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Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
Brasília - DF
2010
PAULO SÉRGIO MEDEIROS
Brasília
2010
Monografia de autoria de Paulo Sérgio Medeiros, intitulada “O ABUSO DE AUTORIDADE
NA ABORDAGEM POLICIAL”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau
de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em ___/___/2010, defendida e
aprovada pela banca examinadora abaixo assinalada:
__________________________________________________
__________________________________________________
Prof. Dr. Arnaldo Sampaio Moraes Godoy
Membro
__________________________________________________
Prof. Dr. João Rezende Almeida Oliveira
Membro
Brasília
2010
RESUMO
Policial.
ABSTRACT
MEDEIROS, Paulo Sergio. The misuse of authority at police approach. Defense in 2010.
72 pages. Monograph of undergraduate course of law. Universidade Católica de Brasília –
UCB, Brasília, 2010.
The misuse of authority at police approach, represents nowadays, a deserving theme of special
attention. This theme is quite complex for involving fundamental citizen rights, consecrated in
the Federal Constitution, and the public security, whose base is in the power of state police.
The misuse of authority at police approach it is an aggression to the principle of human
person dignity, to the human fundamental rights and also to other principles consecrated in the
Constitution. Therefore, this work objective itself to present a study about misuse of authority
crimes provided in Law n.4.8898 65. Likewise it will be aim of study of the present job, the
analysis of police approach in order to establish a relation between prevention necessity and
crime repression. The prevention and crime repression have social peace as finality, and for
that, the state must look for establish an acting limit of the public agent so he would not incurs
in provided crimes, in the above mentioned law. This work still will investigate the origin of
misuse of authority, and it'll seek for clarify the juridical consequences resulting of this
practice. In addition, will be explored the expression, ''founded suspicion" provided in the
Code of Criminal Procedure, given the inaccuracy of the term, that can be subjectively
interpreted in different ways. Thus, this work of course conclusion, seeks identifying the
origins of abusive behavior in police activity in order to find a solution to transform the police
in a democratic and citizen institution.
Key- words: Human Dignity, Human Rights, Freedom of Locomotion, Physical Safety of the
Individual, Public Security, Misuse of Authority, Police Approach.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 6
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 62
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 66
6
INTRODUÇÃO
1
Segundo Chimenti: “Em direito constitucional, “Direitos” são dispositivos declaratórios que imprimem
existência ao direito reconhecido. Por sua vez, as “garantias” podem ser compreendidas como
elementos assecuratórios, ou seja, são os dispositivos que asseguram o exercício dos direitos e, ao
mesmo tempo, limitam os poderes do Estado”. CHIMENTI, Ricardo Cunha, et alii. Curso Direito
Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2004. p.49
2
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 23
9
3
BARCELLOS, Ana Paula. Eficácia jurídica dos princípios constitucionais: O princípio da
dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.104
4
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 5. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p.30.
5
O Iluminismo surgiu na França (século XVII). Este movimento defendia o domínio da razão sobre a
visão teocêntrica que dominava a Europa desde a Idade Média. Para os filósofos iluministas, esta
nova forma de pensamento tinha o propósito de iluminar as trevas em que se encontrava a
sociedade. Com este movimento o homem deveria ser o centro e passar a buscar respostas para as
questões que, até aquele momento, eram justificadas pela fé, ou seja, o pensamento racional deveria
substituir as crenças religiosas e o misticismo. Disponível em:
<http://www.suapesquisa.com/historia/iluminismo/>. Acesso em: 11 mar. 2010.
10
O Homem, e, duma maneira geral, todo ser racional, existe como um fim em
si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou
daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se
dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele
tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim... Portanto, o
valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ações é
sempre condicional. Os seres cuja existência depende, não em verdade da
nossa vontade, mas da natureza, têm, contudo, se são seres irracionais,
apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao
passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza
os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não
pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita
8
nessa medida todo o arbítrio (e é um objeto de respeito).
Para Kant, essa pessoa seria dotada de um valor intrínseco, um valor próprio
da sua essência, e, por ser uma qualidade intrínseca da pessoa humana, seria algo
irrenunciável e inalienável. Na medida em que esse valor, irrenunciável e inalienável,
qualifica o ser humano, ele não pode ser destacado deste, já que, como dito, o ser
humano seria um fim e não um meio passível de utilização e manipulação. Esse
6
BARCELLOS, 2002. p.106
7
SARLET, 2007. p.45
8
KANT, Immanuel. Fundamento da metafísica dos costumes, in: os pensadores – Kant, trad.
Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 134.
11
valor intrínseco seria um valor absoluto, uma qualidade absoluta, ou seja, uma
dignidade absoluta.9
Portanto, como afirma Sarlet10: “o ser humano é dotado de um valor e que lhe
é intrínseco, não podendo ser transformado em um mero objeto ou instrumento”. Por
isso, a dignidade da pessoa humana é algo que se reconhece, respeita e protege.
