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A via do movimento em Santo Tomás: sua extensão e

profundidade.

É sabido que desde sempre muito se debate a respeito de questões


últimas como a existência do primeiro princípio, criador de toda natureza, e
com isto, retorna-se novamente as disputas a respeito desta questão,
principalmente entre aqueles que afirmam ao modo dos antigos filósofos
jônios, que o primeiro princípio é de natureza física, e que, portanto, não
haveria espaço para algo suprassensível. Neste texto, trataremos brevemente
desta questão, apontando o erro dos materialistas metafísicos, que atribuem ao
Primeiro Ente, princípios materiais, retornando novamente, aos primeiros
princípios intrínsecos dos entes, a saber: potentia et actus1 e seus respectivos
desdobramentos na primeira via de Santo Tomás.

Tese 01 – Tudo o que se move é movido por outro (quidquid


movetur ab alio movetur):

É sobre este axioma que se fundamenta o caráter apodítico da primeira


via de Santo Tomás, que parte do movimento das coisas, que no sentido
metafísico estende-se para toda e quaisquer mudanças que ocorrem nos entes,
que podem se enquadrar em seis tipos, segundo quatro categorias que
exporemos a seguir: com relação à substância – geração e corrupção, com
relação à qualidade – alteração, com relação à quantidade – aumento e
diminuição, com relação ao lugar – translocação2.
Dito isto, prosseguiremos apontando o fato manifesto de que algumas
coisas se movem, haja vista que nos atesta a experiência sensível várias
espécies de movimento, que, com efeito, a todos é inequívoco, e que, portanto,
a todos é inegável a todos que não buscam demitirem-se de antemão da
filosofia.
Para chegarmos à validade do princípio acima exposto, se faz
necessário, sobretudo a análise dos conceitos de motor e móvel. À vista disto,
dizemos que algo é móvel na exata medida que recebe de outrem alguma
atualidade; e recebe este nome, a saber, de móvel, justamente pela razão de
que nesta relação é sempre ente passivo, já que é movido pelo agente segundo
alguma atualidade que antes estava apenas em potência de receber. Exemplo:
diz-se que o ferro é móvel quando recebe do fogo a quentura, que nesta
relação é agente (motor); já o ferro, que transita da potência ao ato, é o ser
passível de determinação extrínseca ou simplesmente o ens mobile3.
Assim sendo, algo é móvel quando está em potência para determinado
ato, e estar em potência para algo é carecer atualmente deste algo, donde se
deduz que: o ser em potência só pode sofrer mudança com a ação de um
1
Potência e ato.
2
Cf. ARISTÓTELES. Sobre a geração e a corrupção. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2009, p.
18.
3
Ente móvel.
motor, que possui em ato a perfeição na qual o móvel está apenas em potência
para receber, já que o móvel não pode comunicar a si mesmo um ato ou
perfeição que de antemão não possui como atualidade, visto que se possuísse,
não estaria em potência para recebê-lo, assim como o que conhece o teorema
de Pitágoras em ato não tem potência de conhecê-lo.
Do mesmo modo, o ferro que possui a quentura num determinado grau,
não tem potência de receber a quentura, neste mesmo grau e aspecto, pois já a
possui como atualidade, e se admitíssemos este absurdo, também negaríamos
o princípio de não contradição e cairíamos na insensatez de dizer que algo está
em potência e ato ao mesmo tempo, e sob o mesmo aspecto. Seria como ter o
ato P, e não ter o ato P, simultaneamente, o que é impossível. Por onde se
deduz que o móvel, que transita da potência para o ato, é carecente da
perfeição ou atualidade para qual está em potência, pois se não carecesse não
estaria em potência para recebê-lo, assim como o que está cálido em ato, não
tem potência para calidez no mesmo grau e aspecto. Diante disto se faz
necessário a existência do motor, que comunicará ao móvel, pela sua potência
ativa, a perfeição que já encerra em ato, na qual o móvel está apenas em
potência de receber.
E disto se segue necessariamente o rígido axioma tomista: tudo que se
move é movido por outro (quidquid movetur ab alio movetur), ou nada passa
da potência ao ato senão por um ente em ato4. Além disto, na relação de
movimento não há propriamente passagem da potência ao ato autônoma ou
por si só, pois é forçoso que haja sempre, como já foi dito, um ente em posse
de uma determinada perfeição (ato), e, outro com aptidão (potência) para esta
ou aquela atualidade. Por conseguinte, vimos também que o ente em potência
não pode fornecer a si o que de antemão não possui, caso contrário afirmar-se-
ia a seguinte contradição, a saber: que o mesmo ente está e não está em posse
de determinado ato, simultaneamente, o que seria uma patente violação do
princípio de contradição.
Com efeito, a única escapatória possível aos objetantes seria a
afirmação quimérica de um nada absoluto como princípio gerador de
perfeição ou ato, que é inadmissível, pois o nada absoluto é impotente
metafisicamente, e, sequer está sendo agora, já que não é ser. Por isso
podemos negar a fortiori esta alegação, e deduzir necessariamente que todo
devir exige ou demanda por causa motriz, visto que o devir é uma
correspondência de dois termos (motor e móvel), que assume uma
dependência, isto é, com um motor para esclarecer a razão de ser do móvel, e
sua sucessão, caso contrário o movimento estará firmado sobre o nada.

