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FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS Nº 443 Agosto / 2017

análise de conjuntura
p. 3 Vera Martins da Silva faz uma análise da conjuntura econômica brasileira,
Finanças Públicas
com destaque para a evolução do resultado primário, das despesas
Vera Martins da Silva
primárias e da sua composição.

p. 9 Vera Martins da Silva discute o setor externo brasileiro, mostrando dados


Setor Externo
do balanço de pagamentos, da balança comercial e de crescimento das
Vera Martins da Silva
exportações.

temas de economia
aplicada
p. 14 José Paulo Zeetano Chahad discute a relação entre a inovação tecnológica
Desemprego Tecnológico: Fim dos Empregos?
e seus efeitos sobre o mercado de trabalho, com enfoque no chamado
José Paulo Zeetano Chahad
desemprego tecnológico.

Ainda Harold Innis: Desenvolvimentismo


Julio Lucchesi Moraes dá continuidade à série de reflexões sobre o pen-
Canadense e Teoria do Valor p. 20
samento desenvolvimentista canadense, discutindo algumas das sínteses
Julio Lucchesi Moraes
macroeconômicas propostas por dois de seus diversos comentaristas.

Impacto da Expansão de Vias para Bicicletas


Sobre os Preços de Imóveis no Município de Fábio Lunardi Tieppo e André Luis Squarize Chagas estudam os efeitos
São Paulo p. 24 da política pública adotada na cidade de São Paulo de espaços segregados
Fábio Lunardi Tieppo, para bicicletas.
André Luis Squarize Chagas
O NEFIN apresenta os principais fatores de risco utilizados na literatura,
Relatório de Indicadores Financeiros p. 35 utilizando dados brasileiros. Dentre eles, estão o dividend yield (um previ-
Nefin-USP sor de retornos futuros), o short interest (indicador antecedente para o
mercado acionário) e o IVol-BR, uma projeção de volatilidade futura do
mercado acionário.

economia & história


O Arquivo Público e Histórico de
Ribeirão Preto: Descaso com a Memória
e o Patrimônio Histórico da “Califórnia”
Brasileira p. 39 Luciana Suarez Lopes faz um relato sobre as condições do Arquivo Público
Luciana Suarez Lopes e Histórico de Ribeirão Preto.

As ideias e opiniões expostas nos artigos são de responsabilidade


exclusiva dos autores, não refletindo a opinião da Fipe
Observatório do Emprego e do Trabalho
O Observatório do Emprego e do Trabalho oferece aos formuladores de políticas públicas um conjunto
de ferramentas inovadoras para aprimorar as possibilidades de análise e de compreensão da evolução do
mercado de trabalho.

O Observatório inova a análise do mercado de trabalho em dois aspectos importantes. Primeiro, utiliza
um conjunto de indicadores novos, especialmente criados pelos pesquisadores da FIPE, os quais junta-
mente com indicadores mais conhecidos e tradicionais permitirão um acompanhamento mais detalhado
do que ocorre no mercado de trabalho. Segundo, porque estes indicadores podem ser utilizados tanto
para analisar o mercado como um todo, quanto para analisar aspectos desagregados do mercado como,
por exemplo, uma ocupação ou um município. São indicadores poderosos, que oferecem uma visão de
curto prazo e também podem formar uma série histórica. O conjunto de indicadores pode ser usado para
acompanhar tanto as flutuações decorrentes das alterações conjunturais de curto prazo quanto as evolu-
ções estruturais de longo prazo. Mensalmente é divulgado um Boletim que apresenta um resumo do que
ocorreu no mercado de trabalho do Estado. As bases de dados que originam as informações divulgadas
pelo Observatório são: a) CAGED (MTE); b) RAIS (MTE); c) PNAD (IBGE).

O Observatório do Emprego e do Trabalho foi desenvolvido e é mantido em conjunto pela Secretaria do


Emprego e Relações do Trabalho do Governo do Estado de São Paulo (SERT) e pela Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas da USP (FIPE).

Para saber mais, acesse:

http://www.fipe.org.br/projetos/observatorio/

INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS – issn 1678-6335

Conselho Curador Diretoria Pós-Graduação Luiz Martins Lopes Preparação de


Juarez A. Baldini Rizzieri Diretor Presidente Márcio Issao Nakane José Paulo Z. Originais e Revisão
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(Presidente) Carlos Antonio Luque Alina Gasparello de http://www.fipe.
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Conselho Editorial
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Produção Editorial
Simão Davi Silber Carmo
José Carlos de Souza Fabiana F. Rocha
Lenina Pomeranz Sandra Vilas Boas
Vera Lucia Fava Santos

agosto de 2017
análise de conjuntura 3

Finanças Públicas: de Consolidação Fiscal a Acertos Políticos


Variados, a Briga pelos Recursos Públicos Continua Firme e Cada
Vez Mais Forte
Vera Martins da Silva (*)

Em tempos de profunda recessão, mento desta nota de conjuntura, obrigatoriedades previstas pela
os resultados obtidos até junho dão ainda não havia a divulgação ofi- LRF. Em valores nominais, isto é,
conta do que já era esperado: recei- cial do aumento da meta de déficit sem nenhuma correção, entre ja-
tas em queda, despesas em conten- primário, mas deve ser em torno de neiro e junho de 2017 o déficit pri-
ção e mesmo assim em expansão, R$ 20 bilhões, montante expressi- mário foi de R$ 56 bilhões contra
com resultados fiscais muito piores vo, mas que vai garantir a execução R$ 36,5 bilhões no mesmo período
do que era esperado. Consequen- da meta sem incorrer em crime do ano de 2016. Essa forte deterio-
temente, a autoridade fiscal se en- de responsabilidade fiscal. É bom ração é, em parte, explicada pela
contra numa situação desagradá- lembrar que apesar da nova regra
antecipação de pagamento de pre-
vel, de aumentar impostos em uma do teto de gastos, ainda há que se
catórios (cerca de R$ 18 bilhões),
conjuntura recessiva − péssima cumprir as regras determinadas
que normalmente ocorria em no-
novidade, porém, um instrumento pela Lei de Responsabilidade fiscal
vembro e dezembro e que neste
não descartável − e, de modo mais (LRF) sob o risco de uma série de
intenso, de admitir que suas previ- ano foi antecipado para maio e
penalidades administrativas e pes-
sões foram excessivamente otimis- soais por parte dos dirigentes. junho. Sem essa antecipação, o re-
tas quanto à meta de déficit primá- sultado teria sido de R$ 38 bilhões,
rio. Única solução possível: ampliar A precária situação fiscal pode ser ou seja, a situação fiscal estaria
a meta deste ano para não incorrer vista de alguns modos, mas aqui tão ruim como no ano passado.
em crime de responsabilidade, que a ênfase será dada aos resultados Em valores constantes de junho de
já foi motivo para impedimento da do Tesouro Nacional divulgados ao 2017 (IPCA) houve um aumento de
presidente anterior. Até o fecha- final de julho de 2017 dentro das R$ 18,2 bilhões no déficit primário

agosto de 2017
4 análise de conjuntura

semestral devido à mudança do cronograma de paga- e Municípios, as Receitas Líquidas da União tiveram
mentos. um decréscimo de R$ 15 bilhões, -2,7% na comparação
dos dois semestres, o que indica a vulnerabilidade da
A Receita Total teve uma redução real de R$ 8 bilhões receita pública no contexto maior, especialmente do
no comparativo dos primeiros semestres de 2016 e
uso de receitas não recorrentes e recessão que der-
2017 em valores atualizados pelo IPCA. Esta redução
ruba a receita previdenciária. No Gráfico 1 é possível
ocorreu especialmente devido à queda da arreca-
visualizar o Déficit Primário oficial desde janeiro de
dação das receitas do Regime Geral da Previdência
2013, mas deve-se ter em vista que nos anos de 2013
Social (RGPS) em R$ 3,2 bilhões, rombo decorrente
e 2014 foi usada sistematicamente a postergação de
da péssima situação no mercado de trabalho, e de Ou-
tras Receitas Não Administradas pela receita Federal despesas, as chamadas pedaladas fiscais, de modo que
(R$ 6,7 bilhões), cuja queda revela a dependência de mesmo os resultados positivos na verdade mascaram
receitas não recorrentes; no caso, a entrada de re- a deterioração fiscal do governo federal. Em 2015 e
cursos pela outorga de usinas hidrelétricas em 2016, 2016 foram pagas despesas de períodos anteriores ao
sem contrapartida em 2017 (-R$ 17 bilhões). Após as final de 2016, o que traz maior volatilidade aos dados
Transferências por Repartição de Receita com Estados mensais.
Gráfico 1 - Resultado Primário do Governo Central - R$ Milhões- Jan/2013 a Jun/2017 (IPCA)

Fonte: Tesouro Nacional.

Apesar da crise fiscal e do ajuste forçado pelo lado das em R$ 6 bilhões. Para contrabalançar esse aumento,
despesas, em função da regra do teto já em vigor em pelo lado da despesa, houve redução de R$ 4 bilhões
2017, note-se que os incentivos fiscais por redução de com despesas de Subsídios e Subvenções à Proagro e
receita continuam sendo uma fonte de pressão sobre de R$ 3,3 bilhões de reversão da Desoneração da Folha
os recursos públicos, passando de R$ 11 para R$ 17 de Pagamentos. A briga por recursos públicos vai se
bilhões nos primeiros semestres de 2016 e 2017, res- tornando mais dura com a regra do teto, conforme
pectivamente. Ou seja, a perda de receita aumentou esperado.

agosto de 2017
análise de conjuntura 5

A Despesa Total continua crescen- vamento do Déficit Primário, que despesas com pessoal no total do
do, mas com a ajuda da regra do passou de R$ 63 bilhões para R$ 83 gasto primário. E, a rigor, boa parte
teto dos gastos seu aumento foi de bilhões, ou seja, uma piora de R$ 20 do controle de despesas no passa-
R$ 3 bilhões, 0,5% em relação ao bilhões no Regime Geral da Previ- do recente foi feita sobre a folha de
primeiro semestre de 2016, ou seja, dência entre o primeiro semestre pagamento federal, causando agora
praticamente estável. No grupo de de 2016 e 2017, dos quais 85% são um acúmulo de reajustes num mo-
despesas, destacam-se as eleva- da previdência urbana, reflexo da mento de baixa na arrecadação
ções das Despesas Previdenciárias, recessão e seu enorme contingente pública.
que aumentaram em R$ 17 bilhões de desempregados ou de informais.
(7%), e as Despesas com Pessoal e Em 2017, dada a nova regra do teto
Encargos em R$ 14 bilhões (11%). No caso das Despesas com Pessoal, de gastos, a contenção relativa de
Para contrabalançar esses aumen- o aumento da despesa reflete au- despesas se faz principalmente
tos, houve queda expressiva das mentos concedidos a diversas ca- através da contração de Despesas
Despesas Discricionárias de R$ 21 tegorias. No momento, há reajustes
Discricionárias, em geral, com re-
bilhões e de Outras Despesas Obri- concedidos a algumas categorias
dução do Investimento Público − o
gatórias (R$ 6 bilhões). Era de se sensíveis do funcionalismo federal,
que não ajuda, aliás, atrapalha a
esperar um crescimento das Des- que ainda não foram executados, e
retomada do crescimento econô-
pesas Previdenciárias, recorrente que serão, provavelmente, parce-
mico. No caso das Despesas Discri-
quando se ameaça mudar as regras lados e postergados. No Gráfico 2
cionárias do Executivo, houve uma
de acesso aos benefícios por uma é possível ver a evolução da Des-
redução de R$ 20 bilhões entre o
reforma previdenciária e também pesa Primária Total, assim como
das Despesas Previdenciárias e primeiro semestre de 2016 e de
quando o desemprego incentiva
pessoas anteriormente emprega- com Pessoal e Encargos do gover- 2017, dos quais cerca de metade
das a buscar uma renda quando no federal desde janeiro de 2013. (R$ 9,6) diz respeito ao Progra-
na situação pré-desemprego pode- Destacam-se os picos de despesas ma de Aceleração do Crescimento
riam apenas seguir esperando me- em janeiro de 2015 e 2016 pelo (PAC). No Gráfico 3, apresenta-se
lhorar seus rendimentos futuros ao pagamento das velhas contas de o conjunto de principais despesas
postergar a aposentadoria. O Re- pedaladas de anos anteriores. E se do governo federal do primeiro
sultado Primário da Previdência − apenas se focar neste período re- semestre de 2013 ao primeiro se-
em contexto recessivo e de corrida lativamente curto de tempo, o que mestre de 2017, destacando-se a
aos benefícios antes das mudanças se nota é uma relativa estabilidade relativa estabilidade do gasto pri-
propaladas, mesmo que de baixa dos grandes componentes de gasto, mário total e a queda das Despesas
plausibilidade política − é de agra- previdência do regime geral e de Discricionárias.

