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CONVERSÃO DE CLÓVIS – REI DOS FRANCOS

A conversão de Clóvis, rei dos francos


Para reconduzir a Europa invadida pelos povos bárbaros à fé católica, foram
necessários os sábios conselhos de um bispo e as incansáveis orações de uma
mulher.
Saiba, nesta aula do curso de História da Igreja Medieval, como a conversão de
Clóvis transformou a Gália dos bárbaros na França católica, "a filha primogênita
da Igreja".
Marcando a passagem da Idade Antiga para a Idade Média, a invasão do Império
Romano pelos bárbaros – que ainda Santo Agostinho presenciou, ao ver a cidade de Hipona
sitiada pelos vândalos – se deu principalmente pela ação cruel e ambiciosa dos hunos. Esse
povo que vivia na Ásia Central, famoso por seus combates a cavalo, marchou rumo a Oeste,
massacrando populações, punindo seus desafetos com a cruel prática do empalamento e
alardeando o terror. Ao contrário dos demais povos bárbaros, eles eram nômades e viajavam
não para dominar, senão para saquear os povoados por onde passavam. As notícias de suas
incursões fizeram as populações que viviam no oeste da Ásia migrar para a Europa, o que
culminou na invasão do Império Romano do Ocidente.
Roma não resistiu aos ataques dos bárbaros porque estava tomada pela corrupção
dos costumes. O Império já não era mais formado por tropas destemidas e organizadas, mas
por pessoas entregues aos prazeres da comida, da bebida e da luxúria. Não foi, pois, muito
difícil para os povos estrangeiros vencerem aquela corja dissoluta e se fixarem na Europa,
que se foi descristianizando completamente.
Os cristãos não perderam os seus territórios somente para os pagãos, como também
para os hereges arianos. Sabe-se, por exemplo, que os godos e vândalos, convertidos ao
arianismo pela pregação de Úlfilas, não só disseminavam a sua religião por onde passavam,
como perseguiam e matavam os cristãos católicos, fazendo milhares de mártires. No norte
da África, os trabalhos de Santo Agostinho para levar à fé inúmeras almas foram substituídos
por uma rápida e sistemática proibição do verdadeiro cristianismo.
Todos esses fatos integram um quadro histórico nada animador. Roma, saqueada por
Genserico, já não era capital de mais nada, a região hoje pertencente à Alemanha e à França
fora tomada por bárbaros de todo o tipo... Parecia ser o fim da religião cristã.
Só que Deus, em Sua providência, envia a esses tempos difíceis os Seus santos. Na cidade
de Reims, ao norte da França, o bispo São Remígio – Rémy, em francês – não desanimou
perante a destruição da Europa. No meio da luta dos bárbaros para conquistar territórios, este
santo pastor viu em Clóvis, rei dos francos, uma oportunidade para a reconstrução do
Ocidente. Escolha sábia a de Remígio, pois “os francos eram ainda pagãos" e, segundo o
testemunho unânime de “todos os missionários que hoje difundem o Evangelho em terras
africanas", “é infinitamente mais fácil trazer para Cristo os negros ainda idólatras do que
aqueles que se converteram à religião muçulmana" (ou às heresias da época, como o
donatismo ou o arianismo) [1].
Em um arranjo política, diplomática e espiritualmente perfeito, o santo bispo de
Reims conseguiu unir em matrimônio Clóvis e a princesa católica Clotilde, santa canonizada
pela Igreja. Sua vida provada por inúmeros sofrimentos não a fez fugir da dificuldade de um
cônjuge pagão. Assistida pela Missa diária – celebrada na capela de sua própria casa –, esta
santa mulher trabalhou com temor e tremor não só para a própria salvação, mas
principalmente para a conversão de seu marido e de seu duro coração de guerreiro. Escreve
Daniel-Rops a esse respeito:
“Assim que se viu casada, Clotilde começou a trabalhar para a conversão do seu esposo. O
