arti-
gos, apresentação do trabalho em congresso, e publicação final do re-
latório.

Organização dos dados coletados

Uma das ações definidas foi que, após cada pesquisa de cam-
po, todo bolsista participante iria, dentro de uma semana, escrever
um diário de campo com sua percepção sobre o PC e sobre as entre-
vistas. Foi orientado que esse diário de campo fosse intencionalmen-
te subjetivo. Por fim, o bolsista responsável pela parte técnica naque-
la visita, também teria que, em uma semana, transferir todos os ar-
quivos de áudio, vídeo e fotos, para pastas individuais no computa-
dor de mesa de uso coletivo da equipe.
Para organizar tais arquivos no computador, foi escrito um tu-
torial com o processo de padronização dos nomes, abaixo exemplifi-
cado:
1. Todo arquivo deve ser nomeado sem espaço e sem pontuação:
Ex: Foto-Aniversario-Joao.JPG
2. O nome dos arquivos devem seguir a seguinte padronização:
Data-Sobrenome-Tipo-Local-numeração
3. A data deverá ser na seguinte ordem: Ano, Mês, Dia. Usar so-
mente dois dígitos para ano, sem espaço entre os números.
Ex: 24 de Julho de 2014 = 140724.
4. O sobrenome será de quem foi responsável pelo arquivo. Por ex-
emplo, quem criou o arquivo, quem tirou a foto ou quem filmou
o vídeo. Exceção será feita à gravação de entrevista. Nesse caso
o sobrenome será de quem está entrevistando e não de quem gra-
vou a entrevista.

70
5. Os tipos de arquivos deverão ser resumidos usando as seguintes
siglas:
a) Fotos = FTO
b) Audio = AUD
c) Vídeo = VDO
d) Entrevista = ENT
e) Resenha = RSN
f) Diário de campo = DdC
g) Transcrição de Entrevista = TRC_ENT
h) Transcrição de Vídeo = TRC_VDO
6. O local também será abreviado. Se o contexto da foto ou grava-
ção não tiver uma sigla já disponível, nova abreviatura será cria-
da e inserida no arquivo de padronização. No caso dos Pontos de
Cultura, iniciarão com a sigla PC, seguida de um traço baixo, e
uma sigla para o nome desse Ponto de Cultura específico. Se já
houver, usar. Senão, criar um. Exemplos:
a) UnB
b) TEIA
c) Ponto de Cultura Circo Boneco e Riso = PC_CBR
d) Coral de 100 Vozes = PC_C100V
7. A numeração utilizará sempre três dígitos, começando com dois
zeros à esquerda:
a) 001, 002, 003
b) 043, 044, 045
c) 123, 124, 125
8. Diário de campo não precisa de numeração de três dígitos.

71
9. Casos omissos foram tratados ao longo da pesquisa. Segue abai-
xo alguns exemplos de nomes de arquivos completos.
a) 140724-Rocha-ENT-Camelo-UnB-001.mp3
b) 140717-Oliveira-FT-Reuniao-UnB-001.jpg
c) 140717-Pederiva-DdC-UnB.odt
Além da transferência dos arquivos, deveria ser realizado o
processo de transcrição das entrevistas, dividido entre os pesquisado-
res presentes na entrevista. Contudo, as entrevistas realizadas não
precisavam ser completamente transcritas. Bastava uma decupagem
simplificada do áudio, criando um quadro simples com três colunas
com as seguintes sugestões:
1. A primeira coluna, à esquerda, mostra somente o início do assun-
to abordado, com o seguinte formato: hora:minuto:segundo. A
coluna do meio deve ser utilizada para informar o assunto que o
entrevistador iniciou, seja através de pergunta ou tema abordado.
A terceira coluna, à direita, para dar uma ideia da resposta, desta-
cando palavras chave.
2. A página do arquivo de decupagem deve ser formatada para a
orientação “paisagem”, de modo que cada coluna teria um tama-
nho maior.
3. Deve-se evitar escrever demais dentro de uma mesmo quadrado.
Se houver texto demais é por uma das seguintes razões:
a) Não está sabendo reduzir as informações para palavras chave
ou;
b) Não está decupando suficientemente.
4. Às vezes um mesmo assunto levantado pelo entrevistador pode
gerar diversas linhas de decupagem, de forma a facilitar o traba-
lho futuro de retornar ao ponto exato que o entrevistado falou so-
bre determinado assunto.

72
5. Uma vez que a entrevista for completamente decupada, quando
for necessário, o pesquisador poderá retornar ao ponto exato que
achar interessante, e transcrever literalmente o que estiver sendo
dito. Todavia, essa transcrição literal só será necessária para fins
de citação literal no seu texto.
Para realizar a decupagem foi sugerido o uso do programa Au-
dacity, para ter maior controle do momento de parar ou, inclusive,
para recortar a entrevistas em diversas partes, gerando arquivos me-
nores, de forma a facilitar o acesso a partes diferentes da entrevista.
No caso de arquivos múltiplos para uma mesma entrevista, uma divi-
são no quadro será criada para indicar o início de um novo arquivo.
Segue exemplo de um quadro de decupagem simplificado:

Arquivo: 141030-Sousa-Entrevista-CongoNya.mp3
Tempo Perguntas Resposta
0:00:07 Que tipos de atividades são Começamos entre 2002 e 2003 com o
desenvolvidas no ponto? reforço escolar, que continua até hoje e
a comunidade precisa. Atividades
esportivas, mas terminamos em 2005...
Vôlei, Karatê, Capoeira. Depois
decidimos investir só na cultura, mais
ainda cultura afro.
0:07:50 Vocês são rastafári em termos de Sim.
religião também?
0:12:27 Essas coisas todas que você fala de Nos congressos, seminários.
sua cultura, que você conhece, você
trabalha essas ideias com as pessoas
que frequentam o ponto?
0:12:36 São crianças que participam, ou não, Tem toda idade. Havia muitos
tem gente de toda idade? universitários que vinham por causa da
atividade musical, mas não
desenvolviam muito outras ações,
agora a realidade é outra.

73
Resultados obtidos

Apesar de alguns problemas, podemos concluir que a pesquisa


alcançou uma razoável quantidade de dados para posterior análise e
comparação. Foram visitados dezoito Pontos de Cultura, participa-
mos de duas reuniões nacionais, e organizamos dois encontros que
envolveram representantes da Comissão Nacional do Pontos de Cul-
tura (CNPdC) e pesquisadores em geral. O resultado em números:
• 21 Diários de campo;
• 1319 fotos;
• 20h51m34s de gravação de áudio;
• 19h25m4s de gravação de vídeos.
Esse material totaliza cerca de trinta e nove gigabytes de infor-
mações. Após a coleta de dados, seguiu-se para um estudo mais deta-
lhado dos domínios do FIB, para auxiliar na identificação desses in-
dicadores nos discursos e ações das pessoas que estavam envolvidas
ou eram beneficiadas pelos PC visitados.
O capítulo seguinte irá explicar como os nove domínios do
FIB foram interpretados para a presente pesquisa.

74
Capítulo 4 – Felicidade Interna Bruta (FIB)

FIB e as pesquisas sobre o bem estar social

O termo Felicidade Interna Bruta (FIB) surgiu no Butão nos


anos 70, a partir da crença do Rei Jigme Khesar Namgyel Wang-
chuck na importância da Felicidade Coletiva. Esse pensamento já es-
tava consolidado no governo do Butão desde que Zhabdrung Rinpo-
che escreveu o código legal em 1729, que data da unificação do país.
Nesse texto está escrito que “se o governo não pode criar felicidade
(dekidk) para o seu povo, não há um propósito para o governo exis-
tir” (URA, 2012b, p. 6). Dessa forma, a Constituição do Butão de
2008, em seu artigo 9º, solicita que o Estado “promova as condições
que permitam a busca da Felicidade Interna Bruta 23” (URA, 2012b,
p. 6). Assim, o Produto Interno Bruto (PIB), apesar de ser a tradicio-
nal métrica de bem-estar econômico, mostrou-se insuficiente frente a
um sistema de valores como o butanês.
Em 1999, foi criado o Centro para Estudos do Butão (Centre
for Bhutan Studies - CBS), o qual conduziu estudos interdisciplinares
a fim de desenvolver o conceito de Felicidade Interna Bruta.
O Governo Real do Butão, em 2005, tomou a decisão de desen-
volver indicadores do FIB para operacionalizar o conceito de
FIB. Os indicadores deviam servir para determinar se os progra-
mas e políticas foram consistentes com os valores do FIB. […] A
23 Em inglês, o termo original é Gross National Happiness (GNH), cuja tradução literal é
Felicidade Nacional Bruta. Em inglês, sua escrita é semelhante ao termo Gross National
Product (GNH – GNP). A tradução para o português procurou manter a mesma
semelhança entre os termos Produto Interno Bruto e Felicidade Interna Bruta (PIB – FIB),
ao trocar a palavra “nacional” por “interna”.

75
partir de 2005 o Centro de Estudos Butão (CBS) envolveu nove
pesquisadores no desenvolvimento de indicadores para o FIB. No
cumprimento de sua responsabilidade em desenvolver tais indica-
dores, o CBS realizou extensas consultas em vários níveis, que
vão desde reuniões particulares com funcionários do governo e
funcionários públicos, até grupos focais de discussões com os ci-
dadãos butaneses. (URA et al, 2012, p. 13)

Desde então, houveram cinco Conferências Internacionais so-


bre o FIB: no Butão (2004 e 2008), no Canadá (2005), na Tailândia
(2007) e no Brasil (2009).
É interessante perceber que o final da década de 1990 e início
do século XXI é decisivo para os estudos sobre a felicidade. Por ex-
emplo, a criação do CBS coincidiu com o lançamento do livro Well-
being: the foundations of hedonic psychology, ambos em 1999. No
prefácio, os editores explicam que, ao editar esse livro pretendiam
inaugurar um novo campo da psicologia.
Psicologia hedônica – que seria seu nome – é o estudo do que faz
experiências e a vida serem agradáveis ou desagradáveis. Ele está
preocupado com a sensação de prazer e dor, de interesse e de té-
dio, de alegria e tristeza, e de satisfação e insatisfação. Também
se preocupa com toda a gama de circunstâncias, desde o biológi-
co para o social, que ocasionam sofrimento e prazer. (KAHNE-
MAN; DIENER; SCHWARZ, 1999, p. ix)

No ano de 2000 é lançado o primeiro volume do Journal of


Happiness Studies24, que já conta com 16 volumes e mais de setenta
números em quinze anos. No Brasil, podemos destacar a criação da
Revista Brasileira de Qualidade de Vida 25 no ano de 2009, que já
conta com quase vinte números, e mais de uma centena de artigos,
muitos dos quais com relação direta com a ciência hedônica.

24 Publicado pela editora Springer, disponível no site


<<http://link.springer.com/journal/10902>>.
25 Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/rbqv.

76
Há um excelente texto da área de economia, que inicia com
uma crítica à própria área, para depois discutir como “o interesse
pela felicidade penetrou na disciplina” (FRANCO, 2011, p. 3). Essa
análise utilizou estudos do Banco Mundial que identificavam a dis-
paridade entre crescimento econômico em relação à ampliação da
pobreza e da desigualdade. E a partir de uma reflexão de Amartya
Sen26, o autor reconhece que “as comparações entre países deixam
apenas mais evidente a dificuldade conceitual em se comparar níveis
subjetivos de satisfação” (p. 13).
Sua análise sobre a relação entre o desenvolvimento econômi-
co e percepção de felicidade corrente e futura (em cinco anos) nos
países formadores do BRICS, mostra uma diferença muito grande
entre o Brasil e demais países, o que fez o autor questionar a chama-
da “falta e competitividade” do Brasil causada por suas leis trabalhis-
tas e sistema tributário. Para o autor não se deve olhar o assunto so-
mente sob o viés econômico, devendo-se levar em consideração
se as respectivas populações estão confortáveis em sacrificar
competitividade por segurança no trabalho e rede de proteção, ou
desconfortáveis, a despeito de competitivas, pela ausência desses
“custos da democracia”. Na raiz deste debate está um velho e pe-
rigoso tema, a suposta eficiência dos modelos de crescimento ba-
seados em autoritarismo, ou na mobilização intensiva de recursos
em detrimento de preocupações sociais e humanitárias que po-
dem ser prejudiciais à velocidade do progresso. Será que os indi-
cadores de felicidade podem acrescentar alguma informação a
este debate? (FRANCO, 2011, p. 16)

Para esse autor, a análise dos dados levanta ainda outras ques-
tões, tais como:
O que haveria de singular na experiência brasileira a indicar que
os brasileiros sejam muito mais felizes que os chineses, russos e
indianos, mesmo com o crescimento médio inferior? Os índices
de felicidade estariam a apontar para aspectos positivos do mode-

26 Economista indiano, vencedor do prêmio Nobel de economia em 1998.

77
lo de crescimento brasileiro que não se encontram presentes nos
outros países do grupo BRIC? (FRANCO, 2011, p. 17)

E finaliza com a compreensão de que, pelo fato do Brasil ocu-


par a primeira posição no índice de felicidade futura (quando os en-
trevistados se imaginam em um espaço de cinco anos) a despeito de
não exibir taxas de crescimento do PIB significativamente elevadas,
podemos pressupor que “os índices de felicidade proporcionam uma
bela lembrança de que o desenvolvimento não se resume apenas ao
PIB” (FRANCO, 2011, p. 18).
Há algumas décadas Kahneman tem se dedicado a esse campo
de estudo, e uma de suas pesquisas investigou a tão famosa questão
sobre “até onde pode riqueza comprar felicidade?”. Para isso tentar
responder a essa pergunta, foram analisadas as respostas de mais de
450.000 residentes norte-americanos entrevistados entre 2008 e 2009
para várias perguntas sobre o seu bem-estar subjetivo. Uma das res-
postas que os autores chegaram foi a de que,
Mais dinheiro não necessariamente compra mais felicidade mas,
menos dinheiro está associado com maior sofrimento emocional.
Talvez US$75.00027 seja um limiar, além do qual mais aumentos
no rendimento não melhora a capacidade dos indivíduos para fa-
zer o que mais importa para o seu bem-estar emocional, tais
como passar tempo com pessoas que gostam, evitar dor e doen-
ças, e desfrutar de lazer. (KAHNEMAN; DEATON, 2010, p.
16492).

Esse assunto também foi abordado pela psicóloga Susan An-


drews ao resumir que os estudos da ciência hedônica têm demonstra-
do que,
até um certo nível de riqueza, o sucesso material de fato traz mais
felicidade. Por exemplo, quando uma pessoa progride de um esta-

27 De acordo com o site Numbeo <<http://www.numbeo.com/cost-of-living/>>, o padrão de


vida de uma pessoa em Washington, DC, com esse salário mensal de cerca de seis mil
dólares, é semelhante ao padrão de vida de uma pessoa que more em Brasília, DF, com
um salário mensal de cerca de R$8.200,00 (em valores líquidos).

78
do de absoluta pobreza e miséria até o atendimento das suas ne-
cessidades de sobrevivência, e desse nível de sobrevivência até
uma vida confortável, e depois de uma vida confortável até um
certo grau de luxo, sua felicidade de fato aumenta. Contudo, após
um certo ponto, mais bens materiais não trazem mais satisfação.
O que importa a esta altura são os chamados “fatores não-materi-
ais”, tais como companheirismo, famílias harmoniosas, relaciona-
mentos amorosos, e uma sensação de se viver uma vida significa-
tiva. (ANDREWS, 2008, p. 1)

Dessa forma, o pressuposto das políticas públicas seriam o de


assegurar que a sociedade tenha acesso à felicidade no sentido am-
plo, de poder desfrutar sua vida de forma mais holística, desvincula-
da unicamente dos estímulos externos baseados numa sociedade con-
sumista, de que, quanto mais bens adquiridos ou utilizados, mais feli-
zes serão. De acordo com Ura, seria o papel das políticas públicas
auxiliar nesse papel de reeducação sobre o que significa esse proces-
so consumista e seus impactos no planeta:
As pessoas podem fazer escolhas erradas, que por sua vez podem
desviá-las da felicidade. Planejamentos de política pública corre-
tos podem lidar com tais problemas, e reduzi-los, impedindo as-
sim que ocorram em larga escala. (URA, 2008, p. 2)

Relações ideológicas entre o FIB e o Programa Cultura Viva

Se os Pontos de Cultura muitas vezes são vistos como agentes


de mudança social, é curioso notar como o FIB também pode ser
pensado para esse propósito:
O FIB no Brasil não é somente um indicador, é um movimento
para mudança social, um processo de mobilização social em prol
do bem-estar coletivo e do desenvolvimento sustentável. Também
é um processo de conscientização das lideranças locais para a
formação de parcerias entre os principais setores da sociedade:

79
governo, empresas, cidadania e universidade. (Sugestões para a
implementação do FIB, p.1).

Essa visão está em conformidade com o conceito de Desenvol-


vimento Local Integrado e Sustentável (DLIS) desenvolvido pelo so-
ciólogo Juarez de Paula, para quem
o sentido do desenvolvimento deve ser o de melhorar a qualidade
de vida das pessoas (desenvolvimento humano), todas as pessoas
(desenvolvimento social), as pessoas que estão vivas hoje e as
que viverão no futuro (desenvolvimento sustentável). (DE PAU-
LA, 2008, p. 6).

Esse conceito demonstra uma clara mudança do foco no de-


senvolvimento voltado para a globalização/pasteurização dos meios
de produção e consumo, para um desenvolvimento no qual as carac-
terísticas locais e culturais são levadas em consideração. Esse mode-
lo de política pública voltada ao desenvolvimento sustentável não se
interessa unicamente em criar mais oportunidades de empregos, ou
em elevar o ganho financeiro de uma parte da população. Ele se pre-
ocupa, entre outras coisas, com o impacto na qualidade de vida em
geral que a interferência mercantilista pode causar tanto no meio am-
biente como em determinada comunidade a curto e longo prazo. Daí
a importância das políticas culturais que levem em consideração o
saber local e seus anseios:
O desenvolvimento, sobretudo se quer ser humano, social e sus-
tentável, exige o protagonismo local. Os maiores responsáveis
pelo desenvolvimento de uma localidade são as pessoas que nela
vivem. Sem o interesse, o envolvimento, o compromisso e a ade-
são da comunidade local, nenhuma política de indução ou promo-
ção do desenvolvimento alcançará êxito. (DE PAULA, 2008, p.
10)

Isso já havia sido identificado pela segunda pesquisa do IPEA


ao perceberem que,

80
Há pontos de cultura que trabalham em prol do desenvolvimento
cultural e social da comunidade, interferindo na educação da lo-
calidade em que está inserido, por meio da parceria com a escola
pública; no posto de saúde, com o trabalho das raizeiras e a fabri-
cação de remédios caseiros; no funcionamento do turismo e do
comércio locais, por meio da venda de produtos artesanais, orga-
nizações de shows e apresentações artísticas que movimentam a
cidade; entre outras. Este é o caso de um dos pontos pesquisados,
que tem como compromisso primeiro o desenvolvimento e a
transformação da realidade do lugar em que está inserido. (CUL-
TURA VIVA, 2011, p. 36)

Logo, é possível relacionar os pilares formantes do Programa


Cultura Viva (empoderamento, autonomia e protagonismo sociocul-
tural) como reflexos de uma política pública com interesse no bem-
estar social, e a própria criação da Secretaria da Cidadania e da Di-
versidade Cultural e transformação do Programa Cultura Viva em
Lei, são exemplos de ações governamentais que criam condições fa-
cilitadoras para o FIB.
A busca do FIB pela sociedade precisa ser refletida na estrutura
organizacional do seu governo. Isso implica na criação de minis-
térios ou departamentos que correspondam àquelas funções ou
domínios que promovam ou criem condições facilitadoras para o
FIB. Estas deveriam tipicamente incluir tais agências como mi-
nistérios para o bem-estar psicológico, vitalidade comunitária, re-
siliência cultural e integridade ecológica, etc. (Discurso do Exmo
1º Ministro do Butão, Sr. Jigmi Thinley, p.3).

FIB como indicador qualitativo de análise

Para analisar o índice de FIB, desde 2005 o Centro de Estudos


do Butão (CBS), sob o patrocínio do Programa para Desenvolvimen-
to Econômico das Nações Unidas, e juntamente com um grupo de es-
pecialistas internacionais, vem desenvolvendo um questionário em
nove dimensões, que foi aplicado em seu país em 2008 e, posterior-

81
mente, atualizado, em 2010. Esse questionário é bastante extenso 28, e
a metodologia de análise dos dados tem um embasamento estatístico
muito sólido. Jigmi Thinley, 1º Ministro do Butão, explica o motivo
do FIB ter dado certo em seu país:
O real alinhamento do roteiro para desenvolvimento holístico e
sustentável no meu país foi executado metodicamente, sob a clara
luz do FIB, através do reinado do Quarto Rei. Isso foi feito prin-
cipalmente através da formulação de leis e políticas públicas para
esse fim. Acreditando na primazia da deliberação pública, do diá-
logo público e da opinião pública na definição de qualquer meta
nacional. Sua Majestade assegurou-se de que o FIB ganhasse
apoio e a sensação de propriedade pública consensual, não tanto
pela persuasão, mas por causar introspecção (CONFERÊNCIA
INTERNACIONAL SOBRE FIB, 2009, p.2).

Diversos outros países têm procurado aderir, de alguma forma,


à aplicação do FIB como um dos indicadores sociais utilizado para
guiar as políticas públicas. Entre eles destacam-se o Reino Unido,
Canadá, Brasil, Tailândia, França, Austrália e Estados Unidos. Em
2009, o então presidente da França, Nicolas Sarkozy, convocou uma
comissão para medir o sucesso econômico em termos de felicidade.
Entre os analistas estavam o já citado Joseph Stiglitz e Amartya
Sen29 (SAMUEL, 2009; STIGLITZ; SEN; FITOUSSI, 2009).
No Brasil, houve o projeto piloto FIB no Bairro Jardim Campo
Belo, na região de Viracopos em Campinas (SP), e no bairro Vila
Belo Horizonte em Itapetininga (SP). Esses projetos pilotos têm se-
guido uma abordagem sistemática, baseado na aplicação dos questio-
nários e aplicação local (comunidades específicas). De acordo com o
texto Sugestões para a implementação do FIB ([2008?], p. 2).
[...] o questionário é administrado calculando-se o número de
pessoas numa amostra da população que garante um levantamen-
to estatisticamente válido para aquela comunidade, com um índi-
28 O questionário do ano de 2008, por exemplo, continha 640 indicadores, e o do ano de
2010, 750 variáveis (URA et al., 2012, p. 14).
29 Ambos vencedores do prêmio Nobel de economia.

82
ce de acerto de 95%, com somente 5% de margem de erro. Trata-
se, portanto, de um processo bem simples (você não precisa ser
um estatístico para executá-lo!), que por sua vez garante a credi-
bilidade para governos, empresas e mundo acadêmico. Usando
essa abordagem de diagnóstico, pode-se corretamente analisar as
reais necessidades de uma comunidade como um todo - e não
simplesmente as demandas colocadas pelos membros mais proe-
minentes ou politicamente mais bem relacionados. A positiva res-
posta das pessoas aos projetos-piloto, quando apresentadas com
os resultados do levantamento feito em suas comunidades, mos-
trou que essa metodologia mobiliza um autodiagnostico correto
que é entusiasticamente recebido pelas pessoas como sendo um
espelho da sua real situação.