Tese 02 – Todo ente em devir é causado e antecedido por outro.

4
Cf. ALVIRA, Tomás; CLAVELL, Luis e MELENDO, Tomás. Metafísica. Pamplona, Espanha: EUNSA, 1986, p.
86.
Adentremos nas demonstrações de Mário Ferreira dos Santos, a
respeito efetibilidade dos seres5.
Aponta-nos o gigante brasileiro (seguindo as teses de Scoto) que o
devir é o campo da sucessão. O que vem-a-ser de uma determinada forma
transita da potência ao ato, de um estado de ser, para outro. Ora, nada passa da
potência ao ato, senão por um ser em ato. Logo, o devir, implica um ser
efetivo (causa), que explica a sua sucessão.
Desta forma, todo ente mutável (efetível) possui um início, caso
contrário viria do nada, ou de si mesmo. De princípio, podemos eliminar o
nada absoluto, pois tal é impotente para causar qualquer coisa, por si também
é um erro, pois nada pode engendrar-se a si mesmo. Logo só nos resta
concluir que, o ser é mutável, é causado por outro, e este outro é efetivo.

Tese 03 – A impossibilidade de um regresso infinito de movimentos


essencialmente subordinados.

“Mesmo que, suceda infinitamente na série de motores e móveis, ainda


não explicaria o movimento atual. A deficiência aqui é essencial, e não pode
ser preenchida por acidentalidades de número ou tempo. Podeis multiplicar
ao infinito os cegos, e não terás um vidente, podeis prolongar ao infinito os
canais, e ainda sim nunca terás uma fonte. Podeis alongar quanto quiserdes o
cabo do pincel, sem a mão do artista, na sua origem, não explicareis a
pintura”6.
P. Leonel Franca, S. J.

Esta segunda tese não é menos apodítica, pois a possibilidade de um


processo indefinido ou infinito em uma subordinação essencial revela-nos um
impasse. E a razão disto é porque numa série indefinida ou infinita de motores
essencialmente ordenados, para que o motor mova o móvel, é necessário que
ele também seja movido por outro motor que o antecede, e assim
sucessivamente, pois lembremo-nos da máxima aristotélica: tudo que se move
é movido por outro. Desse modo, adicionar mais motores só expande o
problema, pois se acrescermos motores novos a série, estes também
necessitam ser movidos. E se postulássemos uma série indefinita de motores
movidos, toda a série necessitaria ser movida, portanto, é absolutamente
ineficaz adicionar mais motores. Logo, a razão necessita postular um motor
não movido (sem composição de potência passiva), caso contrário, os motores
e os móveis não terão a causa de seu movimento, e por consequência, não
haverá movimento nas coisas. Portanto, se não houver um Primeiro Motor não
movido, não haverá movimento algum na realidade7.

5
Cf. SANTOS, Mario Ferreira. Filosofia Concreta. 3. Ed. São Paulo: Logos, 1961, p. 206.
6
Cf. FRANCA, Leonel. O problema de Deus. 2. Ed. Rio de Janeiro: Agir, 1955, 201-202.
7
Cf. AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, Ia parte, Tratado De Deo Uno, q. 2, art. 3.
Contudo, há movimentos nas coisas (trânsitos da potência ao ato).
Logo, a série não pode infinita.
Outra demonstração firma-se no caráter do móvel, pois em cada
movimento, a potência é anterior ao ato, e se a sequência se estendesse ao
infinito, a potência sempre precederia o ato, e nunca o ato seria anterior a
potência. Porém, é necessário que o movimento parta de um ser em ato, como
já foi anteriormente demonstrado, donde se segue que a série não pode
regredir ao infinito.
Poderíamos apontar também que, se fossem em número infinito a série
de movimentos essencialmente subordinados, resultaria consequentemente em
um infinito quantitativo em ato, e neste caso está descartado; pois em um
infinito numérico sempre haverá a aptidão de se acrescentar mais um, e assim
sucessivamente, porém nunca se chegará — a um infinito atual, pois haverá
sempre à potência de acréscimo, e, portanto o infinito quantitativo é somente
aceito em potência, mas nunca em ato, e se é impossível em ato uma série
infinita de movimentos essencialmente subordinados, logo a série é finita, e
exige um primeiro motor8.
Isto posto, finaliza-se a tese, que prova de modo apodítico, a finidade
da série de movimentos essencialmente subordinados.