resultado, porém, não foi imediato, pois Clóvis ainda se conservou pagão durante cinco ou
seis anos, e essa obstinação representou um excelente augúrio quanto à sinceridade da sua
futura adesão. Deixa que batizem o primeiro filho que lhes nasce, mas, quando este morre,
exclama para a esposa: 'Os meus deuses tê-lo-iam curado; o teu não o salvou!' Nasce-lhes
um segundo filho, que é batizado e que adoece também; mas – diz o bom Gregório de Tours
– 'Clotilde orou tanto pela recuperação da criança que Deus lha concedeu'. Assegura também
o cronista que Clotilde não cessava de falar a Clóvis do Deus dos cristãos. Sem resultado?
Quem pode calcular a sorte das sementes que a fé e o amor lançam no mais íntimo de uma
alma, deixando a Deus o cuidado de fazê-las germinar?" [2]
É em uma batalha contra os alamanos que as sementes lançadas por Clotilde
finalmente germinam no coração de Clóvis. Ao ver a derrota iminente de suas tropas, Clóvis
lança os olhos para o céu e faz uma promessa: “Jesus Cristo, que Clotilde afirma ser o Filho
do Deus da vida, tu que desejas vir em auxílio daqueles que desanimam e dar-lhes a vitória,
desde que esperem em ti, eu invoco devotamente o teu glorioso socorro. Se te dignares
conceder-me a vitória sobre os meus inimigos, e se eu experimentar esse poder de que as
pessoas que usam o teu nome afirmam ter tantas provas, acreditarei em ti e far-me-ei batizar
em teu nome" [3]. Mal tinha acabado de dizer isso, as forças alamanas debandaram e Clóvis
obteve a vitória.
Fiel à sua palavra, Clóvis começa a aprender as verdades da fé, a fim de ser batizado.
Daniel-Rops escreve que o rei franco, “ao escutar a narrativa da Paixão, exclama excitado:
'Ah! Se eu tivesse estado lá com os meus francos!...'" [4]. Pacientemente, por meio da
catequese e de seus prodígios de taumaturgo, São Remígio vai instruindo o coração de
Clóvis, até que, na solenidade do Natal, provavelmente no ano de 496, ele é batizado.
Para a ocasião, “o prédio da catedral de Reims fora ornado de cortinas brancas e
iluminado por milhares de círios aromáticos, como símbolo da beleza espiritual da Mãe
Igreja que nesse dia acolhia os francos como filhos (...). O próprio Clóvis, deslumbrado ante
o esplendor da decoração e dos cânticos, deteve-se na soleira do recinto sagrado e perguntou
a Remígio: 'É este o Reino dos Céus que tu me prometes? - Não, mas é o começo do caminho
que a ele conduz', respondeu o Bispo" [5]. São Gregório de Tours narra que, quando Clóvis
se apresentou diante da pia batismal, com um colar supersticioso que os francos usavam, o
santo bispo de Reims disse: “Mitis depone colla, Sicamber; adora quod incendisti, incende
quod adorasti – Depõe humildemente o colar, ó sicâmbrio! Adora o que queimaste e queima
o que adoraste!" [6].
Com a conversão de Clóvis, começa a escrever-se uma nova página da história
ocidental. Em pouco tempo, será fundada a França, o primeiro reino cristão da Europa, por
esse motivo apelidada de “fils aîné de l'Église – filha primogênita da Igreja". Graças à ação
de santos como Remígio, Clotilde, Genoveva, Martinho e muitos outros, os duros corações
dos bárbaros e dos pagãos eram conquistados para Cristo.

Referências

1. DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja dos tempos bárbaros. Quadrante: São Paulo, 1991, p.
193.
2. Ibidem, p. 197.
3. São Gregório de Tours, Historia Francorum, II, 30 (PL 71, 225).
4. DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja dos tempos bárbaros. Quadrante: São Paulo, 1991, p.
198.
5. Irmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP, São Remígio de Reims Revista Arautos do
Evangelho, Jan. 2012, n. 121, p. 32-35.
6. São Gregório de Tours, Historia Francorum, II, 31 (PL 71, 227).

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