O último marco importante na trajetória histórica da noção de dignidade da
pessoa humana é também o mais trágico. Os horrores da Segunda Guerra Mundial11
(1939 - 1945) abalaram completamente as convicções que até aquele momento se
tinham como pacíficas e universais.
Como a reação à barbárie do nazismo e do fascismo, consagrou-se, no pós-
guerra, a dignidade da pessoa humana no plano internacional e interno como valor
máximo dos ordenamentos jurídicos e princípio orientador da atuação estatal e dos
organismos internacionais.12
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, especialmente após a criação das
Organizações das Nações Unidas, a discussão a respeito dos direitos humanos e
fundamentais tomou uma nova dimensão: no âmbito internacional, Declarações e
Pactos sobre direitos foram firmados, bem como Organizações e Cortes foram
criadas13.
Devido a importância do princípio da dignidade humana, que é inerente a todo
ser humano e que deve ser respeitado por todos, podemos afirmar que este princípio
serve como princípio orientador de muitos outros. É possível afirmar que o princípio
da dignidade humana se relaciona com os chamados direitos fundamentais ou
humanos.
Pelo que foi exposto, sendo reconhecida a sua existência e sua importância, é
necessário conceituar a dignidade da pessoa humana.
9
BOLDRINI, Rodrigo Pires da Cunha. A proteção da dignidade da pessoa humana como
fundamentação constitucional do sistema penal. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4171>. Acesso em: 11 mar. 2010.
10
SARLET, Ingo Wolfgang, A eficácia dos direitos fundamentais, 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003. p.106.
11
As violações de direitos humanos e a morte de milhões de seres humanos, das mais variadas
nacionalidades, ainda hoje causa revolta.
12
BARCELLOS, 2002. p.108
13
Foram criadas a Declaração dos Direitos do Homem (1948); Comissão Européia de Direitos
Humanos (1950); Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966); Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da
Corte Interamericana de Direitos Humanos (1969).
12
Alexandre de Moraes15:
Até que ponto a dignidade não está acima das especificidades culturais,
que, muitas vezes, justificam atos que, para a maior parte da humanidade
são considerados atentatórios à dignidade da pessoa humana, mas que, em
certos quadrantes, são tidos por legítimos, encontrando-se profundamente
enraizados na prática social e jurídica de determinados comunidades. Em
verdade, ainda que se pudesse ter o conceito de dignidade como universal,
isto é, comum a todas as pessoas em todos os lugares, não haveria como
evitar uma disparidade e até mesmo conflituoso sempre que se tivesse de
14
SARLET, 2007. p.62.
15
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2002. p.128-129.
16
SARLET, 2007. p.60.
13
17
Em 1988, Ulysses Guimarães, na época deputado federal e também Presidente da Assembléia
Nacional Constituinte, fez um grande discurso na promulgação da Constituição e ali a chamou de
cidadã, referindo-se à intensa participação popular na elaboração da nova Carta Magna como
também pelo fato dela marcar um novo período político-jurídico, restaurando o Estado Democrático
de Direito, ampliando as liberdades civis e os direitos e garantias fundamentais e com isto instituindo
um verdadeiro Estado Social.
14
18
SARLET, 2007. p.106.
19
MORAES, 2009. p. 6.
20
ARAGÃO, Selma Regina. Direitos Humanos: do mundo antigo ao Brasil de todos. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2001. p.20
15
21
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos Fundamentais. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004. p.19.
22
MORAES, 2007. p.19
23
Ibidem. p.17
17
Pelo exposto, podemos afirmar que o sentido maior dessa Declaração foi o
resgate e a proteção da dignidade humana, uma vez que ela traz a previsão de que
basta ser um humano para ter dignidade e ser titular dos direitos nela inseridos.
24
MORAES, 2007. p.17
25
Ibidem. p.20
26
Ibidem. p.3.
18
direitos humanos fundamentais (garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos
brasileiros). O artigo 179 possuía 35 incisos, consagrando direitos e garantias
individuais, tais como: o princípio da igualdade; o princípio da legalidade; o direito à
liberdade de locomoção; o direito à inviolabilidade do domicílio; a possibilidade de
prisão somente em flagrante delito ou por ordem da autoridade competente; o
princípio da reserva legal; e a abolição da tortura e de todas as penas cruéis.
Importante lembrar que a Proclamação da República trouxe também o Código
Criminal de 1830 e o Código de Processo Criminal de 1832.
Essas legislações, de acordo com José Frederico Marques, substituíram as
Ordenações Filipinas e sua tradição legislativa de crueldade e terror:
27
MARQUES, Jose Frederico, Tratado de direito Processual Penal, v. I. São Paulo: Millennium,
1980. p.117.
19
28
Em 1937, com um golpe de Estado, Getúlio Vargas decretou o fechamento do Congresso e
anunciou a nova Constituição, a Polaca, inspirada na Constituição fascista da Polônia. Era o início do
Estado Novo.