Tese 04 – A inescapabilidade do Ato Puro.

Em vista dos princípios e demonstrações já arrolados até aqui, não se


pode concluir outra coisa senão que o Primeiro Motor Imóvel é o único capaz
de explicar de maneira pertinente o movimento atual, caso contrário cairíamos
no absurdo do círculo vicioso do infinito quantitativo ou no nada absoluto,
ambos impossíveis na ordem do ser. Portanto, faz-se necessário concluir de
maneira inequívoca, a existência de um Primeiro Princípio de todas as coisas.
Porém, é indispensável demonstrar que este Primeiro Ser, não tem
possui carência perfectiva (potência), e, é absolutamente infinito (qualitativo),
pois é deste fato que deduziremos os seus atributos, que impugnam o
materialismo metafísico. Portanto, poderíamos sintetizar a necessidade e
inescapabilidade do ato puro desta forma: numa subordinação essencial de
movimentos, é impossível que o primeiro motor não seja um ato puro, pois se
fosse mesclado com potência, teria potência para algum ato, para algum
motor, que lhe é extrínseco, e que necessariamente o precederia na ordem do
movimento, e se este motor que o precedesse também fosse mesclado com
potência, do mesmo modo seria antecedido por outra coisa, e cair-se-ia
novamente na sucessão infinita de movimentos, que já fora demonstrada
impossível. Donde se conclui que, é necessário que a razão admita a

8
Cf. LAGRANGE, Garrigou. Dieu son existence et sa nature. Solution Thomiste des antinomies
agnostiques. Paris: G. Beauchesne, Éditeur, 1941, p. 244-245.
existência de um Motor sem mistura com potência passiva. Noutras palavras,
um ato puro9.
Logo, se o Primeiro Ser possuísse mistura com potência, teria de
mover-se com a força de um motor que lhe precede, e o primeiro, já não seria
primeiro, e cairíamos no circulo vicioso do infinito, que tornaria impossível o
movimento atual. Donde se segue inescapavelmente a conclusão: o Primeiro
Motor é um ato puro, sem mescla de potência passiva.

Tese 05 – Dos princípios intrínsecos dos entes corpóreos: a


sobriedade do hilemorfismo.

Nesta tese, afirma-se a evidência do ato e potência como vetores do ser


finito, pois é inequívoco que na realidade há entes mesclados de atualidades e
potencialidades, e nenhum deles é plenamente ato, nem plenamente potência,
mas ambos se correlacionam como compostos do ser finito. Em vista disto,
baseando-se na experiência sensível, afirma-se que os corpos, em sua
essência, são compostos de matéria e forma. Pois vemos que nas mudanças,
tanto acidentais como substanciais, a constância nos seres de um princípio
passivo, paciente de uma ação extrínseca, que espera por determinação, que é
potencial, e que possibilita aos entes corpóreos o constante devir. Mas a
realidade também reclama por outro princípio, que é permanente na
substância, que é ativo, determinante, e, que fornece aos corpos um aspecto
operativo, de inteligibilidade, e de especificação que é aquilo pelo qual uma
coisa é, e que se distingue das demais. Que enquadra o ente numa determinada
espécie, segundo a qual este age e opera de maneira especificada, pois
nenhum ente opera para além de sua forma (Exemplo: Ao homem não cabe
respirar embaixo d'água, pois esta ação escapa totalmente a sua forma
entitativa).
Alguns materialistas apelando ao absurdo tentaram dar a matéria um
absoluto princípio ativo, ou um absoluto princípio passivo. Vãs elucubrações,
pois se a matéria, ou os entes físicos possuíssem um absoluto princípio ativo,
não poderiam existir movimentos na ordem do ser, pois o movimento
pressupõe um princípio potencial e passivo nos entes, e, portanto, esta posição
nada explica-nos a respeito das mudanças que existem nas criaturas. E se,
porém, existir apenas um princípio passivo, também se negaria a existência do
movimento, pois este pressupõe que os entes possuam um princípio de
atividade, e de atualidade, e, por conseguinte, de especificação, que explicaria
a permanência da essência no movimento acidental, e a aquisição de uma
nova forma no movimento substancial.
Desta forma, o hilemorfismo aristotélico-tomista é o que melhor
descortina os princípios que compõe o ser corpóreo. Nas palavras do tomista
Édouard Hugon: ―o hilemorfismo não cai nos exageros do atomismo, e muito

