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COM VAPORWAVE1
WHEN THE SOURCE EVAPORATES: AESTHETICS IN DIGITAL PLAN WITH
VAPORWAVE
RESUMO
A aglutinação de elementos estéticos específicos em certas produções artísticas digitais, que por meio da internet
encontram vazão para expressão em formatos ainda pouco discutidos pela historiografia, provoca
questionamentos referentes às possíveis maneiras de operar com objetos de estudos virtuais. Dentro do
exponencial crescimento de novos gêneros e subgêneros musicais, este artigo foca no Vaporwave e seu discurso
contracultural cínico e irônico explorado por meio de som e imagem. A este recorte de expressão virtual que
inicia por volta de 2010, alvitra-se uma ponte de debate a respeito de como operar com objetos de estudos cujos
cernes são digitais e modificados pela tecnologia. A partir do Vaporwave, o pivô para debater a liquidez de
natureza do som e imagem é a característica técnica Glitch, que transcende a conceituação do formato orgânico
por constituir uma estética que é fruto da corrupção dos dados e do mal funcionamento da máquina que está
envolvida na expressão. Imagem e som por meio da tecnologia são transformados em texto puro, ao estarem no
plano digital organizado por código binário, e no erro da plataforma digital é que se extrai um valor estético e
simbólico que permeia o discurso do Vaporwave.
ABSTRACT
The agglutination of specific aesthetics elements in certain artistic digital productions, that by the internet find
flow way to expression in formats not too discussed by Historiography yet, causes questionings about possible
ways of operate with virtual objects. Inside the exponential grow of new musical genres and subgenres, this
paper focus on Vaporwave and its cynical and ironic countercultural discourse explored by image and sound. To
this part of virtual expression that initiates around 2010, is sought a bridge to debate over how operate with study
objects whose cores are digital and modified by technology. Starting from Vaporwave, the pivot to debate the
liquidity of nature of sound and image is the characteristically Glitch technique, that transcends the conceptions
of the organic format by constituting an aesthetic that is result of the machine malfunction evolved in the
expression. Image and sound by technology are transformed in pure text, by being in the digital plan organized
by binary code, e in the mistake of the digital platform where is extracted an aesthetic and symbolic value that
permeates Vaporwave’s discourse.
Se a história está nos nossos calcanhares, como de acordo a Marc Augé (1994, p. 30),
lançar questões sobre o século 21 faz parte do processo de investigação do ser humano em sua
1
Este artigo é um recorte do Trabalho de Conclusão de Curso “Quando a fonte evapora”, orientado por José
Alberto Baldissera, neste ano de 2016, na UNISINOS.
O que vale para o mercado e o individualismo vale do mesmo modo para o domínio
propriamente cultural. Da mesma maneira que se constrói um hipercapitalismo
tentacular e globalizado, vemos desenvolver-se o que se pode chamar de uma
hipercultura, uma cultura mundo. [...] A cultura que caracteriza a época
hipermoderna não é mais o conjunto das normas sociais herdadas do passado e da
tradição (a cultura no sentido antropológico), nem mesmo o “pequeno mundo” das
artes (a alta cultura); ela se tornou um setor econômico em plena expansão, a tal
ponto considerável que se chega a falar, não sem razão, de “capitalismo cultural.
(LIPOVETSKY, 2011, p. 68)
A arte produzida com meios contemporâneos flana pelo bios midiático e pode
constituir como uma forma de reflexão deste novo nível de existência. Ela se
constitui num aparelho investigativo que vai além dos determinismos tecnológicos e
das ideologias neoliberais que abraçam as tecnologias digitais. (LIESEN in NUNES,
2009, p.383)
Dentre as várias formas que o ser humano se apropria e opera a internet, aqui delimito
questões a respeito de um micro gênero musical eletrônico, chamado de Vaporwave, nascido
por volta de 2010. Músicas deste gênero apresentam certas características, de estética e de
conceito: comportamentos de sua produção e difusão.