29
O Regime Militar vigorou entre 1964 a 1985, e foi o período da política brasileira em que os
militares governaram o Brasil. Tinha como características a falta de democracia, supressão de direitos
constitucionais, censura, perseguição política e repressão aos que eram contra o regime militar.
30
CRETELLA JÚNIOR, José. Elementos do direito constitucional. São Paulo: RT, 2000. p. 21
20
31
PIOVISAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos, São Paulo: Max Limonad, 2003. p.339.
21
32
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
2008. p.299.
22
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair
com seus bens.
[...]
LXI - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão ou crime militar, definidos em lei.
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou
degradante.
A condenação é tão incisiva que o inciso XLIII, art. 5º, determina que a lei
considere a prática de tortura como crime inafiançável e insuscetível de graça, por
ele respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-la, se
omitirem.
33
SILVA, José Afonso. Curso direito constitucional positivo, 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
p.199.
34
São aqueles que se fundamentam na liberdade, civil e politicamente considerada. São as
liberdades públicas negativas que limitam o poder do Estado, impedindo-o de interferir na esfera
individual. O direito à integridade física e à liberdade são exemplos. A liberdade é a essência da
proteção dada ao indivíduo, de forma abstrata, que merece apenas por pertencer ao gênero humano
e estar socialmente integrado (CHIMENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Fernando; ROSA, Márcio F. Elias;
SANTOS, Maria F. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2004. p.46).
24
35
GRECO, Rogério. Atividade Policial: Aspectos penais, processuais penais, administrativos e
constitucionais, 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p.12
36
Ibidem. p.12
25
A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem:
assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem limites
senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos
mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados por lei.
37
ASSIS, Jorge César de, etii. Lições de direito para a atividade das polícias militares e das
forças armadas. Curitiba: Juruá Editora, 2007. p.62
27
Pela análise desta lei, podemos concluir que ela possui um caráter
subsidiário. Isto porque da prática de um abuso podem nascer consequências nas
esferas administrativa, civil e penal. Na área penal, inclusive, as sanções penais pela
conduta criminosa revestem-se de pequena carga retributiva ou intimidatória, posto
que, no mais das vezes, restringem-se à aplicação de pena pecuniária de pequeno
valor ou pena privativa de liberdade entre 10 dias e 6 meses. Por isso, não se pode
pretender que a lei de abuso de autoridade absorva, por exemplo, um caso de
sequestro praticado por quem que esteja no exercício de uma função pública, ou,
noutro exemplo, um policial militar que venha a praticar um cárcere privado ou um
crime de tortura. Não faz sentido, desse modo, pretender puni-lo nos termos da Lei
de Abuso de Autoridade, deixando de lado a figura extremamente mais severa
prevista no Código Penal. Diante disso, os crimes definidos na Lei nº 4.898 de 1965
serão absorvidos sempre que o comportamento possa ser tipificado sob a forma de
delitos mais graves.39
Faz-se necessário, ainda, dizer que a Lei de Abuso de Autoridade foi criada
para punir pequenos abusos, que não encontravam punição no Código Penal, e que
desta feita poderiam ficar impunes.
Não podemos nos esquecer também o contexto histórico no qual se insere o
diploma em comento, haja vista que ele entrou em vigor no ano 1965, em pleno
regime ditatorial.
38
SANTOS, Paulo Fernando dos. Crimes de Abuso de Autoridade – Aspectos Jurídicos da Lei
nº 4.898/65. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2003. p.17.
39
Ibidem. p.18
28
A lei fala em abuso de autoridade. Mas quem seria o sujeito ativo do crime de
abuso de autoridade?
Os delitos previstos na Lei nº 4.898 de 1965 são considerados crimes
próprios, haja vista que somente podem ser praticados por autoridade.
40
SANTOS, 2003. p.19.
41
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal - legislação penal especial, vol. 4, 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2008. p.7
29
Autoridades são, assim: (a) os titulares de cargos públicos criados por lei,
regularmente investidos e nomeados, que exerçam função pública; (b) os
contratados sob regime diverso do direito público, para o exercício de
funções de natureza pública; (c) os mensalistas, diaristas, tarefeiros e
qualquer outro nomeado a título precário, desde que exerçam a função
pública; (d) qualquer pessoa que, ainda que transitória, precária e
gratuitamente, exerça a função pública; (e) o serventuário da Justiça; (f) o
comissário de menores; (g) o funcionário de autarquia; (h) o vereador; (i) o
advogado encarregado da dívida do Estado etc. (J) o guarda municipal.