É importante ressaltar que o FIB é somente um entre diversos


indicadores e instrumentos de medida de Qualidade de Vida utiliza-
dos e validados no Brasil. Sobre esse assunto, o artigo de Alves
(2011) faz uma revisão bibliográfica sobre textos publicados a res-
peito dos indicadores de medida da Qualidade de Vida. Logo no iní-
cio do texto o autor apresenta um quadro com quatro modelos conhe-
cidos: Indicadores de Qualidade de Vida da OMS (1992); Índice de
Desenvolvimento Humano - IDH (1990); Indicadores de Qualidade
de Vida Calvert – Henderson (2000); Indicador de Felicidade Interna
Bruta - FIB (1972). Sua intenção é de identificar opções e dar uma
breve introdução, sem se aprofundar muito em nenhuma delas. Há
ainda outros, como o Indicador da Qualidade de Vida (IQV) e o Indi-
cador das Condições para se Viver (IQCV), desenvolvidos no núcleo
de estudos e monitoramento e avaliação ambiental (NUMAVAM), no
centro de ciências agrárias da Universidade Federal de Santa Catari-
na, e utilizados para analisar a comunidade de maricultores em Ri-
beirão da Ilha, Florianópolis-SC (SAIDY; D'AGOSTINI, 2011).
Com relação ao uso específico do FIB em pesquisas realizadas
no Brasil, a pesquisa no Google acadêmico revelou artigos das mais
diversas áreas. Entre os textos encontrados, muitos abordam de for-
ma genérica o conceito do FIB, sem necessariamente aplicá-lo como
indicador de análise, enaltecendo-o enquanto alternativa para a me-

83
surar o a noção de progresso (DURÃO, 2012), ou da abordagem ho-
lística do ser humano (TEIXEIRA, 2009). A área de Direito também
tem produzido alguns artigos onde o foco principal é direito à felici-
dade, reconhecendo a existência do FIB mas sem, necessariamente,
utilizá-lo (DIAS, 2012; ZAMONER, 2012; LEAL, 2013; RO-
DRIGO-MARTINEZ; MAMED, 2014; SIMÕES e HORITA, 2014).
Uma das áreas que tem utilizado o FIB como referência é a ad-
ministração, seja em ambientes corporativos, na relação com meio
ambiente, ou políticas públicas.
O texto de Turisco e Kirschner (2011), por exemplo, discorre
sobre a premissa de que uma empresa socialmente responsável deve
construir relações com seus funcionários a partir de valores e ideais
ligados à Responsabilidade Social Corporativa (RSC), um conceito
advindo da sociologia da empresa. A lógica é simples:
Sabe-se que os indivíduos passam a maior parte de suas vidas no
trabalho. Assim, não há como se manter a produtividade de uma
empresa sem pensar na qualidade de vida de seu trabalhador. É
fato que as empresas determinam e influenciam o modo de vida
do homem, exercendo, portanto, importante influência em sua
busca pela felicidade. (TURISCO; KIRSCHNER, 2011, p. 158)

A qualidade de vida está, dessa forma, relacionada com o bem


estar subjetivo e a saúde do trabalhador.
Por todo o exposto, para iniciar um projeto de Responsabilidade
Social coerente e sustentável, as empresas devem batalhar pela
felicidade das pessoas; devem buscar ter conhecimento a respeito
do impacto que causam na vida das pessoas e devem possibilitar
a busca de significado de vida no trabalho. (TURISCO; KIRS-
CHNER, 2011, p. 159)

Por isso, as autoras acreditam que a implementação do FIB no


ambiente corporativo permitirá identificar e avaliar se a empresa está
propiciando felicidade ou não, de forma a impactar “positivamente

84
na receita, produtividade e lucro das empresas.” (TURISCO; KIRS-
CHNER, 2011, p. 162)
O artigo de Carvalho, Gonçalves e Pardini (2010) aborda con-
ceitos próximos ao de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) e do
FIB, que são o da Utilidade de Bentham (1979) e ideia do “bem estar
subjetivo” (BES). Ao se referir ao FIB e à pesquisa que informa o
reino do Butão em oitavo lugar entre 178 países, quando o assunto é
a felicidade média de sua população, apesar de ter uma renda per ca-
pita baixa, os autores se questionam: “Seria este resultado surpreen-
dente uma consequência da administração pelo FIB ao invés do
PIB?”
Já o estudo de Bueno et al. (2014) foi mais específico e utili-
zou o FIB como um dos referenciais para o controle da qualidade de
vida no ambiente corporativo em sua pesquisa em uma grande em-
presa paranaense da área de comunicação. Sua conclusão foi que “Os
dados coletados e analisados no presente trabalho remetem à consta-
tação da eficácia do projeto de pesquisa de clima organizacional
como ferramenta para diagnóstico e implantação de melhorias foca-
das em resultado.” (BUENO et al., 2014, p. 9)
Alguns textos da área de meio ambiente também se destacam
no uso do FIB. A pesquisa de Borelli e Torres (2014) faz uma boa re-
visão do que foi escrito sobre o FIB nacional e internacionalmente,
mas concentra-se no tópico sobre o desenvolvimento sustentável.
Sua metodologia utiliza equações estatísticas para análise dos dados.
Em sua análise as autoras questionam a “eficiência do PIB como me-
dida de bem-estar econômico e social” (p. 12). Tal restrição de efici-
ência do uso do PIB foi encontrada nos demais grupos analíticos do
estudo. Por fim, concluem que,
Desse modo, pode-se dizer que a metodologia apresentada pelo
FIB surge com o intuito de complementar os indicadores existen-
tes, acrescentando à análise de bem-estar social variáveis não
consideradas pela economia neoclássica: torna-se necessário
acrescentar a variável ambiental, que, como indicado nos resulta-

85
dos obtidos, demonstra grande representatividade nesse contexto
mais geral de qualidade de vida. (BORELLI; TORRES 2014)

Destaco a dissertação de Tatiana Ferreira (2011), que utiliza o


FIB como indicador para identificar os efeitos da mineração sobre os
conflitos ambientais ligados aos recursos hídricos da região de Mari-
ana – MG. De acordo com a autora, a metodologia básica utilizada
foi o
Diagnóstico Rápido Participativo – DRP, aplicado junto à comu-
nidade, aliado às análises física, química e biológica da água que
abastece o distrito e à introdução de conceitos de topofilia e do
indicador sistêmico Felicidade Interna Bruta, desenvolvido no
Butão, com o apoio do PNUD. Esta pesquisa mostrou que as
questões sócio-econômicas são as que mais afligem a população,
sendo seguidas pelas questões ambientais. (FERREIRA, 2011, p.
xiii)

Todavia, percebe-se que o uso do FIB não se caracteriza como


recorte analítico principal desse estudo. Logo, a autora não explica
detalhadamente como foi o FIB foi utilizado nas entrevistas, e poste-
riormente aferido. Há somente uma tabela com valores relacionados
a cada um dos indicadores para todos os quarenta entrevistados
(FERREIRA, 2011, p. 60). Ainda assim, salienta-se seu interesse em
qualificar o nível de FIB dessa comunidade, como um dos elementos
avaliativos do impacto de empresas de grande porte nas comunidades
ao seu redor.
Duas pesquisas publicadas em números subsequentes da Re-
vista Ciências do Ambiente On-Line, utilizam o FIB para analisar o
contexto universitário. No texto publicado no Vol. 10, N. 1, os auto-
res contextualizam a elaboração de um questionário adaptado a partir
do questionário de aferição do índice de FIB no Butão. O questioná-
rio original continha 33 indicadores e 124 variáveis. Esse questioná-
rio adaptado, disponibilizado no anexo do texto, contém 57 pergun-
tas distribuídas em 26 indicadores. A intenção é aplicar esse questio-
nário para aferir o índice de FIB no ambiente universitário. Mas nes-

86
se texto não é apresentado nenhum dado, nem resultado da pesquisa.
(ITO et al., 2014).
Curiosamente, na publicação seguinte desse mesmo periódico
(Vol. 10, N. 2), uma pesquisa muito semelhante, mas que parece não
ter nenhuma relação com o texto anterior é publicada. Nessa pesqui-
sa os autores utilizam o questionário disponibilizado pela Happiness
Initiative30, que tem um domínio a mais (experiência de trabalho)
que o criado pelo Centro de Estudos do Butão. O questionário foi
“adaptado para a realidade dos estudantes da Unicamp, incluindo as-
sim perguntas específicas do ambiente universitário que são equiva-
lente a peguntas realizadas em outros tipos de ambientes.” (VALEN-
TIM et al., 2014, p. 4). Esse questionário foi disponibilizado em
meio eletrônico durante os meses de maio e junho de 2014, tendo
sido obtidos 509 respostas dentre os mais variados cursos. O resulta-
do foi analisado tanto a partir de cada categoria de felicidade, cada
domínio ou por área de estudo, chegando à conclusão de que o nível
de felicidade da Unicamp não é muito alto, “e isso é no mínimo curi-
oso, dado que o ambiente fornece liberdades não encontradas em ou-
tros lugares.” (p. 6).
Outro exemplo de utilização específica do FIB para aferição
de uma dada comunidade é o artigo de Sales et al. (2013). A pesquisa
foi realizada na cidade de Lavras-MG, com moradores de todas as re-
giões da cidade, e de forma proporcional, “pessoas de todas as clas-
ses sociais, dos gêneros masculino e feminino, com idade entre 16 e
65 anos, e que possuíssem do mais baixo ao mais alto nível de esco-
laridade.” (SALES et al., 2013, p. 70), num total de 403 questionári-
os. Esse artigo traz uma boa revisão do conceito de indicadores
econômicos e sociais, aborda a criação do FIB, e faz uma clara expli-
cação sobre cada um de seus indicadores. Em seguida explica a me-
todologia de aplicação e análise do questionário adaptado. Por fim,
com os dados em mãos, foi realizada uma análise de variância de
acordo com a região da cidade; sexo, idade e escolaridade.

30 Disponível em: <<http://www.happycounts.org/>>.

87
Há de se destacar também a atuação do Grupo de estudos so-
bre Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade (GIDS) da Uni-
versidade Federal da Paraíba, que tem produzido textos a partir dos
indicadores do FIB, seja relacionando-o com o PIB e o IDH (RIBEI-
RO NETO; GOMES, 2013), comparando-o com o o modelo de aná-
lise da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) elaborado por Richard
Walton (SANTOS et al., 2013), ou aplicando-a no contexto corpora-
tivo, cunhando a noção de Felicidade Interna Laborial – FIL , que
pode ser ampliada “para as dimensões social, acadêmica, familiar e
pessoal, que receberiam respectivamente as siglas FIS, FIA, FIF e
FIP” (RIBEIRO NETO et al., 2013).
Por fim, há a excelente tese de doutorado em Direito de Saul
Tourinho Leal (2013), defendida na PUC-SP. Seu texto, intitulado
Direito à felicidade: História, Teoria, Positivação e Jurisdição, faz
um levantamento profundo sobre o conceito de felicidade pelos filó-
sofos, de Sócrates a Schopenhauer. Tem um capitulo dedicado so-
mente a Jeremy Benthan e o conceito de utilitarismo, e outro capítulo
dedicado a Stuart Mill. Nos interessa bastante sua análise sobre a
“deturpação da teoria da felicidade no Reino do Butão” realizada no
capítulo quinto. Assim inicia seu capítulo:
A ideia de um direito à felicidade ou de uma teoria da felicidade
não pode abrir portas para exageros, muito menos para demago-
gias ou manipulações. É importante que saibamos situar bem a
questão da felicidade como objetivo do constitucionalismo, sob
pena de desvirtuarmos essa doutrina e criarmos um discurso legi-
timador perigoso. Não podemos dirigir os estudos sobre a teoria
da felicidade de modo a enfraquecer suas premissas em razão da
utilização incriteriosa de seus ensinamentos. (LEAL, 2013, p.
107)

O autor relata as transformações do Reino do Butão, expondo


sua estrutura administrativa governamental, que só recentemente ad-
quiriu características modernas, como uma Suprema Corte e uma de-
mocracia parlamentar. Mas, apesar do país ter tido avanços notáveis

88
a partir da década de 198031, existem diversas críticas ao que cha-
mam de “autoritarismo da felicidade”, e o não reconhecimento dos
direitos das minorias nepalesas, inclusive expulsando-as do país 32:
Segundo a Constituição, com a finalidade de concretizar um dos
pilares da felicidade fixada pelo governo, a cultura do país deve
ser preservada a qualquer custo. Nessa linha, uma lei determina
que os cidadãos obedeçam ao código de vestimenta nacional e, ao
entrarem em prédios públicos, durante o dia, usem as roupas ex-
postas no Código. Também há restrições à liberdade acadêmica
ou a eventos culturais. A legislação proíbe que pessoas não-buta-
nesas casadas com butaneses promovam qualquer religião dife-
rente do budismo. Uma lei aprovada em 1992 proíbe a crítica ao
rei e ao sistema político. O relacionamento entre pessoas do mes-
mo sexo é crime. O Governo restringiu a posse de meios de co-
municação e de licenciamento de jornalistas. Ele monitora a in-
ternet e bloqueia o que considera pornográfico. Há cerca de
30.000 usuários da Internet (0,4% da população) durante o ano33.
(LEAL, 2013, p. 112)

A principal crítica do autor é ao fato da garantia à felicidade


no Butão ser destinada somente à uma parte da população, não sendo
esse “o caminho que almejamos, principalmente pelo fato de a nossa
teoria da felicidade estar absolutamente atrelada ao constitucionalis-
mo contemporâneo, aos direitos fundamentais e ao exercício da juris-
dição constitucional” (p. 114).
Mais à frente, o autor discute situações típicas e polêmicas do
Brasil contemporâneo, tais como o direito de casar, as pesquisas com
células tronco, brigas de galo, a farra do boi, entre outras.

31 BOK, Derek. The politics of happiness: what government can learn from the new research
on well-being. Princeton: Princeton University Press, 2010, p. 3.
32 O principal texto crítico apresentado é: VARENNES, Fernando. Constitutionalising
discrimination in Bhutan: The emasculation of human rights in the Land of the Dragon.
Asia-Pacific Journal on Human Rights and the Law 2: 47-76, 2008.
33 Amnesty International, Bhutan: Forcible E-ile. Al Index - ASA 14/04/94, August 1994.

89
Domínios do FIB

Para a presente pesquisa, cada um dos nove domínios do FIB


foi analisado de forma individualizada, para identificar quais concei-
tos ou palavras-chave poderiam ser detectadas durante as entrevistas
realizadas com os participantes dos Pontos de Cultura. O recurso me-
todológico utilizado para a coleta de dados direta foi a entrevista se-
miestruturada, baseada num questionário criado previamente. Dessa
forma, a entrevista foi intencionalmente direcionada para temas de
interesse da pesquisa através de perguntas pré-selecionados, mas
com o cuidado de que os entrevistadores não influenciassem na res-
posta dos entrevistados. A análise das entrevistas ocorreu somente
após todo o período de pesquisa de campo, quando a equipe reuniu-
se para estudar os textos sobre o FIB, e como aplicá-lo na análise.
O primeiro passo foi o estudo individual de cada um dos nove
domínios. Em seguida, foram identificados alguns conceitos relacio-
nados com o domínio em questão. Esses conceitos foram transforma-
dos em palavras-chave a título de exemplificação de seu uso (outras
palavras ou mesmo conceitos poderiam surgir durante o processo de
análise). Por fim, cada pesquisador ficou responsável pela audição da
gravação das entrevistas das quais participou, e procurou quais pala-
vras-chave/conceitos pré-selecionados estavam presentes.
É importante deixar claro que o fato de usarmos o FIB como
“filtro analítico” após a coleta de dados possibilita que nem todos os
domínios sejam abordados no discurso dos entrevistados. Desde o
início essa possibilidade era prevista, e não foram feitos esforços
para fazer com que todos os domínios surgissem nas conversas. O
que importa para nós é saber quais deles surgem nas conversas, e de
que forma são avaliados.
Em seguida vamos abordar cada um dos domínios do FIB, e
explicar como foram interpretados para a pesquisa.

90
BEM-ESTAR PSICOLÓGICO

De acordo com o Apêndice 5 do relatório An Extensive Analy-


sis of GNH Index, o Bem-Estar Psicológico é categorizado por indi-
cadores de elementos reflexivos ou afetivos. O primeiro tipo avalia o
nível de satisfação das pessoas em diversos aspectos de suas vidas,
enquanto o segundo faz uma avaliação hedônica guiada por emoções
e sentimentos (URA, 2012, p. 123). Assim, nessa primeira dimensão,
o FIB utiliza indicadores de satisfação, espiritualidade e emoções –
tanto positivas quanto negativas –, os quais são compostos de dados
subjetivos e de auto relato para determinar o Bem-Estar Psicológico
de uma pessoa, o que exige cautela no momento de interpretação,
pois nem sempre os entrevistados possuem uma visão real de seu es-
tado34.
O domínio do bem estar psicológico abrange o contentamento, a
satisfação com todos os elementos da vida, e a saúde mental.
Uma vez que felicidade coletiva é a meta principal sob uma soci-
edade baseada no FIB, o bem estar psicológico é de primordial
importância para medir o sucesso do estado em prover as políti-
cas e os serviços apropriados. Entre inúmeros indicadores, a pre-
valência de taxas de emoções tanto positivas quanto negativas, o
estresse, as atividades espirituais, o desfrute da vida, a satisfação
com a vida, a auto-avaliação da saúde – seja física quanto mental
– são calculados na população (URA, [2008?], p. 4).

Como palavras-chave para interpretar as entrevistas, partimos


das falas das pessoas para o reconhecimento de aspectos como satis-
fação com a vida, emoções positivas (como orgulho e alegria) e ne-
gativas (como dor e preocupação), autoestima, estresse e atividades
espirituais. Assim sendo, procurou-se identificar como a existência
34 “The four indicators use subjective and self-report data to proxy a person’s psychological
wellbeing. Like all subjective indicators, they require care in interpretation. This is
particularly the case for the GNH Index, because each response is interpreted as reflecting
a particular individual’s general psychological wellbeing state for the survey year. Yet a
person’s particular responses may be an imperfect proxy of their psychological
wellbeing” (URA et al., 2012, p. 124).

91
do Ponto de Cultura pode ter contribuído para que as pessoas tives-
sem acesso a situações que os impactassem nesse domínio. Tais as-
pectos podem ser identificados explicitamente, por exemplo, quando
um participante diz que se sente mais confiante de entrar no mercado
de trabalho por causa de um curso que fez no Ponto de Cultura, ou
indiretamente, quando deixa subentendido que seu Bem-Estar Psico-
lógico melhorou depois da instituição do Ponto de Cultura. Outras si-
tuações podem ocorrer quando, ao participar de determinadas pales-
tras ou cursos, a pessoa passe a repensar o que signifique qualidade
de vida, e passe a avaliar de forma diferente questões como a autoes-
tima ou se está satisfeito/insatisfeito com sua vida.
Talvez o aspecto mais desafiador a seja medir “espiritualida-
de”, pois embora ele seja um conceito mundialmente aceito, não
existe consenso em como defini-lo ou medi-lo. Existem algumas ca-
racterísticas comumente concatenadas com o termo, tais como: al-
truísmo, abnegação, compaixão, paz, um senso de propósito e co-
nectividade35.

SAÚDE

Mais do que a simples ausência de doença, essa dimensão é ar-


ticulada em saúde mental e física, sendo tratada no sistema butanês
como o resultado do equilíbrio entre mente e corpo, entre as pessoas
e o meio ambiente (URA et al., 2012, p. 134). Percebe-se, assim, a
abordagem holística dessa dimensão, que põe em foco as circunstan-
cias sociais, os estados emocionais e aspectos espirituais.
As condições sociais e materiais para a criação de boas condições
de saúde, tais como ar limpo, água potável ou nutrição de rela-
ções familiares ou relações comunitárias foram incorporadas em
35 “While spirituality is a concept globally acknowledged, there is no consensus on how to
define or measure it. Spirituality can encompass belief in spiritual values like compassion,
peace, and a sense of purpose and connectedness. Acts of compassion, altruism and
selflessness are often characteristics associated with spirituality” (URA et al., 2012, p.
131).

92
outros domínios. Da mesma forma, o equilíbrio emocional e a es-
piritualidade também foram incluídas em “bem-estar psicológi-
co”. Como resultado, os indicadores de saúde neste domínio des-
crevem apenas os aspectos físicos e mentais. (URA et al., 2012,
p. 134)

Para análise nessa pesquisa serão considerados fragmentos de


fala que demonstrem como os Pontos de Cultura contribuem nas po-
líticas de saúde, seja através de cursos/palestras sobre condições de
higiene, exercício, invalidez, padrões de comportamento arriscados,
sono, nutrição, alimentação, entre outros. Há, também, alguns casos
conhecidos de situações nas quais algumas crianças que participam
das atividades dos PC, aproveitem para obter lá uma de suas únicas
refeições do dia. Essa situação vai impactar diretamente nos níveis
de nutrição e, consequentemente, saúde dessas crianças.

EDUCAÇÃO

A educação é abordada de forma abrangente pelo FIB, ao valo-


rizar o cultivo e transmissão de conhecimentos tradicionais tanto
quanto valores e habilidades comuns. Além de estudar a leitura, es-
crita, matemática, ciência e tecnologia, os alunos também são incen-
tivados a se envolverem com criatividade na aprendizagem e na ex-
pressão. Há uma ênfase numa educação holística voltada à tarefa de
criar bons seres humanos36.
A educação contribui para o conhecimento, valores, criatividade,
competências, capital humano e sensibilidade cívica dos cida-
dãos. Um domínio tal como o da educação não tem por objetivo
meramente medir o sucesso da educação per se, e sim tentar ava-
liar a eficácia da educação quanto a se trabalhar em prol da meta
do bem estar coletivo. O domínio da educação leva em conta vá-
36 “A holistic education extends beyond a conventional formal education framework to
reflect and respond more directly to the task of creating good human beings. It is
important for Bhutan that an education indicator includes the cultivation and transmission
of values” (URA et al., 2012, p. 139).

93
rios fatores, tais como: participação, competências e apoio educa-
cional, entre outros. Esse domínio inclui no seu escopo a educa-
ção informal (competências nativas, técnicas tradicionais orgâni-
cas de agricultura e pecuária, remédios caseiros, genealogias fa-
miliares, conhecimento sobre a cultura e história locais), e educa-
ção monástica37 (URA, [2008?], p.4).

Este domínio possui quatro indicadores:


1) Alfabetização, que considera a habilidade de ler e escrever
em qualquer língua. Para o Brasil, poderíamos considerar as ações de
alfabetização, manutenção ou valorização do português, alguma lín-
gua indígena ou idiomas alóctones (advindas por herança cultural fa-
miliar ou migração);
2) Qualificação educacional. São as ações que contribuem
para a evitar a evasão de crianças e adolescentes do sistema educa-
cional formal, ou mesmo promover o acompanhamento pedagógico,
contribuindo para elevar o nível de escolaridade do grupo sociocul-
tural;
3) Conhecimento. Para o questionário padrão do FIB, esse
item foi desdobrado em cinco variáveis que envolvem a compreen-
são de lendas locais e histórias folclóricas, festivais locais, canções
tradicionais, e conhecimento a respeito da transmissão do HIV/AIDS
e da Constituição. Contudo, em nossa pesquisa, todas essas variáveis
serão abordadas em outros domínios (Cultura, Saúde, Boa Governan-
ça), evitando que sejam relacionadas ao domínio da Educação para
não haver duplicação;
4) Valores, que pode ser identificado nas ações educacionais
que desenvolvam a capacidade das pessoas em fazer escolhas basea-
das numa ética e moral subentendidas em sua sociedade. Até mesmo
o fato de se filosofar (refletir e questionar) os valores éticos e morais
de sua sociedade é um processo educacional válido.
37 A menção à educação monástica se deve ao fato de que, até a década de 1950, a única
educação formal disponível era a educação monástica. Foi a partir dessa década que se
iniciou a implementação de um currículo semelhante ao do Ocidente (URA et al., 2012, p.
139).

94
CULTURA

Atualmente, muitos dos conceitos antropológicos de cultura a


relacionam com a capacidade de codificar e compreender as experi-
ências humanas de forma simbólica. Essa linha de pensamento está
relacionada diretamente com a antropologia simbólica (interpretati-
va) de autores clássicos como Clifford Geertz (1989; 2004) e Victor
Turner (1967). A partir dessa concepção, a cultura está presente em
todo o momento, seja na forma de cozinhar ou na interpretação de
uma piada.
A diversidade da cultura se manifesta nas formas da linguagem,
artes visuais e artesanato, festivais, eventos, cerimônias, teatro,
música, trajes e etiqueta, e mais importante, os valores espitituais
os quais as pessoas compartilham. É visível no cotidiano das pes-
soas e, portanto, desempenha um papel dominante em moldar o
caráter butanês e sua maneira de viver. (URA et al., 2012, p. 144)

Esse é um domínio que tem maior afinidade com os objetivos


do Programa Cultura Viva. Entretanto, uma análise mais criteriosa
deverá ser prudente em relação às ações dos Pontos de Cultura, uma
vez que ainda é muito comum a crença de que uma prática cultural
tradicional deve ser preservada por conta de sua tradicionalidade,
muitas vezes procurando-se resgatar características antigas ou esque-
cidas. Todavia, esse não é o objetivo exato das ações políticas anali-
sadas por esse domínio do FIB.
Para o FIB, o domínio da cultura aparece de uma forma bas-
tante específica e relacionada com a ideia de resiliência. O conceito
por trás disso é o percepção de que, se por um lado cada sociedade
desenvolve um conjunto de características culturais específicas que
devem ser preservadas como fonte da identidade cultural de seus par-
ticipantes, por outro lado, reconhece-se que
cultura é também um conceito dinâmico, em constante desenvol-
vimento e continuamente desafiada por forças externas e por mu-
danças sociais e culturais internas. Dessa forma, manter esses as-

95
pectos culturais requer fomento e melhorias contínuas no sentido
de desenvolver uma resiliência adequada. (URA, 2012, p. 148).

A capacidade de resiliência cultural só é possível quando há a


capacitação das pessoas através da reflexão sobre suas práticas sobre
o como e o porquê elas têm o significado que têm, e qual a razão des-
sas práticas continuarem a existir. Tal como Ribeiro discutiu a falar
sobre os grupos de Taieiras no Estado de Sergipe,
A música, os grupos populares, folguedos, são mais do que um
artefato que se deva guardar no armário ou se expor nas pratelei-
ras quando for conveniente. A beleza não está simplesmente na
música, nas roupas ou nas danças. É na alegria do indivíduo que
ela se destila, seja brincando ou louvando. É o bem estar dele que
deve ser preservado e não um punhado de tecidos, gestos e pala-
vras. (RIBEIRO, 2008, p. 155)

O importante, nesse caso, é a constatação de que a cultura é di-


nâmica, e que não basta preservar as práticas como se fossem objetos
de museus. Se forem preservadas “artificialmente”, as práticas cultu-
rais continuam a existir somente para se manter uma tradição, até o
ponto de se perder seu significado simbólico. Por isso, mais do que
preservar a cultura tradicional, devemos desenvolver formas de valo-
rizá-las, para que as gerações seguintes mantenham suas prática por-
que elas têm um significado pessoal, e não somente porque alguma
outra pessoa acha que é importante fazê-lo.
Por isso a análise desse item deve levar em consideração como
os Pontos de Cultura têm agido para o fortalecimento e valorização
das práticas culturais locais, através de ações como a promoção e vi-
abilização de iniciativas culturais e o acesso às produções culturais
existentes. Tais ações podem ocorrer através de: 1) Cursos diversos
que abordem temas relacionados, por exemplo, às tradições culturais,
ou identidade cultural; 2) Cursos específicos de música, artesanato,
teatro, entre outros; 3) Organização de vendas de artesanato ou ou-
tros produtos de fabricação local; 4) Organização de apresentações
culturais, tais como grupos musicais, teatrais, literatura; 5) Organiza-

96
ção e sistematização de fontes históricas (produções audiovisuais,
bibliotecas, museus).

USO DO TEMPO

Além de gerar dados sobre o tempo gasto na produção e no


consumo de bens e serviços, esse indicador do FIB considera traba-
lho voluntário, cuidado de crianças e familiares doentes, agricultura,
construções e reparos, atividades manuais e atividades domésticas.
Uma importante função do uso do tempo é reconhecer o valor do
lazer. Os laços sociais criados e compartilhados na socialização
com a família e com os amigos contribuem significativamente
para todos os níveis de felicidade e contentamento numa socieda-
de. (URA, [2008?], p. 4).

Afazeres como cuidado pessoal, socialização com família e


amigos, tempo no trânsito e no trabalho, atividades socioculturais ou
religiosas e momentos de prazer (como assistir televisão) também
são contabilizadas.
Dados sobre o uso do tempo podem fornecer uma série de infor-
mações importantes sobre o estilo de vida e ocupações das pesso-
as. Além disso, pode revelar a diferença entre as atividades liga-
das ao PIB ou não, o que reflete a desconformidade entre setores
do mercado e economia doméstica (…) O FIB se retém a dois in-
dicadores amplos de uso do tempo: horas de trabalho e sono. As
vinte e quatro horas do dia, assim, são vistas como um balancea-
mento entre trabalho, outras atividades e sono. (URA et al., 2012,
p. 150)

A maioria dos adultos saudáveis precisa de uma média de sete


a oito horas para um bom funcionamento. Contudo, os fatores que
impactam o tempo de sono de cada indivíduo, bem como a necessi-
dade fisiológica individual, variam substancialmente na sociedade,

97
não sendo possível determinar padrões de sono para recortes especí-
ficos da sociedade. A atenção dada às horas reservadas ao sono e ao
lazer pessoal e familiar afeta diretamente na regulação das leis traba-
lhistas.
Para a pesquisa, importou saber se as ações do Ponto de Cultu-
ra tiveram alguma influência na forma como a pessoa passou a orga-
nizar seu tempo entre trabalho, lazer e família.

BOA GOVERNANÇA

Além de analisar a percepção da população sobre a responsa-


bilidade, honestidade e transparência do sistema político, essa dimen-
são também mede a cidadania e o engajamento político dos cidadãos.
O domínio da governança avalia como as pessoas percebem vári-
as funções governamentais em termos da sua eficácia, honestida-
de e qualidade. Os temas desses indicadores incluem liderança
em vários níveis do governo, na mídia, no judiciário, na polícia e
nas eleições (URA, [2008?], p.5).