9
Cf. GONZÁLEZ, Ángel Luiz. Teología Natural. 6. ed. Barañáin, Navarra: Eunsa, 2008. cap. 3, p. 103.
menos nos excessos do dinamismo‖10. Mas defende a existência dos destes
dois princípios, e, por conseguinte, estabelece entre eles relações
fundamentais que compõe o ser corpóreo, erigindo-se na evidência irrefutável
da potência e do ato, a admissão da matéria-prima e da forma substancial
torna-se inescapável.
Admitindo tais fatos, demonstra-nos o filósofo Mário Ferreira dos
Santos em seu notável livro O homem perante o infinito11 que se matéria é o
Ser Primeiro como querem os materialistas, ela teria de se distinguir em ato e
potência. E como ato, seria puramente ato, sem mescla de potência, e
precederia ontologicamente a parte passiva de seu próprio ser, que é potencial.
Isto aponta-nos novamente que o materialismo não consegue escapar da
antecedência de um primeiro motor imóvel (ato puro) em relação à potência,
do motor ao móvel. À vista disso, o que resta aos materialistas, seria afirmar
que, o que é passivo, é simultaneamente ativo, o que é potência é ao mesmo
tempo e sob o mesmo aspecto ato (que violaria o princípio de não
contradição). Portanto, a matéria seria puramente ato e puramente potência.
Que é absurdo, pois o ato puro repugna à mistura com potência, assim como a
potência pura, não possui nenhuma atualidade.
Assim conclui-se a tese, que comprova de modo necessário, a
antecedência do ato em relação à potência.

Tese 06 – O Ato Puro não é da mesma ordem dos motores


subsequentes e está acima deles.

Pois, se fosse da mesma ordem dos motores subsequentes (potenciais,


finitos, e mutáveis), também seria este motor potencial, e igualmente finito e
mutável, donde se conclui que ele já não seria Motor Imóvel, e muito menos
Primeiro, pois ter potência, e ter potência para alguma coisa, para algum
motor, que o antecederia ontologicamente, e cairíamos novamente no círculo
vicioso do regresso infinito. Disto se deduz também a absoluta transcendência
do Ato Puro com relação à série de motores e móveis, visto que, não pode ser
um elemento da mesma, e de modo algum está em dependência com ela12.

Tese 07 – A infinitude do Ato Puro.

A via do movimento demonstra sobejamente que é necessário haver um


primeiro motor nesta série de motores e móveis, sem mescla de potência,
sendo apenas um ato puro plenamente realizado, e, por conseguinte infinito,
pois não tem carência nenhuma perfeição, caso houvesse carência, haveria

10
Cf. HUGON, Édouard. Principios de Filosofía: Las Veinticuatro Tesis Tomistas. Buenos Aires: Ediciones
BAF, p. 37.
11
Cf. SANTOS, Mario Ferreira. O Homem perante o Infinito (Teologia). São Paulo: Logos, 1955, p. 108-
109.
12
Cf. JOLIVET, Régis. Tratado de Filosofia: Metafísica. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1965, p. 368-
369.
potência para a perfeição que lhe faltasse, e, portanto não seria ato puro.
Porém o primeiro ser não tem potência, logo possui todas as perfeições em
grau infinito.

Tese 08 – A imutabilidade do Ato Puro.