42
CAPEZ, 2008. p.31
43
Ibidem. p.31
44
JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 2000. p. 36
30
penais previstos na referida lei, caso este não esteja no exercício de seu cargo ou
função. Estaria o agente cometendo o crime de abuso de autoridade? A solução,
porém, já está pacificada pelos tribunais:
Conforme decidiu a 1ª Câmara do TACrim:
Pelo exposto, a autoridade, ainda que fora do exercício da sua função, que
invocar os poderes que lhe são conferidos, praticará crime de abuso. Como
exemplo, podemos citar a hipótese de um policial que, de folga, detenha ilegalmente
uma pessoa, invocando para tal o cargo que ocupa. Neste caso, o agente agiu
invocando a sua condição de autoridade e, por isso, deverá responder pelo crime
previsto na Lei nº 4.898 de 1965.
Portanto, em muitas ocasiões poderá haver a ocorrência do delito em
questão, principalmente nos casos em que o agente público se excede, confundindo
o poder legal que o cargo lhes atribui, praticando o abuso.
Após identificar o sujeito ativo do crime de abuso de autoridade, passemos à
análise do sujeito passivo. O sujeito passivo do crime de abuso de autoridade pode
ser qualquer cidadão, maior ou menor, capaz ou incapaz, brasileiro ou estrangeiro.
De acordo com o ensinamento de Damásio Evangelista de Jesus45, os crimes
de abuso de autoridade são de dupla subjetividade passiva:
45
DAMÁSIO, Evangelista de Jesus, apud FREITAS, Gilberto Passos de; FREITAS, Vladimir Passos
de. Abuso de autoridade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.22.
31
46
FREITAS, Gilberto Passos de; FREITAS, Vladimir Passos de. Abuso de autoridade, 9. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.98.
32
[...]
§ 3º. A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos arts. 42 a
56 do CP e consistirá em:
a) multa de cem a cinco mil cruzeiros;
b) detenção de 10 dias a 6 meses;
c) perda do cargo, com inabilitação para qualquer função pública pelo prazo
de até três anos.
Quanto à alínea “a”, parágrafo 3º, do art. 6º, onde se lê: “multa de cem a cinco
mil cruzeiros”, lê-se somente “multa”, pois o art. 2º da Lei nº 7.209/84 (reforma da
Parte Geral do Código Penal) estabeleceu que os valores de multas fixados no
Código Penal e nas leis especiais serão substituídos, apenas, pelo termo “multa”.
Desse modo, a lei em comento prevê a pena de multa, mas não terá como
referência os valores especificados na alínea “a”. O valor agora será obtido pelo
critério de dias-multa, de acordo com o art. 49 a 52 e 60 do Código Penal.48
Quanto à pena privativa de liberdade, prevista no art. 6º, parágrafo 3º, alínea
“b”: “detenção de 10 dias a 6 meses”, podemos perceber que ela foi fixada em
patamar muito baixo, sendo que a pena máxima cominada está prevista em seis
meses de detenção. Essa penalidade pode até servir como estímulo para o
cometimento de abusos, pois, além de ser irrisória, prescreverá49 em pouco tempo.
47
FREITAS, 2001. p.100
48
CAPEZ, 2008. p.36
49
A Lei nº 4.898/65 não estabeleceu normas prescricionais específicas, pelo que devem ser
aplicadas as regras previstas pelo Código Penal. Assim, para as penas pecuniária e privativa de
liberdade, previstas no § 3º, do art. 6º, aplica-se o art. 109, VI, do Código Penal, que estabelece o
33
prazo prescricional em dois anos. (MORAES, Alexandre de. SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação
especial, 10. ed., São Paulo: Atlas, 2007, p.24)
34
Essa escolha é importante, pois, nas abordagens policiais, esses direitos são
constantemente violados. Por isso, a importância de conhecer os limites de atuação
desses agentes públicos.
Então, podemos indagar: Qual o limite de atuação do policial na abordagem
policial sem que ocorra a restrição na liberdade de locomoção do cidadão? Ou, até
que ponto o policial pode utilizar-se da força sem agredir a integridade física do
indivíduo?
50
BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes federais. 4. ed., Porto Alegre: livraria do advogado,
2009, p.259
35
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, trata dos direitos e garantias
individuais. Dentre os muitos direitos consagrados na Carta Maior podemos destacar
a liberdade de locomoção do cidadão, prevista nos incisos XV e LXI:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair
com seus bens.
[...]
LXI - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão ou crime militar, definidos em lei.
De acordo com o inciso LXI, art. 5º, da Constituição Federal, a prisão somente
poderá ocorrer diante de mandado judicial ou em caso de flagrante delito, não
podendo o cidadão ser privado de sua liberdade fora das hipóteses legais. A prisão
para averiguações51, que já foi prática comum por parte da polícia, também é
vedada.
Consagrado na Constituição Federal, o atentado à liberdade de locomoção
constitui a primeira figura típica que caracteriza o abuso de autoridade na Lei nº
4.898 de 1965, art. 3º, alínea “a”:
51
Utilizada largamente na prática investigatória pela Polícia Judiciária nos tempos dos governos
militares, a "prisão para averiguação", que consistia em cercear a liberdade de locomoção de um
cidadão sem que houvesse nenhuma investigação a seu respeito, passou a ser vista como grave
violação ao texto constitucional, que não mais admite a prisão senão a decorrida do estado de
flagrância ou por ordem da autoridade judiciária competente. Disponível em
http://www.acrimesp.com.br/Especiais_024.htm. Acessado em 28 abr. 2010.