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6 análise de conjuntura

Gráfico 2 - Despesass Primárias do Governo Central - R$ Milhões - Jan/2013 a Jun/2017 (IPCA)

Fonte: Tesouro Nacional.

Gráfico 3 - Principais Itens de Despesa Primária do Governo Federal -


Primeiros Semestre de Cada Ano - R$ Milhões (IPCA)

Fonte: Tesouro Nacional.

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análise de conjuntura 7

Ao contrário da retórica oficial original, o que sugere uma possível Com essa combinação de nego-
de que a economia voltaria rapi- perda de receita de cerca de R$ 10 ciações, fica evidente que há um
damente a crescer depois do im- bilhões. desincentivo ao pagamento de im-
pedimento presidencial de 2016, postos, uma superjudicialização do
face à reversão das expectativas, Há também uma nova regra ju- nosso malfadado sistema tributá-
efetivamente vem ocorrendo uma rídica, através de medida provi- rio, que já deu toda a demonstração
recessão relutante em se dissipar, sória que permite o pagamento cabível de sua desfuncionalidade. E
que parece ter se tornado crôni- de contribuições previdenciárias a cereja do bolo desse imbróglio tri-
ca, afetando de forma negativa devidas pelo setor rural ao Fun- butário é a nova Lei Complementar
as receitas públicas e que, dada a rural (Fundo de Assistência ao 160 de 2017, que permite a celebra-
nova regra fiscal de teto de gastos, Trabalhador Rural), que dá suporte ção de um convênio no âmbito do
amplia substancialmente a disputa ao financiamento da previdência Confaz (Conselho Nacional de Po-
por recursos fiscais. A situação rural e que estava em discussão lítica Fazendária), órgão que reúne
precária de vários Estados e Mu- no Judiciário por anos. No caso do os representantes das Secretarias
nicípios tem tornado o ambiente questionamento dos produtores da Fazenda de todos os Estados,
político fiscal mais propenso a rurais, no final de março de 2017, convalidando os incentivos fiscais
acordos variados para tentar sal- o Supremo Tribunal Federal con- ilegais no âmbito do ICMS (Imposto
var suas finanças, e também fugir siderou constitucional a cobrança sobre Circulação de Mercadorias e
das penalidades impostas pela ao Funrural, cuja dívida corres- Serviços), a chamada guerra fiscal
LRF, em meio à receita cadente e ponde a cerca de R$ 9 bilhões. E, dos Estados, por um período de 15
compromissos inadiáveis. Assim, antes da votação sobre a permissão anos a partir da edição desse con-
dentro dessa confusão federativa de abertura de processo contra o vênio. Em breve, deve acontecer a
e recessiva, foi aprovado o Regime atual presidente, surgiu uma medi- ampliação da guerra fiscal até a ce-
de Recuperação Fiscal para aqueles da provisória (MP 793/2017) que lebração desse instrumento legal,
entes da federação em situação fa- permite o pagamento dessa dívida de modo que os antigos, assim
limentar, que exige contrapartidas dos produtores rurais em uma par- como os novos beneficiários logo
de ajuste por parte dos que a ele cela inicial de 4% do total dividida sejam “legalizados”. Em que pese
aderirem, caso emblemático do Rio em quatro vezes ainda em 2017, e a exigência de condicionalidades
de Janeiro. o saldo em 176 vezes, a partir de para a celebração desse convênio
janeiro de 2018, com redução de e da redução da concorrência de-
Ainda no contexto de negociações 25% das multas e 100% dos juros. sigual entre as firmas beneficiadas
variadas, está na pauta de votação Além dessas bondades, cuja esti- pelos benefícios fiscais irregula-
uma nova legislação que permi- mativa dá conta de uma perda de res, cabe ressaltar que se perdeu a
te a renegociação das dívidas de receita de cerca de R$ 5 bilhões, foi oportunidade de usar a convalida-
empresas com a receita, um novo reduzida a alíquota da contribuição ção como moeda de troca para uma
Refis, com a questão pendente de ao Funrural, que era de 2,1% para melhoria do sistema tributário no
uma proposta de eliminação quase 1,3% da comercialização dos pro- que diz respeito ao comércio inte-
integral das multas sobre a dívida dutos, a partir de janeiro de 2018. restadual. Sem falar que se dá mais

agosto de 2017
8 análise de conjuntura

uma chance aos Estados guerreiros de abrirem mão


de receita quando muitas vezes estão estrangulados
financeiramente, o que não parece ser nada razoável.
Essas negociações rendem mais frutos aos políticos
atuais e deixam o sistema cada vez mais complexo,
num eterno mecanismo de necessidade de reformas/ (*) Economista e doutora pela USP.
adequações e barganhas. (E-mail: veramartins2702@gmail.com).

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análise de conjuntura 9

Setor Externo: Expansão das Exportações Revigora a Economia


Vera Martins da Silva (*)

No âmbito da economia brasilei- 22% desses recursos sejam meros to das Exportações. A expansão
ra, o setor externo tem sido pra- Empréstimos Intercompanhias que das Exportações se deve à melho-
ticamente a única fonte de boas buscam melhorar seu desempenho ria da economia internacional, com
notícias − e assim ainda é. Neste aproveitando vantagens relati- os principais blocos de países com
comentário de conjuntura, o foco vas nos diversos mercados. No
quem o Brasil tem relações econô-
será a comparação entre o primei- comparativo entre os primeiros
micas finalmente saindo do atolei-
ro semestre de 2017 e o seu equi- semestres em análise, ocorreu um
valente em 2016, sendo o pano de aumento de US$ 27 para US$ 35 ro em que se meteram desde 2007.
fundo a profunda recessão que as- bilhões no total do Investimen- O resultado da Balança Comercial
sola o país e que comprime as im- to Direto no País, ou seja, o fluxo passou do acumulado de U$ 22 bi-
portações, como era de se esperar. de recursos para o país continua lhões entre janeiro e junho de 2016
A Tabela 1 reproduz as principais firme e forte, em parte porque a para US$ 35 bilhões no mesmo pe-
contas do Balanço de Pagamentos administração federal atual conse- ríodo de 2017, ou seja, um aumento
(BP). Neste primeiro semestre guiu reverter a péssima imagem do de 56%.
de 2017, o saldo em Transações descontrole das contas públicas do
Correntes foi positivo em US$ 715 país com o aceno a reformas pró- Normalmente deficitário, o resul-
milhões, ao contrário da tendência -mercado, como pela ainda relativa tado de Serviços transacionados
histórica de déficit nessa conta. No vantagem da rentabilidade do capi- entre residentes e não residen-
mesmo período de 2016, o resulta- tal no mercado doméstico. tes continuou sendo deficitário.
do foi negativo em US$ 8,5 bilhões.
Porém, a novidade é a estabilidade
Em relação ao PIB, houve então a O resultado positivo da Balança
desse resultado negativo, que ao
passagem de um regime que neces- Comercial foi ampliado no período
final do primeiro semestre ficou
sitava de financiamento externo, em destaque, especialmente devi-
em -US$ 15,5 bilhões. Vale destacar
de cerca de 1% do PIB para uma do ao aumento das Exportações,
que duas contas tiveram mudanças
situação de relativa independência que passaram de US$ 90 bilhões
no primeiro semestre de 2016 para significativas: as Despesas com
em relação ao financiamento exter-
no, lembrando sempre do terrível US$ 107 bilhões no segundo semes- Viagens apresentaram um aumen-
contexto recessivo da economia. tre de 2017 − ou seja, um aumento to de Despesas Líquidas com Via-
de 20%. As Importações também gens de US$ 2,4 bilhões, portanto,
Apesar desse dispensável finan- cresceram, de US$ 67 para US$ apesar da crise, a ida ao exterior
ciamento externo das Transações 72 bilhões entre esses semestres; continua relevante; outro ponto
Correntes, continuam entrando um aumento também importante importante é a redução das Despe-
recursos, captados pela Conta Fi- (em torno de 7%), revelando que a sas com Aluguel de Equipamentos,
nanceira do BP, de US$ 36 bilhões atividade econômica já passa a dar sendo o grosso representado pela
de Investimento Direto no primei- sinais de recuperação, mas mesmo locação de sondas pela Petrobras,
ro semestre de 2017, ainda que assim, muito inferior ao crescimen- com queda de US$ 1,2 bilhões.

agosto de 2017
10 análise de conjuntura

Tabela 1 - Balanço de Pagamentos, Brasil, Jan-Junho de 2016 e 2017

  Jan-jun Jan-jun
Discriminação 2016 2017

I. Transações correntes - 8 487 715


Balança comercial (bens) 22 353 34 936
Exportações 89 822 107 452
Importações 67 470 72 516
Serviços - 14 813 - 15 551
Renda primária - 17 520 - 19 732
Renda secundária 1 493 1 062
II. Conta capital 112 180
III. Conta financeira - 3 720 2 012
Investimento direto no exterior 6 410 938
Participação no capital 6 786 1 006
Operações intercompanhia - 376 - 69
Investimento direto no país 33 838 36 271
Participação no capital 25 011 28 137
Operações intercompanhia 8 827 8 134
Investimento em carteira – ativos - 880 3 766
Ações e cotas em fundos - 664 2 553
Títulos de renda fixa - 216 1 214
Investimento em carteira – passivos - 8 817 - 3 934
Ações e cotas em fundos 5 988 - 1 120
Títulos de renda fixa - 14 804 - 2 815
Derivativos – ativos e passivos - 1 509 - 298
Outros investimentos – ativos 26 371 16 326
Outros investimentos – passivos 11 120 - 4 730
Ativos de reserva 2 028 8 887

Erros e omissões 4 655 1 118


Memo:    
Transações correntes / PIB (%) - 0,95 0,07
Investimento direto no país / PIB (%) 3,79 3,67

Fonte: Banco Central do Brasil, US$ milhões.

No que diz respeito à Renda Primária, que pode ser por isso, é interessante abrir um pouco mais as infor-
entendida como a remuneração dos fatores de produ- mações relativas a esse universo. O Gráfico 1 permite
ção, houve um aumento de US$ 2,2 bilhões no déficit visualizar os valores das Exportações, Importações e
na comparação entre os dois primeiros semestres de Saldo da Balança Comercial, acumulados em 12 meses,
2016 e 2017, destacando-se o aumento de remessas de modo a tentar se extrair uma visão de tendência
relativas a Empréstimos Intercompanhias (-US 1,6 bi- das informações, em tempos de profunda crise econô-
lhões) e de Rendimentos em Carteira (- US$ 1,1 bilhão). mica. As Importações tiveram um declínio e pouco a
pouco aparece uma estabilidade e um embrião de re-
Efetivamente, os resultados mais positivos relativos cuperação. Já as exportações, por serem afetadas mais
ao setor externo vêm pelo lado das Exportações e, pelo desempenho da economia global do que pelas

agosto de 2017
análise de conjuntura 11

mazelas internas, passaram por dade e competitividade dos produ- a 60% desse fluxo, o que coloca o
um período de relativa estabilida- tos de origem agropecuária e mine- Brasil em grande dependência dos
de e a partir de 2017 têm tido um ral, mas deixa a desejar do ponto de rumos da economia chinesa − aliás,
resultado de crescimento. O saldo vista de agregação de valor para a assim como o resto do mundo. No
da Balança Comercial tem crescido economia como um todo num país caso brasileiro, o fluxo de comércio
ao longo desses meses e se tornado, continental. O Gráfico 3 permite apenas com a China aumentou de
efetivamente, a única fonte de cres- visualizar a Corrente de Comércio,
US$ 31 bilhões no primeiro semes-
cimento da economia. ou seja, Exportação mais Importa-
tre de 2016 para US$ 39 bilhões
ção (para o ano de 2016) do Brasil
no primeiro semestre de 2017,
Conforme o Gráfico 2, todos os com seus principais parceiros por
tipos de Exportação tiveram um enquanto o saldo comercial au-
Região. O que salta aos olhos é a
crescimento expressivo a partir predominância da Ásia, que re- mentou de US$ 8,6 bi para US$ 15
de 2016, mas o mais significativo presenta praticamente o dobro da bilhões. Ou seja, cerca de metade
foi o aumento das exportações de corrente de comércio com os de- da melhora do comércio exterior
Produtos Básicos e Semimanufatu- mais blocos parceiros relevantes. E está relacionada a apenas um país,
rados. De um lado, este é um sinal quando se fala na Ásia obviamente a China, o que é uma dependência
positivo, pois mostra a alta capaci- está se falando na China, que chega preocupante.