Para alcançar esse objetivo, o CBS criou quatro indicadores


para avaliar um governo eficaz e eficiente: direitos fundamentais,
confiança nas instituições, desempenho das instituições governamen-
tais e participação política 38. Sendo o FIB um indicador para medir a
sensação de felicidade de uma sociedade específica, então é de se es-
perar que aja uma relação direta entre as ações governamentais e tais
objetivos, como explica o Ministro do Butão:

38 “In an effort to reflect much of the principles mentioned above, four measures were
developed to signify effective and efficient governance. These include fundamental rights,
trust in institutions, performance of the governmental institutions and political
participation. [...] are understood as part of governance and a part of the public services to
be provided by the government. It also includes fundamental rights to vote, freedom of
speech, join a political party, to be free of discrimination and a perceptual indicator on
government performance” (URA et al., 2012, p. 155).

98
Se a felicidade coletiva for uma visão a ser buscada principal-
mente através de verbas governamentais, o nosso sistema fiscal
tem que ser coerente com esse objetivo. Todavia, se as alocações
orçamentárias, a legislação, os impostos e outras medidas de na-
tureza fiscal forem baseadas em um critério convencional, des-
provido de considerações relacionadas ao FIB, essa busca seria
fútil, uma vez que os resultados seriam inconsistentes com o FIB.
Isso torna forte o caso de uma fórmula para o orçamento nacional
e para um processo que seja radicalmente diferente, e dê aos con-
tribuintes incentivos para que busquem o FIB. Tais atividades,
como aquelas que promovam a formação de capital social, tecno-
logia “verde”, integridade familiar, etc., mereceriam portanto
uma consideração especial. (Discurso do Exmo 1º Ministro do
Butão, Sr. Jigmi Thinley, p. 10).

Uma democracia vibrante necessita de envolvimento cívico e


participação política ativa. Ações nesse sentido procuram ampliar o
conhecimento dos cidadãos sobre seus direitos e esclarecê-los sobre
o próprio funcionamento do país. Este indicador se baseia em dois
componentes: a possibilidade de votar e a frequência de presença nos
encontros da comunidade.
A liberdade política procura avaliar a percepção populacional
sobre o cumprimento dos direitos humanos no país. Para isso, exis-
tem sete perguntas sobre liberdade de expressão, o direito ao voto,
participação em um partido político de livre escolha, formação e as-
sociação de grupos, o direito a igualdade de acesso e oportunidade
tanto no serviço público quanto a pagamento salarial, e proteção con-
tra diversos tipos discriminação, como racial e por gênero.
A fim de inquirir sobre o funcionamento de serviços governa-
mentais básicos, o FIB utiliza quatro indicadores: distância do centro
de saúde mais próximo, métodos de eliminação de resíduos, acesso a
energia elétrica e abastecimento de água de qualidade.

99
Quanto à eficiência governamental em outras áreas, as pessoas
qualificam as áreas de emprego, igualdade, educação, saúde, comba-
te à corrupção, meio ambiente e cultura nos últimos doze meses 39.
Para o interesse da pesquisa, nos concentramos em identificar
como os entrevistados se sentem em relação ao investimento gover-
namental nas áreas de cultura, e se os Pontos de Cultura suprem al-
guma deficiência que poderia/deveria ser do ente público. Esse domí-
nio está diretamente relacionado com a percepção sobre as políticas
públicas e o papel dos PC nessa intermediação.

VITALIDADE COMUNITÁRIA

A vitalidade comunitária é composta, fundamentalmente, por


relações cooperativas e redes sociais dentro da comunidade. A comu-
nidade vital pode ser descrita como “um grupo de pessoas que apoia
e interage positivamente com outros indivíduos e é baseado em um
sentido de coesão entre os membros que prestam apoio social mutua-
mente” (URA et al., 2012, p. 160). Como disse o primeiro Ministro
do Butão, sr. Jigmi Thinley,
Construir e desfrutar de fortes e genuínos relacionamentos é o
que faz a vida ser boa. Um envelhecimento bem-sucedido signifi-
ca permanecer vivaz nos nossos anos mais avançados, sem su-
cumbir às enfermidades precoces; sem ter que sofrer as indigni-
dades de ser marginalizado pela sociedade; e sem sofrer a falta de
respeito, amor e cuidados de apoio daqueles que são considera-
dos sua família (THINLEY, 2009, p.7).

O domínio da Vitalidade Comunitária possui quatro indicado-


res: apoio social, o qual retrata o suporte comunitário; relacionamen-
39 “To test people’s perceptions of overall service delivery in the country, respondents are
asked to rate the performance of the government in the past 12 months on seven major
objectives of good governance: employment, equality, education, health, anti-corruption,
environment and culture. These outcome-based questions enable respondents to rank the
services on a five-point scale from ‘very good’ to ‘very poor’” (URA et al., 2012, p.159).

100
to com a comunidade, o qual trata da socialização e do senso de co-
munidade; relações familiares, sendo que os autores não conceituam
o que vem a constituir um elo familiar; e percepção de segurança,
que contabiliza se os indivíduos foram vítimas de algum crime no
ano que precedeu a pesquisa (URA et al., 2012, p. 161).
O domínio da vitalidade comunitária foca nas forças e nas fra-
quezas dos relacionamentos e das interações nas comunidades.
Ele examina a natureza da confiança, da sensação de pertenci-
mento, a vitalidade dos relacionamentos afetivos, a segurança em
casa e na comunidade, a prática de doação e de voluntariado. Es-
ses indicadores possibilitarão aos formuladores de política públi-
ca rastrear as mudanças nos efeitos adversos para a vitalidade co-
munitária (URA, [2008?], p.5).

Para os Pontos de Cultura, o senso de comunidade é tão essen-


cial quanto para o FIB40, pois é através do trabalho comunitário reali-
zado pelo Ponto que existe um sentimento de pertença, importância e
compartilhamento de um projeto comum que irá satisfazer as neces-
sidades da comunidade por um compromisso coletivo. Diversos Pon-
tos, como será exemplificado posteriormente, desenvolvem progra-
mas que lidam com a marginalização, a falta de respeito, a violência
e até mesmo o crime, construindo valores sociais que atuam ativa-
mente para a mudança positiva nas comunidades. Esse é um dos do-
mínios que mais está presente nos PC, pois o fortalecimento comuni-
tário é bastante presente nos discursos.

40 “From a GNH standpoint, a community must have strong relationships between


community members and within families, must hold socially constructive values, must
volunteer and donate time and/or money, and lastly must be safe from violence and crime.
It is vital that volunteering and donations of time and money be recognized as a
fundamental part of any community development. Socially constructive values can act as
tools through which activities can be implemented for positive change in communities”
(URA et al., 2012, p. 160).

101
MEIO AMBIENTE (DIVERSIDADE ECOLÓGICA)

Essa dimensão, avalia a noção das pessoas sobre a importância


da biodiversidade e dos prolemas relacionados à poluição. São quatro
indicadores principais:
1) Poluição, relacionada com o conhecimento que as pessoas
têm sobre o que seja a poluição e o que contribui para sua existência;
2) Responsabilidade ambiental, está relacionada à auto per-
cepção da responsabilidade ambiental, ou seja, como a própria pes-
soa/sociedade se sente responsável pelo meio ambiente;
3) Vida selvagem, está também relacionada à preservação da
biodiversidade, identificando e reconhecendo os impactos que práti-
cas que ponham em perigo a vida selvagem têm consequências dire-
tas para agricultores e pequenas comunidades rurais. Esta percepção
nem sempre é fácil de ser trabalhada, pois as consequências às vezes
levam mais de uma geração para serem sentidas;
4) Problemas Urbanos. Apesar do FIB reconhecer que o cres-
cimento urbano pode causar vários impactos positivos, como melho-
ra em energia, saúde e infraestrutura, ele também amplifica desafios
como o tráfego, ineficácia de espaços verdes, falta de faixa de pedes-
tres e expansão urbana (URA et al., 2012, p. 168).
Para a presente pesquisa, esse referências a esse domínio po-
dem surgir quando os Pontos de Cultura trabalham temas relaciona-
dos às práticas de reciclagem, preservação da biodiversidade, ou
mesmo sistemas e ações que possam diminuir a poluição e o lixo
produzido individualmente.

PADRÃO DE VIDA

O FIB não utiliza a linha de pobreza como referência, por en-


tender que há diversos outros aspectos que influenciam o bem estar.

102
Ao invés disso, trabalha com valores que encorajam as pessoas a al-
cançar a felicidade através de suas realizações, desencorajando uma
abordagem em que se está satisfeito apenas com a maior quantidade
de renda (ou outras conquistas) do que seus pares41.
Coincidindo com esse posicionamento, o relatório Stiglitz-
Sen-Fitoussi (2009, p. 13) afirma que, embora seja informativo ras-
trear o desempenho das economias como um todo, as tendências nos
padrões de vida material dos cidadãos são mais bem acompanhadas
através de medidas de rendimento do agregado familiar e seu consu-
mo. Os bens contabilizados levam em consideração o contexto socio-
cultural, e por isso vão de celulares, rádios e bicicletas a gado e pro-
priedade de terra (URA et al., 2012, p. 171).
O indicador utiliza dados sobre os recursos domésticos seleciona-
dos, como bens duráveis e semiduráveis de uso diário, para des-
crever o bem-estar das famílias. O conceito é baseado em evidên-
cias de que medidas de renda/despesas são medidas incompletas
do bem-estar material das famílias, especialmente nos países em
desenvolvimento, onde esses dados podem ter erros de medição
mais elevados. (URA et al., 2012, p. 170)

Esse domínio é um dos mais complexos de ser identificado


dentro da atual pesquisa, apesar de que, num sentido geral, todos os
demais domínios impactam na qualidade de vida. Todavia, o FIB tra-
balha com a análise dos bens de seus entrevistados, enquanto esta-
mos preocupados em como os Pontos de Cultura podem auxiliar as
pessoas a adquiri-los. Isso pode ocorrer quando pessoas têm acesso a
cursos profissionalizantes, por exemplo, que os auxiliem a se inserir
no mercado de trabalho, ou mesmo, através de cursos de atualização,
conseguirem avançar em sua carreira. Em outros casos, a simples

41 “For the GNH Index, it would not be sensible to use the poverty line as a threshold
because the threshold should reflect sufficient income. The GNH living standards domain
refers to higher conditions for wellbeing than poverty lines […]. For the GNH indicator
an absolute sufficiency threshold was chosen, since the GNH values encourages people to
achieve happiness through their accomplishments, and discourages a relative approach in
which one is satisfied only if one has relatively more income (or other achievements) than
one’s peers.” (URA et al., 2012, p. 169).

103
existência de um ponto de internet ou biblioteca comunitária, pode
dar acesso a informações que transformem a vida econômica de um
participante do Ponto de Cultura.

Resumo

Aqui segue um quadro que resume os domínios e conceitos re-


lacionados com a presente pesquisa, de forma a facilitar a rápida in-
dexação durante a análise dos dados.

Domínio Referências no discurso


Bem-Estar Psicológico Satisfação com a vida; emoções positivas (como
orgulho e alegria) e negativas (como dor e
preocupação); autoestima; estresse; atividades
espirituais (altruísmo, abnegação, compaixão,
paz, um senso de propósito e conectividade).
Saúde Condições de higiene, exercício, invalidez,
padrões de comportamento arriscados, sono,
nutrição, alimentação.
Educação Alfabetização, manutenção ou valorização de
línguas indígenas, alóctones ou oficial; promoção
do acompanhamento pedagógico (elevar nível de
escolaridade); reflexão sobre valores éticos e
morais.
Cultura Cursos diversos (tradições culturais ou identidade
cultural); cursos específicos; organização de
vendas; organização de apresentações;
organização e sistematização de fontes históricas.

104
Domínio Referências no discurso
Uso do Tempo Se houve alguma influência na forma como a
pessoa passou a organizar seu tempo entre
trabalho, lazer e família.
Boa Governança Percepção do investimento governamental nas
áreas de cultura, e se os Pontos de Cultura
suprem alguma deficiência que poderia/deveria
ser do ente público.
Vitalidade Comunitária Sentimento de pertencimento, importância e
compartilhamento de um projeto comum que irá
satisfazer as necessidades da comunidade por um
compromisso coletivo; marginalização; falta de
respeito; violência; mudança positiva nas
comunidades.
Meio Ambiente Práticas de reciclagem; preservação da
(diversidade ecológica) biodiversidade; sistemas e ações que possam
diminuir a poluição e o lixo produzido
individualmente.
Padrão de Vida Como os Pontos de Cultura podem auxiliar as
pessoas a aumentar seu nível econômico: acesso
à informação (ponto de internet ou biblioteca
comunitária); cursos profissionalizantes, que os
auxiliem a se inserir no mercado de trabalho, ou
mesmo, através de cursos de atualização,
conseguirem avançar em sua carreira.

A segunda parte desse relatório irá aplicar essas referências


nos dados coletados, a partir das entrevistas gravadas (áudio e vídeo),
diários de campo e pesquisas sobre os PC visitados.

105
PARTE 2 – ANÁLISE DOS
PONTOS DE CULTURA
Interarte – COEPi (GO)

Foto 01 – Sede da COEPi

Introdução

O Ponto de Cultura Interarte surge como uma das iniciativas


da Comunidade Educacional de Pirenópolis (COEPi)42. De acordo

42 Essa associação possui um site atualizado e muito bem organizado, no qual é possível ter
acesso a diversas informações, como o histórico detalhado, a equipe responsável. oficinas,
projetos, eventos, e prêmios recebidos, entre outros. O endereço é
<<http://www.coepi.org.br/>>.

109
com Patrícia Ferraz43, a COEPi foi fundada em 11 de Outubro de
1996, na cidade de Pirenópolis-GO, por um grupo de pessoas que vi-
eram morar nessa cidade, e estavam preocupadas com a educação
dos seus filhos. Até a aquisição e construção de sua sede, que ocorreu
no ano de 1999, eles atuavam em parceria com as escolas, realizando
palestras e oficinas. Suas principais atividades eram voltadas para a
educação complementar e envolvia temas diversos como reciclagem,
meio ambiente, e artes em geral.
Com a construção das primeiras salas da sede (sala Baru e sala
Ipê), entre 2000 e 2003, funcionou como escola de educação infantil,
fundamentada na pedagogia Waldorf44 juntamente com as atividades
complementares. No ano de 2000, é criada a categoria de Bolsa-
padrinho: contribuição de pessoas físicas, para viabilizar o funciona-
mento da escola. Para a participação de pessoas da comunidade que
não tinham capacidade de pagar uma mensalidade foram dadas bol-
sas de estudo. Essa situação de escola de educação infantil e associa-
ção com atividades complementares perdurou até o fim de 2003,
quando, em uma assembleia, decidiu-se que a COEPi iria atuar so-
mente como educação complementar 45.
Atualmente a sede conta com um espaço de três mil metros
quadrados, onde foram construídas quatro salas (Ipê, Pequi, Baru e
Oca da Terra), e um coreto. Na sala Ipê funciona a secretaria e uma
pequena biblioteca. Na sala Pequi, funciona o estúdio multimídia. A
sala Baru é voltada para as atividades coletivas, como aulas de Yoga,

43 Patrícia Ferraz é bióloga, e mudou-se para Pirenópolis em 2003 para morar no Instituto de
Permacultura e Ecovilas do Cerrado (IPEC - <<http://www.ecocentro.org/>>). Em 2006
passa a atuar na COEPi, exercendo os cargos de Diretora Financeira e Presidente em
diversas diretorias.
44 A Pedagogia Waldorf é baseada na Antroposofia, para quem “o que distingue o homem
dos outros seres da natureza é a sua capacidade de decidir sobre si mesmo e de fazer
escolhas conscientes. O propósito de uma Escola Waldorf é, portanto, formar indivíduos
em condições de zelar por sua liberdade, prontos a responder por suas decisões, de modo
a garantir não apenas o seu bem-estar pessoal, mas sua contribuição ao mundo.”
(FEDERAÇÃO, 2015)
45 A escola passou a funcionar em outro local, com o nome de Escola Pirilampo, e perdurou
até o ano de 2008, mantendo a pedagogia Waldorf.

110
Dança, Capeira, entre outras. Na sala Oca da Terra funciona um mini
museu do Cerrado, com exemplos da fauna e flora da região. Além
das salas ainda há um campo de areia para atividades esportivas, es-
paços para reciclagem e reaproveitamento da água, um forno para ce-
râmica, e um espaço chamado de Núcleo de Agroecologia, com a
proposta de desenvolver tecnologias de conservação e melhoramento
de solo, utilizando técnicas naturais - compostagem, minhocário, cur-
va de nível e adubação verde.

Foto 02 – Entrada da área de Agroecologia da COEPi

Seu público-alvo não é específico, sendo que há atividades


voltadas para todas as faixas etárias e gênero, desde projetos como o
projeto CRIARTE, que oferece ações socioeducativas para crianças e
pré-adolescentes, de 5 a 12 anos; e oficinas para jovens e adultos.
Apesar dos cursos e oficinas terem horários específicos, a sede está
sempre aberta para a comunidade utilizar o espaço, a biblioteca ou os
computadores.

111
Em 2005 a COEPi participou do primeiro edital do Programa
Cultura Viva e, graças à organização financeira, recebeu todos os re-
cursos dentro do prazo de três anos estipulados (2005-2007), encer-
rando esse contrato com o MinC em 2008. Mesmo antes de entrar no
Programa Cultura Viva, a COEPi havia sido reconhecida como Orga-
nização Social Civil de Interesse Público46 (OSCIP) e firmado parce-
rias com diversos entes públicos, entre os quais o Ministério do Meio
Ambiente em 2004, para implementar a Sala Verde; e com o IBA-
MA, também em 2004, para implementar o Centro de Educação Am-
biental.
Seu projeto inicial para o PCV chamava-se Interarte e previa
oito oficinas: sucata, papel, barro, flauta, balé, bijuterias, mosaico e
informática, além de cursos de capacitação para professores da rede
pública. Entretanto, com a chegada dos recursos, conseguiram dupli-
car a oferta de oficinas, e atender uma média de mais de duzentas
pessoas de todas as faixas etárias da comunidade em geral.

Análise

A pesquisa de campo aconteceu em Abril de 2015, na sede da


COEPi, em Pirenópolis. As entrevistas foram realizadas com Patrícia
Ferraz, Diogo Damasceno47, Tadeu Ribeiro da Costa48 e Elismar Car-

46 Título dado pelo Ministério da Justiça, através da Lei 9.790/99. É tanto um


reconhecimento das ações realizadas, como permite parcerias público-privada por ter uma
legislação própria.
47 Diogo Damasceno, tem vinte e nove anos, e participa da COEPi desde 2005, quando
iniciou a parceria com o Coletivo Jovem de Meio Ambiente. Participou de oficinas, como
as de formação política e educação ambiental. Como oficineiro, realizou uma oficina de
fanzine, entre outras.
48 Tadeu Ribeiro da Costa, tem vinte e seis anos, e participa da COEPi desde que tinha, mais
ou menos, dez anos. Sua mãe foi uma das fundadoras da associação, e ministrava aulas de
máscara, aproveitando papel. Nessa época, ele começou como aluno da oficina de sua
mãe. Depois participou de diversas outras oficinas. Atualmente é formado em
Comunicação pela UFG, é coordenador do Núcleo Multimídia, e ministra oficinas de
audiovisual e edição de vídeo.

112
doso e Silva49. Os três rapazes fazem parte do Coletivo Jovem Meio
Ambiente (CJMA), uma iniciativa independente, mas que tem uma
forte relação com a COEPi desde sua criação.
Uma das primeiras impressões que temos ao analisar as ações
desse Ponto de Cultura é que ele se destaca em muitos domínios do
FIB, sendo que, somente o domínio da saúde é comentado de forma
secundária, como reflexo de uma política da conservação de ervas
medicinais tradicionais.
Ao questionarmos sobre a diferença entre uma instituição pú-
blica e o fato da COEPi ser uma associação civil, no que diz respeito
à flexibilidade das atividades, Tadeu afirma que,
A COEPi tem uma vida, e com isso ela acolhe as pessoas. Quem
frequenta a COEPi está sempre sorrindo, de bem com a vida. Isso
é não é porque são os diretores que fazem isso. É o próprio espa-
ço que propicia isso. É um espaço que, se qualquer um quiser vir
aqui pegar um limão, pode vir e pegar um limão, e não vai ter
ninguém dizendo “Ei você não pode pegar um limão”.

Nessa sua fala, podemos destacar o domínio do Bem-Estar


Psicológico (satisfação com a vida, emoções positivas). Outra ação
realizada por eles e que também teve um impacto nesse domínio foi
o caso da poetisa Dona Marieta. Tadeu lembra que, quando ela era
criança, ela era “apedrejada” por ser negra. Na escola onde ela estu-
dava, não podia ficar perto das outras crianças porque ela era diferen-
te, pois estava numa escola católica e ela era evangélica. Atualmente,
já uma senhora, conseguiu publicar um livro de poesias com o apoio
do CJMA e da COEPi. Isso ajudou não só a valorizar sua arte (ele-
vando sua autoestima), como também acaba por ter impacto na co-
munidade como um todo, ao mostrar que não é somente a chamada
arte erudita ou “arte de elite” que tem valor, mas que as produções
artísticas locais também têm sua importância.

49 Elismar Cardoso e Silva, tem dezenove anos e iniciou na COEPi há três anos. Diz que
está procurando fortalecer as raízes Afro. Por isso, começou a fazer capoeira Angola,
Teatro, entre outros.

113
Mas há diversos casos bem específicos, que ilustram como
essa associação mudou a vida das pessoas dessa comunidade. Há o
exemplo do Alex que, segundo Patrícia:
Iniciou pulando o muro da COEPI. Ele era hiperativo. Não con-
seguia fazer as oficinas. Ele pulava o muro, jogava bola, ia embo-
ra. Aí conseguimos trazer ele pra dentro. E ele começou a fazer
várias oficinas. Ele tentava sair, mas a gente insistia, que ele ia
continuar. Ele ficou. Ele virou diretor, estimulamos ele a fazer fa-
culdade. Teve uma época que ele tinha parado de estudar. Ele
voltou a estudar, fez Engenharia Ambiental. Agora, ontem, ele
saiu também da diretoria, como eu. (…) E a gente sabe que, só de
ver o próprio Alex e alguns outros que tiveram aqui com a gente,
e como hoje eles se transformaram. Ele veio de uma família alta-
mente fragilizada, emocionalmente. Irmão traficante, isso e aqui-
lo outro, e você vê a pessoa dizer “não, eu vou mudar”.

Tadeu também cita o caso do Edvaldo que começou “como


monitor nas oficinas de barro, e agora ele é formado em Turismo
pela UFG”, e complementa:
Muita gente sai daqui e a gente não sabe o resultado direto. Das
centenas de jovens que já passaram por aqui, a gente não pode
mensurar estatisticamente quantos a gente tem certeza que muda-
ram de vida a partir desse contato. Mas é possível a gente perce-
ber a cada dia, quando a gente conversa com as pessoas que fo-
ram contemporâneos nos processos de formação, que ora eram
formandos e agora são formadores, a gente percebe a quantidade
de pessoas que mudou de vida.

A Educação e a Cultura são os domínios nos quais esse PC


mais teve impacto, uma vez que a própria criação da COEPi teve
como preocupação a educação complementar. Suas ações incluem
muitas oficinas gratuitas, de dança, capoeira, circo, multimídia, meio
ambiente, entre outras, além de realizar constantemente palestras e
cursos de capacitação para professores da rede pública.

114
Atualmente há o projeto CRIARTE que, de acordo com o site
da instituição,
oferece ações socioeducativas para crianças e adolescentes, de 5
a 12 anos, que participam de atividades integradas em período
oposto ao da escola. Atualmente os alunos permanecem pela ma-
nhã ou tarde na COEPi, duas vezes por semana (segunda e
quarta-feira), das 8:30 às 11:00h e das 14:00 às 17:00h. (COEPI,
2015)

Em relação ao domínio da cultura há os exemplos das oficinas


de cerâmica, oficinas de Catira 50, a organização de festas juninas, o
Sarau Ambiental51, e o programa de rádio semanal com a participa-
ção de mestres e artistas locais, como a já mencionada poetisa Dona
Marieta. E mesmo antes de participar e organizar eventos relaciona-
dos à Ação Griô52, já tinham parcerias com os mestres locais.
Então, a gente tinha dois mestres que já não estão mais com a
gente, que era a Dona Benta e Seu Ico. Eles faziam uma interação
muito grande aqui. A Isabela também já tinha um grupo de músi-
ca. Faziam interações com ela. Eles já vinham aqui para contar
histórias... Então a gente já tinha algum envolvimento com al-
guns mestres. A Catira já tinha alunos. Seu Mário que era o Cati-
reiro e fazia a folia da cidade, já era parceiro. (Patrícia)

Outro exemplo é a criação recente do Mini Museu do Cerrado,


que organiza e sistematiza conhecimentos acerca da fauna e flora lo-
cal, com exibição de espécimes de plantas e insetos, que impacta di-
retamente os domínios da Educação e do Meio Ambiente.

50 Também conhecida como cateretê, é uma dança da cultura popular brasileira, em que o
ritmo musical é marcado pela batida dos pés e mãos dos dançarinos.
51 “Evento mensal que tem por objetivo apresentar questões socioambientais relevantes de
forma descontraída e interativa, promovendo a troca de saberes entre artistas, cientistas,
mestres de tradição oral, estudantes e comunidade local. Como um atrativo lúdico para o
publico, são realizadas palestras seguidas de apresentações artísticas variadas, incluindo
desde shows musicais, exposições, até apresentações dos próprios alunos das oficinas da
COEPI, colocando arte e meio ambiente lado a lado.” (COEPI, 2015)
52 Para maiores informações, ver o site da Lei Griô Nacional
<<http://www.leigrionacional.org.br/>>.