36
52
BALTAZAR JÚNIOR, 2009. p.261
53
FREITAS; FREITAS, 2001. p. 31.
37
54
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed., São Paulo:Atlas, 2008, p.124
38
[...]
Art. 292 Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em
flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as
pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para
defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto
subscrito também por duas testemunhas.
O Código de Processo Penal Militar, em seu art. 234, também traz essa
previsão:
55
MORAES, Alexandre de. SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Especial, 10. ed., São Paulo:
Atlas, 2007, p.13
56
CAPEZ, 2008. p.17
57
STF, RTJ, 101/595; STJ, 5ª T., Resp 12.614-0MT, Rel. Min. Flaquer Scartezzini, Ementário STJ,
6/696.
39
Outra lei que deve ser analisada é a Lei nº 9.455 de 1997 – Lei de Tortura,
tendo em vista a proximidade entre os crimes de tortura e o de abuso de autoridade,
o que pode levar a uma série de problemas de interpretação. Apesar de tais
institutos jurídicos serem bastante próximos, eles estão definidos em leis distintas.
No entanto, pelo posicionamento da doutrina, podemos dizer que se o
atentado à incolumidade física for crime de tortura, a tortura absorverá o crime de
abuso de autoridade.
Nesta mesma linha, se posicionam Gilberto Passos de Freitas e Vladimir
Passos de Freitas:
58
FREITAS; FREITAS, 2001. p. 57
59
Ibidem. p.59
60
CAPEZ, 2008. p.19
40
policial, ou seja, este agente público deve atuar dentro dos princípios da legalidade,
da proporcionalidade e, principalmente, respeitando a dignidade da pessoa humana.
61
JESUS, Damásio E. De. Direito penal, parte especial. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.186;
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, parte especial. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
p.342; FREITAS; FREITAS, 2001. p.171; BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado.
São Paulo: Saraiva, 2000, p.1095. Em sentido contrário: NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal.
19. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 272.
62
No sentido de que houve a revogação do art. 322 do CP: RT, 405/417, 512/343, 592/326. Em
sentido contrário: RT, 472/392, 511/322, 520/466.
63
BITENCOURT, 2000. p. 1095
41
Código Penal para o crime de violência arbitrária, o qual prevê uma pena de 6
meses a 3 anos, as outras sanções impostas pela lei de abuso, como a perda do
cargo e inabilitação para o exercício da função pública pelo prazo de até três anos
etc., tornam a punição mais eficiente.64
Pelo exposto, devemos entender que a corrente que deve vigorar é a que
prega a revogação do art. 322 do Código Penal, pois a violência praticada no
exercício da função pública foi abarcada pelo delito especial da Lei de Abuso de
Autoridade.
64
SANTOS, 2003. p.58
42
65
No Rio de Janeiro, houve duas experiências: na ECO92 (2ª Conferência Mundial sobre Meio
Ambiente, em 1992) e na Operação Rio, em 1994. “Durante os dias em que foram realizadas as
atividades da “ECO92”, a cidade foi patrulhada pelas Forças Armadas. Este fato, com a adicional
manipulação dos meios de comunicação, criou no imaginário social – não apenas dos cariocas, mas
de todos os brasileiros - uma sensação irreal de paz e segurança que até hoje é lembrada quando os
segmentos mais conservadores e reacionários apresentam a intervenção das Forças Armadas nas
ruas como solução eficaz para o combate ao crime... Em 1994, houve a presença do Exército nas
favelas e subúrbios do Rio de Janeiro, a chamada Operação Rio, que se mostrou um fracasso no que
se refere aos objetivos anunciados. Levou pânico aos moradores de favela, apesar de a mídia tentar
vender uma imagem simpática dos soldados...” DORNELLES, João Ricardo W. Conflito e
Segurança: Entre Pombos e Falcões. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p.153
66
SILVA, 2007.
44
67
PEREIRA, Eliomar da Silva. Revista Brasileira de Ciências Criminais 2009. n. 78.
68
Ibidem. p.230.
45
69
FEITOZA, Denílson. Direito Processual Penal. Niterói: Impetus, 2009. p.171.
46
porque ela conta com efetivo70 policial bem maior que as outras duas forças policiais
– Federal e Civil; depois, porque sua atividade exige uma maior exposição nas ruas.
Por isso, ela tem um contato maior com a população, ou seja, essa relação polícia x
cidadão é mais constante com a Polícia Militar.
70
Por exemplo, no Distrito Federal, atualmente, a Polícia Militar possui um efetivo de 15 mil ativos e a
Polícia Civil um efetivo aproximado de seis mil. Disponível em:
<http://www.pmdf.df.gov.br/?pag=noticia&txtCodigo=4701>. Acesso em: 02 mai. 2010.