Gráfico 1 - Exportações, Importações e Saldo da Balança Comercial - Dez 2015 a Jul 2017
Valores Acumulados em 12 Meses – US$ Milhões

Fonte: Balanço de Pagamentos, site do Banco Central, acesso em 09/08/2017.

agosto de 2017
12 análise de conjuntura

Gráfico 2- Taxa de Crescimento Acumulado em 12 Meses das Exportações em Relação


ao Mesmo Período do Ano Anterior, por Fator Agregado, Dez 2015 - Jul 2017

Fonte: Banco Central do Brasil.

Para f inalizar, um coment ário o índice de Taxa de Câmbio real, do câmbio, com ênfase no realismo
sobre a taxa de câmbio. Pode-se relativamente aos 15 maiores im- cambial e o desmonte de operações
supor que o caminho para uma portadores de produtos brasilei-
de swap cambial para manter o
normalização da Conta Financeira ros. Como se vê, durante o período
câmbio baixo e como instrumento
está sendo pavimentado, na medi- 2011 a 2014 houve uma apreciação
da em que os juros domésticos são da moeda nacional, o que causou de controle da inflação. De lá para
reduzidos, as empresas perdem um transtorno aos exportadores cá, há um retorno ao suposto equi-
parte do incentivo de trazer recur- e às empresas que operavam no líbrio de mercado. Melhor assim do
sos do exterior para seu financia- mercado doméstico, na medida
que uma série de manipulações da
mento, assim como para ganhar em que esse câmbio favorecia as
taxa que mais comprometeram as
com a diferença de taxas internas Importações e reduzia a competi-
e externas, o que impacta o merca- tividade dos fabricantes de bens contas públicas do que ajudaram a
do cambial. O Gráfico 4 apresenta finais. O ano de 2015 é o de ajuste economia como um todo.

agosto de 2017
análise de conjuntura 13

Gráfico 3 - Corrente de Comércio: Exportações + Importações do Brasil


com as Principais Regiões/Blocos, 2016, US$ Milhões

Gráfico 4 - Índice de Taxas Reais de Câmbio (IPCA) em Relação à Cesta de Moedas dos Quinze Maiores
Importadores de Produtos Brasileiros - Dez 2011 a Jun 2017 - Jun/1994=100

Fonte: Banco Central do Brasil.

(*) Economista e doutora pela USP.


(E-mail: veramartins2702@gmail.com).

agosto de 2017
14 temas de economia aplicada

Desemprego Tecnológico: Fim dos Empregos?


José Paulo Zeetano Chahad (*)

O temor de que as transformações progresso e mais desenvolvimento por representar uma elevação da
tecnológicas e processos inovado- no futuro. Segundo suas próprias produtividade do trabalho huma-
res ponham em risco a necessidade palavras: no, e a automação do processo pro-
do trabalho humano, promovendo dutivo, ainda que poupasse mão de
um desemprego de grandes dimen- We are being afflicted with new obra, acabaria por se transformar,
sões na força de trabalho, acompa- disease...technological unemploy- cedo ou tarde, em um aumento da
nha o desenvolvimento da humani- ment…..due to our discovery of renda da economia. Isto acabava
dade desde tempos imemoriáveis. means of economizing the use of por gerar demanda adicional por
labor outrunning the pace at which novos produtos e serviços em ou-
Apesar de muito antiga, a preocu- are can find new uses of labor. But, tros setores, o que, por sua vez,
pação com o desemprego tecnoló- this is only a temporary phase of criava novos empregos para os
gico ganhou impulso com a posição maladjustment. All this means in desalojados pela tecnologia.
de Keynes (1931) quando, no auge the long run that mankind is solv-
da recessão, focou o futuro da hu- ing its economic problem…it would Nos dias atuais (primeira década
manidade discutindo as “Possibi- not be foolish to contemplate the do século XXI) esta visão branda e
lidades Econômicas para os Nossos possibility of a far greater progress otimista tem sido substituída por
Netos”. Neste contexto, ele consi- still. (KEYNES, 1931, p. 3). visões sombrias sobre o futuro dos
derava o desemprego tecnológico empregos em resposta ao avanço
como uma “doença” inevitável na Com base nestas premissas, uma tecnológico. Tem havido um temor
trajetória secular da humanidade. grande parte dos economistas do disseminado, ainda que não unâni-
Mas, num tom otimista, isto seria século XX considerava que o de- me, nem comprovado, de que a au-
como “um mal necessário”, o qual, semprego tecnológico, apesar de tomação, digitalização, robotização
fatalmente, redundaria em mais inevitável e indesejável, acabava e a inteligência artificial possuem

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temas de economia aplicada 15

grande potencial para levar ao “fim dicou que 47,0% dos trabalhadores para cumprir certas tarefas não
dos empregos” como propôs Rifkin americanos estão trabalhando em significa que, necessariamente,
(1995). ocupações que poderão ser execu- isto irá ocorrer. Existem restri-
tadas por computadores e algorit-
ções éticas e aspectos limitantes
Aqueles que defendem esta possibi- mos nos próximos 25 anos.
lidade arguem que essas inovações legais, morais e institucionais
estão rapidamente penetrando no Embora tenham disseminado um que impedem tal substituição
domínio das tarefas de cada ocupa- temor de que a automação e outras e/ou reduzem o potencial disso
ção, que antes eram genuinamente tecnologias estejam colocando em ocorrer.
exercidas pelos seres humanos, risco o trabalho humano, logo de
como o raciocínio, a criatividade início surgiram críticas aos resul- Mais recentemente Arntz, Gre-
da mente, a sensibilidade e o poder tados daquele estudo. Entre elas gory e Zierahn (2016), por meio de
de tomar decisões.1 Para estes a despontam: dados de 21 países da OCDE com
percepção é de que a substituição base num enfoque denominado
dos homens pelas máquinas alcan- a) Os processos de automação ge- “ baseado em tarefas” chegaram a
çou um indiscutível patamar de
ralmente objetivam automatizar resultados muito menos alarman-
qualidade.
certas tarefas e não propriamente tes do que os de Frey e Osborne
(2013), cujo enfoque foi “ baseado
A principal fonte desta elevação todas as tarefas de uma ocupação;
em ocupações”. Aquele enfoque
nos temores do fim dos empregos,
baseia-se na ideia de que a auto-
em decorrência da nova onda tec- b) O conjunto de tarefas de uma ocu-
matização da ocupação depende
nológica, encontra-se nos resul- pação se compõe de atividades
tados de um amplo estudo, para a das tarefas que o indivíduo de-
de rotina e de não-rotina, sendo sempenha na mesma, e com qual
economia americana, realizado por
estas difíceis de automatizar; facilidade essas tarefas podem ser
Frey e Osborne (2013), que tenta-
ram estimar a sensibilidade do em- automatizadas.
prego à penetração da computação. c) Uma mesma ocupação é desem-
penhada de forma diferente em Com base no princípio “baseado em
Suas conclusões se fundamentaram diferentes lugares de trabalho e ocupações” eles calcularam a parti-
num modelo onde classificaram cipação dos trabalhadores com alto
por diferentes pessoas; e
632 ocupações praticadas nos Es- risco de seres automatizados, ou
tados Unidos com relação ao risco seja, a participação dos trabalha-
d) Há uma confusão entre o poten-
de serem susceptíveis à automação, dores cujo potencial de automação
cial de automação e a perda real
perguntando aos experts em tec- das tarefas era igual ou maior do
nologia o potencial de automação de emprego. Em particular, a que 70,0%. Os resultados por eles
das mesmas num futuro próximo. possibilidade técnica do uso de obtidos encontram-se resumidos
O resultado por eles encontrado in- máquinas no lugar de humanos nas Figuras 1 e 2.

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16 temas de economia aplicada

Figura 1 – OCDE: Porcentagem de Trabalhadores em Empregos em Alto e


Médio Risco de Automação e o Impacto da Tecnologia (2012)

Fonte: Arntz, Gregory e Zierahn (2016).

Em síntese, obtiveram que, na média dos países sele- (50,0% a 70,0% de risco). Estes empregos não serão
cionados, somente 9,0% se encontram em alto risco substituídos completamente, mas uma significativa
de serem automatizados. A variação vai de 6,0% na parcela das tarefas desempenhadas pelo trabalhador
Finlândia, Estônia e Coreia até 12,0% na Alemanha, corre o risco de ser automatizada. Nesse sentido, um
Áustria e Espanha. conjunto destas ocupações deverá ser remodelado,
ainda que preservem suas características principais,
Por outro lado, eles encontraram uma larga parcela e os trabalhadores terão que se adaptar às novas ta-
de ocupações com baixo risco de completa automação refas.

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temas de economia aplicada 17

Figura 2 – Parcela de Trabalhadores com Alto Risco de Automação em Países da OCDE

Fonte: Arntz, Gregory e Zierahn (2016).

Diferentemente de Frey e Osborne eventuais prejuízos que possam sofrem pressões éticas como, por
(2013), estes autores são bastante causar à sociedade. Por exemplo, exemplo, a utilização de carros
céticos quando à possibilidade de o potencial da automação, da sem motoristas, pois não haverá
grandes volumes de desemprego digitalização e das novas tecnolo- elemento humano para tomar
em razão do avanço da tecnologia,
gias precisa primeiro ter sucesso decisões, ou no setor de serviços
de qualquer natureza. Segundo
para depois ser adotado pelas de cuidados com a saúde, onde
eles, mesmo naquelas ocupações
empresas no que diz respeito será sempre difícil encontrar má-
rotuladas de “Jobs at Risk” não se
deve esperar desemprego massivo ao seu processo produtivo e à quinas que substituam o trabalho
devido aos impactos tecnológicos sua estratégia de negócios. Esta humano.
da automação. Eles apontam três situação envolve consideráveis
razões: custos associados, especialmente b) Estudos recentes nos países eu-
aqueles decorrentes dos novos ropeus têm demonstrado que a
a) O processo de adoção e utiliza- desafios de natureza digital, tais computação e tecnologias afins
ção de novas tecnologias é lento como efetivação de grandes ban- acabam gerando uma demanda lí-
e gradual em decorrência de cos de dados e segurança ciber- quida positiva, criando empregos,
fatores institucionais, legais e nética. Além disso, algumas áreas mais que destruindo. Mudanças

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18 temas de economia aplicada

tecnológicas podem poupar mão instituição aponta diversas razões, rais, legais e sociais, morosos por
de obra onde incidem, mas tam- onde se destacam as seguintes. natureza.
bém geram empregos adicionais
Em primeiro lugar, ainda que os Em terceiro lugar, sempre se supõe
pelo surgimento de novos pro-
empregos criados pelo setor de que uma nova tecnologia é pou-
dutos e novos serviços devido ICT não compensem completamen- padora do trabalho humano; no
ao aumento de competitividade te outras ocupações destruídas entanto, muitas vezes o que acon-
entre as firmas que adotam novas pela adoção de novas tecnologias tece é que ela incide sobre outros
tecnologias. em outros setores, novos empre- aspectos deste trabalho, especial-
gos aparecerão em decorrência da mente sobre as horas trabalhadas
redução de custos e elevação da ou sobre aspectos organizacionais
c) Quando novas tecnologias são in-
renda e da riqueza promovidas por que promovem aumento da pro-
troduzidas, os trabalhadores rea-
estas mesmas tecnologias, aumen- dutividade, sem necessariamente
gem ajustando seus conhecimen- tando a demanda agregada da eco- eliminar um emprego.
tos técnicos para realizar tarefas nomia, ainda que estas vantagens
nas quais as máquinas e equipa- econômicas levem algum tempo Em síntese, o impacto de novas tec-
mentos não podem desempenhar. para se materializar.
2
nologias na era digital sobre os em-
pregos é não apenas complexo, mas
O motivo deste comportamento é
Estudos empíricos realizados no também controverso. Não se dis-
que as novas tecnologias podem âmbito da Instituição indicam que, cute que onde a tecnologia incide
substituir certas tarefas de uma para cada emprego criado na in- acaba por destruir empregos, mas
ocupação, mas outras necessitam dústria de alta tecnologia, cerca parece distante que a humanidade
ser complementadas pelo traba- de cinco empregos adicionais são irá presenciar o fim dos empregos.
criados em outras áreas (GOOS; Como vimos em Keynes (1931)
lho humano. O impacto disto é
KONNINGS; VANDEWEYER, 2015). todo progresso técnico representa
que os trabalhadores preferem se
uma etapa de ajustamento da so-
adaptar para realizar diferentes Em segundo lugar, ainda que as ciedade e, no longo prazo, significa
tarefas do que ficarem desem- previsões teóricas da automação apenas que a humanidade está re-
pregados. Neste sentido, tem sido do trabalho sempre apontem para solvendo seus problemas econômi-
observado que os trabalhadores a destruição de vagas, ignora-se cos, via avanço tecnológico.
o fato de se saber se elas estão
estão preferindo, de forma cres-
realmente sendo adotadas. Este A citação de Arntz, Gregory e Zie-
cente, trocar trabalho rotineiro rahn (2016) expressa com clareza
desconhecimento provoca, geral-
por trabalhos não rotineiros que mente, uma superestimação do o improvável fim dos empregos em
são mais difíceis de automatizar. papel destruidor da tecnologia decorrência da adoção de novas
sobre o número de empregos na tecnologias:
A OECD (2016), sem questionar o economia. O impacto sobre os em-
papel poupador de mão de obra pregos de novas tecnologias nem The economic outlook for the future
das novas tecnologias, afirma que sempre ocorre no ritmo rápido que of work might not be as pessimis-
o risco de massivo desemprego tec- se prevê, pois implica mudanças tic as many suggest. In particular,
nológico deve ser minimizado. Esta em aspectos econômicos, cultu- automation and digitalization are

