LEONTIEV, Alexis. O desenvolvimento do psiquismo. Tradutor Rubens
Eduardo Frias. 2.ed. São Paulo: Centauro, 2004. A passagem à consciência é o início de uma etapa superior ao desenvolvimento psíquico. O reflexo consciente, diferentemente do reflexo psíquico próprio do animal, é o reflexo da realidade concreta destacada das relações que existem entre ela e o sujeito, ou seja, um reflexo que distingue as propriedades objetivas estáveis da realidade.p.75 Na consciência, a imagem da realidade não se confunde com a do vivido do sujeito: o reflexo é como “presente” ao sujeito. Isto significa que quando tenho consciência de um livro, por exemplo, ou muito simplesmente consciência do meu próprio pensamento a ele respeitante, o livro não se confunde na minha consciência com o sentimento que tenho dele, tal como o pensamento deste livro não se confunde com o sentimento que tenho dele.p.75 A consciência humana distingue a realidade objetiva do seu reflexo, o que leva a distinguir o mundo das impressões interiores e torna possível com isso o desenvolvimento da observação de si mesmo.p.75 Sabe-se que a hominização dos antepassados animais do homem se deve ao aparecimento do trabalho e, sobre esta base, da sociedade. “O trabalho, escreve Engels, criou o próprio homem”. Ele criou também a consciência do homem. p.76 O aparecimento e o desenvolvimento do trabalho, condição primeira e fundamental da existência do homem, acarretaram a transformação e a hominização do cérebro, dos órgãos de atividade externa e dos órgãos dos sentidos. “Primeiro o trabalho, escreve Engels, depois dele, e ao mesmo tempo que ele, a linguagem : tais são os dois estímulos essenciais sob a influência dos quais o cérebro de um macaco se transformou pouco a pouco num cérebro humano, que mau grado toda a semelhança o supera de longe em tamanho e em perfeição”.p.76 O trabalho é uma atividade que liga o homem à natureza, o processo de ação do homem sobre a natureza. Marx escreve: “O trabalho é primeiramente o ato que se passa entre o homem e a natureza. O homem desempenha aí para com a natureza o papel de uma potência natural. As forças de que o seu corpo é dotado, braços e pernas, cabeças e mãos, ele as põe em movimento a fim de assimilar as matérias dando-lhes uma forma útil à sua vida. Ao mesmo tempo que age por este movimento sobre a natureza exterior e a modifica, ele modifica a sua própria natureza também e desenvolve as faculdades que nele estão adormecidas”.p.80 [...] o trabalho se efetua em condições de atividade comum coletiva, de modo que o homem, no seio desse processo, não entra apenas numa relação determinada com a natureza, mas com outros homens, membros de uma dada sociedade. É apenas por intermédio desta relação a outros homens que o homem se encontra em relação com a natureza.p.80 O trabalho, é portanto, desde a origem mediatizado simultaneamente pelo instrumento (em sentido lato) e pela sociedade.p.80 O trabalho humano é em contrapartida, uma atividade originariamente social, assente na cooperação entre indivíduos que supõe uma divisão técnica, embrionária que seja, das funções do trabalho; assim o trabalho é uma ação sobre a natureza. Eles só produzem colaborando de uma determinada maneira e trocando entre si as suas atividades. Para produzir, entram em ligações e relações determinadas de uns com os outros e não é senão nos limites destas relações e destas ligações sociais que se estabelece a sua ação sobre a natureza, a produção.p.81 O que é um instrumento? “O meio de trabalho, diz Marx, é uma coisa ou um conjunto de coisas que o homem interpõe entre ele e o objeto do seu trabalho como condutor da sua ação” O instrumento é, portanto, um objeto com o qual se realiza uma ação de trabalho, operações de trabalho.p.88 Agindo sobre a natureza, os movimentos de trabalho dos homens agem igualmente sobre os outros participantes na produção. Isto significa que as ações do homem têm nestas condições uma dupla função: uma função imediatamente produtiva e uma função de ação sobre os outros homens, uma função de comunicação.p.92 [...] a consciência não podia aparecer a não ser nas condições em que a relação do homem com a natureza era mediatizada pelas suas relações de trabalho com os outros homens. Por conseguinte, a consciência é bem um “produto histórico desde o início” (Marx).p.94 [...] a consciência individual do homem só podia existir nas condições e que existe a consciência social. A consciência é o reflexo da