115
Em relação à Boa Governança, é muito recorrente, no discurso
deles, o empoderamento político das pessoas envolvidas no processo
em geral. Isso está presente desde a criação de oficinas de formação
política, à participação de membros da COEPi nos conselhos munici-
pais:
O governo foi empoderando a sociedade para entrar em conse-
lhos, exigir isso e aquilo, dando mais ferramentas. A gente tam-
bém foi se apropriando desses espaços. A gente chegou, numa
época, em 2009, que a gente estava em onze conselhos do muni-
cípio: educação, saúde, meio ambiente, criança, assistência soci-
al, pelo amor de deus... Botaram a gente pra participar de tudo.
Mas ao mesmo tempo a gente vê que está se doando, está legiti-
mando uma coisa, mas o município também não consegue aten-
der do jeito que devia, fazer o negócio participativo. Então a gen-
te também começa a ver que a gente só está ali, de uma certa ma-
neira, só legitimando. Um processo que está todo errado. Hoje a
gente participa de quatro conselhos que é meio ambiente, do par-
que estadual, educação e o da criança. (Patrícia)

Existe, entre os jovens participantes do CJMA, a percepção da


importância de sua participação nas políticas públicas locais como
forma de orientar as ações para, ao invés de fazer uma política públi-
ca para determinado público, fazer a política com determinado públi-
co. Como o Diogo explica sobre a parceria entre a COEPi e o CJMA.
A COEPi demonstra muito isso na prática, ligando as oficinas
nesse contexto. Então as ações têm uma interface de sempre bus-
car a reflexão também, a história do reproduzir, da mudança de
hábito, de atitude. O fato de investir em projetos que são da co-
munidade, de investir na juventude como a COEPi tem investido,
não só no caso de oferecer oficinas, mas de ser uma parceira, de
oferecer o CNPj, oferecer o espaço o apoio institucional, tudo
que ela pode oferecer. Para que essa juventude também, numa
condição política, possa também promover mudanças. Num de-
terminado momento, a cidade estava discutindo o plano diretor
da cidade, e a juventude estava lá, potencializada pela instituição,
para poder intervir no plano diretor, como agora na questão dos

116
resíduos sólidos. As coisas vão interferir em nossas vidas. Então
porquê que a juventude não está envolvida, na prática, com o que
vai ser decidido? Tanto na condição de aprender, localmente,
quanto de intervir, politicamente.

Em relação ao Meio Ambiente, desde o começo da COEPi,


essa tem sido uma preocupação constante. Como a Patrícia explica,
essa associação
tem uma pegada muito ambiental, floresta, tratamento de água
cinza, toda água utilizada é reciclada, recolhimento de água da
chuva. Tanto água negra, resto dos banheiros, tem uma fossa eco-
lógica, e as águas cinzas que é dos chuveiros e pia que trata nos
laguinhos. Sala verde desde 2004. Projeto junto com Ministério
do Meio Ambiente, que eles doam acervo ambiental. Circuito tela
verde. Passa filmes, vídeos com temática ambiental. Circuito de
Direitos Humanos.

Recentemente fizeram uma parceria com a World Wide Fund


for Nature (WWF-Brasil), para realizar capacitações em Consumo
Responsável e Coleta Seletiva em Pirenópolis para o Programa Água
Brasil e constantemente oferecem oficinas diversas com a temática
ambiental, seja através da reciclagem e reaproveitamento do lixo, ao
uso consciente e preservação da prática de hortas caseiras:
A gente teve um projeto que a gente chamava de cultura de quin-
tais. Aqui sempre foi tradição esses lotes compridos, que iam da
frente da casa até o fundo no rio, e todo mundo tinha quintal, er-
vas medicinais, frutíferas, pomar. Aí com essa coisa do turismo
vindo, que já deve ter uns vinte anos, que isso começou a ser fo-
mentado aqui, muita gente vindo com pousadas, restaurantes, as
pessoas começaram a querer cimentar os quintais. E a gente fala-
va, não, não é por aí, você está perdendo um monte de... de cultu-
ra mesmo, e de sustentabilidade. Você está deixando de ter aquele
remedinho ali que você fazia uso, você vai ter que pedir pro vizi-
nho... E a gente tanto fazia aqui como, quem queria, a gente ia
nas casas e ia fazendo esse trabalho juntos. (Patrícia)

117
O próprio CJMA é um resultado direto das ações da COEPi no
que se refere ao Meio Ambiente:
A cidade agora está num novo momento, que está se readaptando
para o plano de resíduos sólidos. Inclusive vai ter um novo gal-
pão, vai retomar o aterro sanitário, porque hoje não existe um tra-
balho de reciclagem na cidade. O Coletivo Jovem Meio Ambien-
te de Pirenópolis, é um espaço da juventude que se preocupa com
a questão ambiental. E a COEPi vem apoiando esse movimento
desde o começo, tanto em âmbito estadual como nacional. Ela
serviu como CNPJ, ajudou com alguns editais, para ajudar o mo-
vimento se articular no ponto de vista da formação. A gente con-
seguiu reunir no ano retrasado, aqui em Pirenópolis, mais de cem
jovens, de coletivos do país inteiro, aqui na cidade, pois Pirenó-
polis sempre foi uma referência pro movimento nacional. (Tadeu)

Hoje em dia a COEPi é um nome muito conhecido em Pirenó-


polis e grande parte da população sabe onde fica a sede, e quando
não teve algum familiar envolvido, ao menos sabe o que eles se pro-
põe a realizar pela comunidade local. Essa associação é um bom ex-
emplo de uma entidade que se beneficiou do PCV para fortalecer
suas ações e se manter atuante mesmo após finalizar seu convênio.

118
Ponto de Cultura de Caldas Novas –
CEJUVI (GO)

Foto 03 – Salas onde ocorrem as atividades do CEJUVI

Introdução

O Ponto de Cultura de Caldas Novas – Centro Juvenil pela


Vida53 (CEJUVI), localizado no Setor Santa Efigênia, na cidade de
Caldas Novas (Goiás), surgiu em 2007 como resultado do relaciona-
53 Para maiores informações, pode-se acessar seu site em:
http://www.semectcaldasnovas.go.gov.br/tag/cejuvi

119
mento que a Irmã Elisa Ferreira (freira dominicana) iniciou com o
Rotary Internacional, quando se dispuseram a apoiar uma escola em
Goiânia onde a gestora já atuava. Entretanto, quando o pedido foi
aprovado pelo Rotary, a escola em Goiânia tinha sido fechada e a
proposta foi readequada para aplicação na cidade de Caldas Novas.
Foi estipulado uma assistência de R$ 39.000 para ser utilizada em
dois anos, com foco na implementação da cozinha, compra de instru-
mentos musicais e estrutura de escritório. Finalizado o prazo de
apoio do Rotary, o Comitê de Ação pela Cidadania 54 (CACI) viabili-
zou, em 2012, o ingresso do projeto na estrutura dos Pontos de Cul-
tura. Com o suporte adquirido junto ao PCV, completaram a compra
de instrumentos e ampliaram o corpo pedagógico para expansão de
horários e aplicação de novos cursos como capoeira, moda, informá-
tica e teatro55.
O objetivo principal desse Ponto de Cultura é trabalhar na pre-
venção à criminalidade, incentivando que crianças e adolescentes da
comunidade do bairro de Santa Efigênia possam realizar atividades
que as mantenham integradas, distanciando-as dos pontos de venda e
consumo de drogas.
Aqui nós trabalhamos com o teatro, a dança, música, informática.
Nós acreditamos que os adolescente, os jovens que acreditam, se
apaixonam pela arte em si, ele não vai se apaixonar pela droga,
pelo crime, por nada... (Irmã Elisa)

De acordo com a Professora Elisângela, coordenadora peda-


gógica da Escola Municipal Emilio Rosa Ferreira, principal escola do
bairro e na qual a maioria dos participantes do projeto estudam,
Muitos dos nossos alunos ficavam na rua. Tem muitos alunos
com talento e a maioria dos pais trabalham fora hoje em dia, e
esse CEJUVI, além de despertar a aprendizagem, estão ensinando
de repente a seguir uma carreira.

54 OSCIP responsável pela gestão do CEJUVI.


55 Para exemplos de trabalhos desenvolvidos no CEJUVI - Caldas Novas, procurar no
Youtube com as palavras chaves: Ponto de Cultura CACI e CEJUVI.

120
Portanto, a proposta deste Ponto de Cultura é propiciar um am-
biente de convivência com oficinas de diversos ofícios cuja orienta-
ção básica é estimular a autoestima dos participantes, impactando di-
retamente na identidade sociocultural da comunidade do Santa Efigê-
nia e bairros adjacentes, como explica a coordenadora:
Eu que estou aqui há 10 anos digo que esse bairro é outro. Todo
mundo fala que é a partir daqui, do nosso projeto, que as mudan-
ças começaram. (Irmã Elisa)

O CEJUVI oferece cursos gratuitos em contra-turnos escolares


sem custo aos participantes.

Análise

A pesquisa de campo foi realizada em Fevereiro de 2015, na


sede da CEJUVI, em Caldas Novas/GO e na Escola Municipal Emi-
lio Rosa Ferreira – EMERF. As entrevistas foram realizadas com
Irmã Elisa Ferreira, Professor Adeilton (oficina de música – instru-
mentos de cordas e percussão), Professora Elisângela (Coordenadora
Pedagógica da EMERF) e cinco crianças participantes da oficina de
música e moda com idade entre 10 e 13 anos – Tamires, Redelin, Isa-
dora, João Luiz e Wallace.
Para melhor estruturação da análise definimos indicadores di-
retos, destacados na ordem de relevância, e indicadores indiretos que
se associam por aspectos consequentes. Essa ordem permite observar
de maneira simples as consequências apresentadas por cada ação e
como elas se encadeiam no processo de construção do FIB local.
Dentro do CEJUVI encontramos uma força acentuada nos in-
dicadores de Educação, Vitalidade Comunitária, Bem-Estar Psicoló-
gico e Cultura. Indicadores indiretos podem ser relacionados ao Uso
do Tempo. Detectamos a ausência de indicadores diretos dentro do

121
discurso dos entrevistados relacionados aos domínios do Meio Ambi-
ente, Padrão de Vida, Saúde e Boa Governança.
Com a inexistência de cinema, salas de teatro e espaço para
apresentações artísticas – excetuando-se os locais voltados quase que
exclusivamente para a música sertaneja, o CEJUVI tem sido respon-
sável por movimentar atividades culturais na cidade e região. Dessa
forma, o primeiro indicador direto observado, em termo de relevân-
cia das ações desse PC, é o impacto nas ações culturais locais:
Aqui não tem ainda uma consciência, por ser uma cidade turística
as pessoas chegam perguntando onde tem Teatro, onde tem Cine-
ma. Não tem. Então tem grupos isolados como o nosso aqui. Cal-
das Novas não tem essa consciência cultural. Portanto, esse pro-
jeto nosso prepara os meninos e os clubes poderiam aproveitar
isso e provocar mais apresentações culturais. A gente percebe
uma mudança de visão. Antes não tinha nada. Teve um incrível
desenvolvimento que aconteceu nos jovens, adolescentes, as des-
cobertas dos dons. Esse menino de 10 anos [Redelin], se não ti-
vesse o projeto, ele nunca teria descoberto esse dom. O projeto
ajuda na descoberta e desenvolvimento dos dons que eles têm.
Essa alegria que vem assim nascendo, porque a música traz ale-
gria. O pessoal fica mais esperançoso e trabalha com mais ânimo.
A credibilidade que nós temos aqui em Caldas, todo mundo ad-
mira, todo mundo fala. (Irmã Elisa Ferreira)

A minha vida mudou muito depois que entrei no projeto. Antes


eu pegava o microfone e ficava cantando na frente da televisão.
Vi que tinha aula de música. Fui entrando em contato com as pes-
soas, fazendo amizade. Mudou muito na minha vida como eu
toco, eu canto. (Redelin – participante citado na fala anterior de
Irmã Elisa)

Minha vida mudou bastante depois que eu entrei no projeto. Na


escola, eu só tirava nota baixa, baixa, baixíssima. Depois que eu
entrei aqui, eu fui me relacionando mais. Fui tirando notas boas.
Eu entrei aqui porque, quando era pequeno, eu sempre quis tocar
algum instrumento. (João Luiz - participante)

122
Na sequência das falas sobre o impacto cultural, em especial
na área musical, surge um indicador indireto associado ao desenvol-
vimento das estratégias de educação cultural continuada que surge
em consequência às estratégias adotadas para arregimentação e disse-
minação das linguagens ensinadas nas oficinas (teatro, música, moda
e capoeira). Por isso, o indicador consequente é o da Educação:
A gente restaurou um rapaz aqui que participou de uma quadri-
lha, que roubou quase todos os instrumentos do projeto. Ele virou
um cidadão de bem e nesses seis anos ele virou um rapaz, foi tra-
balhar na cidade, virou chefe no setor dele, e foi transferido para
Anápolis. O projeto, além dessa transformação, de satisfação na
vida dos alunos, onde os alunos puderam se realizar fazendo suas
expressões artísticas, tem também essa questão da restauração da
personalidade. Como aconteceu com esse rapaz e teve outros
também. A gente vê que a gente contribui com a formação do ser
humano no que diz ao caráter. Isso também é interessante. (Pro-
fessor Adeilton)

Eu to começando agora a aprender guitarra, falta muita coisa ain-


da, a prática é fácil mas a teoria é uma dificuldade incrível né
professor? É trabalhando que se aprende né, assim a gente melho-
ra. (Tamires - participante)

São, assim, uns alunos bem elétricos, porque a aprendizagem de-


les vai além. São hiper-sociáveis, melhor dicção. Às vezes, quan-
do falamos que vamos conversar com a coordenadora do CEJU-
VI, eles mudam o comportamento. Dá pra ver que eles amam o
que acontece lá no CEJUVI. A escola só tem a ganhar. (Professo-
ra Elisângela, Coordenadora Pedagógica da EMERF)

Outro indicador que aparece em relação direta ao efeito do


projeto na vida dos participantes é o do Bem-Estar Psicológico, que
também se relaciona com a Educação.
Quantos alunos vêm de uma família disfuncional, desestruturada
e se sentem com a autoestima baixa, e lá ele se encontra? A auto-
estima dele se eleva. Chegando aqui na escola, ele se sente valo-

123
rizado. Porque ele vê “eu sou alguém, eu consigo fazer”. E com a
autoestima elevada, a aprendizagem também vai ficar elevada,
porque ele começa a confiar nele mesmo. Ele começa a acreditar
na aprendizagem dele. Ele se desperta, ele amadurece. Ele se en-
contra, eles ficam acreditando neles mesmos. Tem aluno aqui que
era muito inquieto. Começa a fazer, vem o despertar, começa a
acreditar nele. Lá eles veem outro estilo de vida. “Aqui eu posso
escrever uma nova história”, e por isso eles contribuem mais em
casa, na escola, no bairro que vive, na cidade. (Professora Elisân-
gela, Coordenadora Pedagógica da EMERF)

Há um impacto no entusiasmo deles. É o rumo da vida deles que


tá sendo outra. Estar no projeto dá credibilidade para os meninos.
(Irmã Elisa)

Eu sou do Pará e quando eu cheguei aqui eu só conhecia o pesso-


al que morava comigo. Me receberam de braços abertos. Aprendi
alguns instrumentos e só melhorando graças a Deus. E agora é só
fazer mais amigos e a galera que entra é só expandir o projeto.
(Tamires - participante)

Atualmente, eles não só aumentaram a autoestima pessoal,


como o orgulho de morar e estudar num bairro que é apoiado por um
projeto como esse. Em um passado recente as crianças e adolescentes
se recusavam a se apresentar com uniformes que os identificassem
como habitantes do bairro de Santa Efigênia. Hoje, sentem orgulho.
Dessa forma, fica claro que as ações do CEJUVI afetam diretamente
a Vitalidade Comunitária como reflexo do Bem-Estar Psicológico.
O projeto, ele abrange várias áreas…tem ajudado bastante na
nossa formação, na formação como cidadão tem contribuído tam-
bém com a minha pessoa. Já tive oportunidade de atuar em outros
locais, mas mesmo assim não abandonei esse projeto. Me formei
em direito, tirei a carteira da OAB, abri escritório, mas não deixei
o projeto. A gente ajuda o ser humano e ele acaba ajudando a
gente. (Professor Adeilton)

124
Desde quando eu entrei aqui eu mudei muito com a minha famí-
lia, amigos e parentes. Aqui é muito legal, mudei muito, minha
vó acha que eu mudei, eu também acho. (Isadora - participante)

Por fim como consequente aos indicadores de Vitalidade Co-


munitária e Bem-Estar Psicológico, aferimos falas que apontam para
o indicador relativo ao Uso do Tempo. Isto ocorre aqui porque a oci-
osidade, que outrora era comum entre as crianças e jovens da comu-
nidade de Santa Efigênia e arredores, diminuiu consideravelmente,
evitando a exposição destes a fatores contribuintes à criminalidade,
desemprego e depressão.
Ficava em casa fazendo nada e chega aqui junta a galerinha vamo
fazer um som! (Tamires)

Se não houvesse isso no bairro eles ficariam na rua aprendendo o


que não pode. (Professora Elisângela)

Eu comecei a fazer o projeto por causa dela (Isadora), porque eu


ficava só em casa vendo TV. (Wallace - participante)

Um fator que possivelmente instrui o bom uso do tempo está


na multi-instrumentalidade dos alunos, que conseguem desenvolver
boa habilidade em diversas áreas dentro das oficinas oferecidas no
CEJUVI. Sobre um dos participantes do projeto, Irmã Elisa diz:
Ele não fez dez anos ainda, mas nessa apresentação do final de
ano ele tocou seis instrumentos. Cada apresentação ele tocava um
instrumento. Ele canta também. Ele é de uma igreja evangélica
aqui pertinho e é um líder lá na igreja. O pastor deixa ele fazer
coral com os meninos.

Esse fato não é isolado, e há diversas crianças que acabam por


aprender diversos instrumentos, talvez como uma razão para perma-
necer mais tempo nesse espaço.

125
Tenho 10 anos e estou aqui no projeto desde os 5 anos e sei tocar
8 tipos de instrumentos. Bateria, violão, guitarra, percussão, ca-
vaquinho, e estou aprendendo trompete… (João Luiz)

Tenho 12 anos, faço bateria e comecei nesse projeto em 2010 e


estou aqui até hoje. Toco bateria, violão, guitarra e cavaquinho.
(Wallace)

Durante essa pesquisa de campo, percebemos o quão significa-


tivo é o impacto do CEJUVI na cidade de Caldas Novas. A percep-
ção social aponta que os índices de violência diminuíram considera-
velmente na comunidade de Santa Efigênia e muitos jovens experi-
mentam novas possibilidades de estudo e emprego. Mas, embora
haja um forte impacto social, a gestora se mostra desconfortável com
o fato de que o projeto necessite custear todas as oficinas, visto que
não há voluntariado suficiente para manter as atividades.
Ninguém quer ser voluntário. Mesmo o aposentado fala assim:
“eu sou aposentado, mas preciso ganhar”. A maior dificuldade é
você arrumar alguém pra trabalhar como voluntário. (Irmã Elisa)

Um dos pontos que a gestora Irmã Elisa Ferreira mais desta-


cou foi a necessidade de apoio financeiro continuado para a manu-
tenção das oficinas, visto que os participantes não arcam com custos
necessários para o funcionamento do projeto e dos cursos. Na maior
parte da entrevista foi ressaltado o desconforto da gestora com inter-
rupções no financiamento acertado pelo programa, o que acarretou
em reduções nas capacidades de alcance do projeto. Como a intera-
ção com outros Pontos de Cultura é praticamente inexistente, muitos
dos problemas resolvidos em outras localidades não chegam ao co-
nhecimento da gestora, perdendo toda a potencialidade da ideia de
rede e gestão compartilhada.
Em Ipameri tem outro [Ponto de Cultura]. Eu sei que tem lá, eu
conheço até algumas pessoas lá do Ponto de Cultura, não sei se
em Catalão tem outro, mas o Ponto que eu sei que tem mais perto
daqui é Ipameri. Até tem a proposta da TEIA né, só que quando

126
tem, quem vai é o Presidente do CACI pois é eles que adminis-
tram. Nós não tomamos nenhum contato. (Irmã Elisa)

Sobre a sua entrada no PCV, a coordenadora reconhece que foi


muito importante, pois passaram a ter mais segurança na oferta de
cursos, apesar da falta de confiança se o recebimento de recursos
como Ponto de Cultura vai ser realmente pago. Para suprir as neces-
sidades financeiras, empresários locais contribuíram durante curtos
períodos, e um convênio com a prefeitura, que contribui com uma
pequena contribuição mensal.
Em certo momento, Irmã Elisa comenta sobre o desenvolvi-
mento da consciência de que uma sala fechada tem um grande im-
pacto econômico. A ajuda inicial do Rotary permitiu a transformação
desse espaço em um local de utilidade para a comunidade.
Quando eu cheguei aqui com essa consciência, eu falei: “Meu
Deus do céu, um salão desse tamanho, com essa estrutura, sem
nada... uma cozinha daquele jeito ali, sem nada.” Mas a cozinha
não era bem estruturada, pois não tinha panela, não tinha nada
para cozinhar, mas a gente tem tudo agora. Quando chegou o
Ponto de Cultura, a gente completou e tem tudo agora. […] O
pontapé inicial foi com o Rotary, mas a continuidade do projeto
foi graças ao Ponto de Cultura.

Um dos problemas que percebemos, durante essa visita de


campo, foi a falta de um acompanhamento mais intenso na relação
entre fomentadores e gestores, visto que as práticas de aplicação de
estratégias permanecem isoladas nesse Ponto de Cultura. Outros in-
dicadores se tornariam protagonistas caso os reais atores do projeto
pudessem interagir com outras bases. Além da continuidade financei-
ra, um fator que agrava a não incidência de outros indicadores se dá
no âmbito estratégico, visto que a gestão atua somente no contexto
que consegue captar, focalizando, na maior parte, em ações culturais.

127
Ponto de Cultura Caminhos Audiovisuais
(DF)

Foto 04 – Alunos participando da oficina do PC Caminhos Audiovisuais

Fonte: http://caminhosaudiovisuais.blogspot.com.br

Introdução

Idealizado pelo professor Raffaello Santoro, arte educador, mi-


litante da cultura Hip Hop e produtor musical, o Ponto de Cultura
Caminhos Audiovisuais56 foi uma iniciativa da Associação Cultural
56 Para maiores informações é possível acessar seu site em:

129
Claudio Santoro57, em Brasília, Distrito Federal. O projeto foi apro-
vado pela Secretaria de Cultura em 2011 mas, com o atraso de dois
anos para liberação de recursos, sua finalização não aconteceu em
2013/2014, e está previsto somente para 2016.
Esse Ponto de Cultura não tem instalações próprias e depende
de parcerias para seu funcionamento. Em 2012 iniciou seus primeiros
cursos nas dependências da Faculdade Dulcina de Moraes, localizada
no Setor de Diversões Sul (conhecido como Conic), e em 2014 pas-
sou a utilizar uma sala cedida dentro da Administração Regional da
Estrutural como endereço. O Ponto ocupa uma sala ampla, com seis
computadores enfileirados em duas filas de três, e outros materiais
para produção audiovisual. Além disso, eles possuem armários e um
sofá.
Oferece somente cursos presenciais que ocorrem de segunda a
sexta-feira, e atendem, em sua maioria, jovens entre de 16 e 28 anos.
As turmas são limitadas a até cinco alunos por turno (matutino e ves-
pertino) por conta da quantidade de equipamento. A duração dos cur-
sos varia, desde cursos de produção musical (com opções de 45 a
180 horas), ao curso de áudio, com carga horária de 100 horas distri-
buídas em cerca de 25 dias.
A escolha dos oficineiros é sempre feita por edital. Já a partici-
pação nos cursos depende de uma conversa com o coordenador, que
avalia o interesse da pessoa. Tal medida mostrou-se necessária para
evitar a grande evasão e rotatividade dos alunos, que acontece por di-
versos motivos como, por exemplo, dinheiro para o transporte ou
problemas familiares. O Ponto sempre procurou dar preferência a
pessoas de diferentes cidades satélites e possui alunos do Riacho
Fundo, Santa Maria, Estrutural, Ceilândia e Varjão.
Um dos principais problemas que tive no primeiro ano foi passa-
gem de ônibus dos alunos. O que a gente faz aqui não é reconhe-
cido pela secretaria de educação, então os meninos não podem ter

<<http://caminhosaudiovisuais.blogspot.com.br/>>.
57 Ver em <<http://www.claudiosantoro.art.br/accs/br/accs.html>>.

130
aquele passe livre para pegar ônibus. Muitos alunos não conse-
guem vir porque não tem dinheiro para pegar ônibus. O Fernando
mesmo, era o professor do colégio dele que pagava a passagem
pra ele vir todo dia. Às vezes os alunos faltam por falta de passa-
gem mesmo. Foi uma das maiores reclamações no primeiro ano,
desse ano também, foi a maior reclamação. Aqui em Brasília o
cara tem que pegar dois, três ônibus para chegar em um lugar. E
não é integrado. Então o cara tem que gastar dinheiro, mas não
tem dinheiro pra isso. É complicado. Pra mim essa foi a maior di-
ficuldade para os alunos. […] O menino do ano passado, do Var-
jão, eu praticamente pagava a passagem dele sempre, para ele
não perder. É complicado. (Raffaelo, idealizador).

Apesar de não ter pretensão de os alunos saírem do curso


como editores, músicos ou produtores musicais profissionais, o pro-
jeto foi pensado para ser o mais profissionalizante possível, como
uma alternativa para quem não tem condição de pagar um curso pro-
fissionalizante de audiovisual, por exemplo. Em relação aos softwa-
res utilizados em seus cursos, Santoro diz que utilizam tanto softwa-
res livres quanto proprietários. Como sistema operacional principal,
utilizam o Ubuntu. Todavia, conseguiu um convênio com a empresa
Magix (software de edição de vídeo e áudio) para trabalhar com es-
ses programas proprietários, possibilitando a seus estudantes o conta-
to com programas utilizados no mercado de trabalho.

Análise

A pesquisa foi realizada em Novembro de 2014, na sala cedida


dentro da Administração Regional da Estrutural, que funcionava
como sede e sala de aula. As entrevistas foram realizadas com o co-
ordenador Rafaello Santoro, com o oficineiro WT, e dois participan-
tes das oficinas de audiovisual, Heitor e Lucas.

131
Foto 05 – Oficineiro WT e alunos de um dos cursos do Ponto. Ao fundo, a
bolsista Marta Pederiva entrevista Rafaello Santoro.

Em relação ao FIB, nas falas dos entrevistados é possível reco-


nhecer como suas ações impactam diversas dimensões. A mais evi-
dente é a da Educação, incentivando a aprendizagem contínua e pos-
sibilitando um novo conhecimento que pode abrir possibilitantes de
atuação profissional.
Não tinha essa expectativa de aprender tanto assim, pensava que
ia ser uma coisa mais simples. Superou minhas expectativas, esse
curso. Já aprendi bastante. (Lucas, participante).