Obras de Vaporwave são caracterizadas por serem feitas a partir de outras músicas,
recortadas, editadas, desaceleradas, a fim de obter-se uma experiência sonora distinta das
originais, majoritariamente com batidas devagares, instrumentais difusos, vozes distorcidas. A
autoria das músicas normalmente é reivindicada por pseudônimos alternantes (um mesmo
produtor de Vaporwave pode ter diversos nomes distintos) e que não fazem questão de
marketing e publicidade de suas obras; são divulgadas em plataformas virtuais de áudio,
voltadas para escuta de músicas e de artistas num geral, circunscritos dentro e fora da cadeia
massiva do entretenimento, de forma pública. As imagens e vídeos, músicas, álbuns,
compilados de obras diversas, podem ser facilmente encontrada no Youtube:
As músicas tem muito reforço da imagem para compor a experiência sonora: imagens
coloridas, saturadas, distorcidas, com temáticas imagéticas que acabaram virando
emblemáticas, como estátuas de pedra crua, palmeiras, caracteres japoneses, marcas de
produtos tipicamente capitalistas, e Glitches. Os vídeosclipes de algumas músicas se
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.364-376. <www.ephispucrs.com.br>.
367
apropriam de trechos de outras obras, filmagens de propagandas televisivas dos anos 80/902,
distorcidas e somadas ao som, tingindo objetos estéticos já existentes: distanciam-nos de sua
origem e aproximam-nos do conceito estético do Vaporwave3. Sua produção é feita em um
processo individual de manipulação dos arquivos de áudio e imagem, arquivos de pacotes de
dados, uma representação numérica que atravessa instantaneamente a internet e é aberta à
modelagem de sua forma pelo interator4. Uma interação que verte um produto estético à sua
própria rede de alimentação, na qual algumas formas discursivas e de expressão técnica entre
imagem/máquina ocorrem, em processos de significação e assimilação.
2
Saint Pepsi tem clipes de músicas como Cherry Pepsi e Private Cellar, que exploram propagandas televisivas
do refrigerante homônimo para ilustrar suas músicas, assim como de um comercial do MC Donald’s para a
música Enjoy Yourself disponíveis no Youtube (ver referência de vídeos no fim do artigo).
3
Mário Arruda mapeia características do gênero concebendo-os como enunciados estéticos e tecnológicos
atravessados, num cruzamento rizomático nascente de outros cruzamentos, neste caso, da ação humana e
operação maquínica, de poiética e poética, em contexto e comportamento, que se alinham para formar um
gênero: “Neste sentido, a produção do Vaporwave pode ser considerada um processo de aumento da
razoabilidade concreta. Ela coloca em xeque processos referentes à internet através de imagens, sons e mistura
de mídias, suscitando uma dúvida em relação às ações dentro do espaço virtual. A experiência resultante do
contato com o Vaporwave é de estranhamento, entretanto é no momento posterior a esse contato que se pode
entender qual conduta será fruto de tal interação.” (ARRUDA, 2015, p. 32).
4
O termo interator se encaixa neste âmbito hipermidiático permeado pela interação humano/máquina: “Em
geral, o atrelamento associa um homem e uma máquina. Mas certos sistemas são atrelados seja com outros
computadores (em rede), seja com máquinas tradicionais, seja com o meio ambiente. Essa abertura sobre o
mundo exterior, associada a ações físicas com retorno sobre esse mundo, modifica em profundidade a relação
tradicional dessa associação entre o homem e a máquina.” (COUCHOUT, 2003, p. 171)
5
Capa do vídeo do youtube Aesthetic Memes | 1½ Hour Vaporwave Mix, compilado de
diversas obras e de vários produtores. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=pp1NWRDl0pI
(1:25:08 duração) <acessado 24/07/2016>
O termo glitch surgiu como apelido para definir problemas nos equipamentos dos
programas espaciais americanos, nos anos 60, e sedimentou-se como designação para o erro
do funcionamento digital na medida em que a vida cotidiana ocidental se entrelaçou à
tecnologia6. O meio em que existe a mensagem e o jogo de assimilação a partir da perspectiva
do intérprete configura o tecido comunicável. O Glitch no Vaporwave tem uma roupagem
específica, pois é uma técnica de operação sobre arquivo digital, e explora isto esteticamente.