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temas de economia aplicada 19

unlikely to destroy large numbers GOOS, M.; KONNINGS, J.; RADEMAKERS, E. KONNINGS; RADEMAKERS, 2016). Esta
Future of work in the digital age: evidence seção não abordará esses impactos, mencio-
of jobs. It seems more likely that nando-os apenas por sua importância numa
from OECD countries. Ku Leuvan, Utrecht
workplaces will change and require University, Randstad, Yearly Report on discussão mais ampla sobre as mudanças no
mundo do trabalho decorrente da rapidez
different skills from workers com- Flexible Labor and Employment, 2016.
nas transformações tecnológicas.
pared to previous decades. Never- GOOS, M.; KONNINGS, J.; VANDEWEYER, M.
2 O acrônimo ICT vem do termo em inglês
theless, low qualified workers may Employment growth in Europe: the roles “Information and Communication Techno-
of innovation, local job multipliers and logy”.
face harder challenges to adjust in institutions. Utrecht School of Economics
the digital transformation as the Discussion Papers Series, v.15, n. 10, 2015.
automatibility of their jobs is typi- KEYNES, J.M. The economic possibilities for
cally significantly higher compared our grandchildren” In: KEYNES, J.M. Essays
in persuasion. London: Macmillan, 1931.
to those of highly qualified workers.
OECD. Automation and independent work
in a digital economy. Policy Brief on the
Referências Future of Work. Paris, may 2016.
RIFKIN, J. The end of work: technology, jobs,
and your future. New York: Putnam, 1995.
ARNTZ, M.; GREGORY, T.; ZIERAHN, U.
The risk of automation for jobs in OECD
countries: a comparative analysis. OCDE
Social, Employment and Migration Work-
ing Papers, n. 189, 2016. Paris: OECD
Publishing. Disponível em: <http://dx.doi.
org/10.1787/5jlz9h56dvq7-en>. 1 Os impactos dessas novas tecnologias e a
rapidez de sua penetração no processo de
______. Digitization is unlikely to destroy produção estão promovendo duas grandes
jobs, but may increases inequalities. 2016. transformações no mundo do trabalho: (a) a (*) Professor Titular da FEA/USP (Aposen-
desindustrialização da economia e: (b) a po- tado) e Pesquisador Sênior da FIPE. O autor
Disponível em: <http://blogs.worldbank.
larização do trabalho. A primeira representa
org/jobs/voices/digitization-unlikely- agradece à estagiária de pesquisa Thais
o declínio do emprego na manufatura tradi-
destroy-jobs-may-increase-inequalities>. cional, com o crescimento dos empregos no Harumi Hanai Takeuchi, aluna do curso
Acesso em: 11 jul. 2017. setor terciário. A segunda captura o aumento de Ciências Econômicas da FEA/USP, pelo
da importância das ocupações menos bem esforço e dedicação demonstrados por ela na
FREY, C.; OSBORNE, M. The future of employ- pagas e das mais bem pagas, em detrimento pesquisa bibliográfica, na organização e na
ment: how susceptible are jobs to comput- das ocupações de nível intermediário, que elaboração das figuras contidas no texto. Os
erization? University of Oxford, 2013. caminham para o desaparecimento (GOOS; erros são de responsabilidade do autor.

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20 temas de economia aplicada

Ainda Harold Innis: Desenvolvimentismo Canadense e Teoria do


Valor
Julio Lucchesi Moraes (*)

O presente artigo dá continuidade como um continuador das propos- Comunicação e do estudo das mí-
à série de reflexões sobre o pen- tas institucionalistas do sociólogo dias. No contexto da compartimen-
samento desenvolvimentista ca- americano Thorstein Veblen. talização das Humanidades, vemos
nadense. Levando-se em conta a reflexões inspiradas e/ou ampa-
já mencionada centralidade de Ha- radas nas premissas innisianas
1 O Holismo de Harold Innis
rold Innis na tradição intelectual tanto em estudos produzidos nos
local, a ideia deste texto é discutir departamentos de Economia e His-
Vimos no artigo anterior a maneira
algumas das sínteses macroeconô- tória quanto nos de Comunicação,
pela qual o desenvolvimentismo
micas propostas por dois de seus canadense é heterogêneo e multi- Sociologia e Filosofia. É curioso
diversos coment arist as. Nosso facetado. O argumento inicial da notar, todavia, que paralelamente
argumento é que a prosa innisiana presente reflexão encampa essa a essa proposta de seccionamento,
figura como um manancial para constatação, a ela incluindo uma encontramos também um contem-
distintas interpretações e agen- camada analítica adicional. As va- porâneo fenômeno de resgate da
ciamentos, impassível de redução riações da principal tradição inte- dimensão holística de Innis. Sobre
a uma proposta analítica una ou lectual nacional variam não apenas o tema, afirma Liam Young que:
enclausurada. ao longo do tempo (“A Tese das
Staples” dos anos 1930 vs. o “Neo- Para Innis, os limites disciplinares
Nosso ponto de partida será o res- -inissianino” dos anos 1970) e ao foram tão desimportantes quanto
gate da dimensão holística da obra longo do espectro político (“Nova foram as artificiosas distinções
do pensador. Embora o cânone Economia Política” vs. “Nova Eco- entre natureza e cultura, tecnologia
innisiano se espraie por diversas nomia Política das Staples”), mas e meio ambiente, ciência e huma-
décadas e tópicos, seria possível a também dentro do corpo bibliográ- nidades e mesmo entre humano
identificação de um eixo estrutu- fico de um mesmo autor. e não-humano. O alcance de seu
rante. A plena apreensão de suas pensamento convida à análise de
propostas demandaria, nesse con- É, uma vez mais, na paradigmática problemas além do aqui e do agora.
texto, um constante exercício de figura de Harold Innis – e sua ex- Sua famosa crítica do viés “pre-
exegese e de revisitação das inter- tensa e diferenciada bibliografia senteísta” [ no original, “present-
conexões de sua obra e suas pre- – que essa posição encontra sua -mindedness”] da cultura Ocidental
missas intrínsecas. expressão mais clara. Discutimos, tem raízes em seu diagnóstico de
anteriormente, a dupla filiação do uma patologia da Economia Po-
Uma vez problemat izada essa autor: sua obra inicial inscreve-se lítica [‘convencional’ – JLM] (…)
questão, avançaremos na leitura no campo da História Econômica e em sua preferência à abstração de
proposta por Robin Neill. O autor da Economia Política, ao passo que variáveis como preços, mercados e
esquadrinha a obra de Innis como suas reflexões posteriores se en- propriedade (YOUNG, 2017, p. 233,
uma teoria do valor, entendendo-o quadram no universo da Teoria da tradução própria).

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temas de economia aplicada 21

Nessa chave, diversos intérpre- do valor absoluto (sendo a teoria Em primeiro lugar, o primado clás-
tes entendem que o pensamento do valor-trabalho marxista a mais sico da poupança ou do investi-
innisiano não pode ser comparti- acabada expressão desta corrente). mento como variáveis determinan-
mentado e que é errôneo aceitar a Para Innis, os dois eixos interpreta- tes do crescimento cederia lugar a
divisão entre uma etapa histórico- tivos não dariam conta de explicar uma teoria cujo cerne da gênese de
-econômica de sua obra inicial, a “mal problematizada questão da excedentes seria um dado tecnoló-
oposta (ou preterida em relação) gênese do excedente” e, consequen- gico. Este avanço, por sua vez, oca-
à posterior etapa comunicacional. temente, de compreender o fenô- sionaria uma liberação quase que
Ao contrário, seu pensamento pre- meno do crescimento econômico acidental de novas forças criativas,
cisa ser entendido como um bloco (1972, p. 21). 2 capazes de obsoletar estruturas
contínuo e coeso. Curiosamente, institucionais restritivas e, por
mesmo que se aceite essa premis- Uma (possível) saída do bloqueio esta razão, gerar um novo quantum
sa, as divergências interpretativas entre interpretações socialistas e de excedente econômico.4
sobre o projeto do pensador cana- individualistas seria um recorte
dense não se extinguem. Este e o historicista. Embora uma conexão Embora adote de Veblen a des-
próximo artigo buscam justamente entre Innis e a Escola Histórica confiança em relação ao papel da
articular estas duas vertentes num alemã seja possível (idem, p. 22-
poupança ou do investimento como
todo orgânico. 23), é da figura do institucionalista
motores do crescimento, Innis des-
norte-americano Throstein Veblen
carta o componente acidental ou
2 Desenvolvimentismo Innisiano que Innis herdará as premissas
instintivo sugerido pelo sociólogo.
como Teoria do Valor básicas para o desenho de sua pró-
A saída por ele encontrada viria da
pria teoria do valor. A teoria do
influência de outros pensadores da
A leitura que Robin Neill realiza avanço da riqueza – ou, nos termos
chamada Escola de Chicago, sobre-
do cânone innisiano – tanto sua veblenianos, a teoria do avanço da
tudo por meio de suas reflexões a
bibliografia histórico-econômica civilização – seria um enquadra-
respeito dos valores sociais. Para
quanto de sua posterior obra cultu- mento teórico capaz de superar as
Neill, a teoria do valor de Innis
ral/comunicacional – parte de uma supostas limitações idealistas das
interpretações oitocentistas por poderia ser entendida como uma
premissa ousada: em sua ambição
um todo. Em oposição a essas leitu- teoria da “formação institucional
em compreender o progresso da
ras, teríamos aqui uma proposição do valor”. Ao invés de figurar como
riqueza de (uma) nação (o Canadá),
objetiva e cientificamente com- uma abstração exógena ou aprio-
Innis teria desenvolvido uma efeti-
va teoria do valor. Compreender tal provável, calcada nos conceitos de rística, o sistema-preço seria uma
ponto exige posicionar o pensador ‘restrição objetiva’, ‘hábito’ e ‘inte- “organização estrutural acidental,
canadense na ampliada tradição rações adaptativas’ entre Homem e não necessária, à atividade eco-
da Economia Política. Nesse senti- e Natureza.3 Veblen teria pavimen- nômica” (idem, p.51). O sistema-
do, afirma Neill, vemo-lo oposto à tado, assim, uma primeira síntese -preço innisiano nada mais é do
teoria da escassez relativa, cujas capaz de explicar o cálice sagrado que uma comunicação de consensos
origens remontam aos primórdios das teorias do crescimento – isto é, a respeito do valor relativo de mer-
da Ciência Econômica de Adam a identificação do locus de origem cadorias ou serviços com o mérito
Smith.1 Descartada essa leitura, do excedente a ser investido (idem, adicional de possibilitar transações
afirma Neill, tampouco Innis via- p.24). Acompanhemos a argumen- por meios abstratos, monetizados e
-se confortável com as premissas tação de Neill a esse respeito. crediários.