Só pelo fato do Ponto me ensinar e eu poder ensinar lá na minha


quebrada, eu acho que já... Tudo o que eu aprendo aqui, princi-
palmente no áudio, [...] tudo o que eu aprendi aqui, hoje eu aplico
lá no meu estúdio. E ensino pros meus amigos que também que-
rem aprender, entendeu? Meu estúdio é de áudio. Eu não dou

132
aula, mas o que eu aprendi, eu posso passar adiante lá, entendeu?
(Heitor, participante)

É interessante observar, nesse discurso, como a ideologia de


poder passar o conhecimento adiante, de forma gratuita, acaba por
ser absorvida pelos participantes, resultando não somente em possí-
veis profissionais da área de multimídia, mas multiplicadores de co-
nhecimento. Esse sentimento de poder ajudar ao próximo é algo re-
corrente entre os idealizadores e coordenadores dos pontos:
O Ponto de Cultura ajuda, né? Sem isso você não teria a possibi-
lidade de fazer um DVD com 10 videoclipes com grupos de co-
munidade que não tem condições de gravar seu videoclipe. Não
teria condições de fazer uma coletânea, nem um documentário.
Não teria condições de dar emprego temporário para oficineiros,
para eles mostrarem seu trabalho e ganhar com isso. Não teria a
oportunidade desses alunos aprenderem. Quer dizer, só tem van-
tagem. Não tem desvantagem. Pra mim, os recursos estão aí para
ajudar a fazer isso. E como no Ponto de Cultura eu tenho que
gastar com serviços, então, estou gastando com o humano e isso
que é importante. (Raffaelo, idealizador).

O Bem-Estar Psicológico permeia quase todos os discursos, ao


se referirem com alegria sobre suas experiências no PC e consequen-
te elevação da autoestima. Ele fica evidente na fala de um dos parti-
cipantes, que expressa orgulho por conseguir realizar um sonho da
infância por meio do Ponto:
Desde pequeno eu sempre gostei e tinha vontade de trabalhar
dessa área [audiovisual]. Abriu essa oportunidade, me inscrevi.
Curso particular é caro. (Lucas, participante).

Outro domínio que tem muito destaque em suas ações é o da


Cultura, seja através da valorização da cultura local, ou das culturas
juvenis que muitas vezes estão fora do mainstream, como é o caso da
cultura Hip-Hop. Essa é um exemplo uma prática cultural que, im-
pulsionada pelo desenvolvimento tecnológico que possibilitou a for-

133
mação de redes globais de comunicação, acelerou a difusão intercul-
tural de músicas criando um fenômeno que é ao mesmo tempo local,
ao utilizar temáticas e sonoridades comuns a sua região geográfica; e
é global, ao se basear em práticas musicais que estão disseminadas
em quase todo o planeta, e nas quais indivíduos de locais distantes
como Brasil e Indonésia58 se reconhecem. E essa é a principal área
de atuação de Raffaelo Santoro, também conhecido como DJ Rafa.
E, claro, nossa metodologia é o hip-hop. A cidadania e o hip-hop.
Então a gente se concentra em clipes de rap, hip-hop, de break. A
gente faz, tá sempre nesse segmento, que é o meu segmento. […]
Os dez grupos escolhidos para fazer o CD que a gente tá fazendo
esse ano são do próprio Ponto e da Comunidade, tanto da Estru-
tural quanto de Brasília. E o DVD de videoclipes que a gente fez
no ano passado foi feito com intercambio com outros pontos, de
Porto Velho e Rondônia. E gravei dois clipes de dois grupos de
lá, do movimento MHF, Movimento Hip-Hop da Floresta. A gen-
te fez esse intercambio para ajudar aqui e lá, foi muito interessan-
te. (Raffaelo, idealizador).

Nós produzimos um clipe que ganhou um premio aqui em Brasí-


lia, que é o prêmio Hip Hop Zumbi dos Palmares, de melhor vi-
deoclipe. Graças ao Ponto a gente produziu ele totalmente aqui
(Heitor, participante)

Como em diversos outros exemplos, o domínio da Cultura


também está muito relacionado com o da Vitalidade Comunitária e
do Bem-Estar Psicológico, ao promover a autoestima, o senso de per-
tencimento e ter exemplos de pessoas da própria comunidade que
conseguiram “dar a volta por cima”.
Além do contato com os alunos e a troca de conhecimento que a
gente tem entre nós, os próprios professores, que muitos deles fa-
zem parte do mesmo projeto que a gente tem, por exemplo, o WT
também canta RAP. Então dentro da perspectiva dele, que é mui-
to mais antigo do que eu, eu acho que, na minha vida, conseguiu
58 Um exemplo sobre o hip-hop na Indonésia por ser encontrado em
<<http://www.insideindonesia.org/homicide-and-hip-hop>>. Ver (HARKNESS, 2006).

134
me ensinar. Tanto ele quanto o Raffa, e as outras pessoas que pas-
saram por aqui, conseguiram me dar esse ensinamento de pesso-
as, de pessoas que estão a mais tempo e ensinam, além do profis-
sional, o psicológico também. Ensina como a gente deve se com-
portar, pra onde a gente deve caminhar para que os nossos proje-
tos realmente consigam dar certo (Heitor, participante).

Eu costumo escolher oficineiros que são de periferia, também,


que entendem esses jovens. Que já trabalham, também subiram,
conseguiram ser sobreviventes. Acho importante eles passarem
essa experiência também. […] Um dos alunos da tarde, Fernan-
do, é poeta e cantor de RAP. Lançou um livro de poesia, faz le-
tras, é assíduo, mas mora sozinho na favela aqui atrás. O pessoal
tá fazendo um mutirão pra construir lá um negócio porque, toda
vez que chove, alaga tudo, perde tudo. É um menino sofrido, mas
é um menino que tá em todas as aulas, muito interessado. (Raffa-
elo, idealizador).

Em relação à Boa Governança, Santoro reconhece que o Ponto


de Cultura supre algumas deficiências que podem ou deveriam ser do
ente público, ao mesmo tempo que identifica o que vê como proble-
mas a serem solucionados.
A associação não tem um lugar fixo do Ponto. É muito difícil ter
um lugar fixo hoje em dia. Pra mim isso é uma das falhas [...] de-
viam existir mais editais para a gente poder estruturar o Ponto de
Cultura, ajudar a ter um local, sabe!? Dentro da Comunidade.
[…] Se eu tivesse um local fora da Administração [Regional da
Estrutural], eu ficava aqui, porque aqui é muito legal.[…] Por
isso que falo, se vier um edital que possa fazer essa manutenção
dos pontos, ajudar a ter um local. Por exemplo, todos os upgrades
das maquinas para trabalhar com audiovisual eu tive que fazer
com o meu dinheiro, não pude usar o dinheiro do ponto. E cada
upgrade desses é 700 reais. Vai defasando e você tem que fazer o
upgrade para os alunos trabalharem com full HD, com a ultima
geração de ferramentas de vídeo. E você tem que fazer isso por
conta própria. O edital não permite isso. Então, é muita vontade
de fazer a coisa. A gente acaba se envolvendo. Mas seria bom se

135
você pudesse dentro de um edital fazer isso (Raffaelo, idealiza-
dor).

Por fim, os cursos oferecidos acabaram por impactar o Padrão


de Vida das pessoas que participaram. E, de acordo com Santoro,
essa foi a intenção desde o início, de optar por uma quantidade me-
nor de alunos, investir na qualidade do aprendizado, e sair com um
conhecimento o mais profissional possível:
Tem outra aluna, Andressa, que foi uma das minhas primeiras
alunas. Depois conseguiu um emprego na área de audiovisual.
Foi editora muito tempo numa TV, depois professora de informá-
tica de um Ponto, e agora voltou a estudar aqui, porque o Choco-
late [oficineiro] tá dando um pouco mais avançado, e ela tá apro-
veitando para se reciclar também. […] Porque o hip-hop era só
um chamariz. A gente não ia deixar o grafiteiro fazendo só isso o
resto da vida. A gente queria que ele aprendesse web design, que
ele começasse a aprender serigrafia para ter uma profissão. O DJ,
ia ser técnico de áudio, produtor musical. (Raffael, idealizador).

A atuação profissional na área já é uma realidade para alguns


de seus egressos, e se tornou uma realidade possível para os novos
alunos.
Hoje eu tenho um estúdio que eu posso gravar os meus amigos e
os meus sons com os ensinamentos que eu aprendi aqui no Ponto,
com o Raffa, de produção de áudio. Então eu acredito que o Pon-
to me deu as ferramentas pra conseguir alavancar os trabalhos
que eu já tava fazendo, entendeu? Eu já fazia música antes de vir
aqui pro Ponto, só não tinha os instrumentos pra me autoproduzir
e pra produzir os meus parceiros. Então, quando eu cheguei no
Ponto de Cultura eu não sabia muito como fazer isso. (Heitor,
participante)

Pretendo entrar nesse mercado da comunicação. Trabalhar nessa


área do audiovisual. Quero trabalhar nessa área. Pretendo montar
minha própria empresa, meu estúdio. Isso é um sonho. Não só de
audiovisual, mas também de gravar música, vinhetas, videocli-

136
pes, quem sabe até filmes. Desde pequeno foi meu sonho. Trou-
xe a perspectiva de um futuro melhor, através das coisas que eu
gosto de fazer, mexer com audiovisual, editar vídeo, essas coisas.
(Lucas, participante).

Como resultado de suas ações, destacam-se tanto a inserção


profissional dos alunos e ex-alunos, como a produção de trabalhos
musicais e audiovisuais com os equipamentos do Ponto. Em 2012,
produziu um DVD com 10 videoclipes em intercâmbio com outros
Pontos de Cultura, um de Porto Velho e outro de Rondônia. Em 2013
produziu um CD e um DVD documentário.

137
Ponto de Cultura Ludocriarte Editora (DF)

Foto 06 – Sede do Espaço Ludocriarte

Introdução

O ponto de Cultura Ludocriarte Editora, localizado na cidade


de São Sebastião, Distrito Federal, é uma iniciativa surgida, idealiza-
da e promovida pelos organizadores do espaço Criarte. A proposta é
incentivar jovens a trabalhar sua expressão oral e escrita através da
produção e contação de histórias, além do incentivo ao gosto pela lei-
tura e produção de textos.

139
A Associação Ludocriarte surgiu da experiência do italiano Pa-
olo Chirolla em trabalhos sociais pelos interiores de Goiás, experiên-
cia que o incentivou a realizar, em 2005, a construção de uma brin-
quedoteca comunitária na cidade-satélite de São Sebastião no Distri-
to Federal e mais tarde a Ludocriarte Editora. O objetivo da associa-
ção é o de trabalhar as diversas expressões das crianças através de
atividades lúdicas realizadas em conjunto, incentivando a construção
subjetiva que abrange desde a percepção do aspecto comportamental
da ética, até a promoção da convivência coletiva, sem deixar de cen-
tralizar a expressividade dos meninos e meninas.
A partir de 2012 inciaram as atividades da Editora Ludocriarte,
e até o ano de 2015 foram publicados dois livros de histórias clássi-
cas infantis recontadas pelas próprias crianças, intitulados “Era outra
vez...”. Com a publicação desses livros, a instituição teve um alcance
maior que o meramente institucional, e a comunidade local foi devi-
damente representada no processo autoral das histórias publicadas.
Com certa frequência, eventos são realizados para a comunidade com
o intuito de divulgar os trabalhos feitos pelas crianças e interagir com
a comunidade local. Essas iniciativas são idealizadas com a proposta
de envolver a comunidade não participante a conhecer e interagir
com as ações realizadas no ponto.
A região na qual o PC atua se caracteriza pela carência em ati-
vidades de incentivo à promoção cultural e ao lazer da comunidade.
São contemplados pela associação cerca de 500 jovens moradores da
localidade que estão entre 6 e 17 anos. Esses jovens são distribuídos
entre mais duas iniciativas que fazem parte da rede Ludocriarte: o
Conexão Jovem e o Criarte. As atividades são realizadas de segunda
a sexta no turno da manhã ou da tarde dependendo do horário esco-
lar.
A sede da associação se localiza em uma casa num bairro resi-
dencial e se destaca pela sua fachada colorida. Seu interior é todo
adaptado para as atividades desenvolvidas e decorada de forma a in-
dicar que naquele ambiente existem crianças em plena atividade ar-
tística. O espaço contém vários cômodos, sendo um deles o escritório

140
onde são realizadas as atividades burocráticas do espaço, uma cozi-
nha onde encontramos várias senhoras preparando o lanche da tarde,
e um amplo espaço atrás da casa onde as crianças lancham, fazem
atividades de reforço escolar e brincam. O interior da casa possui
uma área física muito restrita apesar dos vários cômodos. Atividades
que exigem maior movimentação são realizadas na parte da frente da
casa, toda equipada de brinquedos, casinhas, mangueiras, materiais
lúdicos e artísticos.
Com o espaço físico limitado, muitas propostas idealizadas
para o Ponto de Cultura e para a associação ficam sem se concretizar
como, por exemplo, a abertura de atividades para todos os interessa-
dos da comunidade, sem restringir a quantidade de público contem-
plado. Essa limitação faz com que os coordenadores encontrem difi-
culdades em manter qualquer tipo de espaço comunitário na associa-
ção.

Foto 07 – Atividade do PC Ludocriarte na área externa

141
O espaço se mantém graças a uma série de parcerias e convê-
nios feitas ao longo dos anos. O surgimento da associação foi possí-
vel graças a um incentivo da embaixada italiana por alguns anos e al-
gumas iniciativas da própria associação em arrecadar fundos, além
de alguns prêmios que, financeiramente, foi um fomento importante
para dar continuidade ao projeto e suas atividades. A parceria mais
recente é um convênio com a Secretaria Adjunta de Desenvolvimen-
to Social de Brasília (Sedest), a partir do qual foi possível ampliar a
iniciativa e manter os profissionais da associação. Esse convênio en-
volve o Centro de Referência de Assistência Social da Secretaria do
Trabalho (CRAS) de São Sebastião, onde os jovens atendidos podem
ser encaminhados para participar das atividades.

Análise

As entrevistas com os coordenadores, professores, estudantes e


pais de alunos aconteceram nos meses de Novembro e Dezembro de
2014. Na primeira ida a campo foram visitados os espaços físicos nos
quais o ponto desenvolve suas ações. Na segunda ida a campo as bol-
sistas registraram um evento organizado numa tenda pelo PC, com
apresentações artísticas e musicais diversas, entre as quais uma ofici-
na de côco e uma banda de Pop/Rock, finalizando com um DJ tocan-
do músicas eletrônicas e muitos adolescentes dançando.
Nas falas dos entrevistados, dois dos domínios do FIB que
mais se destacam são o do Bem Esta Psicológico e o da Vitalidade
Comunitária, ambos refletidos em seu cuidado com as relações entre
as crianças e adolescentes que participam das atividades e sua famí-
lia.
Numa reunião de pais, se você faz uma pergunta: gente, o que vo-
cês estão sentindo que mudou na vida dos seus filhos? Cara, você
chora. Juro. Toda vez eu me emociono profundamente. Nem a
gente que está aqui tem noção do que muda para essas crianças.

142
[…] Eles têm uma grande ausência dos pais, uma sociedade vio-
lenta. Aqui eles têm uma relação que não constroem em outro lu-
gar. [...] a gente tem retorno de professores das escolas que a gen-
te conhece, dos próprios pais, dos meninos que cresceram, sabe?
É fantástico, quer dizer, você percebe que é um trabalho que não
tem preço. É tudo a longo prazo, você não vê logo, não tem aque-
la coisa bonitinha, ah pronto o resultado tá aqui. Mas você sabe
que essas pessoas vão levar de, qualquer forma, vão levar uma
semente. São multiplicadores. (Paolo, coordenador)

Pra mim foi uma oportunidade gigante tanto do lado profissional


quanto do pessoal. E também da minha vida comunitária, pois foi
um retorno ao local onde vivi por muitos anos. E o resultado que
a gente tem é o resultado que a gente esperava de fortalecimento
de vínculos familiares. (Cláudia, pedagoga do projeto)

Esses indicadores também aparecem no discurso de Arthur,


psicólogo que acompanha o Conexão Jovem:
O atendimento que a gente faz aqui é uma atendimento mais vol-
tado para fortalecer os vínculos familiares. Vai ter mãe que vem
reclamando de como o filho se comporta em casa, que não conse-
gue dar um limite, se sente distanciada do filho. E a gente traba-
lha para tentar aproximar esses dois e para tentar orientar a mãe
sobre o que ela pode fazer. Aonde ela pode conseguir um atendi-
mento psicológico, como ela pode acompanhar mais de perto o
filho, estratégias para que ele passe menos tempo na rua, sobre
como colocar limites. […] O que a gente mais vê aqui é família
que vai recorrer à violência para disciplinar, ou a família que, ao
não querer recorrer à violência, não faz nada. A gente tenta auxi-
liar sobre como administrar aquela família de modo mais eficien-
te e mais saudável. (Arthur, psicólogo)

Essas ações também refletem no domínio da Educação, quan-


do percebemos que há um maior controle sobre os sentimentos posi-
tivos e negativos, assim como uma reflexão sobre os valores ético e
morais.

143
A gente vê muito mais claro com as crianças e com os adolescen-
tes que a gente trabalha. Tem crianças que antes só resolvia as
coisas com os colegas no tapa. Mas com o passar do tempo já
consegue sentar, conversar, expressar o que está sentindo. Você
vê os mais velhos cuidando dos mais novos. Resolvendo brigas,
ajudando em tarefas do ponto. Com menos frequência a gente
percebe essas mudanças de comportamento nos pais. Por exem-
plo, pais que antes só brigavam com os meninos, já começam a
levar o menino para passear, vai tomar um sorvete, conversar,
sentar para brincar. E isso é espetacular, é uma mudança genial,
por que é no núcleo familiar. Sobre a comunidade, a gente perce-
be que uma pequena ação que fazemos acaba reverberando em
outras pessoas que não participam do programa. Como uma mãe
que conversa com outra sobre as coisas que ela e o filho vivenci-
am aqui. (Arthur, psicólogo)

Outro exemplo é nos dado pela mãe de uma das crianças, so-
bre como o projeto tem contribuído para melhorar sua autoestima e
suas relações interpessoais.
Minha filha, ela é muito assim, nervosa, nervosa demais. Ela tem
tanto medo de agulha que chegou a desmaiar. Então, eu coloquei
ela pra ficar no meio do povo conversar com o pessoal, com os
professores. Pra mim foi ótimo. Ela era muito tímida, retraída.
Esse projeto é maravilhoso! Pra mim foi a melhor coisa que po-
deria acontecido. Ela mudou muito. (Célia, mãe de uma das parti-
cipantes)

A percepção sobre um melhor uso do tempo estava presente na


fala de todos os entrevistados. Isso pode ser explicado, em grande
parte, pelos diversos relatos de violência, assalto e uso de drogas em
São Sebastião. Ao serem questionados sobre a importância desse
Ponto de Cultura, todos sempre falavam sobre o fato de “tirar as cri-
anças da rua”. Essa percepção também está presente nos discursos
das crianças, ao falarem que, antes de começarem a participar das
atividades do ponto, “ficava na rua”, “ficava mexendo no computa-
dor e assistindo televisão”, ou “ficava dormindo em casa perturbando

144
minha mãe”. Um deles reconhece que, muitos dos adolescentes, se
não estivessem “ocupados” no ponto, provavelmente estariam na
“rua, fazendo coisa errada”.
O impacto sobre a cultura também surge nas entrevistas, quan-
do comentam a organização de apresentações artísticas. Sobre o
evento que estava acontecendo no sábado à noite, os adolescentes es-
tavam muito animados, tanto por ter uma “diversão segura”, quanto
por poderem assistir seus colegas se apresentando. A organização de
apresentações artísticas acaba por se tornar algo importante, mostran-
do como o Ponto de Cultura vem suprir essa deficiência à atuação
deficitária do estado nas áreas da cultura (indicador relacionado à
Boa Governança).
Quero dizer que é muito importante os Pontos de Cultura e os
projetos associados aos Pontos de Cultura para de fato a gente
conseguir trazer os espetáculos, arte, educação, para as cidades
satélites de Brasília. Nós temos um distanciamento muito grande,
tanto dos aparelhos do Estado que promovem cultura, lazer e
educação, quanto a gente tem, de fato, dos artistas. Eles estão em
outras cidades, os que são reconhecidos, e a gente tem uma gama
de artistas e de meninos com muito potenciais. E através de asso-
ciações como a Ludocriarte a gente consegue, de fato, aperfeiçoar
esses talentos. (Cláudia, pedagoga do projeto)

Também relacionado à Boa Governança e à Vitalidade Comu-


nitária podemos citar a criação do Fórum de Entidades Sociais, como
explica Paolo:
Criamos, em São Sebastião, um Fórum de Entidades Sociais. É o
único fórum no DF que está funcionando já há mais de cinco
anos, das entidades que se reúnem todo o mês, para discutir ques-
tões das entidades. Presencial. Chama-se Fórum de São Sebas-
tião, e acho que isso deu uma base forte para todas as instituições
aqui. A gente poder dividir problemas, pensar soluções juntos.
(Paolo, coordenador)

145
Esse Fórum contribuiu para fortalecer os laços entre as diver-
sas entidades locais, assim como empoderar o viés político através de
uma maior participação em editais governamentais e firmar parcerias
com instituições como o Sedest e o CRAS. Essa prática de criar uma
rede entre diferentes instituições é amplamente estimulada pelo PCV,
e percebe-se que funciona de forma bastante específica nessa locali-
dade.
O domínio da Educação está presente não somente através dos
diversos cursos oferecidos, como numa das ações mais interessantes
desenvolvidas que foi a publicação de dois livros com histórias in-
fantis, um com recriação de histórias tradicionais, outro com históri-
as inéditas.
O viés que a gente segue, no Ponto de Cultura, a gente trabalha
muito a questão das histórias, leitura e criação de histórias. Pelos
pequenos, até quatorze anos, de seis a quatorze. Outras oficinas
que são constantes são toda a parte lúdica. Então assim, brinca-
deiras tradicionais, cantigas de roda, musicalização e brincadeira.
[…] O Michael tem doze, treze anos. Ele entrou com quatro anos,
quando a gente ainda pegava essa faixa etária. Agora ele não está
nem mais no grupo. Ele é, digamos assim, o boss. Ele entra quan-
do quer, sai quando quer. Mas ele usa aqui realmente como um
ponto. Tem o Lucas que conta umas histórias incríveis, e está
aqui com a gente desde pequeno. (Paolo, coordenador)

O Ponto de Cultura Ludocriarte tem uma grande projeção em


sua comunidade na cidade de São Sebastião ao atender quase qui-
nhentas crianças e adolescentes (o equivalente a cerca de 0,5% de
toda a população de São Sebastião). Isso é possibilitado pelo fato de
suas instalações físicas incluírem três locais diferentes, e mantido
através de suas parcerias com a Sedest, o CRAS, e o edital dos Pon-
tos de Cultura.

146
Ponto de Cultura CENPRO Faces de
Cultura (MT)

Foto 08 – Contação de histórias no PC Cenpro/Faces de Cultura

Fonte: http://cenprofaces.blogspot.com.br/

Introdução

O Ponto de Cultura CENPRO Faces de Cultura 59 está localiza-


do no Estado de Mato Grosso, em um município de 50.000 habitan-
59 http://cenprofaces.blogspot.com.br/

147
tes chamado Primavera do Leste. Surgiu a partir de uma parceria en-
tre a Companhia de Teatro Faces 60, a ONG Cenpro61 e a Prefeitura
Municipal de Primavera do Leste. Atualmente conta com cerca de 10
Instrutores de Teatro atendendo quase 500 alunos inscritos. As ativi-
dades acontecem de forma descentralizada em diversas escolas da ci-
dade, entre as quais a Escola Novo Horizonte, CRAS São José,
CRAS Mabília Furtado - Primavera III, Escola 13 de Maio, Escola
Sebastião Patrício, Escola Mauro Weis, e Espaço Prima Jovem.
Idealizado pelo diretor e ator Wanderson Lana, o grupo Teatro
Faces começou a tomar forma em 2005 a partir da necessidade de
fortalecer o fazer teatral no interior do país, tornando-o mais atrativo
e rentável para os jovens já inseridos no universo do teatro. Os parti-
cipantes do projeto são estudantes do ensino médio que desenvolvem
as atividades teatrais paralelamente às atividades escolares. Mesmo
após concluir o ensino médio, a companhia proporciona um incenti-
vo financeiro para aqueles jovens que pretendem se desenvolver
como atores, que têm interesse em se profissionalizar nas artes cêni-
cas.
A sede do Ponto de cultura fica em um prédio cedido pela pre-
feitura, localizado em um bairro com aspecto de classe média. O lo-
cal tem um espaço amplo em seu interior, propício para desenvolver
atividades que requerem bastante movimentação.
O ambiente é dividido em vários espaços, sendo um deles uma
pequena biblioteca comunitária, com livros que vão desde literatura
brasileira aos livros de artes cênicas. É uma biblioteca construída
para que se incentive o estudo e a leitura dos jovens. Além da biblio-
teca, existe um laboratório de audiovisual com equipamentos moder-
nos e uma boa estrutura para a construção e edição de filmes de
curta-metragem. Esse grupo já tem vários filmes gravados e disponi-
bilizados na internet, dentre eles “O astronauta e a bailarina” 62, gra-

60 http://teatrofaces.com.br
61 Centro de Ensino Profissionalizante.
62 https://www.youtube.com/watch?v=Ur49oXHsNx8

148
vado na própria comunidade e com um enredo inspirado em um
acontecimento que chocou a comunidade local.
Além de aulas de teatro e das produções audiovisuais, a com-
panhia também se dedica à produção teatral. Os jovens que partici-
pam das atividades têm a oportunidade de conhecer todas as etapas
da produção de uma peça, podendo se envolver com atividades que
não se restringem apenas a atuação em si, como aquelas que englo-
bam o desenvolvimento do produto final. A proposta é inserir o jo-
vem que se interesse pelas artes cênicas, ou produção cênica, mas
que não se reconhece como ator. Além de todas essas produções, o
Teatro Faces profissionaliza, envia atores para o mercado de traba-
lho, participa de vários festivais pelo Brasil e acumula uma série de
premiações conquistadas, o que lhes proporcionou ser uma referência
teatral no Estado. A recente conquista do grupo foi trazer para o Esta-
do o primeiro curso de artes cênicas ofertada pela Universidade de
Brasília-UnB, ministrada a distância.
Além dos espaços citados, existe uma espécie de escritório
onde são realizadas as atividades burocráticas do ponto, realizadas
pelos organizadores que estão na gestão há mais tempo sendo, even-
tualmente, auxiliado pelos jovens que recebem o incentivo financeiro
do projeto.
Inicialmente, o ponto procurou a aliança com uma entidade
não governamental chamada CENPRO. Essa entidade tinha um tra-
balho em comum com o ideal do ponto de profissionalizar e lançar
jovens para o mercado de trabalho, nesse caso, jovens atores. Essa
parceria possibilitou ao projeto seu reconhecimento como uma enti-
dade não governamental e a retirada de seu titulo de OSCIP (Organi-
zação da Sociedade Civil de Interesse Público), que impulsionou o
projeto a participar dos editais dos pontos de cultura e demais pro-
gramas governamentais.