71
SOUZA, Luís Antônio Francisco de. Revista Brasileira de Ciência Criminais n. 51 – Segurança
pública, polícia e violência policial. Revista dos Tribunais, 2004. p.263
72
BICUDO, Hélio. A polícia e o uso da força letal. Revista de Direito Constitucional n. 3, 2004.
p.709
47
Vale lembrar, por exemplo, que a polícia militar, em nosso país, foi criada por
meio da união da Força Pública Estadual com a Guarda Civil, na oportunidade do
Golpe de 1964. Constitui-se, assim, em uma milícia auxiliar do Exército a fim de
conter as manifestações populares e os movimentos de guerrilha estimulados pelos
ideais comunistas.73
A polícia, na verdade, não consistia em um órgão de conservação e de
garantia da paz e da tranquilidade pública. Era, na verdade, um órgão de repressão
ao cidadão, o qual era visto como um inimigo do Estado, incluídas entre as suas
performances a prática da tortura e o desaparecimentos dos opositores do regime.
Desde o fim do regime militar ainda não se ousou mudar esse aparelho de
segurança estabelecido. A polícia militar é sua herdeira principal, tendo em vista que
seus treinamentos de formação se assemelham aos treinamentos de guerra. Eles
são mais militares do que policiais. Assim, com esse modelo, a polícia nas ruas não
servirá à prevenção dos crimes, mas sim à sua repressão.74
Este mesmo pensamento é expresso por Luiz Amaral:
73
BRUTTI, Roger Spode. Revista IOB de direito penal e processo penal. Ano X, nº 55, Abr-Maio
2009. p.9.
74
BICUDO, 2004. p.711
75
AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Direito e segurança pública – a juricidade operacional da
polícia. Brasília: Consulex, 2003. p.60.
48
Entretanto, esse tipo de pensamento acaba por criar um círculo vicioso, pois a
imagem de polícia autoritária, com autorização do Estado para usar da violência,
sobrevive no imaginário coletivo da população, o que será refletido na formação do
policial recém chegado na instituição, pois o policial é um ser oriundo da sociedade
em que vive e reflete o pensamento dessa sociedade.
Com grande maestria Jorge da Silva corrobora com essa tese:
De acordo com o art. 23, inciso III, do Código Penal não há crime quando o
agente pratica o fato em estrito cumprimento do dever legal.
76
SILVA, Jorge da. Criminologia Critica – Segurança e Polícia. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
p.194.
77
DORNELLES, 2003. p. 83.
78
Ibidem. p. 77.
49
O Código Penal Militar, no art. 42, inciso III, também traz a mesma previsão:
79
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. rev. e atual. vol. I. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 290.
80
Ibidem. p.290.
81
Ibidem. p.290
50
82
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal – parte geral. vol. I, 24
ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2007. p.185
51
83
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 126
84
Ibidem. p.129
85
Ibidem. p.129
52
86
AMARAL, 2003. p.71.
87
MUKAI, Toshio. Direito administrativo sistematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 96.
88
DI PIETRO, 2006. p. 133
53
89
DI PIETRO, 2006. p. 130.
90
Ibidem. p. 131.
91
MUKAI, Toshio, 2000. p.97
54
Embora haja previsão legal, não podemos dizer que se trata de uma situação
agradável. Por isso, é compreensível entender que um cidadão honesto se sinta
ofendido ao ser abordado por um policial. Assim, a abordagem policial nos leva a
uma discussão sobre tal procedimento policial.
De acordo com o Manual Básico de Técnicas Operacionais Policiais da
Academia Nacional de Polícia a abordagem é utilizada para averiguações, para
efetuar prisões em flagrante, para cumprir mandados de busca, bem como, destina-
se à apreensão e à prisão. A abordagem é também conhecida como técnica de
aproximação e domínio de pessoas, veículos e edificações.93
A abordagem pessoal é realizada a partir do surgimento de fundadas
suspeitas, flagrante delito ou cumprimento de mandado de prisão, sendo a ação
policial direcionada a uma ou mais pessoas. Ela tem por objetivo levantar subsídios
para uma investigação policial em curso ou atender às circunstâncias de momento.
Durante a sua realização poderá resultar em prisão em flagrante, caso seja
encontrado com a pessoa abordada material de origem ilícita, ou em termo
circunstanciado em decorrência de desacato, desobediência e resistência.
Interessante é o termo “fundada suspeita”, pois não há normas específicas
definindo o que pode ser a fundada suspeita, um dos requisitos para que possa
ocorrer a abordagem policial. Assim, os critérios para “selecionarem” locais e
pessoas que serão alvos de revistas policiais estão resguardados no poder
discricionário dos policiais.
A abordagem também poderá ocorrer em veículos com a finalidade de
interceptá-los e vistoriá-los. Esse tipo de abordagem também é realizado com o
intuito de averiguar práticas delituosas e efetuar prisões. Essas operações policiais
também são conhecidas como “blitz”, “batida” ou “barreira”.