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22 temas de economia aplicada

Cada sistema-preço possuiria um O problema, contudo, é que a in- trabalho, contudo, está limitada à
componente espacial (a área geo- trodução de uma nova técnica pro- extensão do mercado: se um mer-
gráfica e a população circunscrita dutiva amplifica o hiato temporal cado não é suficientemente grande,
dentro de uma determinada zona entre as transações – tome-se o o barateamento do custo por uni-
de consenso valorativa) e um com- exemplo de um novo meio de comu- dade de um produto não compensa
ponente temporal (o tempo a partir nicação que reduz drasticamente o o custo fixo de seu investimento.
do qual as transações decorrem e, custo de transmissão de dados – e Diante da perene necessidade de
consequentemente, o tamanho da isso gera uma instabilidade sistê- mitigação das instabilidades sobre
disponibilidade de excedente). To- mica. Novamente, é preciso ter o consenso do regime de preços
mando de empréstimo a termino- em conta que estamos operando – geradas pelos próprios avanços
logia matemático-financeira, Neill dentro de uma teoria do valor pau- técnicos – a única saída para a
equivale o alargamento temporal tada por consensos. Há, portanto, manutenção da estabilidade desse
do sistema-preço ao de aprofunda- uma contradição no fato de que sistema econômico é a constante
mento de capital (‘capital deepe- todos os envolvidos nesse processo expansão física, ou o alargamento
ning’), isto é, o incremento da razão – compradores, empresários, for- geográfico da zona de consenso
capital-trabalho (idem, p.52). necedores, ofertantes de créditos desse dado sistema-preço (idem,
– empenham recursos consensu- p.57).
Innis realiza, portanto, uma distin- almente precificados na aquisição
e implementação de técnicas que Ecoando novamente uma temá-
ção entre uma transação comercial
minam a própria estrutura desse tica vebleniana, a teoria do valor
e uma transação industrial. En-
sistema de consensos. de Innis se vincula ao conceito
quanto a primeira constituir-se-ia
de ajuste ciclônico: a pressão pela
num sistema comercial de alta
Essas incertezas são geradas pelo manutenção de estabilidade no
rotatividade (“comprar barato e
elemento acidental que uma nova centro do sistema força a migração
vender caro”), a transação indus-
técnica pode gerar, mas também de recursos técnicos, financeiros e
trial transcorre dentro de sistema
pela ativação desigual de exceden- humanos para as zonas de “baixa
produtivo mais sofisticado, com
tes proporcionada pela liquidez pressão”, fronteiriças. Estas, por
uma rotatividade transcorrida gerada pelo crédito (idem, p.55). sua vez, seriam caracterizadas,
num prazo mais alargado, pos- A teoria do desenvolvimento inni- ao menos num primeiro momen-
tas as exigências de uma ou mais siana (isto é, o primado explicativo to, pela alta liquidez, posto que a
transformações técnicas de produ- da transformação técnica como produção nestas áreas não estaria
tos adquiridos (idem, p.54). Aceita motor dinâmico) transforma-se ainda enrijecida pelas despesas
essa distinção, podemos entender a em teoria do crescimento no mo- fixas atreladas à alta intensidade
diferença entre a transação condu- mento em que levamos em conta o de capital do centro/metrópole
zida por um agente comercial da- papel dos meios de transporte e de (idem, p.58-60). Enquanto a tem-
quela conduzida por um agente in- comunicação. O paralelo que Robin pestade transcorre na periferia, a
dustrial. Elas possuem diferenças Neill propõe com a teoria clássica zona central dá conta de adaptar-
em suas estruturas de custo (pro- é o conceito fundante de divisão -se ao novo arranjo institucional
dutos mais sofisticados exigem um do trabalho de Adam Smith. Um afeito à nova realidade produtiva.
maior componente de despesa, ou aprimoramento técnico pode indu- O novo sistema-preço logra acomo-
custo-fixo, entendidos aqui como zir o aprofundamento da divisão dar a nova realidade tecnológica e
passivos crediários a fornecedores de trabalho e, consequentemente, estabelece-se um novo consenso
ou emprestadores de crédito. aumento dos lucros. A divisão de valorativo. Nesse interim, contudo,

agosto de 2017
temas de economia aplicada 23

o próprio desenvolvimento técnico na zona fronteiri- dos preços, mas ele mesmo não deu conta de superar o problema
do crescimento, falhando, também ele, na explanação do excedente
ça, definido, como vimos, pelo aumento da intensidade disponível para expropriação (1972, p.22).
de capital, elimina sua potencialidade estabilizadora.
3 Veblen tece uma crítica conjunta tanto à Escola Alemã, ao Liberalismo
oitocentista e ao Marxismo que, de acordo com ele, seriam leituras im-
Uma nova transformação tecnológica ou injeção de pregnadas por um “viés moralista, incompatível com a cientificidade”
liquidez no sistema não mais poderá contar com essa (idem, p.23). Veblen alegava a existência de uma miopia “hedonista”
sobre o progresso e o crescimento a estas três interpretações. O
zona, necessitando, portanto, a incorporação de uma hedonismo liberal é, de certo modo, o mais evidente, posto basear-
nova faixa fronteiriça, assim realimentando o ciclo de se numa doutrina axiológica pautada exclusivamente na normativa
crescimento. utilitário-individualista. Menos evidente, contudo, é sua crítica à
economia marxiana, supostamente marcada por um “hedonismo
pertencido às classes em lugar dos indivíduos […] confundido, aliás,
com um idealismo hegeliano, mediante o uso do conceito de dialética”
Referências
(idem, p.24). Por fim, o rechaço da Escola Histórica Alemã viria de
sua proximidade com o “idealismo romântico europeu oitocentista”
(idem, ibidem).
NEILL, Robin. A new theory of value: the Canadian economics of H.A.
Innis. Toronto: University of Toronto Press, 1972. 4 “A história do avanço civilizacional, portanto, seria essencialmente
uma análise sobre como forças criativas – criativas no sentido bruto de
YOUNG, Liam Cole. Innis’s infrastructure: dirt, beavers, and docu- produtividade técnica – romperam com as amarras que as impediam”
ments in material media theory. Cultural Politics, v. 13, 2, p. 227- (idem, p.24).
249, 2017.

1 Afirma Neil que essa corrente se atrelava, no contexto intelectual


circundante do jovem Innis, à chamada ‘cosmopolita’, também de-
nominada variante canadense da Currency School (idem, p.14)
2 Neill afirma que a noção de excedente tem “sedimentação cultural”,
sendo, portanto, impassível de redução abstrata apriorística. Em
suas palavras: “nem liberais [no original, ‘Price economists’ – JLM]
nem marxianos deram conta de resolver um problema básico da
acumulação: a emergência do excedente. Smith claramente assumiu
a existência de um excedente, passando, em seguida a uma discussão
sobre sua alocação eficiente. Na visão de Marx, esse excedente surgia
no sistema sob a forma apropriativa em consequência da expropriação
dos trabalhadores por parte dos capitalistas. Este era o aspecto da
operação do sistema econômico burguês que ele pensava ser ina-
dequadamente representado no quadro da análise de preços. Esta
presumia uma distribuição primitiva de propriedade, prosseguindo,
então, rumo a uma ingênua elaboração sobre o processo de troca
em que todos teriam um poder de barganha razoavelmente igual. As
trocas possibilitariam níveis ótimos de distribuição de riqueza e de
crescimento. Em momento algum são feitas referências ao nível de (*) Graduado em Ciências Econômicas, doutor em História Econômica
preço dos bens de consumo [‘wage-goods’] e dos salários, excluindo- pela Universidade de São Paulo e pesquisador do Grupo de Pesquisas
se, assim, da discussão os efetivos meios de apropriação do excedente. em Economia Geopolítica da Universidade de Manitoba. É bolsista de
Certamente, Marx expôs uma fraqueza fundamental na teoria liberal pós-doutorado da Mitacs. (E-mail: julio.moraes@usp.br).

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24 temas de economia aplicada

Impacto da Expansão de Vias para Bicicletas Sobre os Preços de


Imóveis no Município de São Paulo
Fábio Lunardi Tieppo (*)
André Luis Squarize Chagas (**)

1 Introdução tivos, como ampliação de linhas de Toronto, San Francisco, Melbourne,


metrô, instalação de corredores de entre outras, já implantaram ciclo-
O trânsito intenso é um dos princi- ônibus, rodízio de veículos e pedá- vias segregadas e investiram em
pais problemas enfrentados pelas gio urbano. Outras ações adotadas estrutura para suportar e incenti-
metrópoles urbanas do mundo; por são no sentido de estimular o cha- var o uso de modais de transporte
este motivo, o tema é amplamente mado “transporte ativo”, caracte- alternativos.
estudado e trabalhado no âmbito rizado pela locomoção por meio de
de planejamento urbano, tanto por bicicleta, caminhada, skate e outros A partir de 2013, o governo munici-
formuladores de políticas públicas equipamentos que utilizam o corpo pal de São Paulo passou a priorizar
e acadêmicos quanto por outros humano como fonte de energia. o investimento do modal ciclovi-
agentes, tais como organizações ário, estabelecendo como meta a
sociais defensoras do meio am- Tais investimentos do governo acar- presença de 400 km de via para
biente e associações de transporte retam uma série de consequências bicicletas, buscando ainda integrar
(cooperativas de táxi, transporta- para a população, não só sob o as faixas ao atual sistema de trans-
doras etc.). ponto de vista de causar trânsito, porte público (Plano de Mobilidade
mas no que concerne à qualidade de São Paulo, 2014).
O congestionamento no trânsito de vida. Essas alterações urbanas,
pode ser visto como uma externali- ao afetarem o conjunto de escolha O presente trabalho tem por obje-
dade negativa, além de aumentar o e/ou a restrição orçamentária dos tivo realizar um estudo crítico e
custo de transporte e, consequen- agentes, podem promover modi- imparcial sobre os efeitos de uma
temente, influenciar na distribui- ficações nos preços dos imóveis e, política pública, utilizando como
ção de preços dos terrenos. Con- consequentemente, na distribuição objeto de estudo as vias segrega-
forme o modelo de Glaeser (2008) da renda e da riqueza. das para bicicleta na cidade de São
– que será discutido na seção de Paulo. Além de contribuir para uma
modelo teórico –, os congestiona- Uma das soluções utilizadas em literatura em desenvolvimento, os
mentos podem causar problemas alguns países é o investimento resultados desta pesquisa também
de saúde na população, como por em estrutura cicloviária. Esse tipo poderão subsidiar, com informa-
exemplo, estresse e doenças re- de estrutura busca fornecer uma ções relevantes, possíveis decisões
lacionadas à poluição (VASCON- solução de transporte alternativo, futuras de policy makers.
CELLOS; LIMA, 1998). reduzindo o uso de automóveis e
buscando uma melhora na quali- A estrutura do trabalho encontra-
A fim de lidar com o problema do dade de vida e no meio ambiente. -se dividida nas seguintes seções:
trânsito, governos adotam medidas Cidades como Portland, Nova York, na segunda seção, referente à re-
de incentivo a transportes alterna- Dublin, Los Angeles, Vancouver, visão teórica, será discutida a lite-

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temas de economia aplicada 25

ratura acerta de modelos urbanos, os métodos utilizados pelos auto- via para bicicletas na qualidade
via para bicicletas, via para bici- res e os benefícios encontrados por de vida da comunidade, é reco-
cletas no município de São Paulo cada um deles. Cavill et al. (2008) mendado avaliar o valor de venda
e estratégias empíricas utilizadas também realizaram análise seme- de localizações próximas à via. A
na literatura. Na seção seguinte, lhante, porém, focando o impacto mensuração de quanto as pessoas
será apresentada a estratégia em- das ciclovias em relação à saúde. estão dispostas a pagar por esta
pírica para identificar os efeitos amenidade pode ser determinada
da via para bicicletas. Na quarta Consoante Krizek (2007), todos os utilizando-se modelos de preços
seção serão apresentadas as bases estudos encontrados na literatura hedônicos que estimam quanto
de dados. Na quinta seção serão apontam que o resultado líquido vale este atributo.
evidenciados e discutidos os resul- dos investimentos é positivo (isto
tados empíricos. é, os benefícios excedem os custos),
recomendando o investimento em 2.1 Vias para Bicicleta na Cida-
de de São Paulo
estruturas de ciclovias. Segun-
2 Revisão da Literatura do sua conclusão, tais resultados
se dão devido ao relativamente O projeto de ampliação de vias
A fim de embasar planejadores baixo custo de investimento para para bicicletas em São Paulo foi
urbanos e formuladores de políti- se construir as estruturas, em con- uma das principais bandeiras po-
cas públicas, alguns estudos vêm trapartida às hipóteses, muitas líticas do governo municipal de
sendo realizados sobre o tema de vezes otimistas, adotadas pelos São Paulo na gestão 2013/2016.
infraestrutura de ciclovias. Krizek autores para calcular o racional Em 2013, a cidade contava com
(2007) elaborou trabalho revisan- de benefícios financeiros futuros, aproximadamente 60 km de vias
do a literatura existente acerca da como por exemplo, hipóteses de exclusivas para bicicletas; após a
temática e, com base nela, propôs redução com custos relacionados priorização do programa por parte
métodos e estratégias para realizar à saúde, absenteísmo e transporte. da prefeitura, houve a criação de
avaliações futuras. Para tanto, ele mais 300 km, somando um total de
comparou 25 estudos diferentes Os benefícios apontados nos di- 360 km até agosto de 2015. O ob-
sobre infraestrutura de ciclovias e versos trabalhos são: mobilidade, jetivo da prefeitura era implantar
seus impactos econômicos. Em sua saúde, segurança, benefícios exter- uma malha de 400 km de via para
pesquisa, procedeu a uma revisão nos, qualidade de vida. bicicletas; desse modo, São Paulo
da literatura e consolidou os prin- tornar-se-ia uma das cidades do
cipais resultados encontrados nos Conforme Krizek et al. (2007), mundo com mais vias exclusivas
trabalhos; as estatísticas incluem a fim de entender o impacto da para bicicletas.