149
Análise

Para realizar o objetivo de conhecer melhor o PC Cenpro Tea-


tro Faces foram feitas duas visitas em Janeiro de 2015. Na primeira,
conhecemos o espaço onde se realizam as atividades. Os atores nos
explicaram a rotina dos jovens e a sua própria. Depois, no dia seguin-
te, conseguirmos fazer uma roda de conversa com vinte jovens aten-
didos naquele espaço. Além desse momento, foi possível dialogar
com Wanderson Lana, idealizador do espaço Cenpro.
Na entrevista com os vinte jovens predominaram assuntos re-
lacionados aos domínios do Bem-Estar Psicológico, da Cultura, do
Uso do Tempo, do Padrão de Vida e da Educação. A conversa com os
jovens girou em torno de seu ingresso e participação nas atividades
no ponto. Para facilitar a análise identificamos os jovens como A, B,
C etc, conforme a ordem que falaram. É importante ressaltar que to-
dos se apresentaram, falaram sua idade e há quanto tempo estavam
participando das atividades. Contudo, nem todos responderam às
mesmas perguntas. Alguns se mostraram mais tímidos e preferiram
não falar. Os mais velhos se mostraram mais à vontade e dominaram
a conversa. Nosso objetivo, porém, não foi reunir uma grande quanti-
dade de respostas para o mesmo tema, por isso deixamo-los livres
para falarem conforme sua vontade.
Com relação ao Bem-Estar Psicológico foi possível observar
indicadores como o orgulho, a alegria, a autoestima e a satisfação
com a vida. Os jovens afirmaram, em sua maioria, que participar das
atividades do ponto lhes garantiam formação e reconhecimento e isso
ajudava na construção de sua autoestima. O jovem A afirmou que:
O teatro muda a vida das pessoas, além de nos fazer crescer nos
dá a oportunidade de sermos vistos.

O jovem D, por sua vez afirmou que:


Antes não tinha muitas atividades, a cia Teatro Faces foi até a es-
cola e apresentou um mundo diferente, uma perspectiva profissi-

150
onal diferente. Junto com o legado cultural, as atividades traz
uma construção pessoal muito significativa. Não conheciam mui-
to de teatro e a partir do Ponto de cultura o interesse pelas artes
cênicas surgiu.

O coordenador do Ponto de Cultura, referindo-se ao desen-


volvimento da autoestima dos alunos, informou-nos que:
Tem uns que chegam tímidos e saem tímidos, mas em cena mu-
dam. Tem uns que entram tímidos e mudam. E isso tem um gran-
de impacto em sua vida social e profissional. (Wanderson, coor-
denador)

De modo geral, os jovens entrevistados reconheceram as ações


do Ponto de Cultura como motivadoras de sua autoestima. Uma das
jovens, que foi mãe precocemente, a qual chamamos de jovem E,
afirmou que havia desistido das atividades e que pela insistência dos
professores de teatro acabou voltando, que se sentia muito para baixo
com todas as mudanças pelas quais passou após a maternidade. Hou-
ve um incentivo e um reconhecimento de seu talento, o que acabou
por motivar a jovem a voltar para as aulas de teatro. Todos acabaram
concordando entre si com relação à visibilidade social que as artes
cênicas e as atividades relacionadas ao teatro proporcionavam a eles.
No que se refere ao domínio da cultura, as falas giraram em
torno dos conhecimentos sobre o teatro. Na fala do jovem A:
Antes não tinha muitas atividades. A Companhia Teatro Faces foi
até a escola e apresentou um mundo diferente, uma perspectiva
profissional diferente. Junto com o legado cultural, as atividades
trazem uma construção pessoal muito significativa. Não conheci-
am muito de teatro e a partir do Ponto de Cultura, o interesse pe-
las artes cênicas surgiu.

É possível notar que, em termos culturais, a presença da Cia.


Teatro Faces e do Ponto de Cultura na Cidade de Primavera do Leste,
trouxe uma grande movimentação e uma apreciação pelo teatro que
eram imperceptíveis até então. O conhecimento dos jovens que estão

151
inseridos no ponto, a respeito do teatro e suas atividades adjacentes,
era praticamente inexistente. Muitos comentaram que não havia in-
vestimento do governo local nas questões relativas às artes em geral.
Na fala do coordenador do ponto, nota-se que seu objetivo foi o de
estabelecer no interior um polo de artes cênicas que oferecesse tanto
a formação necessária para a área, quanto trabalhasse a formação de
plateia. Ele chama a atenção para as oportunidades abertas aos alu-
nos:
A gente convida os alunos a participarem de todo o processo de
construção de um espetáculo. Às vezes um aluno não quer ser
ator mas quer participar do projeto, ele pode fazer algo que faça
parte da construção do espetáculo.

Essas ações se concretizam na montagem de espetáculos com


os estudantes e com a própria Cia., apresentando-os em diversos lo-
cais da cidade, além do festival anual em Primavera do Leste, pro-
movido pelo grupo em parceria com a UnB, que leva para a cidade
peças de diferentes lugares do país e oferece premiações. Recente-
mente, alguns dos atores participaram de um curso em Portugal, pro-
movido com a renda da Companhia, para aperfeiçoarem sua profis-
são.
Quanto ao Uso do Tempo, as atividades do ponto contribuem,
de acordo com a fala dos jovens, para que eles substituam atividades
que possam ser perigosas, ou o tempo ocioso, por algo que lhes traz
maiores oportunidades e proveito. Ao serem questionados sobre a re-
lação dos jovens locais com a criminalidade e as drogas, o jovem B
lembra de colegas que passaram a usar drogas:
Se não fosse o teatro, alguns de nós, eu pelo menos, acho que po-
deria ter entrado no mundo das drogas, do crime. Mas o teatro me
tirou desse lado, já estou de boa hoje.

Os demais jovens que quiseram responder às perguntas relati-


vas à sua participação nas atividades do ponto disseram, de modo ge-
ral, que passavam o tempo em casa, sem nenhum tipo de atividade

152
que lhes ocupasse o tempo de forma mais proveitosa. A presença do
Ponto de Cultura na comunidade permitiu que muitos jovens conhe-
cessem novas profissões e propostas culturais. Muitos relataram que,
após o turno escolar, permaneciam em casa assistindo televisão ou na
rua. O jovem A disse que:
Ficava muito em casa, brincava na rua bastante, até o ingresso no
projeto, que trouxe uma perspectiva profissional também, para
além do cultural.

A jovem D disse:
A influência das drogas está em todo lugar, em todo momento.
Mas só é influenciado quem se deixa ser influenciado. E com o
entendimento do teatro na nossa vida faz com que a gente não te-
nha tempo para pensar nisso. Por exemplo, a gente está montando
um espetáculo, então a gente tem que ler sobre aquele espetáculo,
tem que estudar sobre aquele espetáculo, tem que aprofundar
tudo que for possível sobre aquilo. Então, na minha opinião, a
gente não tem tempo de pensar nessas bobagens.

No que diz respeito ao domínio do Padrão de Vida nota-se, nas


falas dos participantes do PC, que as atividades propostas lhes ofere-
ceram um novo leque de possibilidades profissionais. Além disso, as
pessoas que se interessam e se destacam em sua organização pessoal,
assiduidade, interesse, estudos, acabam sendo contratados como mo-
nitores com recursos oferecidos pela prefeitura.
Na fala do jovem A, é possível notar que a questão financeira,
ou seja, o fato de receberem uma bolsa, é um dos motivos principais
para que a família apoie e permita aos estudantes permanecerem nas
atividades do Ponto de Cultura:
O teatro virou a principal atividade na vida dos alunos. Por trazer
uma fonte de renda, muitos alunos ajudam em casa financeira-
mente. As atividades trazem uma disciplina que antes não tinham.

153
O coordenador do Ponto de Cultura, por sua vez, complemen-
tou essas informações ao dizer que:
Caso os alunos queiram continuar no teatro, o projeto oferece
uma bolsa de estudos, pois a maioria deles tem um perfil sócio
econômico baixo. Assim fica fácil conciliar os estudos e as ativi-
dades do ponto.

Sem a ajuda financeira, ou seja, a bolsa que é oferecida para os


alunos mais velhos, haveria uma grande pressão das famílias para
que os jovens utilizassem o tempo do contra turno para trabalhar e
ajudar na renda familiar, tendo em vista que a maior parte do público
atendido pelo ponto é de baixa renda.
A gente passa por várias etapas aqui no projeto, e alguns chegam
até a dar aulas. Através do estágio a gente acompanha os profes-
sores nas aulas deles, a gente aprende mais. Ano passado nós ti-
vemos a nossa DRT (Documento de Registro de Trabalho), que
foi uma conquista muito grande para a gente. Com esse docu-
mento a gente pode assinar a carteira como atriz. (Jovem D)

O bom do estágio é que nos dá a oportunidade de ter um dinheiro


para sair com os amigos, para comprar um sapato, sem sempre
depender do dinheiro da mãe ou do pai. Como eu tenho dois ir-
mãos, meus pais não têm condições de ajudar os três. E a gente
trabalhar também é uma forma de não sair do teatro. Dá um estí-
mulo para não desistir. (Jovem A)

Uma das professoras também comenta:


Essa foi a forma que a gente achou de compensar, porque chega-
va uma época que eles faziam dezesseis, dezessete anos, e os pais
faziam pressão para que começassem a trabalhar. Que se dane o
teatro. Querem que eles arranjem um emprego “decente”, com
carteira assinada. Então, o convênio que a gente tem com o Ponto
de Cultura e a verba que vem do governo estadual e federal é
para que a gente consiga fazer isso. Dar essa oportunidade para

154
eles de continuar fazendo teatro, fazendo aquilo que eles gostam
e trabalhar com isso.

O domínio da Educação, a seu tempo, perpassa quase todas as


falas já mencionadas, a começar por aquelas do início de nossas en-
trevistas, que nos permitiram perceber a ligação do PC com as esco-
las públicas da comunidade, nas quais é feita a divulgação das ativi-
dades. Além disso, as próprias aulas de teatro, que vão desde a atua-
ção até às demais funções necessárias para se montar um espetáculo,
são responsáveis por desenvolver diversos aspectos intelectuais e
culturais dos alunos.
Quanto ao domínio da Boa Governança, podemos afirmar que,
dos Pontos de Cultura visitados por nossa equipe, esse foi um dos
únicos em que se pôde notar um forte apoio e uma grande parceria
como o poder público local. O ponto conta com investimento muni-
cipal em diversos aspectos como a cessão do local para funciona-
mento das atividades, contribuição para as contas de luz, água, tele-
fone, internet e para o pagamento dos salários dos jovens envolvidos
nas monitorias. Essa relação tem suas raízes no empreendedorismo
do coordenador Wanderson Lana, que sempre foi atrás para que no-
vos investimentos fossem conquistados e mantidos. A fala do coorde-
nador esclarece sua visão com relação ao poder público:
É importante ter a aliança dos governos federais, municipais para
os projetos se desenvolverem, foi isso que proporcionou ao Ponto
de Cultura ter pernas hoje (…) A gente trabalha com o apoio de
várias instâncias. A gente tem o apoio do município, que entra
com uma parte; do Estado, que entra com outra parte; e do Ponto
de Cultura, que vem do governo federal. Com isso a gente tem o
apoio necessário para pagar os estagiários, os professores e a es-
trutura que cada vez mais vai aumentando. (Wanderson, coorde-
nador)

No decorrer das atividades e com a alta procura pelo projeto,


observou-se a necessidade da contratação dos alunos para ministrar
as aulas e atender à alta demanda. Além disso, foi possível também

155
promover um retorno profissional e financeiro para os jovens que ha-
viam ingressado na carreira artística. Nesse momento houve uma
aproximação do ponto com a prefeitura, quando foi possível consoli-
dar uma parceria que facilitou a contratação de vários profissionais
para propagar o teatro para a comunidade. Esse passo foi tão signifi-
cativo que esse convênio se perpetuou ao longo de vários governos e
atualmente essa parceria proporciona aos jovens do projeto a pers-
pectiva e a autoestima profissional que, sozinho, o ponto não conse-
guiria prover. Hoje o grupo atende mais de 1% da população de Pri-
mavera do Leste.
Um dos resultados desse projeto e das iniciativas promovidas
pelo grupo Faces é o fato de seu idealizador e diretor, Wanderson
Lana, ter sido nomeado em 2015 o primeiro secretário de cultura do
município de Primavera do Leste.

156
Ponto de Cultura Só Falta Você (MT)

Foto 09 – Último espaço ocupado pelo PC Só Falta Você

Introdução

O Ponto de Cultura Só Falta Você funciona no interior de


Mato Grosso, em uma cidade com 36.800 habitantes, chamada Cam-
po Verde, cujas primeiras construções urbanas datam da década de
1970 e fundação data de 1988.

157
A história desse ponto está intimamente relacionada com a his-
tória de Iolita Ferreira Santos, ou somente “Dona Iolita”, e sua pai-
xão pelas danças tradicionais nordestinas. Natural de Maranhão,
Dona Iolita sempre esteve envolvida com diversas atividades cultu-
rais mas, ao se mudar do Maranhão para morar em Campo Verde em
1999, disse que encontrou “uma cidade jovem, ainda em desenvolvi-
mento e uma população muito carente de lazer e cultura”. Essa situa-
ção chamou sua atenção e ela decidiu trazer a experiência de sua ter-
ra natal para intervir culturalmente na cidade, como descreve em seu
blog63:
O Grupo Cultural Folclórico Matutada, teve sua primeira forma-
ção em junho de 1992 na cidade de Imperatriz Estado do Mara-
nhão, onde atuou com brilhantismo desenvolvendo atividades
culturais até o ano de 1999 quando então sua idealizadora e fun-
dadora Iolita Ferreira Santos mudou-se para Campo Verde-MT,
dando início novas atividades em junho de 2001. Em dezembro
de 2009, através do Projeto Só Falta Você de autoria de Iolita, ob-
teve o reconhecimento do Governo Federal tornando-se um dos
40 pontos de Cultura do Estado de Mato Grosso. (SANTOS,
2012)

Ao chegar em Campo Verde, Iolita começou a ter contato com


os jovens das escolas por meio das suas filhas adolescentes e iniciou
um trabalho de incentivo à promoção cultural. No princípio a propos-
ta era trabalhar a cultura regional através da dança. Logo, o grupo co-
meçou a ensaiar a matutada e o siriri que é uma dança típica do Esta-
do do Mato Grosso, seguidas de apresentações por todo o Estado.
Com o sucesso das apresentações e a adesão da comunidade local,
em 2009 iniciou-se as atividades do Ponto de Cultura Só Falta, com
o objetivo de promover diversas oficinas que envolvem atividades de
música, teatro, circo (vivência circense), capoeira, sem perder o foco

63 Esse blog tem algumas poucas postagens e parece ter sido descontinuado a partir de 2012.
Disponível em: <<http://iolitafs.blogspot.com.br/>>, acessado em 10 Jan 2016. Além
desse blog, há disponível um vídeo na plataforma YouTube sobre as atividades do Grupo
Folclórico Matutada e do Ponto de Cultura Só Falta Você no seguinte endereço:
<<https://www.youtube.com/watch?v=1qe1Z95mxZo>>.

158
no siriri e na matutada. Todas as atividades foram realizadas por ofi-
cineiros contratados com uma verba do governo municipal.
O público, de início, era composto por crianças e jovens em
idade escolar. Mas, com o tempo, ao perceber que os interesses do
ponto de cultura atingia toda a população e as oficinas propostas ti-
nham uma demanda muito grande, as atividades passaram a não ter
critérios de idade. Inicialmente, quando a dança era o foco principal,
os ensaios aconteciam sempre em horário contrário ao escolar. Com
o crescimento do público, as oficinas passaram a acontecer em horá-
rios e dias diversificados, divulgados pelos meios de comunicação da
comunidade.
No começo, as atividades de dança eram feitos na rua ou em
lugares cedidos para acontecerem os ensaios. Com o tempo, e a am-
pliação do projeto, Dona Iolita alugou, com recursos pessoais, um es-
paço maior, onde aconteciam os ensaios e as oficinas promovidas
pelo Ponto de Cultura. Atualmente, sem sede própria, o Ponto de
Cultura está utilizando a residência da própria Iolita, um espaço limi-
tado, com três cômodos, sendo dois deles usados para guardar os ma-
teriais das oficinas e o figurino das danças. Houve uma tentativa de
usar os fundos da casa para fazer ensaios de danças, porém, o espaço
não se mostrou suficientemente adequado para tanto.
A conquista de um espaço físico é a maior dificuldade atual
enfrentada por esse Ponto de Cultura. A casa usada anteriormente
hoje é fonte de renda para a família de Dona Iolita e a casa atual não
dispõe de nenhuma estrutura física para as atividades. Sua reclama-
ção é que a prefeitura local sequer disponibiliza um espaço para es-
sas atividades acontecerem. Iolita diz que o apoio do Estado é míni-
mo e o ponto de cultura só conta com alguns patrocínios de empresas
locais, da mobilização da comunidade local e de ajudas bem pontuais
da prefeitura do município. A ajuda mais substancial vinha da verba
do programa Cultura Viva. Esse Ponto de Cultura, por isso, corre ris-
co de ter suas atividades cessadas, já que o convênio terminou no fi-
nal de 2014 e sem essa verba o projeto não consegue manter-se.

159
Foto 10 – Parte do figurino utilizado para as danças do PC Só Falta Você,
guardados na sala da casa de Iolita.

Análise

A visita ao Ponto de Cultura Só Falta Você e as entrevistas


ocorreram em Janeiro de 2015. Esse foi um dos pontos que mais im-
pactou as pesquisadoras, que ficaram encantadas pela dedicação e
abnegação da idealizadora, assim como pelas narrativas emocionadas
dos ex-alunos e suas famílias.

160
Nas falas dos entrevistados foi possível identificar alguns do-
mínios do FIB, que apareceram em diferentes momentos das entre-
vistas e se entrelaçam muitas vezes nas falas dos participantes. No
que se refere ao Bem-Estar Psicológico, nota-se que as atividades do
ponto de cultura serviram como meio de resgate da autoestima e de
intervenção em conflitos familiares, apontando possíveis soluções,
proporcionando orgulho e alegria não apenas às crianças e jovens,
mas também às suas famílias. Segundo o relato de Iolita, “a gente
atendeu a pessoas com deficiência, usuários de drogas, que resgata-
ram sua autoestima depois que participaram do ponto de cultura.”
O Ponto de Cultura está situado em uma região de periferia,
circundado por uma vizinhança bastante carente de recursos. Muitos
jovens envolvem-se com farras, bebedeiras e drogas. De acordo com
os participantes das entrevistas, há sempre o perigo constante da cri-
minalidade e da violência presentes na cidade, como diz Emerson,
um dos participante das oficinas do Ponto de Cultura,
Pra mim foi um aprendizado muito grande. Eu podia tá em vários
outros caminhos. Depois que eu perdi minha mãe eu não teria
essa maturidade. Foi bom pra mim e pra muitos, que cresceram.
Mas assim depois que eu entrei eu mudei muito. Antes eu era
muito desleixado, bagunceiro. Eu era um cara muito nervoso, de-
pois fiquei mais calmo aprendi a respeitar. (Emerson, participan-
te)

Emerson perdeu a mãe durante o tempo em que estava nas ati-


vidades do ponto e afirmou, de modo emocionado, que a presença de
Iolita e demais participantes do ponto fizeram uma grande diferença
e foram de grande ajuda nesse momento difícil pelo qual passava.
Outra participante das atividades do ponto, Aline, relata que
aconteceram alguns problemas familiares graves quando iniciou sua
participação no Só Falta Você, e Iolita acabou contribuindo com sua
orientação para reaproximar a família, além de contribuir para me-
lhorar sua interação social.

161
Eu era muito tímida, eu não gostava de conversar com ninguém.
Aí a professora foi incentivando a gente a falar e assim fui desen-
volvendo. (Aline, participante)

O projeto contribuiu para que esses e outros jovens reconhe-


cessem seus valores. Os jovens entrevistados ressaltam o fator da
alegria e da diversão proporcionados pela participação no ponto. Nas
palavras de Emerson, “eu aprendi muito. Também eu acho que a qua-
drilha me deu muita experiência de vida e de valores”. Aline, por sua
vez, deixa transparecer os indicadores do Uso do Tempo, ao falar
que,
Foi assim um jeito de me divertir, eu ficava muito em casa ou na
rua. Foi uma experiência muito boa não é? Era um jeito assim de
a gente se entreter, não é? (Aline)

As famílias também reconheceram a importância do Só Falta


Você para a vida de seus filhos, que participavam das oficinas e ativi-
dades, como afirma uma das mães entrevistadas,
Ao Ponto de Cultura eles tinham a responsabilidade de ir e a gen-
te tinha segurança. Principalmente, porque lá tinha uma turminha
de várias idades e aprenderam a se respeitar. Minha filha ficou
um bom tempo e a atividade que ela mais se identificava era a
dança. Quando os meninos pegaram o embalo, acaba o recurso.
(Maria)

Joana, por sua vez, falou da falta que as atividades propostas


por Iolita fazem, uma vez que o Ponto de Cultura não estava mais
funcionando, e que a única opção restante foi deixar as crianças na
escola de tempo integral. Ela informou que seu filho mais velho fica-
va em casa o dia todo, sem desenvolver nenhuma atividade, até que
surgiu a proposta do Só falta Você.
Foi bom participar do ponto pra mim foi pra ele também. Por que
ele era muito tímido e foi se desenvolvendo. Acho que ele tinha 8

162
ou 9 anos. Ele ficava em casa, aqui em casa. Ele resgatou a auto-
estima. Aprendeu bastante coisa. (Joana)

Era uma coisa diferente, uma coisa legal. Você não conhecia nin-
guém, tinha que dar seu máximo. Eu aprendi muita coisa né? Eu
passava muito tempo lá. Eu participava bastante. Era legal. A
gente saía, se divertia sempre, nóis fez bastante festa. (Vitor, par-
ticipante)

A respeito da participação de seus dois filhos no projeto, Vitor


e Vitória, Sandra falou da falta de oportunidades e da agressividade
de seus filhos antes de começarem a participar das atividades do pon-
to.
É uma atividade muito boa né? Um lugar aconchegante, evita de
estar na rua. A criança aprenderia talvez uma futura profissão. É a
família matutada. É uma fase difícil sabe? Eu trabalho na rua e eu
vejo muita coisa né? Então o que eu puder ocupar eles pra não tá
no mundo. (Sandra)

O descaso com a falta de opções de atividades culturais e es-


portivas na periferia mostrou-se uma constante nas falas de tantos
outros participantes do presente trabalho de pesquisa. Dessa forma, o
Ponto de Cultura propiciou um espaço com atividades variadas, apre-
sentações dentro e fora da comunidade, e ofertou cursos diversos de
música, entre outros, para as crianças e jovens da cidade, como for-
ma de ocupar seu tempo e evitar que se envolvessem em situações de
risco.
Por causa do grande número de pessoas atendidas, cerca de
1.500, em uma comunidade que é bastante pequena, formaram-se la-
ços entre o povo de Campo Verde e o Ponto de Cultura, representado
pela figura de Iolita, o que identificamos com o domínio da Vitalida-
de Comunitária.
Ainda bem que, com esse trabalho, a gente é bem visto né, na co-
munidade. O problema é que não tem mais nada na cidade, mas
quando tinha festivais, a gente participava, reunia as quadrilhas

163
juninas e esperavam com muita empolgação. (Iolita, coodenado-
ra)

Os próprios jovens que participavam das atividades que acon-


teciam mesmo antes de Iolita conseguir o convênio com o Programa
Cultura Viva, falam dos laços que os unia como grupo e que aproxi-
mava também a comunidade,
Minha mãe sempre participava comigo e meu pai sempre apoiou.
Quando não tem matutada na festa junina, não tem graça não,
viu? O povo sempre esperava as quadrilhas pra ver a gente. Era a
atração principal. Chamávamos o povo assim na rua. Acho até
que foi melhor que agora a divulgação, porque nós éramos livres.
Corríamos atrás de roupa, de patrocínio. Isso é que nos unia tam-
bém. (Emerson)

Quanto aos domínios da Educação e da Cultura, as falas dos


entrevistados, de modo geral, referiram-se de modo positivo à parti-
cipação nas festividades juninas, às festividades carnavalescas e ao
siriri, dança típica do Mato Grosso. O Ponto de Cultura ofereceu
oportunidades às crianças e jovens de conhecerem atividades novas,
ligadas ao âmbito da cultura, permitindo-os mergulhar na cultura tra-
dicional brasileira e de sua própria região. A presença de uma biblio-
teca composta por livros doados e de computadores no Ponto de Cul-
tura permitia aos participantes o acesso à leitura e à informação.
Por que os pontos de cultura é isso, há uma mudança, é uma
transformação na comunidade. Eu vivia brincando na rua né?
Não tinha o que fazer. Chegava da escola e ia brincar. Depois
não. No ponto a gente aprendeu muita coisa nova. Por que lá a
gente não trabalhava só a dança, capoeira. A gente trabalhava pa-
lestras. Tinha os puxãozinho de orelha daqui dali, mas eu agrade-
ço a ela por causa desses puxão de orelha na gente. (Aline, parti-
cipante)

No que se refere ao domínio da Boa Governança Iolita, cha-


mou a atenção para os problemas relativos ao formato dos editais do

164
Programa Cultura Viva e da falta de incentivo municipal para as ati-
vidades culturais propostas por ela.
Eu coloquei todas as ações que eu queria desenvolver, pra atrair o
maior numero de crianças e daí foi selecionar, me perguntei e
agora? Aí fui pra Cuiabá. Nem tudo saiu do jeito que a gente ima-
ginou. Enfrentamos muitas dificuldades com o recurso. Para
manter as atividades, não pode usar o recurso. Se der continuida-
de, já existe uma conversa com os pontos de cultura que, se for
pra dar continuidade da mesma forma do primeiro convênio, nós
não queremos mais. Quando a gente era livre, a gente fazia tudo
que vinha nas ideias. Agora não, a gente fica amarrada e isso des-
motiva, entristece.

Iolita relata as dificuldades com aluguel, pagamento de contas


e de pessoas para ministrar as oficinas. Mostrou-nos os materiais ad-
quiridos com os recursos do Cultura Viva. Os computadores, usados
pelo ponto, também eram utilizados para o público participante, as-
sim como a mini biblioteca, disponibilizada para leitura por quem se
interessasse. Há ainda as câmeras fotográficas, instrumentos, roupas
das apresentações, bandeira. Todos esses equipamentos adquiridos ao
longo dos anos precisa de uma infraestrutura que os sustente, e que
dê conforto ao público que os acessa. Exigência essa que só seria
possível com um espaço físico público e amplo. Todavia, estavam to-
dos guardados, com muito zelo, mas sem nenhuma utilização.
O município de Campo Verde não oferece espaços para que a
comunidade ocupe com suas atividades, e a atual administração não
destina recursos para atividades culturais, tais como os festivais juni-
nos que existiam em anos anteriores. Apesar das dificuldades, Iolita
conseguiu manter as atividades funcionando por um bom tempo, en-
volvendo verba própria para tanto.
Atualmente o ponto está desativado por falta de recursos fi-
nanceiros. Ao fim dos recursos do edital, as atividades foram encer-
radas. Contudo, o desejo de continuar com as atividades move a ide-
alizadora e a comunidade, mesmo sem um espaço físico ou recursos
suficientes para levar o projeto a diante. Os entrevistados se mostra-

165
ram esperançosos de que algum dia as atividades pudessem nova-
mente acontecer a fim de que seus filhos pudessem novamente parti-
cipar desse espaço. Durante as entrevistas, Iolita chegou a refletir: “E
se retornar agora e voltar a ativar?”. Rapidamente uma das mães res-
pondeu: “Opa, já estamos dentro!”.