Os pacotes de dados numerizados são distorcidos com processos conhecidos como databend e
datamosh, torções e destruições de informação7. Estes termos se referem à técnica para se
conseguir o efeito de Glitch, que sendo concebido como “mau funcionamento”, encontra
viabilidade audiovisualmente. Os Glitches em questão tentam conversam com suas
características e formatos imagéticos, sonoros e em movimento, na convergência híbrida
digital.
A estética Glitch aparece quase sempre em meios e ambientes digitais, seja nas
expressões sonoras ou visuais, porém, não está limitada a criações e manifestações
da Glitch Art digital. Representando visualmente corrupção de dados, esta estética
do erro, pode ser utilizada em criações visuais por designers, para ilustrar capas de
6
Sobre isso, Gazana et al se apoiam nas investigação de Ivan Moradi (2004) e Fernandes (2010) sobre o glitch,
sendo o termo primeiramente usado no campor artístico nos anos 2000, com Ant Scott e seu artigo intitulado
“anti-fractal”, e com Kim Cascone no ensaio “the asthetics of failure. (GAZANA et al, 2013)
7
Sobre o datamosh: “Através de uma mudança de formatos e de usos de codecs específicos, é possível que se
estabeleça a criação de keyframes em partes aleatórias do arquivo de vídeo. O keyframe é a partícula mínima
temporal que define os pontos de início e fim de qualquer transição entre imagens. O resultado dessa intervenção
na programação da imagem gera uma mutação no seu desenvolvimento e afeta a plástica do vídeo como aqui
descrito.” (ARRUDA, 2015, p. 49).
8
Trecho do vídeo do youtube Aesthetic Memes | 1½ Hour Vaporwave Mix, compilado de
diversas obras e de vários produtores. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=pp1NWRDl0pI
(1:25:08 duração) <acessado 24/07/2016>
É valido frisar que este texto de Gazana trata de questões do Glitch mais voltadas para
a lógica do campo artístico acadêmico. Mas como este universo virtual foi assimilado ao
cotidiano ocidental, tais fenômenos9 surgem como reflexos culturais populares de interação
com o virtual. No livro de Rosa Menkmen, The Glitch Moment(un), refere-se às maneiras e
usos desta distorção de informação como Databend, ou Databending, e exemplifica os passos
de corrupção de dados.
9
Aqui fenômeno pode ser entendido segundo a lógica de Charles Peirce, na qual é “tudo aquilo que aparece à
mente, corresponda a algo real ou não” (SANTAELLA, 1983, p 42).
Figura 3 - Vaporwave10
São várias as táticas possíveis para se submeter uma imagem, som ou vídeo a um
Glitch, codificando e descodificando o arquivo, ou data, em etapas não convencionais; o erro
funcional digital, ás vezes atingido com o desgaste da máquina, e segue alguns padrões
dependendo do funcionamento de seus formatos. O Glitch do Vaporwave está circunscrito na
tecnologia e expressão de um campo de disputa de vários agentes em distintas escalas.
Com isso, o vapor simula universos que saturam sua própria característica essencial,
de mimese num ambiente artificial. O Glitch é só mais um elemento de identificação , assim
como as imagens BYM (Blue, yellow, magenta), estátuas, palmeiras, caracteres japoneses,
entre outros (ARRUDA, 2015)
O Glitch é uma das técnicas empregadas para isso e que remete ao ambiente e
contexto de experiência, do digital e virtual instaurado no cotidiano, e na sua falibilidade.
Trazido para uma discussão historiográfica, instiga a repensar nossas fontes, nossos suportes
para debater o que convencionamos de real em busca de um acordo adequado e consistente
para entendê-lo.
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Prinstscreen tirado de uma imagem obtida através da inscrição do verbete Vaporwave no Google imagens,
disponível em https://pbs.twimg.com/media/CYwD30uUMAERIMS.jpg. <Acessado 29/07/2016>
A técnica Glitch sozinha não caracteriza ou aglomera significados para identificar uma
obra de Vaporwave, mas sim corrobora para toda a aura e conduções de associações
estimuladas pelo audiovisual. Essa capacidade de explorar dimensões imagéticas e sonoras é
alicerçada no refinamento tecnológico que ao mesmo tempo é assimilada pela sociedade,
permitindo a expressão popular e massiva em dimensão virtual com recursos estéticos mais
sofisticados.