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26 temas de economia aplicada

Figura 1 – Evolução da Quantidade de Km de Vias para Bicicleta em São Paulo

Fonte: CET (2016).

Consoante o plano cicloviário da prefeitura (Plano de uma das mais de 200 vias. Para tal, foram analisadas
Mobilidade de São Paulo, 2014), fica nítido que o obje- fotos – de satélite e no nível da rua – de todas as vias
tivo da prefeitura é, de fato, transformar o uso da bici- cadastradas no arquivo georreferenciado disponibili-
cleta em um modal de transporte viável e seguro para zado pelos órgãos públicos. Empregaram-se critérios
que a população tenha uma alternativa em relação à próprios de similaridade para classificação dos tipos
utilização do automóvel como meio de transporte. de vias para bicicleta. As informações a seguir ilus-
tram as diferentes classificações.
Um ponto a ser discutido sobre as vias para bicicletas
em São Paulo diz respeito à grande diversidade de O tipo mais comum de via para bicicletas construída
tipos de estruturas construídas. Essencialmente, as a partir de 2013 foi aquele constituído de uma faixa
primeiras vias construídas (antes de 2012) eram se- pintada na lateral da rua, possuindo duplo sentido de
gregadas das ruas, possuíam percursos mais longos circulação.
e sua principal função era recreativa. Algumas vias
construídas envolveram outras intervenções urbanas, Parte das vias para bicicletas foi construída em can-
tais como alteração paisagística, na iluminação e na teiros centrais das ruas; são vias de mão dupla e, por
sinalização. Grande parte das recentes vias para bici- serem segregadas da pista, são mais seguras para os
cletas é composta de estruturas mais simples, criadas ciclistas. Um exemplo deste tipo de via pode ser encon-
na lateral das ruas. trado na Avenida Sumaré.

A fim de lidar com essa heterogeneidade, bem como A segunda estrutura mais comum é o tipo classificado
melhorar a qualidade das informações e possibilitar como “estreita”: vias pintadas na lateral das pistas.
um estudo mais criterioso, foi realizado um levan- São estreitas por serem de mão única. Normalmente,
tamento individualizado das características de cada são construídas em ruas/avenidas de maior circula-

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temas de economia aplicada 27

ção, sendo que cada via é construída em um sentido da Diversos estudos utilizam essa metodologia para ex-
pista. Em virtude de as vias serem estreitas e situadas plicar o impacto de alguma variável de interesse no
em uma rua/avenida de maior circulação de veículos, preço de imóveis: Black (1999) utiliza o modelo para
são mais perigosas para os ciclistas. avaliar o impacto da presença de escolas de boa qua-
lidade; Paixão (2009) estuda o impacto da violência
As vias classificadas como “projeto urbanístico” são no preço dos imóveis comerciais de Belo Horizonte;
estruturas que receberam investimento muito supe- já Arraes e Sousa Filho (2008) e também Angelo et al.
rior à média das outras vias para bicicletas, pois en- (2004) fazem uso do modelo para estudar a avaliação
globam, além da ciclovia, outras intervenções urbanas. de imóveis em Fortaleza e em São Paulo, respectiva-
mente.
As ciclovias do tipo “exclusivo” são aquelas que foram
construídas em pista segregada da rua, essencialmen- O modelo usualmente utilizado nos trabalhos do gêne-
te são obras mais antigas e de grandes distâncias; sua ro emprega uma forma linear ou loglinear dos preços,
principal finalidade é o uso recreacional. O exemplo como por exemplo:
mais famoso deste tipo de via é a ciclovia do Rio Pi-
nheiros.

O último tipo de ciclovia é a do tipo “ponte”. São es-
truturas construídas em pontes, sendo, na maioria Em que preço é o valor do imóvel (ou do aluguel), X é
dos casos, as que cruzam os rios Pinheiros e Tietê. Em um vetor de características do imóvel (como número
alguns casos, estas ciclovias estão isoladas do restante de quartos, banheiros etc.), Z é um vetor de carac-
da rede de via para bicicletas, tornando difícil o seu terísticas da vizinhança (acessibilidade, área verde,
acesso e uso. criminalidade etc.), dummie é a variável de interesse
que será estudada – no caso, o impacto da via para
bicicletas na valoração do imóvel urbano.
3 O Modelo
A forma mais usual encontrada na literatura para
3.1 Estratégia Empírica expressar a relação entre preços e atributos é a es-
pecificação semilogarítmica da equação (visto que o
A fim de investigar os efeitos econômicos das vias para preço dos imóveis segue uma distribuição lognormal)
bicicletas, será estudado o impacto das vias no que (AGUIRRE; FARIA, 1997). Porém, na literatura existem
tange aos preços dos imóveis. Um método recorrente modelos que utilizam formas lineares, logarítmicas,
na literatura para se abordar este tipo de problema é semilogarítmicas inversas, quadrática, entre outras.
o modelo de preços hedônicos. Esse modelo pressupõe
que o preço do imóvel é formado por uma série de ca- Quanto à utilização de preço do imóvel ou valor do
racterísticas que são desejadas (ou indesejadas) pelos aluguel, conforme resultado encontrado por Aguirre e
consumidores, sendo que cada característica possui Faria (1997), o preço dos imóveis apresenta correlação
uma valoração intrínseca (reflexo das preferências significativa com o valor do aluguel e, consequente-
dos consumidores); regredindo o preço do imóvel em mente, seria irrelevante qual variável de resposta es-
função de seus atributos, espera-se encontrar a contri- colher na regressão (preço ou aluguel), haja vista que
buição de cada atributo para o preço total. os resultados serão similares.

agosto de 2017
28 temas de economia aplicada

Aliado à modelagem de preços hedônicos, neste tra- pesquisador. Em muitos casos, a especificação será
balho testar-se-á um modelo de diferenças em dife- consequência direta do modelo teórico. Caso não seja
renças. Esse modelo mede o efeito do tratamento que possível, as especificações deverão ser testadas empi-
está sendo estudado (no caso, a presença de via para ricamente a fim de verificar qual se adequa melhor ao
bicicletas). A vantagem deste estimador é que ele pode estudo. No presente trabalho, por construção do mo-
ser usado tanto com dados em painel como em dados delo e da base de dados disponível, a especificação que
de cross-section repetidas (quando dados em painel melhor se enquadra é o modelo com efeitos aleatórios.
não se encontram disponíveis) (CAMERON; TRIVEDI,
2005). O pacote “plm”, desenvolvido por Millo e Croissant
(2008) e disponível no software R, calcula o modelo de
A configuração ideal para se realizar o estudo proposto painel com efeitos aleatórios e é a principal referência
neste trabalho seria uma base de dados do tipo painel; de rotina computacional em R para lidar com este
desse modo, seriam controlados os efeitos fixos de modelo.
tempo e de espaço. Porém, como a base de dados de
preço de imóveis não possui os dados do mesmo imóvel Incluindo no modelo a estrutura de diferenças em
através do tempo, uma solução seria utilizar um modelo diferenças e considerando um painel com efeitos alea-
de painel com efeitos aleatórios e controlar para o efeito
tórios, o modelo de preços hedônicos para se estimar o
da região em que o imóvel está localizado.
impacto das vias para bicicletas no preço dos imóveis
será da seguinte forma:
Enquanto o modelo de efeitos fixos (Yit = αi + βXit + εit)
trata os αi ’s como variáveis aleatórias não observadas
e correlacionadas com algum Xit , o estimador de efei-
tos aleatórios (Yit = αi + βXit + uit) considera o erro com-
binado, isto é, uit = νi + εit , e pressupõe que νi é iid com
variância σ²ν e que εit é iid com variância σ²ε.

Conforme Angrist e Pischke (2009), o modelo de “efei-



tos aleatórios” é uma alternativa para a especificação
do modelo de efeitos fixos. Esse modelo assume que uit = νi + εit; νi ~ N(0, σ² ν); εi ~ N(0, σ² ε).
α i é não correlacionado com os regressores. Como a
variável omitida no modelo de efeitos aleatórios não Em que preço é o preço do imóvel, m² é a área útil do
é correlacionada com os regressores incluídos, não imóvel, xik representa as características estruturais
existe viés em ignorá-lo; de fato, ele se torna parte do do imóvel, tais como área, número de quartos, etc., zim
resíduo. A consequência mais importante do modelo representa as características do ambiente, como aces-
de efeitos aleatórios é que os resíduos para uma dada sibilidade, segurança e saúde, ef i e eti são variáveis de
pessoa são correlacionados entre os períodos. Um de- efeito fixo para espaço e tempo. Dum é a variável a ser
talhamento sobre o modelo pode ser encontrado em estudada.
Wooldridge (2002).
A hipótese a ser testada é H0: θ = 0, ou seja, a via para
De acordo com Clark e Linzer (2015), para se definir bicicletas não altera o valor do imóvel, contra H1: θ ≠
a escolha entre qual modelo usar, deve-se, primeira- 0, isto é, a presença de via para bicicletas altera o valor
mente, verificar o modelo teórico considerado pelo do imóvel.

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temas de economia aplicada 29

4 Base de Dados de dados mais adequada para a cios de imóveis cadastrados, com
análise em questão. O DataZap, em- o período se iniciando em janeiro
A fim de se determinar as variáveis presa de inteligência de mercado e de 2012. A própria base já possuía
que comporão o vetor Z (de carac- parceira do Zap Imóveis, forneceu cadastrados os dados referentes
terísticas do ambiente), a literatura acesso aos dados de imóveis e à às características estruturais dos
fornece extenso material sugerido. estrutura necessária para o desen- imóveis e a sua posição georrefe-
Além disso, outro modo natural de volvimento do presente trabalho. renciada. Por meio de software de
escolher os parâmetros é enten- georreferenciamento, foi possível
der a cesta que compõe a função Nesta base, cada anúncio relaciona o associar as informações das ca-
utilidade de um habitante comum. preço com as seguintes informações racterísticas do ambiente (previa-
Consoante pesquisa do Institu- do imóvel: quantidade de dormitó- mente coletadas de outras fontes
to Datafolha (2014), as principais rios, quantidade de vagas de gara- externas) com os imóveis; também
preocupações dos brasileiros são: gem, quantidade de suítes, metra- foi possível calcular a distância de
saúde, segurança, emprego, educa- gem, quantidade de banheiros, preço cada imóvel até a via mais próxima
ção e transporte. Logo, é natural do condomínio, data de cadastro da destinada a bicicletas.
que estes parâmetros sejam consi- oferta, CEP, latitude, longitude, ende-
derados no modelo. reço e idade da construção. Com o mapeamento completo das
informações, foi realizada uma
Usualmente, esses parâmetros cos- Buscando maximizar o tamanho aleatorização para definir a nova
tumam ser incluídos nos modelos da amostra, foi escolhido utilizar amostra, bem como foi sorteado
deste tipo. Outros parâmetros de no modelo os dados de imóveis re- um imóvel de cada zona para cada
preços hedônicos utilizados na lite- sidenciais cadastrados para venda. mês; o período considerado foi o de
ratura brasileira são: lazer, qualifi- No município de São Paulo, para janeiro de 2012 até julho de 2016.
cação de nobreza do bairro, limpeza o período entre janeiro de 2012 Apesar do município de São Paulo
e julho de 2016, a amostra conta- estar dividido em 320 zonas, al-
e saneamento, densidade populacio-
va com 630 mil imóveis. Como os gumas delas não possuem imóveis
nal, renda, corredor comercial, ver-
imóveis são georreferenciados, é cadastrados para venda. Tal fato se
ticalização, acessibilidade, distância
possível associar as informações
ao CBD, taxa de homicídios, entre deve a características próprias de
dos imóveis com as características
outros. (PAIXÃO, 2009; ARRAES; cada região, como por exemplo, a
ambientais da região em que estes
SOUSA FILHO, 2008). zona referente ao Parque do Ibira-
estão localizados.
puera e ao Aeroporto de Congonhas
A base de dados mais completa não possuem imóvel à venda, pois
Foram utilizados os seguintes dados
sobre preço dos imóveis é o site circunscrevem uma área em que
de controles ambientais: equipa-
de classificados Zap Imóveis. Essa não é permitida a construção e co-
mentos de cultura, educação, saúde,
base possui a vantagem de dispor mercialização de imóveis residen-
renda média, densidade de automó-
de dados extremamente atuali- ciais. Desse modo, das 320 zonas,
veis, densidade de empregos, densi-
zados, em razão de os cadastros 17 não apresentaram imóveis. Tam-
dade de trens e metrôs e inclinação.
serem atualizados diariamente. O bém, em alguns casos, não foi pos-
site possui 4,4 milhões de cadastros sível relacionar imóveis em todos
de imóveis, sendo estes comerciais 5 Resultados os períodos para uma mesma zona;
ou residenciais, além de anúncios como consequência, a amostra con-
de preços de aluguel e venda. Desse A base de dados de imóveis disponi- siste em um painel desbalanceado,
modo, esta é provavelmente a base bilizada contava com 630 mil anún- englobando 11.995 imóveis.