166
Ponto de Cultura Yokone Kopenoti (MS)

Foto 11 – Sede do PC Yokone Kopenoti. Da esquerda para direita: Lisio


Lili, Sidney de Albuquerque, Marília Teixeira (bolsista) e Silvana Dias.

Introdução

Yokone Kopenoti, que traduzido significa “vem cá parente”, é


um Ponto de Cultura estabelecido na aldeia Marçal de Souza, na ci-
dade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. De acordo com o blog
do Grupo Produtivo das Mulheres da Marçal de Souza,

167
O “Loteamento Social Marçal de Souza” foi a primeira Aldeia
Urbana do país. Fundada em 1995, localiza-se entre os Bairros
Tiradentes e Flamboyant, na cidade de Campo Grande – MS. Ali,
moram aproximadamente 500 pessoas, todas da etnia Terena. Há
na Aldeia, o Memorial da Cultura Indígena, local onde é possível
conhecer um pouco mais da cultura desse povo, além de ser um
centro de comercialização dos produtos típicos dessa etnia, como
a cerâmica e adornos confeccionados de materiais naturais, como
sementes. Na Aldeia Urbana Marçal de Souza, são também reali-
zadas festas tradicionais, em que há apresentação de danças como
o Bate-Paus. (GRUPO…, 2007)

Esse ponto surgiu da iniciativa Silvana Dias de Sousa de Albu-


querque e Lisio Lili, que há algum tempo já eram militantes da cultu-
ra indígena e, mesmo sem ter muita noção de como elaborar um pro-
jeto, participaram do edital do PCV. Como eles lembram,
Nós sempre participamos dos projetos culturais de outras associa-
ções e organizações como convidados. Nos convidavam para ir lá
fazer uma palestra, falar de nossa cultura, organizar uma dança.
Mas sem remuneração. […] A gente não entendia, mas participa-
va. Na época saiu um edital na Prefeitura. Foi na gestão de um
amigo que é militante da causa, que não é indígena. Na época era
da Fundação de Cultura e que sempre achou, creu na visão dele,
que os projetos culturais tinham que ser elaborados pelos própri-
os. Foi então essa oportunidade que o Ataíde, enquanto presiden-
te da Fundação de Cultura, nos chamou e disse: olha tem um edi-
tal aí, vocês precisam participar. […] Pra gente isso era como um
bicho de sete cabeças, pois a gente sempre participou como figu-
rante e não como protagonista. Ainda mais que era tecnológico...

Seu projeto original teve como objetivo “fortalecer, documen-


tar e difundir a cultura indígena por meio das tecnologias da comuni-
cação e das artes visuais”. A organizadora Silvana relata que o início
foi muito difícil, e que tiveram que aprender enquanto faziam, princi-
palmente em relação à prestação de contas, “que deixava a gente ma-
luco”. Durante a entrevista, ao revisitar sua atuação como militantes
da cultura indígena em Campo Grande, Silvana Dias – coordenadora

168
geral, Lísio Lili – agente cultural, e Sidney de Albuquerque – moni-
tor do ponto de cultura, chegaram a conclusão que o início das ações
que iriam desembocar no Ponto de Cultura, foi a organização do 1º
Beleza Indígena do Pantanal, um concurso de mulheres indígenas,
em trajes e pinturas típicas de cada etnia, que ocorreu no dia 25 de
Abril de 2009. De acordo com Lísio:
Silvana liderou a Primeira Beleza Indígena do Pantanal. Era para
trazer as parentes para desfilar a formozura delas, a beleza indí-
gena, das pinturas. Foi uma realização de nossa militância. A in-
tenção era fortalecer a cultura indígena através da beleza da mu-
lher indígena, que é natural. Aquilo não era um desfile dos bran-
cos, não era de biquíni. Era a roupa tradicional de seu povo.

Foto 12 – Cartaz do concurso 1º Beleza Indígena do Pantanal

Eles contam que, além de enfrentar problemas dentro dos ór-


gãos municipais, ainda enfrentaram a falta de legitimidade diante dos
demais indígenas, que não estariam acostumados com esse tipo de
protagonismo entre seus pares. Mas, depois da implantação do Ponto
de Cultura e de superar esses obstáculos, começaram a planejar como
levar esse projeto para outras comunidades além da aldeia Marçal.

169
Entre as atividades realizadas pelo PC estão: oficinas de arte-
sanato, dança, cursos de idiomas indígenas, canto, fotografia, infor-
mática básica, produção audiovisual, contação de histórias, cinema
nas aldeias. Além dessas ações mais práticas, também realizaram pa-
lestras e debates com os diversos temas: economia solidária, sensibi-
lização, conscientização ambiental, saúde e alimentação indígena, in-
clusão digital e novas tecnologias da comunicação e difusão da cultu-
ra indígena.

Análise

Por conta dos horários pré-fixados, e por ser época de recesso


nas atividades dos pontos, realizamos apenas uma visita ao Ponto de
Cultura Yokone Kopenoti, que ocorreu em Fevereiro de 2015, duran-
te a qual só foi possível entrevistar os coordenadores e idealizadores
do ponto (Silvana Dias, Lisio Lili, e Sidney de Albuquerque), sem ter
tido a oportunidade de entrevistar outras pessoas que participaram
das atividades ou foram afetadas, de uma forma ou de outra, pelas
ações do ponto. Nessa visita conhecemos o local onde funciona o
ponto e, durante a entrevista, foram relatando toda sua história.
Ao analisar posteriormente essa entrevista, fica nítido o quanto
as ações desse PC impactaram quase todos os domínios do FIB. Tudo
voltado para o fortalecimento da cultura indígena de forma geral.
No domínio do Bem-Estar Psicológico, seu trabalho com o
concurso de beleza indígena pode ser relacionado tanto com a eleva-
ção da autoestima, quanto como a preocupação em recuperar a cos-
mogonia indígena (atividades espirituais).
Então, tinha meninas ali que tinham vergonha de seu passado, de
seu povo, por causa do preconceito. Tinha vergonha de falar de
que etnia era. Pois a gente resgatou isso, a língua materna, de
onde era sua origem, como era sua língua, sua comida típica. Na-
quela época, em 2009. (Silvana)

170
Iunakanu[?] é uma figura épica terena. É o grande personagem
que orienta o mundo indígena. Quando ele olha para o céu e vê
aquela estrela uver[?], ele chega e diz para todo mundo: nós pre-
cisamos acertar tudo. Vamos fazer um inventário do que aconte-
ceu, vamos acertar as diferenças, e vamos adentrar para um novo
ano. Assim que é regido o calendário terena. Mas os modelos que
a gente chama de hegemônico, impositivo, que não respeita a
nossa cultura, abandonou. E nós estamos tentando reimplantar
esse personagem.

O domínio da Saúde surge no discurso deles quando aborda-


mos a questão da educação indígena. Sua preocupação é fazer com
que os “brancos” entendam que a educação indígena é mais do que
construir um prédio, usar quadro, giz, janela, muro. Da mesma for-
ma, abordar a saúde é mais do que construir espaços voltados para a
recuperação de enfermos, é recuperar a noção de prevenção e cura
através da tradição indígena.
O domínio da Educação e da Cultura permeiam todo o discur-
so deles, pois estão sempre tentando, através de cursos, palestras, ex-
posições, concursos, incentivar a valorização e manutenção de tradi-
ções indígenas.
Antes da implantação do ponto de cultura, nós éramos militantes
da causa querendo o tão chamado protagonismo. Que deixassem
nós mesmos levar nossa cultura, a nossa tradição, a nossa língua,
nossas comidas típicas. Fazer com que a comunidade não indíge-
na conhecesse tudo isso, mas através dos próprios. (Silvana)

Os computadores todos foram para uma associação indígena,


uma espécie de extensão do ponto, lá no bairro Jardim Aeroporto,
com uma aglomeração de 100 pessoas indígenas que moram ali.
E isso foi fantástico, pois, quando a gente inaugurou as oficinas
lá, pôde, mais uma vez, ter a experiência de como os nossos pa-
trícios precisam sempre estar fomentando a cultura tradicional. A
gente organizou uma mesa de degustação só com as comidas típi-
cas. E os mais velhos sempre falam da importância do Ponto de
Cultura em fortalecer a cultura nossa, tradicional, começando

171
pela degustação e cantando. Mesmo que fosse uma oficina tecno-
lógica, de informática básica, nós não deixamos de lado a nossa
cultura tradicional. (Silvana)

Mesmo sendo a cultura um mecanismo cumulativo no qual as


modificações trazidas por uma geração passam à geração seguinte, se
transformando, perdendo e incorporando outros aspectos, o que nos
foi dito é que o povo indígena vem perdendo a sua identidade cultu-
ral não por causa dessa dinâmica própria da cultura, mas porque o ín-
dio convive com o branco e o branco quer implantar os seus próprios
costumes. Um dos objetivos desse ponto de cultura é justamente cul-
tivar seus costumes mais antigos, e reforçar o uso das línguas indíge-
nas.
É o desafio do PC, reescrever a nossa história sob o nosso olhar e
sobre a história dos nossos mais velhos e, terminado isso, com-
preendido isso, escrever, quem sabe, uma nova escola, uma esco-
la indígena, que conte como funciona as coisas. (Lísio)

A gente precisa ter um espaço aqui porque eu preciso de profes-


sores aqui dentro, indígena, reforçando a nossa língua Terena.
Aqui no Marçal de Souza é só Terena. Lá na aldeia Água Bonita
tem quatro etnias, Kadiwéu, Guarany-kaiowá, Guató [além dos
Terena]. (Lísio)

Como o discurso dos entrevistados foi muito focado no forta-


lecimento da cultura indígena, nada foi falado sobre o perfil das pes-
soas que se beneficiaram dos cursos contínuos oferecidos. Dessa for-
ma, não há indícios sobre o impacto de suas ações em relação ao do-
mínio do Uso do Tempo, ou seja, se houve “influência na forma
como a pessoa passou a organizar seu tempo entre trabalho, lazer e
família”, ou ocupou seu tempo de forma que o ócio não contribuísse
para sua participação em atos ilícitos.
No que se refere a Boa Governança, observamos como a parti-
cipação no edital empoderou e legitimou seus organizadores, passan-

172
do a participar de Conselhos de Cultura, Associações, dando uma vi-
são muito mais política sobre suas ações:
Ainda que todo o nosso espaço é político… a gente deparou com
preconceito muito grande com a nova equipe que entrou naquela
época. Tinha uma pessoa ali que nos perseguiu muito. Era essa
pessoa que não deixava o negócio ir pra frente. Uma pessoa mili-
tante do [partido político X], que conhece as causas indígenas,
que conhecia o nosso trabalho, mas ela não deixou, o tempo que
ela ficou lá, ela não deixou. (Lísio)

Através de sua imersão nas instâncias governamentais come-


çaram a refletir sobre as políticas públicas voltadas para os indígenas
e algumas contradições inerentes. Por um lado, identificam um traba-
lho de “desempoderar” os índios,
O SPI, a FUNAI, tirou todas essas capacidades tradicionais dos
povos indígenas. Foi tirando a governança deles. Então, muitas
das nossas comunidades têm a sua representação política, mas ele
não tá empoderado, ele não tem uma força de decisão como era
no passado, porque o projeto do governo brasileiro é tirar toda
essa capacidade dos índios. O Ponto de Cultura, pra nós, além da
estratégia que o projeto tinha que é registrar, documentar e forta-
lecer a questão indígena, nós colocamos como estratégia nossa a
reimplantação do espaço para o empoderamento, para a gover-
nança indígena. Isso é um pouco difícil você falar. Porque essa
ação, ela foi uma estratégia bem montada. Então, para você des-
construir ela, também exige a construção de estratégias para você
mudar.

Por outro lado, demonstram seu contentamento quando falam


da oportunidade que o MinC lhes deram no contexto urbano de Cam-
po Grande.
A intervenção do Ministério foi positiva. Sem dúvida. Apesar do
preconceito que os índios sofrem ainda hoje, é com o apoio do
poder público que o ponto de cultura funciona, compra seus equi-

173
pamentos, mantém suas feiras culturais, produzem os eventos in-
dígenas, etc.

O Padrão de Vida é enfatizado quando Silvânia menciona o


objetivo do ponto em capacitar seus patrícios para o mercado de tra-
balho através das oficinas, cursos e palestras organizadas pelo PC.
Há essa dualidade muito presente, pois moram na cidade mas sentem
que eles precisam fomentar a cultura tradicional.
Hoje a gente tá dentro de uma cidade, uma capital. Ainda que a
gente precisa saber dos nossos saberes tradicionais, nós precisa-
mos ir pra o mercado de trabalho. O PC veio pra isso. (Silvana)

Há essa consciência de que não dá para viver isolado da comu-


nidade urbana e que a sociedade indígena precisa tanto se adaptar ao
mercado de trabalho disponível, como recuperar sua capacidade pro-
dutiva tradicional, através da geração de renda a partir da comerciali-
zação de vídeos e fotografias, peças artesanais e outras obras indíge-
nas produzidas.
A gente percebeu que o produto indígena tem mercado. Esse é
um foco. Hoje os índios precisam pensar na renda deles. Com a
ação do estado, com o que houve nas aldeias, eles hoje não tem
mais capacidades. As capacidades produtivas foram tiradas. En-
tão, muito da necessidade indígena é urbanizada. Ele precisa
comprar gás, roupa, remédio, comida. Urbanizou a vida dele. Ele
precisa pensar no dinheiro dele. A gente quer mostrar a força da
produção cultural dele. Da dança dele, da arte dele, a cerâmica
que ele produz, a história, o remédio. Então essa é nossa próxima
estratégia. Nossa visão de hoje é tentar criar outros produtos a
partir do mercado, porque o mercado existe. (Lísio)

Por fim, percebe-se que todas suas ações e objetivos têm a in-
tenção de impactar diretamente na Vitalidade Comunitária indígena,
ao fortalecer o “sentimento de pertencimento, importância e compar-
tilhamento de um projeto comum que irá satisfazer as necessidades
da comunidade por um compromisso coletivo”. Um exemplo disso

174
são as atividades itinerantes nas diversas comunidades indígenas lo-
cais ou próximas: Aldeia Urbana Marçal de Souza, Armazém Cultu-
ral, Aldeia Urbana Darcy Ribeiro, Aldeia Urbana Tarsila do Amaral e
Aldeia Urbana Água Bonita.
Eu penso que deve ter como prioridade reimplantar dentro das
terras indígenas o espaço institucional indígena. Esse é o nosso
foco principal. A gente quer empoderar as pessoas. (Silvana)

Trazer toda a historia, trazer todas as cores, trazer todos os tam-


bores, trazer todos os cantos aqui em Campo Grande. A gente tem
que fazer isso pra Campo Grande porque nós temos que mostrar
pra cidade e para os não indígenas que os índios podem compe-
tentemente transitar nesse mundo. Os não indígenas precisam sa-
ber que os índios podem. (Lísio)

Ambos reconhecem que a participação no edital do PCV pos-


sibilitou transformar essas ideias em ações, e graças ao Ponto de Cul-
tura estão se estruturando para alcançar tais objetivos.

175
Ponto de Cultura Pájaro Campana (MS)

Foto 13 – Parte externa do PC Pajaro Campana

Introdução

O Ponto de Cultura Pájaro Campana fica situado no município


de Amabai, cidade de quarenta mil habitantes, localizada no estado
do Mato Grosso do Sul, a cerca de cinquenta quilômetros da fronteira
com o Paraguai.

177
O início de suas atividades remonta ao ano de 2004 quando,
ainda sem nenhuma ajuda governamental, foi formada a Associação
Cultural Amambaiense. De acordo com seu idealizador e presidente,
José Almada Ajala, tudo começou por causa da harpa paraguaia,
como relatam em seu site64:
No ano 2001 visitamos o luthier paraguaio “Vera”, residente em
Pedro Juan Caballero, com o objetivo de encomendar a ele um
jogo de cordas para um baixo acústico de arco que havíamos
comprado de um ex-integrante do conjunto Ponta Porã. Ele então
informou-nos que há mais de cinco anos não fabricava nenhuma
harpa paraguaia, visto que a nova geração de músicos dessa re-
gião fronteiriça do Paraguai com o Brasil está adotando o teclado
eletrônico ao invés da harpa. (ASSOCIAÇÃO CULTURAL
AMAMBAIENSE)

A partir dessa informação, pensaram num modo de fomentar a


prática da harpa paraguaia através da “criação de uma escola para o
ensino desse instrumento”. Esse foi o motivo inicial da criação dessa
associação, que inclusive acabou batizando o nome do projeto. Paja-
ro Campana é a tradução para o espanhol de pássaro Araponga, uma
ave comum nessa região, e o nome da mais conhecida canção para
harpa paraguaia65.
Nós estamos bem próximos do Paraguai e até pouco tempo éra-
mos fronteira. Éramos fronteira mesmo, pois emancipou o muni-
cípio que era distrito e aí não somos a fronteira, mas somos pró-
ximos. A quarenta quilômetros daqui já é o outro país.

Após cerca de um ano de atenções voltadas à harpa paraguaia,


passaram a oferecer aulas de violão, seguidas de cursos de violino,
64 Esse site do ponto de cultura foi criado na época que iniciaram sua participação no PCV,
mas logo foi descontinuado, estando desatualizado. Ainda está disponível no seguinte
endereço: <http://pcpajarocampana.blogspot.com.br>.
65 Existe muita influência da cultura paraguaia e gaúcha nessa região, o que pode ser notado
pela criação da Associação Casa Paraguaia e da presença de um Centro de Tradições
Gaúchas (CTG). Esse Centro é, inclusive, um dos principais locais de apresentações na
cidade.

178
violoncelo, piano e viola caipira. Participaram do edital estadual de
pontos de cultura em 2010, e a partir de 2011 passaram a integrar a
Rede Estadual de Pontos de Cultura de Mato Grosso do Sul. Para
participar do edital, a única diferença do que já estavam fazendo na
Associação Cultural Amambaiense, foi a oferta de aulas de cerâmica
e desenho.
Um dos objetivos desse ponto é de preservar e fortalecer o re-
pertório folclórico regional com músicas de raízes caipiras e de in-
fluência paraguaia. Suas oficinas são destinadas a crianças, jovens e
adultos de ambos os sexos, sendo que a idade mínima para entrar nas
classes de música é dez anos, e em cerâmica artística, sete anos.

Foto 14 – Davi estudando harpa paraguaia no PC Pájaro Campana

fonte: http://www.redemspontoaponto.com.br/ponto/ponto-de-cultura-
pajaro-campana/4/

179
O ponto funciona em um galpão emprestado pela irmã do co-
ordenador, onde ocorrem todas as aulas de instrumentos. As aulas de
cerâmica acontecem em um espaço que fica ao lado. No futuro, pre-
tendem construir um pequeno estúdio de gravação nesse mesmo es-
paço da sala das aulas. Não possuem nenhum espaço comunitário.
Atendem uma média de cem pessoas nas oficinas que são sempre
gratuitas.

Foto 15 – Aula de violão no PC Pájaro Campana

Análise

As entrevistas e filmagens foram realizadas no próprio espaço


das aulas do ponto, em Fevereiro de 2015. Estiveram presentes, em
uma parte da entrevista, o coordenador do ponto, José Almada, e Fá-
bio, ex-aluno, que já atuou como professor e agora auxilia em diver-
sas tarefas administrativas, além de fazer dupla de viola caipira com
o coordenador. Em outro momento foram entrevistados três alunos:

180
Guilherme, de treze anos; Débora, de onze anos; e Virgílio de trinta e
um anos.
A análise da entrevista mostrou que as ações desse ponto im-
pactam, principalmente, o domínio da Cultura, com reflexos na Vita-
lidade Comunitária. O domínio da Cultura está presente através de
todos os indicadores resumidos na página 104, tal como demonstra-
mos.
O primeiro indicador – cursos diversos (tradições culturais ou
identidade cultural) – está presente na própria criação do projeto Pa-
jaro Campana e sua preocupação com o não desaparecimento da har-
pa paraguaia, um instrumento tradicional e muito associado à identi-
dade cultural local. Houve, inclusive, cursos de dança folclórica sul
mato-grossense, cujo objetivo era “despertar o interesse pelas tradi-
ções regionais” e,
vivenciar as formas de expressão da dança folclórica regional,
considerando as suas origens, de modo que o aluno compreenda
melhor as características folclóricas de sua região. (AMABAI)

Os cursos específicos na área artística são a principal atuação


desse ponto. A organização de vendas está associada à Feira das Flo-
res, Plantas Ornamentais e Frutíferas, coordenada pelo ponto. A orga-
nização dessa feira está intimamente relacionada com o planejamento
das apresentações musicais. De acordo com o coordenador, a realiza-
ção dessas apresentações é muito cara, e é o dinheiro arrecadado du-
rante a feira das flores que paga a maior parte dos gastos:
Nós temos feito, nos últimos três anos, a Feira das Flores. Foi
uma saída que a gente achou. Inclusive, estamos enfrentando uma
pedreira danada pra sustentar a feira por causa umas pessoas aí
estão lutando pra impedir ela. Enfim. Mas é o que tá dando recur-
so pra cobrir o evento. Esse ano o evento [Encontro Folclórico]
custou cerca de dezoito mil reais. De bilheteria nós fizemos cinco
mil. Nós não temos como fazer mais de cinco mil de bilheteria
em Amambai. Em ambiente fechado, não. E nós colocamos um

181
valor bem acessível. Era dez, quinze reais. O restante quem co-
briu foi a Feira das Flores. (José Almada, coordenador)

Por fim, o coordenador e o Fábio, citam e mostram um traba-


lho de organização e sistematização de fontes históricas. Durante um
período, toda quinzena eles publicavam textos sobre assuntos históri-
cos:
A gente também tem algumas atividades que são do ponto. A
gente considera do ponto e que não são cotidianas. Por exemplo,
o ano passado nós iniciamos um trabalho no jornal, de retomada
de alguns pontos históricos. Então, toda quinzena a gente publi-
cava um texto aí. O Júnior produzia uma parte e eu produzia ou-
tra, com curiosidades sobre a história do local. Um dia sobre um
personagem local, um dia sobre como a viola chegou no Brasil,
reproduzindo esse processo histórico aí. A gente começou com
uma linha cronológica da colonização. Aí, quando chegou no fi-
nal do ano, a gente parou um pouco. […] Então, existe essa pro-
dução também, que tenta divulgar a cultura local.

Apesar de toda essa preocupação deles com a cultura local há,


em seu discurso, alguns elementos que não se alinham completamen-
te com o conceito de cultura dentro da visão do FIB. Como dito ante-
riormente na página 95, para o FIB, o domínio da cultura aparece de
uma forma bastante específica e relacionada com a ideia de resiliên-
cia. Nesse caso, a cultura é um conceito dinâmico, em constante pro-
cesso de mudança. A não aceitação de processos de mudanças, adap-
tações e influências de práticas contemporâneas sobre práticas tradi-
cionais pode ter o efeito contrário do pretendido. O sentido da resili-
ência cultural está, de certa forma, em saber manter aspectos tradici-
onais, por meio do fomento e identificação cultural e histórica, ao
mesmo tempo que se aceita pequenas adaptações ou mudanças, como
forma de dar um sentido de sua manutenção pelas novas gerações.
Em uma das situações vivenciadas pelo ponto, ele afirma não
ter participado de uma apresentação por não concordar com uma das

182
músicas executadas por um dos grupos que também tocou no mesmo
evento:
Você vai tocar num festival de folclore, você tem que ter um cri-
tério no seu repertório. Você não vai lá por uma coisa porque está
na mídia, faz sucesso. Não é isso. Nós já chegamos ao extremo,
uma situação radical, que na hora não ocorreu outra possibilida-
de, de a gente não tocar num evento porque tocou uma coisa lá
que a gente não concorda.[…] Uma coisa que a gente considera
nociva à questão cultural. O evento se chamava Noite Cultural
Amambaiense. A banda militar ia tocar três músicas. As duas pri-
meiras eram excelentes. Mas, quando anunciaram a terceira, aí
chamamos o povo e dissemos, se for tocar isso aí, nessa proposta
da noite cultural amambaiense, nós estamos fora. […] Se for as-
sim, então, muda o nome. O tempo todo a gente bate nessa te-
cla… Não dá. Não tem como você ser duas coisas.

Todavia, ele justifica isso baseado na contradição que vivenci-


am no dia a dia, contrapondo todo o trabalho realizado dentro das
oficinas do ponto com as apresentações bancadas pelo poder público.
Em nosso evento isso não vai acontecer. Esse é o lado mais difícil
de se trabalhar aqui. Porque é o seguinte, um ponto de cultura
aqui é um grão de areia. Não tem poder financeiro, é um público
pequeno. Toda estrutura está aqui. Aí você orienta, orienta, orien-
ta os alunos de música. Aqui ó, essa música tem qualidade, essa
aqui não tem, não tem cuidado. Aí, quando chega o evento orga-
nizado pelo poder público, que tem capital muito mais forte, traz
essas bandas aí tocando só aquilo que a gente fala que não presta.
E aí, como é que fica nossa palavra contra esses eventos, enten-
deu? A dificuldade que a gente enfrenta é essa. Muito mais do
que financeira, é essa interação de ideias, com os órgãos que pro-
movem eventos abertos.

A percepção do domínio da Vitalidade Comunitária também


está presente desde o início, pois a criação de uma associação cultu-
ral requereu e fortaleceu o suporte comunitário com ações de volun-
tariado e doação financeira para manter um projeto de interesse soci-

183
al. Esse projeto foi baseado na cooperação para se manter como Pon-
to de Cultura. Como não há um profissional remunerado trabalhando
continuamente, há pessoas doando seu tempo e seu trabalho, desem-
penhando um papel importante para a comunidade dentro e fora do
ponto.
Em relação ao Padrão de Vida, percebe-se que o objetivo do
ponto não é o de oferecer cursos profissionalizantes que os auxiliem
a entrar no mercado de trabalho. Ainda assim, há o relato de alguns
jovens que, ao se destacar por suas habilidades técnicas, se tornaram
monitores nas oficinas de instrumentos. Outros, seguiram carreira
musical.
Nossa, tem uma moçada que saiu aqui tocando muito e tá por aí
nesse mundão por aí. Cuiabá tem um harpista, um garoto que co-
meçou aqui, o cara é extraordinário na harpa.