No processo de operação com o virtual, a literal torção do código, databend, é um
processo de manipulação de dados numéricos, ficheiros de arquivos que podem ser forçados a
serem corrompidos por reformatações e acessos não convencionais as informações. Segundo
Menkman, uma das técnicas mais acessíveis é abrir o arquivo de imagem em sua forma
codificada textual em um editor de texto, apagar trechos, repetir outros, inserir códigos novos,
quando reformatado reverterá num produto estético infográfico num limiar entre aleatoriedade
e intenção.
A corrupção dos dados é explorada como direção de formações audiovisuais que
assumem certas lógicas ou como ocorre uma interpretação maquínica que não é de acordo
com o esperado, o convencional, o seu propósito existencial, já que é um produto humano.
Por mais que o código deva estar em sincronia com os demais, seguindo protocolos e acordos,
a lógica em que o PC segue para ter sucesso em sua operacionalidade é distinta da
humana.(MENCKMAN, 2011)
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Printscreen tirado do vídeo de uma hora de várias músicas de Vaporwave acompanhadas de imagens do
desenho animado Os Simpsons, editadas de acordo à temática. Há uma vasta gama de vídeos que somam o som
Vaporwave ao desenho animado, sendo conhecido também como Simpsonwave. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=jeEU3cWwVRw <Acessado 30/07/2016>
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Utilizo os termos cinismo e ironia não de forma a definir um padrão de categorização nem de julgamento do
gênero, mas apontar certos aspectos comportamentais de sua apresentação, no que provocam ao serem sentidos
(pela audição e visão) no recebedor. A degradação da imagem e som, as apropriações, a concatenação e
apresentação de idéias e referências, evocam um estranhamento do que é usual e conhecido. “Ironia, distância
crítica, reelaboração lúdica são três traços fecundos das práticas culturais modernas em relação aos desafios pré-
modernos e à industrialização dos campos simbólicos.” (CANCLINI, 2000, p.141)
Referências
ARANTES, Priscila. @rte e mídia: Perspectivas da estética digital – 2ª ed. – São Paulo: editora
Senac São Paulo, 2012.
ARRUDA, Mario Alberto Pires de. Vaporwave: estetização da tecnologia pelo atravessamento
de enunciados. Trabalho de conclusão de curso (Comunicação social: habilitação em jornalismo)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Oritentador: Alexandre Rocha da Silva. UFRGS,
2015.
GAZANA, Cleber. et al. Glitch: estética contemporânea visual e sonora do erro. In: Cultura
Visual, n. 19, julho/2013, Salvador: EDUFBA, p. 81-99.
MENCKMEN, Rosa. The Glitch Moment(um). Network Notebooks Series, Amsterdam, 2011.
PAIVA, Cláudio Cardoso. Youtube: artes, invenções e paródias da vida cotidiana. Um estudo de
hipermídia, cultura audiovisual e tecnológica. In NUNES, Pedro (orgs). Mídias Digitais e
Interatividade – Paraíba, Editora da UFPB, 2009. Cap 7, p. 285 – 302.
REALE, Miguel. Paradigmas da cultura contemporânea. 2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2005.
TANNER, Grafton. Babbling corpse: Vaporwave and the commodification of ghosts. – 1ª ed.
Zero books, John Hunt Publishing ltd. UK, 2016.
SAINT PEPSI – Cherry Pepsi/ Publicado em 13 de junho de 2013 por David Dean Burkhart/
Categoria: Entretenimento/ Licença: Licença padrão youtube/ Duração: 3 min 3 7 seg / Disponível
em https://www.youtube.com/watch?v=OrR1TGQY20Y <acesso em 04/08/2016>
SAINT PEPSI – Enjoy Yourself/ Publicado em 5 de setembro de 2014 por Sun Levi/ Categoria:
Música/ Licença: Licença padrão youtube/ Duração: 1 min 57 seg/ Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=_hI0qMtdfng <acesso em 04/08/2016
Zadig The Jasp - TV In 1987 ( + Vaporwave Video Clip ) Publicado em 27 de agosto de 2016 por
Zadig the Jasp/ Categoria: Entretenimento/ Licença: Licença padrão youtube. Duração: 1 min e 12
seg/ Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Crp8lovi4dM <acesso em 02/09/2016>