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30 temas de economia aplicada

Tabela 1 - Resultados Considerando o Inverso da Distância Até a Via

Fonte: Elaboração própria.

A fim de calcular o modelo, foi utilizado o software tando um efeito geral da política. As colunas da direita
R. Conforme discutido anteriormente, o pacote “plm” apresentam a quebra por tipo de via, de acordo com
(MILLO; CROISSANT, 2008) executa a rotina de acordo a classificação proposta pelo presente pesquisador
com o modelo construído para este trabalho. A Tabela (apresentada em seção anterior).
1 mostra os resultados obtidos. Nesta primeira análi-
se, foram utilizados dois controles para a distância da Todos os dados de controle apresentaram resultados
via: uma variável que considera o inverso da distância de acordo com o esperado na literatura.
do imóvel até a via (1/d); e outra variável que consi-
dera esse mesmo parâmetro elevado ao quadrado (1/ Quanto ao efeito das vias, primeiramente, tem-se que
d²). As três colunas da esquerda mostram o resultado o efeito de inclinação não apresentou resultado esta-
ao se considerar as vias de forma agregada, apresen- tisticamente significativo. Seria possível questionar se

agosto de 2017
temas de economia aplicada 31

em regiões íngremes o uso da bicicleta seria prejudica- cia inverte e a via passa a valorizar o imóvel. A partir
do, porém, o resultado encontrado não mostrou efeito do pico da distribuição, a valorização é decrescente
da inclinação nos preços. em função da distância; após 200 metros, o efeito é
praticamente desprezível.
Considerando o efeito global das vias, tanto o parâ-
metro de primeiro grau (1/d) quanto o de segundo A Figura 2, a seguir, mostra o efeito considerando-se
grau (1/d²) apresentaram resultados estatísticos sig- os diferentes tipos de estruturas.
nificativos. Seu resultado deve ser analisado de forma
conjunta. Pode-se notar que, independentemente do tipo de via,
todas apresentam uma curva de distribuição com
Para regiões próximas da via prevalece o efeito de formato semelhante, nas quais, em regiões muito pró-
segundo grau, ou seja, para imóveis muito próximos, a ximas, existe uma tendência de desvalorização; após
via é prejudicial. Porém, a partir de uma distância re- alguns metros, o imóvel passa a ser valorizado e esta
lativamente pequena (menos de 10 metros), a tendên- valorização passa a ser decrescente.

Figura 2 - Efeito dos Diferentes Tipos de Vias no Preço dos Imóveis

Fonte: Elaboração própria.

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32 temas de economia aplicada

A via do tipo “comum” (em verme- Este fator é esperado, visto que tes ao modelo anterior e dispensam
lho no gráfico), por representar além da via para bicicletas foram comentários mais aprofundados.
a maior parte da amostra, possui realizadas diversas outras obras Quanto às vias, com a nova especi-
uma curva semelhante ao efeito para melhorar a via. ficação, o tipo “Projeto Urbanísti-
geral. A via do tipo “Canteiro Cen- co” passou a ser significativamen-
tral” (em azul no gráfico) valoriza Finalmente, a curva do tipo “Es- te estatístico e o tipo “Exclusiva”
mais os imóveis do que a do tipo treita” (em verde pontilhado no deixou de sê-lo. Este segundo re-
comum, apresentando uma curva gráfico) apresenta um resultado sultado já era esperado, visto que
com formato semelhante. Essas curioso: além de não ser estatisti- a amostra para regiões próximas
duas especificações são as que camente significativa, seus valores desse tipo de estrutura é mínima.
apresentaram resultados mais sig- são próximos de zero. Diferente-
nificativos estatisticamente. mente da via “Projeto Urbanístico”, Interessante ainda notar que a
neste caso, a amostra de imóveis via de tipo “Projeto Urbanístico”,
A curva do tipo “Exclusiva” (em é grande, portanto, caso houvesse mesmo tendo sua amostra reduzi-
laranja no gráfico) apresenta seu algum efeito, este deveria aparecer da, apresentou resultados estatis-
ponto máximo em distância muito no resultado. Consequentemente, ticamente significativos. Todas as
superior às demais (cerca de 50 não se pode concluir que, de fato, vias que apresentaram resultados
m); tal fato ocorre devido às ca- este tipo de via não possui influên- significativos tiveram como res-
racterísticas da via e da amostra. cia alguma no preço dos imóveis. posta que a via valorizou o preço
Conforme apresentado em seções dos imóveis, sendo que a de “Pro-
anteriores, este tipo de via é carac- Estatisticamente, o ponto de má- jeto Urbanístico” valorizou quase o
terizado justamente por ser afas- ximo é maior do que zero (dmax > 0) dobro quando comparada à do tipo
tado das vias principais e, por essa com 99% de certeza. “comum”. Faz-se mister destacar
característica, não existem imóveis que, novamente, o valor absoluto
residenciais próximos da via desti- Dado que no intervalo da região de valorização não deve ser con-
nada a bicicletas, consequentemen- próxima à origem ocorrem simul- siderado literalmente; a literatura
te, a curva é distorcida pela própria taneamente os efeitos de desva- aponta que o uso de variáveis bi-
amostra. Também é por este moti- lorização e valorização, a fim de nárias neste tipo de modelo pode
vo que o nível de significância esta- testar qual efeito se sobrepõe foi levar a uma extrapolação do resul-
realizado um teste consideran- tado.
tística é inferior (entre 5% e 10%).
do uma especificação diferente.
A curva do tipo “Projeto Urbanísti- Ao invés de se utilizar o inverso 6 Conclusão
co” (em roxo pontilhado no gráfico) da distância, foi definida uma re-
não apresentou resultados signifi- gião de proximidade de 10 metros A construção de vias segregadas
cativamente estatísticos, porém, a (superior ao ponto de máximo da e estruturas para bicicletas é uma
amostra de imóveis para este tipo maioria das vias) e utilizada uma tendência nas grandes cidades do
de via foi bastante reduzida, ou variável dummie que atribui valor mundo no começo do século XXI.
seja, a falta de significância prova- 1 se o imóvel está próximo da via, e Isto se dá como tentativa de redu-
velmente se deve a este fato. Im- 0 caso contrário. zir o tráfego de carros, de fornecer
portante notar, porém, que a curva uma forma alternativa de trans-
de valorização desse tipo de estru- Os resultados de todos os controles porte e de fomentar meios susten-
tura é muito superior às demais. apresentaram respostas semelhan- táveis de locomoção.

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temas de economia aplicada 33

A implantação desse tipo de estru- dados de imóveis – fornecida por formuladores de políticas públicas
tura na cidade de São Paulo foi in- um site de classificados de imóveis ao definir o tipo de estrutura a ser
centivada a partir do ano de 2012, – e diversos controles, tanto de construída, considerando não ape-
por meio de uma política pública variáveis estruturais dos imóveis nas o gasto do investimento por
municipal. Anteriormente a essa como ambientais (saúde, educação, parte do governo, mas também o
política, o perfil de ciclistas paulis- renda, emprego, entre outras). benefício social que será gerado.
tanos apresentava características
típicas de locais com pouquíssima Como resultado das regressões,
utilização de bicicletas. Ou seja, encontrou-se que as vias para bi- Referências
menos de 0,5% das viagens eram cicleta valorizaram o preço dos AGUIRRE, A.; FARIA, D. A utilização de
realizadas com esse modal, e o per- imóveis. Sendo assim, a política “preços hedônicos” na avaliação social de
projetos. Revista Brasileira de Economia,
fil de usuário era majoritariamente pública gerou um resultado posi-
v. 51, n. 3, p. 391-411, 1997.
formado por homens jovens e com tivo para as áreas em que houve a
intervenção. Outro resultado inte- ANGELO, C. F. et al. Modelos de preços
renda baixa.
hedônicos para a avaliação de imóveis
ressante é que o tipo de estrutura comerciais. Revista de Economia e Ad-
O objetivo principal do presente valoriza os imóveis de diferentes ministração, v. 3, n. 2, p. 97-110, abr./
trabalho foi justamente estudar maneiras, a saber: quanto mais jun. 2004.
o efeito da construção das vias sofisticadas forem as vias, maior ANGRIST, J. D.; PISCHKE, J. Mostly Harmless
segregadas para bicicletas sobre é a valorização. Porém, as vias es- Econometrics: an empiricist’s companion.
o preço dos imóveis e, destarte, treitas construídas em avenidas Princeton: Princeton University Press,
avaliar se tal política pública gerou movimentadas não alteraram os 2009.

amenidades positivas ou negativas preços dos imóveis, indicando que ARRAES, R. A.; SOUSA FILHO, E. Externali-
para a sociedade (ou ainda, se não nestes casos a política não trouxe dades e formação de preços no mercado
imobiliário urbano brasileiro: um estudo
causou efeito algum). resultado.
de caso. Economia Aplicada, São Paulo, v.
12, n. 2, p. 289-319, abr./jun. 2008.
Os tipos de estruturas construídas Os resultados obtidos por meio
BAUM-SNOW, N.; KAHN M. E. The effects
estão longe de serem homogêneos; desse trabalho podem contribuir of urban rail transit expansion: evidence
foram desenvolvidas desde vias tanto para a literatura sobre eco- from sixteen cities, 1970-2000. Brookings-
luxuosas (como a da Avenida Faria nomia e mobilidade urbana quanto Wharton Papers on Urban Affairs, p. 147-
Lima) até vias improvisadas, de para orientar políticas públicas 206, 2005.
modo que apenas foi pintada uma governamentais. No caso do mu- BLACK, S. E. Do better schools matter? Pa-
faixa vermelha sobre ruas esbu- nicípio de São Paulo, a criação de rental valuation of elementary education.
vias incentivou o uso desse modal The Quarterly Journal of Economics, v. 114,
racadas. Em vista disso, uma das
n. 2, p. 577-599, may 1999.
preocupações desta pesquisa foi (ainda que sua utilização seja baixa
analisar cada via individualmente quando comparada com as outras CAMERON, A. C; TRIVEDI, P. K. Microecono-
metrics methods and applications. Cam-
e classificá-la de acordo com suas formas de transporte), bem como
bridge University Press, 2005.
características. ajudou a democratizar o uso da
CAVILL, N. et al. Review of transport eco-
bicicleta e valorizou o preço dos
nomic analyses including health effects
A fim de calcular empiricamente imóveis próximos às vias, indican- related to cycling and walking. Transport
o efeito, foi utilizado um modelo do que essa política pública gerou Policy, v. 15, n. 5, p. 291-304, 2008.
de preços hedônicos considerando uma amenidade positiva para a CEM/CEPID. Centro de Estudos da Metró-
um painel com efeitos aleatórios. sociedade. Esses resultados tam- pole. Centros de Pesquisa, Inovação e
O trabalho utilizou uma base de bém podem ser utilizados pelos Difusão. 2016. Disponível em: <http://

agosto de 2017
34 temas de economia aplicada

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Oxford University Press. cap. 2. 2008. p. 18-46. WOOLDRIDGE, J. Introdutory econometrics: a modern approach. 2.
______; et al. Why do the poor live in cities? The role of public trans- ed. Mason: South-western College Pub, 2002.
portation. Journal of Urban Economics, v. 63, n. 1, p 1-24, 2008.
GOOGLE EARTH. Google Earth, 2017. Disponível em: <https://www.
google.com.br/intl/pt-BR/earth/>. Acesso em: jan./mar. 2017.
KRIZEK, K. J. Estimating the economic benefits of bicycling and
bicycle facilities: an interpretive review and proposed methods.
In: COTO-MILLÁN, P.; INGLADA, V. (Eds.) Essays on Transportation
Economics, Physica-Verlag Heidelberg, 2007. p. 219 - 248.
KRIZEK, K. J. et al. Analysing the benefits and costs of bicycle facili-
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METRÔ-SP. Companhia do Metropolitano de São Paulo. Pesquisa
Origem Destino, 2007. Disponível em: <http://www.metro.sp.gov.
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_______. Pesquisa Origem Destino, 2012. Disponível em: <http://www.
metro.sp.gov.br/metro/numeros-pesquisa/pesquisa-mobilidade-
urbana-2012.aspx>. Acesso em: 01 set. 2016.
MILLO, G.; CROISSANT, Y. Panel Data Econometric in R: the plm
Package. Journal of Statistical Software, California, v. 27, n. 2, p. (*) Mestre em Economia pela FEA/USP.
1-43, jul. 2008. (*) Doutor em Economia e professor da USP.