Seu objetivo futuro inclui adquirir um espaço maior onde pos-


sam produzir seus próprios eventos e atividades, e desenvolver um
parque temático histórico, que funcione diariamente para que os tu-
ristas vivenciem e degustem elementos da cultura tradicional local, e
que anualmente sirva de espaço para os eventos folclóricos como o
Touro Candil.

184
PARTE 3
Conclusão

Nessa conclusão iremos rever os resultados dessa pesquisa e, a


partir das análises realizadas, deixar mais claro quais os impactos da
implantação do Programa Cultura Viva.
Como toda pesquisa, partimos de um problema: os Pontos de
Cultura participaram e tiveram influência na transformação social
das comunidades nas quais estão inseridos? Definimos um método
de coleta de dados: etnografia. Definimos um espaço geográfico:
Pontos de Cultura do Centro-Oeste. Por fim, utilizamos uma lente
teórica para a análise dos dados: domínios e indicadores da Felicida-
de Interna Bruta (FIB).
Um resumo simples da conclusão seria que, mais de uma déca-
da depois de sua implementação, podemos dizer que o Programa
Cultura Viva deu certo. Atingiu muitos de seus objetivos e, como dis-
se Turino, “desvelou o Brasil”. Mas nem tudo deu certo em iguais
proporções. Houve o que não deu certo.
Detectou-se que o processo de federalização do Programa Cul-
tura Viva teve vários pontos positivos. A ideia de descentralizar os
recursos como forma de ampliar o programa para atingir áreas remo-
tas e fazer com que os ideais do programa fossem incorporados pelas
instâncias estaduais e municipais (a chamada capilaridade), resultou
num certo nível de autonomia dessas instâncias em relação à esfera
federal.
Há muitas vantagens nesse processo: o primeiro é o fato de o
Ponto de Cultura tornar-se política de Estado, realizada pelos di-
versos entes federados, independente de conveniências ou disputa
entre governos e partidos; também agrega novos recursos,

187
quando a contrapartida financeira deixa de ser das entidades e é
assumida pelos governos estaduais ou municipais; além de tornar
a seleção e acompanhamento mais próximos da realidade local.
(TURINO, 2010, p. 167)

Inclusive, a grande expansão do PCV só se tornou possível por


causa desse compartilhamento de gestão, resultando numa maior vi-
sibilidade e fortalecimento do programa.
Contudo, no contexto dessa pesquisa, a descentralização dos
recursos, como já previa Célio Turino, traria três problemas: 1) A
descentralização das informações sobre a existência e atuação dos
novos pontos conveniados; 2) A manipulação ou perseguição políti-
ca; 3) O risco de burocratismo local.
Se até o ano de 2007, os editais eram lançados pelo próprio
Ministério da Cultura, possibilitando um único banco de dados sobre
os Pontos de Cultura conveniados; após esse ano, cada estado ou
município que aderisse ao programa, seria responsável pela criação e
publicação de um edital próprio, assim como pela escolha e repasse
das verbas às entidades selecionadas.
A federalização do Programa, naquele momento, era entendida
como uma necessidade diante das dinâmicas operacionais da
ação. O olhar mais localizado de Estados e municípios tenderia a
ser um ganho importante para a diminuição de ruídos e o melhor
acompanhamento das atividades executadas. Contudo, esta nova
configuração resultou na multiplicidade de atores e na pulveriza-
ção de demandas entre os Pontos de Cultura, conferindo novos
desafios à gestão. (CALABRE; LIMA, 2014, p. 21)

Parece-nos que esse processo de federalização aconteceu sem


que o MinC estivesse preparado para supervisionar e solicitar os da-
dos sobre os novos PC conveniados. E esse problema se arrasta até
os dias atuais, quase uma década depois. Quando estivemos no MinC
para solicitar os dados disponíveis, nos foi informado que a falta (ou
desatualização) de informações no banco de dados disponibilizado se

188
devia ao fato da dificuldade de comunicação das instâncias estaduais
e municipais com o MinC.
Essa falta de informações sobre os Pontos de Cultura existen-
tes refletiu-se diretamente na fase de preparação dessa pesquisa, pois
a maior parte dos dados que conseguimos a respeito dos Pontos de
Cultura do Distrito Federal e demais Estados do Centro Oeste, esta-
vam defasados. Dessa forma, muito tempo foi perdido tentando des-
cobrir quais os Pontos estavam ativos e como contatá-los. Através do
MinC não foi possível conseguir uma lista atualizada nem dos Pontos
de Cultura ativos, nem dos Pontos de Cultura que participaram de
editais antigos e que não estão mais conveniados.
O passo seguinte foi contatar as Secretarias de Cultura de cada
Estado. Ainda assim, a resposta sempre demorava muito e, quando
recebíamos uma resposta com a lista dos PC conveniados, grande
parte os endereços, telefones e e-mails de contato estavam
desatualizados. Os próprios órgãos estaduais pareciam não saber, ou
não ter um rígido controle de quem estava recebendo os valores
relativos ao PCV. Mas esse não foi um caso isolado em nossa
pesquisa, e percebemos vários relatos na revisão bibliográfica de
situações semelhantes.
Além de pulverizar o controle sobre informações essenciais re-
lacionadas aos novos pontos de cultura conveniados, a federalização
do PCV causou uma politização dos editais. Alguns dos pontos visi-
tados relataram que alguns editais estaduais não seguiam os critérios
básicos do PCV ou que, quando eram selecionados, sofriam perse-
guição dentro do próprio órgão de cultura local.
A gente lá dentro, participando da história da Comissão Nacional
e que o fato de ter federalizado foi uma coisa que complicou de-
mais. Porque, pegar o dinheiro e dar para o Estado, quando veio o
primeiro edital de ponto de Cultura do Estado, aqui, pelo menos,
em Goiás, eles beneficiaram a Academia Goiana de Letras, isso e
aquilo, e tinha gente que falava “olha, eu nunca fiz projeto social,
mas com esse recurso eu vou fazer”. Nós conseguimos impugnar
o edital. Tá tudo errado, eles não atenderam os critérios. […] É

189
complexa essa história de achar que o Estado também tem que
bancar. Aqui, pelo menos no Estado de Goiás, a gente nunca teve
apoio, nem do Estado, nem do Município. (PC Coepi)

Ainda que todo o nosso espaço é político... a gente deparou com


preconceito muito grande com a nova equipe que entrou naquela
época. Tinham uma pessoa ali que nos perseguiu muito. Era essa
pessoa que não deixava o negocio ir pra frente. Uma pessoa mili-
tante do [partido político X], que conhece as causas indígenas,
que conhecia o nosso trabalho, mas ela não deixou, o tempo que
ela ficou lá, ela não deixou. Nesse meio tempo veio uma pessoa
do Ministério e perguntou: O que foi que aconteceu? A gente dis-
se: Não sei, vai lá ver. E ele foi lá viu que não era nada, era só má
vontade. O governo federal ele tem uma certa, que dizer, ele tem
muita sensibilidade. O governo federal tem sido muito sensível
com as questões indígenas. Mas quando chega nos municípios,
uma vírgula é uma questão. (PC Yokoni Kopenoti)

Sobre o burocratismo local, Irmã Elisa do PC CEJUVI de Cal-


das Novas, reclamou que a situação financeira do ponto foi muito
prejudicada quando o Estado demorou para liberar sua parte dos re-
cursos, mesmo quando os recursos federais já haviam sido disponibi-
lizados.
O governo federal não libera o recurso se o estadual não fizer a
sua parte. Aí ficou um ano inteiro sem o governo estadual pagar
sua parte e a gente ficou sem nenhum recurso, de uma parte ou de
outra. (PC Cejuvi)

Apesar desses problemas pontuais, a grande maioria dos PC


pesquisados conseguiram atuar em plena capacidade, alcançando di-
versos resultados positivos medidos pelo FIB.

190
Os pilares dos Pontos de Cultura

Uma das primeiras perguntas que surgem quando se fala sobre


o PCV é se essas ações não seriam de responsabilidade do Estado.
Mas, é no fato dessas ações não serem tuteladas pelo Estado que resi-
de sua principal característica e poder de transformação. Porque o
Estado não decide o que deve ser feito. Seu papel é garantir um pe-
queno aporte financeiro para grupos, ou associações, que já desen-
volviam ações sociais; e facilitar a construção de uma rede de relaci-
onamento entre tais grupos. É justamente a não interferência do Esta-
do nas escolhas de quais ações podem ou devem ser desenvolvidas
nos PC, que possibilita a legitimação das práticas locais e do empo-
deramento de atores cujas vozes não alcançavam mais do que um pu-
nhado de pessoas.
A estrutura exigida e a burocracia inerente para a disponibili-
zação de cursos organizados e geridos pelo ente público é muito
grande. Por outro lado, a estrutura de um PC é muito mais simples e
flexível, podendo ser adaptada facilmente a rápidas mudanças de de-
mandas. Ou seja, é muito fácil para um PC oferecer cursos de Viola
Caipira durante um período. A partir do momento que a demanda
mudar, pode-se, além do curso de Viola Caipira, ofertar outro curso
distinto, tal como um curso de fotografia. Essa liberdade de atuação e
de escolha sobre suas ações é a base da Autonomia.
Todavia, as ações perpetradas pelos Pontos de Cultura vão
muito além de oferecer cursos a partir de uma demanda localizada.
Muitos deles atuam diretamente no resgate de valores e identidades
perdidas, negadas ou escondidas. Isso pode ser percebido na varieda-
de de Grupos de Trabalho organizados durantes as TEIAs, entre os
quais os GTs Ação Griô; Artes Cênicas; Capoeira; Circo; Culturas
Tradicionais e Indígenas; Economia Solidária; Gênero; LGBT; Ma-
triz Africana; Rurais; Sexualidades; Sustentabilidade.
Dentro de cada GT desses surgem discussões específicas, no
nível ideológico, que vão orientar ações nos PC. Um exemplo

191
interessante é o da Economia Solidária, que discute temas como
autogestão e sustentabilidade (ambiental, social e econômica). Dessa
forma, um PC pode organizar atividades (oficinas, vendas,
apresentações) tendo como base a lógica da economia solidária, com
o objetivo de gerar renda de forma sustentável e duradoura para uma
determinada comunidade periférica, tais como artesanato com
palhas, renda de bilro, cerâmica ou agricultura familiar. Esse ato de
puxar para si a tarefa de fazer o que precisa ser feito, sem esperar que
o poder público faça, é a base do Protagonismo.
Quando um grupo de pessoas percebe que pode se organizar e
apoiar ações para alcançar um objetivo comum, com liberdade de es-
colhas e sem intervenção estatal, isso resulta na compreensão de seu
papel nas relações de poder que atuam no controle de seu futuro.
Quando essa consciência é exercida com autonomia, o objetivo mai-
or foi alcançado, o Empoderamento. Nesse contexto dos PC, o em-
poderamento não foi algo dado ou permitido pelo poder público, mas
uma conquista através da conscientização da capacidade de transfor-
mação advinda da coletividade. Um auto-empoderamento.
Em texto recente (BRASIL, 2013, p. 7), o Ministério da Cultu-
ra elenca os objetivos específicos do Programa Cultura Viva:
• Ampliar o acesso da população brasileira às condições de
exercício dos direitos culturais;
• Garantir o pleno exercício dos direitos culturais aos cidadãos
brasileiros, dispondo-lhes os meios e insumos necessários
para produzir, registrar, gerir e difundir iniciativas culturais;
• Estimular o protagonismo social na elaboração e na gestão
das políticas públicas da cultura;
• Promover uma gestão pública compartilhada e participativa,
amparada em mecanismos democráticos de diálogo com a
sociedade civil;
• Consolidar os princípios da participação social nas políticas
culturais;

192
• Promover o direito à cultura como elemento essencial para o
exercício da cidadania, a diversidade cultural em suas múlti-
plas expressões simbólicas, e a atividade econômica no cam-
po cultural;
• Estimular iniciativas culturais já existentes, por meio de
apoio e fomento da União, Estados, Distrito Federal e Muni-
cípios;
• Promover o acesso aos meios de fruição, produção e difusão
cultural;
• Potencializar iniciativas culturais, visando à construção de
novos valores de cooperação e solidariedade, promovendo a
cultura de Paz e a defesa dos Direitos Humanos;
• Estimular a exploração, o uso e a apropriação dos códigos,
linguagens artísticas e espaços públicos e privados disponibi-
lizados para a ação cultural.
Percebe-se que, de forma geral, tais objetivos podem ser resu-
midos em quatro pilares: 1) A promoção de iniciativas culturais; 2) O
acesso às produções culturais existentes; 3) A valorização da cultura
local através do empoderamento e legitimação dos atores locais; 4) A
gestão compartilhada. Portanto, para as comunidades agraciadas pe-
los PC, a apresentação de quadros com indicativos de valores aloca-
dos ou quantidade de pontos agraciados, não era suficiente para ava-
liar se o PCV teria alcançado ou não seus objetivos. Por isso, a Co-
missão Nacional dos Pontos de Cultura demandou uma pesquisa com
abordagem qualitativa, individualizada, para que fosse estudado, em
maior profundidade, como os Pontos de Cultura atuaram na transfor-
mação da realidade sociocultural das comunidades.

193
Impactos no FIB

Como já exposto nas análises de alguns dos Pontos de Cultura


pesquisados, há diversas evidências de que suas ações tiveram im-
pactos positivos nas comunidades que os cercam. Esses impactos po-
dem ser diagnosticados através de uma melhora na qualidade de vida
das pessoas que estão direta e indiretamente relacionadas com esses
pontos. E essa melhora na qualidade de vida foi percebida através da
análise de como as atividades dos pontos resultavam, intencional-
mente ou não, em ações que se vinculavam aos indicadores e domíni-
os da Felicidade Interna Bruta.
Entre os nove domínios do FIB, alguns surgem de forma mais
clara e evidente, enquanto outros mal são mencionados ou de difícil
vinculação às ações do ponto. Quatro domínios se destacam entre os
demais. São eles a Cultura, Uso do tempo, Bem-estar psicológico e
Vitalidade comunitária. Em seguida, há um grupo de domínios cu-
jas associações surgem somente em alguns dos pontos, ou de forma
secundária nos demais, que são a Educação, Padrão de vida, Boa
governança e Meio ambiente. Por fim, o domínio da Saúde é o que
menos impacto direto é perceptível nessa pesquisa.
A razão do domínio da Cultura aparecer mais vezes está rela-
cionado ao fato de que praticamente todos os Pontos de Cultura ofe-
recem cursos diversos, geralmente gratuitos, voltados para popula-
ções de baixa renda. Com algumas exceções, os cursos envolvem
práticas culturais não hegemônicas 66 e modalidades que não são tra-
dicionalmente encontrados em escolas de artes oficiais (conservatóri-
os, por exemplo), tais como Hip Hop, Capoeira, Viola caipira, Conta-
ção de histórias, Moda afro-brasileira, Teatro, Circo, Cerâmica, Artes
plásticas com reciclagem, entre outros.
Essas ações, por sua vez, impactam diretamente no Bem-
Estar Psicológico das pessoas que participam ou que moram naquela

66 Seja em termos midiáticos ou, mais precisamente, ligados a classes sociais mais baixas ou
sociedades tradicionais.

194
região pois, mesmo quando são PC voltados para cursos de audiovi-
sual e cinema, suas produções sempre valorizam a cultura local (peri-
férica, em termos de bairros ou cidades). Essa valorização das práti-
cas tradicionais ou não hegemônicas, aumentam muito a autoestima
de toda a comunidade, que passam a entender que suas práticas cul-
turais têm tanto valor simbólico e/ou artístico quanto as que são con-
sideradas “alta cultura”.
De forma semelhante é o impacto na Vitalidade Comunitária
pois, elevar a autoestima das pessoas de uma certa comunidade res-
taura o sentimento de pertencimento, importância e compartilhamen-
to de um projeto comum que irá satisfazer as necessidades da comu-
nidade por um compromisso coletivo. Isso se reflete, por exemplo,
no caso do Bairro Santa Efigênia na cidade de Caldas Novas – GO,
que antes da instalação do PC CEJUVI, era muito mal apreciado pe-
las pessoas da cidade e, inclusive, pelos próprios moradores do bair-
ro. Mas, algum tempo depois que esse PC se estabeleceu lá, os jo-
vens passaram a ter orgulho de morar em um bairro que é apoiado
por um projeto como esse. Uma mudança positiva na comunidade.
Também podemos destacar a sensação de uma necessidade de
retribuição, refletida na solidariedade que as pessoas desenvolvem ao
serem acolhidos. É o que muitos relatam sobre a ideia de que o Ponto
de Cultura acaba gerando multiplicadores, que levam esse ideal de
bem-estar coletivo para seu cotidiano.
As atividades relacionadas ao Uso do tempo também impac-
tam diretamente nessa vitalidade comunitária. A oferta de cursos que
sejam do interesse das pessoas da comunidade, gratuitos ou com bai-
xo custo de investimento, faz com que muitos jovens e crianças pre-
firam participar dessas atividades do que ficar “sem fazer nada”.
Quando perguntados sobre a importância dos projetos desenvolvidos
nos pontos que atendem crianças e adolescentes, a resposta mais co-
mum, tanto dos participantes, quanto das pessoas da comunidade em
geral, é que “tira as crianças da rua”. Percebeu-se que as possibilida-
des ofertadas pelos PC, redefiniram a maneira de crianças e adoles-
centes organizarem o seu tempo entre escola, lazer e família.

195
O domínio da Educação também se encontra presente em
alguns pontos, através das “aulas de reforço escolar”. Essa é uma
atividade muito importante para o benefício de famílias pobres, que
fazem uso dessa oportunidade com o intuito de “elevar o nível de
escolaridade” de seus filhos, e propiciar uma transformação nas
possibilidades de emprego e renda da próxima geração dessa família.
Assim como os domínios anteriores, essas ações também refletem
positivamente na autoestima (crença de que é capaz de alcançar seus
objetivos) e no uso do tempo.
Contudo, existem dois outros indicadores desse domínio que
promovem um impacto mais profundo e por isso mesmo, menos
imediato. Um deles aborda a “alfabetização, manutenção ou
valorização de línguas indígenas, alóctones ou oficial”, tal como
encontramos no PC Yokoni Kopenoti; e o outro é baseado na
“reflexão sobre valores éticos e morais”, tal como presentes nos PC
COEPI e Kongo Nya. Essas ações promovem um questionamento
sobre o que significa ser indígena ou negro, por exemplo, numa
sociedade dominada pelos características e valores dos “brancos”.
Em termos educacionais, a discussão filosófica que aborda os
problemas morais, éticos e identitários a respeito de aspectos
culturais como o uso de determinada língua, a forma de se vestir, ou
os elementos simbólicos e religiosos, podem ter resultados mais
duradouros e impactantes, pois possibilitam uma ruptura
epistemológica. É uma forma de oferecer ferramentas para se
questionar a realidade que se vive, sem ser um mero seguidor de
ideias alheias. Capacitar a reflexão é empoderar. E esse é um
conceito essencial ao Programa Cultura Viva.

196
Cultura Uso do Bem-estar Vitalidade Educação Boa Meio Saúde
tempo psicológico comunitária Padrão de governança ambiente
vida

Athos Bulcão X X
Kongo Nya X X X X X X
Ludocriarte X X X X X X X
Caminhos Audiovisuais X X X X X X
Garatuja X X
Encubadora de Palhaços X X X
Artes da Tribo X X
Canto a Canto X X X
ESTEC X X X X
Ciranda X X X X X
Coletivo Maloca X X X X X
Só Falta Você X X X X X
CENPRO – Faces da Cultura X X X X X
CEJUVI X X X X X
Yokoni Kopenoti X X X X X X X
Nelito Camera X X X X
Pajaro Campana X X
COEPI X X X X X X X X
Tabela 1 – Relação dos domínios do FIB impactados pelas atividades realizadas pelos Pontos de Cultura pesquisados.
O domínio do Padrão de vida aparece em muitos pontos, mas
não em todos. A oferta de cursos com intenções profissionalizantes
aparece, de forma intencional, em pontos como o Caminhos Audiovi-
suais, CENPRO – Faces da Cultura, e Ciranda. Por outro lado, o
mero fato de ofertar cursos diversos, também amplia as possibilida-
des de atuação profissional de pessoas que antes não as vislumbra-
vam. Cursos de informática, por exemplo, têm um impacto imediato
sobre as chances de conseguir um emprego. Mas há relatos de pesso-
as que fizeram cursos de teatro, dança, música, entre outros, que ini-
ciaram como um lazer, ou uma oportunidade de realizar um “sonho
de infância”, e que acabaram por atuar profissionalmente nessa área.
O PC Pájaro Campana tem o exemplo de um garoto que se tor-
nou um harpista profissional, mesmo não sendo essa a intenção inici-
al desse projeto. Muitos jovens e crianças que iniciaram no projeto
Ciranda, hoje atuam em orquestras profissionais ou ingressaram em
cursos superiores de música. Outra situação muito comum, relatada
pelos coordenadores dos PC, são ex-alunos que se destacam e que
passam a atuar como estagiários no próprio ponto, já adquirindo uma
experiência profissional e um pequeno, mas importante, ganho finan-
ceiro.
Uma situação que nos chamou a atenção dentro desse domí-
nio, foi uma atividade desenvolvida no PC Ludocriarte, uma oficina
chamada “Mundo do trabalho”, voltada para discussões sobre como
fazer entrevistas e se comportar na atuação profissional. Essa ativida-
de, juntamente com oficinas de caráter mais técnico (informática e
cinema), tem contribuído muito para auxiliar esses jovens a se inserir
no mercado de trabalho, ou mesmo avançar em suas carreiras.
Nessa pesquisa, o domínio da Boa governança foi mais iden-
tificado nas entrevistas com os coordenadores e professores dos PC.
Para muitos desses entrevistados, houve uma aumento na sua percep-
ção em relação aos investimentos que o governo precisa fazer em
áreas como a cultura e a educação em geral. Os coordenadores dos
PC vivenciam cotidianamente o que significa essa falta de investi-
mento. Nas cidades menores (menos de cinquenta mil habitantes)

198
como Primavera do Leste, Ivinhema, Amambai, Campo Verde e Pire-
nópolis, havia um discurso recorrente de que as atividades oferecidas
das pelos PC, em muitos casos, eram as únicas opções culturais na-
queles municípios. Foram os PC que passaram a organizar festas,
apresentações musicais, e teatrais. Há, inclusive, o caso do PC Pajaro
Campana que se mobilizou para resgatar o Toro Candil 67, uma brin-
cadeira popular que há tempos não mais se praticava. Ou o exemplo
do Ponto de Cultura Só Falta Você, que fomentava as festas, quadri-
lhas e danças folclóricas na recém fundada, e sem nenhuma tradição
própria, cidade de Campo Verde – MT.
Dessa forma, há, entre tais coordenadores, a clara percepção
de que eles estão atuando e suprindo uma lacuna que deveria ser de
competência do ente público. E fazem isso com um orçamento muito
inferior do que o próprio Estado gastaria para oferecer as mesmas
atividades. Por isso, um dos clichês do discurso dos pontos de cultura
é dizer que “a gente transforma um real em dez”.
Dos dezoito PC visitados, o domínio do Meio ambiente só
surge em três pontos, sendo que desses, somente um, o COEPI, pro-
movia ações efetivas para o meio ambiente. Essas ações rendeu, in-
clusive, parcerias com o Ministério do Meio Ambiente, com o IBA-
MA, e com a WWF-Brasil 68. Os outros PC não tinham nenhuma
ação específica que pudessem ser relacionadas diretamente com os
indicadores do meio ambiente.

67 A Associação Cultural Amambaiense, responsável pelo Ponto de Cultura Pajaro


Campana, desde 2008 passou a realizar o Encontro de Folclore Toro Candil. Essa
brincadeira se assemelha ao Bumba-meu-boi, cujo Boi é feito com arame, pano e a
ossatura natural da cara do boi, previamente abatido para a festa, na qual duas tochas são
acesas e colocadas nas extremidades do chifre do boi candeeiro.
68 World Wide Fund for Nature, antiga World Wildlife Fund, renomada OnG que “executa
projetos em todo o país por meio de parcerias com empresas, organizações não-
governamentais, órgãos dos governos federal, estaduais e municipais, desenvolvendo
atividades de pesquisa e diagnóstico; proteção de espécies e de ecossistemas ameaçados;
desenvolvimento de modelos alternativos de conservação e uso dos recursos naturais;
capacitação e desenvolvimento de entidades parceiras; disseminação de resultados por
meio de educação ambiental, políticas ambientais e comunicação; e campanhas de
mobilização social.” (WWF, 2016)

199
O domínio da Saúde também só pôde ser relacionado direta-
mente com o acompanhamento psicológico dos participantes e da fa-
mília promovidas pelo PC Ludocriarte. De forma secundária, como
ideias a serem implantadas mas ainda não efetivadas, puderam ser
identificadas em outros três dos pontos pesquisados (CEJUVI, COE-
PI, Yokoni Kopenoti). Mesmo na pesquisa bibliográfica, somente a
dissertação de Denise Diba (2012), descrita na página 47, analisa
como a promoção da saúde pode ser alcançada através das atividades
de um grupo teatral. De forma análoga, um olhar mais minucioso
também poderia relacionar, de forma indireta, algumas das atividades
desenvolvidas nos pontos com a promoção da saúde. Todavia, como
nosso aporte metodológico estava condicionado aos impactos diretos
das ações dos PC nos indicadores do FIB, essa relação indireta não
foi objeto da nossa análise.
Como esse estudo procurou demonstrar, a felicidade não está
relacionada com o acúmulo de bens. Os indicadores do FIB foram
desenvolvidos com a intenção de analisar como a felicidade se
apresenta nos mais diferentes aspectos. E o bem-estar social é um
dos indicadores que mais afeta o nível de felicidade de uma
comunidade. Por isso, espera-se que o Estado desenvolva ou
identifique estudos analíticos que possam estimar o impacto de
potenciais políticas públicas na felicidade/bem-estar da sociedade.
Essa pesquisa pode ser entendida como um desses estudos, ao
demonstrar como pequenas ações podem afetar a qualidade de vida
de uma comunidade.

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219
Esta publicação apresenta os resultados do projeto
de pesquisa intitulado Programa Cultura Viva:
Impactos e transformações sociais, que integra um
conjunto de estudos desenvolvidos no âmbito do
Observatório de Políticas Públicas Culturais (OPCULT)
da Universidade de Brasília. Este relatório está dividido
em três partes. A primeira parte conta com quatro
capítulos que abordam análise geral do objeto de
pesquisa. A segunda parte é composta pela análise
individual de oito Pontos de Cultura dentre os dezoito
visitados. Por fim, a terceira parte apresenta uma breve
conclusão sobre o estudo, além de possibilidades para
futuros desdobramentos. Para a análise dos dados foi
escolhido o indicador de Felicidade Interna Bruta (FIB)
para auxiliar na identificação do impacto que as
ações dos Pontos de Cultura teriam em suas
comunidades.

UnB | CEAM| PPGDSCI

www.opcult.unb.br

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