Sendo o Primeiro da série de movimentos, não pode ser movido, pois


mover-se é transitar de uma potencialidade para uma atualidade, e neste caso
teria de mover-se com a força de um ser anterior, mas no primeiro não há
anterior, logo este primeiro ser é absolutamente imóvel, e, por conseguinte,
imutável, pois não pode acrescer-se nada ou perder nada, pois se acrescesse
algo, tal ser jamais possuiria necessariamente o que se acrescentou, e se
perdesse, é porque não possuía necessariamente o que se perdeu.
Como já ensinava P. Leonel Franca: o ser necessário não pode evolver
nem progredir, pois em toda evolução há uma modificação no ser, que recebe
a perfeição de outro, e, portanto seu estado não se impunha absolutamente,
logo o Ato Puro é imutável13.
E por fim, sendo Deus atualidade pura não mesclada, Ele é, por
consequência, ilimitado e finito, isto porque, como expõe o ilustríssimo
comentador das vinte e quatro teses tomistas, Édouard Hugon: ―O ato, sendo
perfeição, não é limitado senão pela potência, que é inclinação à perfeição.
Por conseguinte, na ordem onde este é puro, o ato encontra-se
necessariamente sem limites e único; mas onde é finito e múltiplo, dá-se a
uma verdadeira composição com a potência (actus, utpote perfectio, non
limitatur, nisi per potentiam, quæ est capacitas perfectionis. Proinde in quo
ordine actus est purus, in eodem non nisi illimitatus et unicus existit; ubi vera
est finitus ac multiplex, in veram incidit cum potentia compositionem)‖14.

Tese 09 – A simplicidade do Ato Puro.

De variados modos podemos demonstrar que o Ato Puro é


absolutamente simples. A primeira demonstração parte do fato que toda
matéria tem potência, e, é princípio de divisibilidade, composição,
corruptibilidade e multiplicidade; e isto requer potência, o primeiro ser não
tem potência, logo é imaterial e absolutamente simples15. A segunda indica-
nos que a não admissão da simplicidade simpliciter divina, levaria a funesta

13
Cf. FRANCA, Leonel. Op. cit., p. 211.
14
“O ato, sendo perfeição, não é limitado senão pela potência, que é uma capacidade de perfeição.
Portanto, na ordem em que é puro, o ato é necessariamente ilimitado e único; onde ele é finito e
múltiplo, ele entra em verdadeira composição com a potência” (Cf. HUGON, Édouard. Revue thomiste:
questions du temps présent. Nouvelle Série. – 3 e Année. Avril-Juin. 1920, p. 121-122).
15
Cf. AQUINO, Tomás de. Op. cit., I, q. 3, art. 7, resp.
conclusão de que Deus seria causado, já que todo ente composto existe depois
de seus componentes, ao menos ordine naturæ, e deles depende. O primeiro
ser não tem anterior, logo ele não pode ser composto16. Ademais, em todo ente
composto há potência de ser decomposto, o primeiro ser não tem potência,
logo o primeiro ser é simples.
Terceiro, porque todo ente composto é causado, tendo em vista que a
união das coisas que entre si são diversas, só podem formar um todo pela ação
de uma causa extrínseca que as unifique. Isto porque o todo é ato em relação
aos elementos; assim sendo, estes só poderão passar ao ato, ou seja, formar o
todo, pela ação de um ser em ato, isto é, uma causa extrínseca aos elementos
como tais. Pois o que é de si diverso não pode ao mesmo tempo e sob o
mesmo aspecto ser a razão da unidade (do contrário ter-se-á dois absurdos: a
admissão de uma causa sui ou o apelo ao nada)17.

Tese 10 – A unidade do Ato Puro.

Fundando-se na infinitude do Primeiro Motor Imóvel, não há espaço


para multiplicidade, pois, se houvesse outros deuses, haveriam de
necessariamente ser distintos uns dos outros, e, portanto, um deles teria que
ter algo que não tivesse o outro. E se faltasse ao outro uma perfeição, este
estaria privado dela, e consequentemente não seria plenamente perfeito. Logo
não pode haver outros deuses. Com efeito, se houvesse dois ou mais seres
infinitamente perfeitos, nada teria um que o outro não possuísse como
atualidade, desse modo não haveria meios de distingui-los, e, portanto, seriam
um18.
Tese 11 – A eternidade do Ato Puro.

Da imutabilidade, segue-se necessariamente a eternidade, como


demonstra-nos o Aquinate:

“A noção da eternidade resulta da imutabilidade, como a de tempo


resulta do movimento, conforme do sobredito resulta. Ora, sendo Deus o ser
imutável por excelência, convém-lhe, excelentemente, a eternidade. Nem só é
eterno, mas é a sua eternidade, ao passo que nenhuma coisa é a própria
duração, porque não é o próprio ser. Deus, porém, sendo o seu ser
uniformemente e a sua própria essência, há de, necessariamente, ser a sua
eternidade”19.

Tese 12 – O Ato Puro é absolutamente incausado e necessário.