92
BONI, Márcio Luiz. Revista da faculdade de direito de campos, Ano VII, N° 9 - Dez. 2006. p. 639.
93
Manual básico de técnicas operacionais policiais da academia nacional de polícia - polícia
federal, 2006. p. 7.
55
Dessa forma, a autoridade policial não pode deter uma pessoa por prazo
superior aos trâmites normais e burocráticos que visam identificar o suspeito, nem
pode atingir sua integridade física fora das hipóteses legais. Da mesma forma, não
poderá haver abordagem ou prisão baseada em mera suspeita.
Por isso, nas abordagens de rotina, as autoridades policiais não podem agir
suprimindo direitos dos cidadãos, tomando medidas abusivas e ilegais sob a simples
justificativa de interesse social de segurança pública.
A realização da abordagem policial deve ter como base a regra geral da
liberdade individual do cidadão, que se encontra amparada nos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana, da integridade física, da liberdade
de locomoção e da presunção de inocência, consagrados, respectivamente, nos
artigos 1° e 5°, incisos III, XV e LVII da Carta Magna.
No entanto, haverá momentos em que outros direitos apresentem-se mais
explícitos, por se revestir do interesse público, nestes casos, um princípio pode
ceder passagem ao outro, permitindo a relativização aos direitos fundamentais
enunciados, por intermédio da atuação preventiva ou repressiva, devidamente
sujeita aos limites legais e razoáveis.
Desse modo, visando resguardar os princípios que regem o ordenamento
jurídico, nas abordagens policiais são impostos limites à discricionariedade da
administração, para que, assim, o ato de polícia não se converta em abuso ou
excesso.
Assim, todo e qualquer agente público, principalmente o agente policial, só
pode agir submetido aos princípios jurídicos e éticos que norteiam a atividade
pública. Essa atuação só se dará, legitimamente, ao abrigo dos princípios da
56
Como vimos, a busca poderá ser domiciliar ou pessoal. No entanto, para fins
de delimitar este tema, vamos nos ater mais à busca pessoal, pois, nas abordagens
policiais realizada nas ruas, é a mais usual.
Trata-se de ação que impõe restrição aos direitos individuais, por isso, a
busca somente poderá ser realizada nas condições estabelecidas na lei processual
e nos direitos e garantias constitucionais. No entanto, na prática, essa vedação legal
tem sido desrespeitada.
A busca pessoal, que também pode ser denominada revista ou, vulgarmente,
“baculejo”, é procedida quando há fundada suspeita de que alguém oculte consigo
arma proibida ou objetos mencionados nos termos do parágrafo 2º, art. 240, do
Código de Processo Penal. Isso quer dizer, algum fato ou situação deve ocorrer para
57
Caso a busca tenha sido feita sem que haja fundada suspeita, a conduta do
agente policial poderá se caracterizar como crime de abuso de autoridade
(art. 3º, a, da lei nº 4.898/65), por exemplo, se o fizer tão somente para
94
demonstrar seu poder.
94
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumin Júris, 2009. p.151.
58
É um tema onde não existe literatura policial, e, por existir uma lacuna, os
policiais da ponta da linha se sentem à vontade para usar a
discricionariedade em suas abordagens ou mesmo definir quem é o
suspeito. Outro aspecto que chama a atenção na pesquisa junto à PM é a
pobreza do discurso sobre a suspeita. Não só não conseguimos localizar
um único documento que definisse parâmetros para a constituição da
“fundada suspeita” (expressão usada reiteradamente por policiais, mas sem
qualquer sentido preciso), como encontramos nas falas de oficiais, antigos
ou jovens, de alta ou baixa patente, uma articulação tão precária a respeita
desse tema quanto a observada na “cultura policial de rua” expressa pelas
praças de polícia. É surpreendente, para não dizer espantoso, que a
instituição não elabore de modo explicito o que os próprios agentes definem
como uma das principais ferramentas do trabalho policial (a suspeita); que
não focalize detidamente esse conceito nos cursos de formação, nas
documentações e nos processos de qualificação, nem o defina de modo
95
RAMOS, Silvia e; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e
discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.37-38.
59
96
RAMOS; MUSUMECI, 2005. p.54
97
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2009.
p. 493.
60
Podemos inferir, então, que uma pessoa vestida dessa forma, com certeza,
será um suspeito em potencial para a polícia, que analisará (de forma
preconceituosa) a “fundada suspeita” com base nas vestimentas do cidadão.
O Supremo Tribunal Federal assim se manifestou sobre o assunto:
98
ABRAMOVAY, M. et alii. Gangues, galeras, chegados e rappers. Juventude, violência e
cidadania nas cidades da periferia de Brasília. Rio de Janeiro: Garamond, 1999. p.155
61
99
ASSIS, Jorge César. et alii. Lições de Direito para a atividade das policias militares e das
forças armadas. Curitiba: Juruá, 2006, p. 50-51.