agosto de 2017
temas de economia aplicada 35

Relatório de Indicadores Financeiros1


Núcleo de Economia Financeira da USP – nefin-FEA-USP (*)

Em 02/jan/2012 foram (teoricamente) investidos R$ em ações de empresas com alta razão “valor contábil-
100 em quatro carteiras long-short tradicionais da -valor de mercado” e vendida em ações de empresas
literatura de Economia Financeira. O Gráfico 1 apre- com baixa razão; (4) Carteira Momento: comprada em
senta a evolução dos valores das carteiras. (1) Carteira
ações de empresas vencedoras e vendida em ações de
de Mercado: comprada em ações e vendida na taxa de
juros livre de risco; (2) Carteira Tamanho: comprada empresas perdedoras. Para detalhes, visite o site do
em ações de empresas pequenas e vendida em ações NEFIN, seção “Fatores de Risco”: <http://nefin.com.br/
em empresas grandes; (3) Carteira Valor: comprada risk_factors.html>.

Gráfico 1 – Estratégias de Investimentos (Long - Short) (02/01/2012 - 11/08/2017)

Tabela 1

 
Tamanho Valor Momento Mercado
 
Semana 0,12% 0,02% -0,51% 0,30%
Mês Atual -0,36% 1,69% 0,37% 1,64%
Ano Atual 25,37% 8,95% 13,32% 6,86%
2010-2017 -43,04% -31,11% 323,20% -35,07%

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36 temas de economia aplicada

O Gráfico 2 apresenta a evolução histórica do dividend são ao risco), quando os investidores exigem retorno
yield do mercado acionário brasileiro: razão entre o esperado alto para investir no mercado, e baixa em
total pago de dividendos nos últimos 12 meses pelas momentos bons. A Tabela 2 apresenta o inverso do di-
empresas e o valor total das empresas hoje. Essa é vidend yield, conhecido como Razão Preço-Dividendo,
tradicionalmente uma variável estacionária (rever- de algumas empresas. Ordenam-se os papéis da última
te à média) e é positivamente correlacionada com o semana de acordo com essa medida e reportam-se
retorno futuro esperado dos investidores. Ou seja, é os papéis com as dez maiores e dez menores Razões
alta em momentos ruins (de alto risco ou alta aver- Preço-Dividendo.

Gráfico 2 – Dividend Yield da Bolsa (01/01/2009 - 11/08/2017)

Tabela 2

  Dez Maiores Dez Menores


 
  Papel Preço-Dividendo Papel Preço-Dividendo
 
1. DTEX3 877,15 ESTC3 11,72
2. LAME4 400,11 BBSE3 15,73
3. MGLU3 395,12 CESP6 18,36
4. ANIM3 266,68 TUPY3 20,18
5. MYPK3 240,50 ITSA4 20,34
6. GGBR4 227,84 BRSR6 22,78
7. CVCB3 213,43 FLRY3 22,84
8. TIMP3 180,12 MPLU3 23,32
9. NATU3 176,87 ECOR3 23,59
10. RADL3 154,53 GRND3 24,86

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temas de economia aplicada 37

O Gráfico 3 apresenta a evolução histórica do short in- empresa. O short interest do mercado, apresentado no
terest do mercado acionário brasileiro e a taxa média gráfico, é a média (ponderada por valor) dos short in-
de aluguel de ações. O short interest de uma empresa terest individuais. A Tabela 3 reporta os cinco maiores
é dado pela razão entre a quantidade de ações em alu-
short interest individuais e taxas de aluguel da semana
guel e a quantidade de ações outstanding da empresa.
Mede assim o estoque de vendas a descoberto reali- passada, tanto em nível como primeira diferença (no
zadas com as ações da empresa, tendendo a ser maior caso deste último, são excluídos os papéis que tiveram
em momentos de expectativa de queda no valor da variação negativa).

Gráfico 3 – Mercado de Aluguel de Ações (01/01/2013 - 11/08/2017)

Tabela 3

  Cinco Maiores da Semana


 

  Short interest Taxa de Aluguel


 
1. USIM5 7,79% MGLU3 34,37%
2. ELPL4 7,32% PRML3 32,93%
3. GOAU4 7,17% FJTA4 28,74%
4. POMO4 6,20% RSID3 24,42%
5. EVEN3 6,16% PDGR3 19,83%

  Variação no short interest Variação na taxa de aluguel


 
1. MOVI3 0,77% FJTA4 16,94%
2. EVEN3 0,70% CTNM4 4,81%
3. VALE3 0,43% ADHM3 4,58%
4. BEEF3 0,38% IDNT3 4,23%
5. IRBR3 0,38% OGXP3 4,07%

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38 temas de economia aplicada

O IVol-BR é um índice de volatilidade futura esperada O Gráfico 4A apresenta ambas as séries. O Gráfico
para o mercado acionário brasileiro. É derivado do 4B apresenta a diferença entre o índices, apurando
comportamento dos preços de opções sobre o IBOVES- assim a evolução da incerteza especificamente local.
PA. Já o VIX® é o índice de volatilidade futura espera- Para detalhes, visite o site do NEFIN, seção “IVol-Br”:
da para o mercado americano calculado pela CBOE®. <http://nefin.com.br/volatility_index.html>.

Gráfico 4 – Volatilidade Forward-Looking (01/08/2011 - 31/07/2017)

1 O NEFIN não se responsabiliza por qualquer dano ou perda oca-


sionados pela utilização das informações aqui contidas. Se desejar
reproduzir total ou parcialmente o conteúdo deste relatório, está
autorizado desde que cite este documento como fonte.
O Nefin agradece à FIPE pelo apoio financeiro e material na elaboração
deste relatório.
2 VIX® e CBOE® são marcas registradas da Chicago Board Options
Exchange. (*) <http://nefin.com.br/>.

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economia & história: relatos de pesquisa 39

eh

O Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto: Descaso com a


Memória e o Patrimônio Histórico da “Califórnia” Brasileira
Luciana Suarez Lopes (*)

No último mês de julho, dando com a segurança de quem conviveu rialista com quem muito aprendi, e
prosseguimento à pesquisa sobre com o Arquivo desde os primeiros após seu falecimento, vi seu acervo
os escravos velhos na expansão momentos de sua organização, pessoal ser incorporado ao patri-
cafeeira do oeste paulista, estive ainda no início da década de 1990. mônio público.
no Arquivo Público e Histórico de
Ribeirão Preto. Para minha sur- Naquela época, o Arquivo funcio- Presenciei também, já no início dos
presa, a instituição estava de “casa nava no andar superior da Casa da anos 2000, as negociações com o
nova”, desde o final do ano passado Cultura, no Alto do Morro de São poder judiciário para a transfe-
em um prédio na região central Bento, quando essa cedia parte rência de um grande número de
da cidade, bem próximo da atual de seus espaços para a Câmara processos antigos, na época em que
Prefeitura e da antiga Casa da Câ- dos Vereadores, cuja nova sede este reorganizava seu sistema de
mara e Cadeia. A nova localização encontrava-se em construção. A arquivos, terceirizando a guarda
é mais ampla e facilitou o acesso do partir daí, acompanhei de perto a e a custódia dos documentos para
público em geral, principalmente primeira mudança de prédio e os uma empresa com sede em Jundiaí.
daqueles dependentes do transpor- esforços de todos os funcionários
te público. para que o acervo tomasse a forma Posso dizer que tenho uma dívida
de um verdadeiro Arquivo. impagável com esse acervo, pois
Todavia, antes de continuar esse foi graças a ele que pude dar os pri-
meu relato de pesquisa, um escla- Durante minhas pesquisas, já na meiros passos de minha carreira
recimento é necessário. Aqui se nova sede, tive o privilégio de con- acadêmica. Foi nele que descobri
encontra manifestada uma opinião viver quase que diariamente com o o que era ser pesquisadora e o que
pessoal, opinião que manifesto sr. Pedro Miranda, dedicado memo- era fazer história econômica a par-

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40 economia & história: relatos de pesquisa

tir de documentos aparentemente atualmente lá estão, faltam mate- mento de posse que falte a muitos
desconexos. E foi nele que realmen- riais básicos, como estantes para agentes públicos. O Arquivo é de
te conheci minha cidade e apren- alojar desde caixas de documentos todos, e por todos deve ser cuidado.
di a importância de se preservar até livros raros. Grande parte da
os fragmentos da história. Sendo organização que existia se perdeu
assim, feitas essas devidas consi- durante a mudança. Funcionários
derações, darei prosseguimento a antigos − profundos conhecedores
esse depoimento. do acervo e que poderiam auxiliar
na sua reorganização − se foram,
A antiga sede − uma casa alugada transferidos ou aposentados.
no bairro conhecido como Jardim
Paulista, próximo do Morro do São Existem salas que mais parecem
Bento − estava em más condições. depósitos; fontes importantes em-
Goteiras, infiltrações e vazamen- poeirando sem organização em
tos estavam colocando em risco a cima das estantes. Documentos
preservação do acervo. Há muito se únicos que pesquisei no passado
discutia a necessidade de uma nova não foram mais localizados. Plani-
sede, possivelmente um dos vários lhas e bancos de dados com infor-
prédios públicos desocupados, ou mações sobre séries documentais,
ainda algum prédio histórico que perdidas. Computadores que antes
pudesse ser restaurado e ocupa- serviam de apoio à pesquisa estão
do. Todavia, as negociações nunca desmontados e com componentes
chegaram a alcançar os resultados internos faltando.
pretendidos.
Muitos encontram-se cientes dessa
Nesse ínterim, as condições da casa situação e estão se organizando.
no Jardim Paulista continuaram a No entanto, espera-se que o poder
se deteriorar; funcionários se apo- público faça sua parte e dê con-
sentaram e outros foram transferi- dições para que a antiga situação
dos. Não podendo mais funcionar desse importante acervo histórico
nas condições em que se encontra- possa ser restaurada.
va, organizou-se a mudança: um
novo prédio, alugado, no centro da E com essas palavras, encerro esse
cidade. depoimento. Um relato de pesquisa
diferente dos demais aqui já publi-
De fato, a nova sede é maior e não cados, motivado, sem dúvida, pelo
apresenta os problemas de infraes- forte vínculo que ainda guardo
trutura da anterior. Contudo, ainda com a instituição e com os docu-
que a t ransferência do acer vo mentos por ela preservados. Cos-
tenha se concretizado, as condições tumo me referir a eles como “meus
de pesquisa que encontrei estão documentos”, “meus processos”,
(*) Professora Doutora do Departamento
longe de serem as ideais. Apesar “meus inventários”; enfim, é o “meu de Economia da FEA/USP.
dos esforços dos funcionários que arquivo”. Talvez seja esse senti- (E-mail: lslopes@usp.br).

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