realidade, refratada através do prisma das significações e dos conceitos linguísticos, elaborados socialmente.p.94 A consciência do homem é a forma histórica concreta do seu psiquismo. Ela adquire particularidades diversas segundo as condições sociais da vida dos homens e transforma-se na sequência do desenvolvimento das suas relações econômicas.p.94 A criança não está de modo algum sozinha em face do mundo que a rodeia. As suas relações com o mundo têm sempre por intermediário a relação do homem aos outros seres humanos; a sua atividade está sempre inserida na comunicação. A comunicação, quer esta se efetue sob a sua forma exterior, inicial, de atividade em comum, quer sob a forma de comunicação verbal ou mesmo apenas mental, é a condição necessária e específica do desenvolvimento do homem na sociedade. p.290 As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da cultura material e espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas. Para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, “os órgãos da sua individualidade”, a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através de outros homens, isto é, num processo de comunicação com eles. Assim, a criança aprende a atividade adequada. Pela sua função este processo é, portanto, um processo de educação.p.290 [...] a única fonte e a origem verdadeira do desenvolvimento do homem das forças e das aptidões que são o produto da evolução sócio-histórica. São os objetos e os fenômenos que encerram em si a atividade das gerações precedentes e resultam de todo o intelectual do gênero humano, do desenvolvimento do homem enquanto ser genério (Marx). A concentração das riquezas materiais na mão de uma classe dominante é acompanhada de uma concentração da cultura intelectual nas mesmas mãos. Se bem que as suas criações pareçam existir para todos, só uma ínfima minoria tem o vagar e as possibilidades materiais de receber a formação requerida, de enriquecer sistematicamente os seus conhecimentos e de se entregar à arte: durante este tempo, os homens que constituem a massa da população, em particular da população rural, têm de contentar-se com o mínimo de desenvolvimento cultural necessário à produção de riquezas materiais no limite das funções que lhe são destinadas.p.294 Como a maioria dominante possui não apenas os meios de produção material, mas também a maior parte dos meios de produção e de difusão da cultura intelectual e se esforça por os colocar a serviço dos seus interesses, produz-se uma estratificação desta mesma cultura.p.295 O processo de alienação econômica, produto do desenvolvimento da divisão social do trabalho e das relações de propriedade privada, não tem portanto, por única consequência afastar as massas da cultura intelectual, mas também dividir esta em elementos de duas categorias, umas progressistas, democráticas, servindo o desenvolvimento da humanidade, e as outras que levantam obstáculos a este progresso, se penetram nas massas, e que formam o conteúdo da cultura declinante das classes reacionárias da sociedade. A concentração e a estratificação da cultura não se produzem apenas no interior das nações ou dos países. A desigualdade de desenvolvimento cultural dos homens manifesta-se ainda mais cruamente à escala do mundo, da humanidade inteira.p.295 O homem não nasce dotado das aquisições históricas da humanidade. Resultando estas do desenvolvimento das gerações humanas, não são incorporadas nem nele, nem nas suas disposições naturais, mas no mundo que os rodeia, nas grandes obras da cultura humana. Só apropriando-se delas no decurso da sua vida ele adquire propriedades e faculdades verdadeiramente humanas. Este processo coloca-o, por assim dizer, aos ombros das gerações anteriores e eleva-o muito acima do mundo animal.p.301 Mas na sociedade de classes, mesmo para o pequeno número que usufrui as aquisições da humanidade, estas mesmas aquisições manifestam-se na sua limitação, determinadas pela estreiteza de caráter obrigatoriamente restrito da sua própria atividade; para a maioria esmagadora das pessoas, a apropriação destas aquisições só é possível dentro de limites miseráveis.p.301 Vimos já que isto é consequência do processo de alienação que intervém tanto na esfera intelectual da vida; que a destruição das relações sociais assentes na exploração do homem pelo homem, que engendram este processo, só ela pode pôr fim e restituir a todos os homens a natureza humana, em toda a sua simplicidade e diversidade.p.302