62
CONCLUSÃO
O exercício da atividade policial é uma função Estatal que tem por objetivo a
paz social. A segurança pública é dever do Estado, um direito do cidadão e
responsabilidade de todos, conforme art. 144 da Carta Magna. Em um Estado
Democrático de Direito, em que deve prevalecer o respeito às leis e aos direitos
fundamentais, esse poder Estatal somente poderá existir e atuar se respeitados os
direitos e as garantias individuais do cidadão. Esses direitos e garantias tem como
ponto fundamental a necessidade de impedir os abusos de poder do Estado, neles
incluem-se os abusos das autoridades policiais, tão comum nos dias atuais.
Na atividade policial, a constante intervenção nos mais variados conflitos
sociais atingem as liberdades públicas, por isso, faz-se necessário que a polícia
tenha a real compreensão dos seus poderes e limites, para fins de não agredir os
direitos assegurados aos cidadãos. Por isso, requer-se desse agente público, o
pleno conhecimento das hipóteses em que ele poderá valer-se do poder de polícia,
utilizando-se dos meios necessários e adequados a fim de vencer as resistências
injustificadas. Essa faculdade conferida pelo Estado ao agente público, mesmo
sendo um ato discricionário, deverá obedecer aos princípios da legalidade, da
proporcionalidade e da razoabilidade.
Desse modo, o respeito aos Direitos Humanos, por parte da polícia, se faz
necessário, pois, além de ser um imperativo ético e legal, constitui também uma
exigência prática em termos de aplicação da lei. Assim, uma polícia que atua à
margem da lei, não viola apenas a lei, mas atinge, também, a dignidade da pessoa
humana, além de manchar a própria instituição policial. Portanto, os princípios
constitucionais e os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos são as
referências que devem nortear a atuação da polícia.
No entanto, todos esses direitos e garantias não estão protegendo o cidadão,
pois, hoje, a atuação da polícia está distante do ideal, haja vista que ela atua
desrespeitando os direitos do cidadão, principalmente na abordagem policial. Isso
pode ser comprovado pelos fatos noticiados, diariamente, pela mídia, onde policiais,
63
Podemos citar, como exemplo, a Lei nº 4.898 de 1965, que instituiu os crimes
de abuso de autoridade, e que deveria servir como paradigma capaz de orientar a
atuação da polícia, para que esta não venha cometer abusos contra o cidadão,
porém, ela se mostra ineficiente.
Assim, para que haja uma polícia cidadã, substituindo o modelo atual
autoritário e antidemocrático com fundamento nas práticas violentadoras dos direitos
humanos, é imperioso entender a polícia como um serviço público, e não como uma
força pública.
Deve-se, também, realizar uma reforma séria e profunda no setor da
segurança pública, com as seguintes medidas: a desmilitarização de nossas
polícias, pois está comprovado que sistema atual não funciona; a valorização da
atividade policial, com remuneração digna; a criação do policiamento comunitário,
pois deve haver uma atuação em parceria com a comunidade, discutindo as
soluções para os problemas da criminalidade, facilitando a atuação preventiva da
polícia; o rompimento da tradição da seletividade penal; a atuação articulada com
outros órgãos públicos; a qualificação e profissionalização do policial, haja vista a
carência de um preparo técnico, ético, emocional e jurídico; o uso da força como
último recurso, de forma moderada e dentro dos princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade; e que haja respeito à liberdade de locomoção e à integridade física e
moral do cidadão.
Importante, também, faz-se a regulamentação mais específica do termo
“fundada suspeita”, prevista no Código de Processo Penal (artigos 240, parágrafo 2º,
e 244), para que o policial não tenha somente como parâmetro a sua subjetividade
na hora de decidir quem realmente se enquadra no esteriótipo da “fundada
suspeita”. Assim, impondo limites no poder discricionário do policial, ele terá que
atuar com mais critério e precisão na hora de decidir quem será abordado e sofrerá
a busca pessoal.
Portanto, a população não quer uma polícia despreparada, que atua com
base no poder de polícia exacerbado; na teoria da “rotulação” e do “etiquetamento”;
com base no direito penal máximo; da tolerância zero; no subjetivismo
preconceituoso da “fundada suspeita”, ou seja, a população não quer uma polícia
que atua desrespeitando os direitos fundamentais e que vê o cidadão como inimigo
do Estado.
65
Enfim, o país precisa de uma polícia que atue não apenas como instrumento
de luta contra o crime, mas também que seja um instrumento de garantia da
cidadania, e que a abordagem policial seja realmente um meio de prevenção ao
crime.
66
REFERÊNCIAS
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militares e das forças armadas. Curitiba: Juruá Editora, 2007.
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3. PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS
BRUTTI, Roger Spode. Revista IOB de direito penal e processo penal. Ano X, nº
55, Abr-Maio 2009.
4. DOCUMENTOS JURÍDICOS