16
Cf. GONZÁLEZ, Ángel Luiz. Teología Natural. 6. ed. Barañáin, Navarra: Eunsa, 2008. cap. 3, p. 163.
17
Cf. AQUINO, Tomás de. Op. cit., loc. cit.
18
Ibid., I, q. 11, art. 3, resp.
19
Ibid., I, q. 10, art. 2, resp.
Podemos iniciar a explicação desta tese, com o belo axioma de Duns
Scot, em seu ilustre – Tratado do Primeiro Principio, onde o filósofo
franciscano afirma brilhantemente que: ―O que é intrinsecamente necessário é
por natureza anterior ao que não o é‖20. Pois é próprio do ente contingente, o
devir, e este devir se efetua por outro ser que o antecede ontologicamente. E
como já ensinava São Tomás: tudo o que pode ser ou não ser, com certeza, um
dia não foi. De modo que, todo contingente tem potência para o não ser, e se
tem potência para o não ser, sua razão de existência se deu por um ser
anterior. Contudo não pode existir um regresso infinito de seres engendrados,
portanto, deve haver um Ser cuja existência implique a impossibilidade de não
ser, isto é, um Ser Necessário e propriamente subsistente.

Tese 13 – O Ato puro é uma inteligência.

Demonstra-se de várias maneiras que o Ato Puro, é uma inteligência.


Visto que se o Primeiro Motor Imóvel não for cognoscente, cair-se-ia num
estado eternamente inerte, e, com efeito, não haveria movimento nas coisas,
pois se, se realizasse algum movimento, necessariamente seria por uma
ação ab extrínseca (de fora). Que é absurdo. Pois o que é Primeiro, não tem
anteriores. E como nada pré-existe fora do Primeiro Ser, não haveria nenhum
ente extrínseco que pudesse causar-lhe mudança (trânsito da potência ao ato).
Ademais, é impossível que algo ―mova‖ o Primeiro Motor, pois o
mesmo, não tem nenhuma mescla de potência passiva, portanto, está
descartado quaisquer mudanças externas.
Conquanto, se o Motor Primeiríssimo não for cognoscente, não haverá
movimento nas coisas. Entretanto é inegável que as coisas se movem
(transitam da potência ao ato). Logo, ou o Primeiro Motor é cognoscente, ou
não há movimento nas coisas. Porém a ultima possibilidade está descartada,
pela evidência inequívoca do movimento. Logo o Primeiro motor é uma
inteligência.
Também poderíamos argumentar que, sendo o Primeiro Ser, ato puro
(omniperfeito), também contém de antemão, e como atualidade, todas as
perfeições que os motores inferiores adquirem sob o influxo de sua ação. E
disto segue-se que o mesmo, contém também a inteligência, pois, se o
Primeiro Ser não a tivesse como atualidade, esta perfeição que se manifesta
nos motores subsequentes, teria de proceder do nada. Que é absurdo. Donde
se conclui que, de certo modo todas as perfeições que existem nos motores
subsequentes, já pré-existem e já estão contidas no Primeiro Motor Imóvel.
Logo o Ato Puro, é uma inteligência.
Por fim, ouçamos o Aquinate, que em seu ilustre Compendium
theologiae, nos diz:

20
Cf. SCOT, Duns. Tratado do Primeiro Princípio. São Paulo: É Realizações, 2015, cap. 4, conclusão
oitava.
“Foi também acima afirmado que Deus é ato puro, sem mistura
alguma de potência. A matéria-prima sendo ser em potência, convém que
Deus seja totalmente carecente dela. Ora, a imunidade de matéria-prima é a
causa da intelecção, pois as formas materiais fazem-se inteligíveis em ato, na
medida em que são abstraídas da matéria-prima e das condições materiais.
Logo, Deus é um ser inteligente”21.

Tese 14 – A identidade deste Ato Puro com Deus é imediata.

Tendo demonstrado a existência necessária do Primeiro Motor Imóvel,


como único que esclarece o movimento atual, qualquer um que compare o
Motor imóvel com o conceito que os homens possuem de Deus,
imediatamente perceberá a identidade perfeita entre ambos. Pois este se
identifica perfeitamente com aquele ―a quem todos chamam Deus‖ como diria
Santo Tomás de Aquino (quam omnes Deum nominant). Portanto, Deus é.
E assim encerra-se a discussão geral com o primeiro princípio de toda
natureza, Deus, bendito de todos os séculos, sobre todas as coisas.

21
Id., Compendium Thelogiae, Capítulo XXVII.

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