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Psicologia: Teoria e Prática

1999, 1(1): 19-23

CONSIDERAÇÕES SOBRE O EMPREGO DA PSICOTERAPIA BREVE


PSICODINÂMICA.
Maria Leonor Espinosa Enéas
Universidade Presbiteriana Mackenzie e
Núcleo de Estudos e Pesquisa em Psicoterapia Breve

Resumo: O artigo apresenta algumas considerações gerais sobre diferentes aspectos da


psicoterapia breve psicodinâmica, incluindo sua origem, desenvolvimento e aplicações, tanto as
referentes às condições do indivíduo quanto as implicações sociais. Enfatiza a importância da
teoria da técnica, a qual confere à psicoterapia breve seu caráter específico, e também a
possibilidade de atender, científica e eticamente, a carência de serviços adequados à demanda da
população.
Palavras-chave: Psicoterapia Breve, Indicação Terapêutica, Aplicação Social.

CONSIDERATIONS ABOUT USING BRIEF PSYCHODYNAMIC


PSYCHOTHERAPY.

Abstract: The article presents some general considerations about different brief psychodynamic
psychotherapy issues, including its origin, development and applications, for the individual
conditions as well as social implications. The report emphasizes the importance of the theory of
technique, which provides to brief psychotherapy with its specific characteristic, as well as the
report refers to the possibility of brief psychotherapy in assisting properly the population, meeting
the needs of the required services in a scientific and ethic way.
Keywords: brief psychotherapy, therapeutic indication, social aplicability.

Atualmente, é possível constatar Em 1904, Freud já constatava que


um envolvimento genuíno dos “existem muitos meios e modos de
profissionais de saúde e, até mesmo da praticar a psicoterapia. Todos os que
população em geral, com as questões de levam à recuperação são válidos. (...) Não
saúde mental ou, ainda, com a promoção desprezo nenhum desses métodos e
de uma adequada qualidade de vida e empregaria todos, em circunstâncias
prevenção de transtornos de ordem apropriadas.”(Freud, 1904:269). Em seus
emocional. Dentro deste panorama, a primeiros trabalhos, Freud, tanto quanto
psicologia verificou um grande seus pacientes, tinha o objetivo de livrar o
crescimento de sua atuação. Um indivíduo de seus sintomas e fazê-lo
instrumento já bastante desenvolvido e conquistar a alegria de viver. Desta
difundido nesse tipo de trabalho é a forma, estes tratamentos foram
psicoterapia breve. Contudo, ainda é concluídos em um tempo, hoje,
possível observar posições e comentários, considerado curto. Alguns
mesmo dentre profissionais da área, que contemporâneos de Freud seguiram seus
demonstam considerar a psicoterapia passos na busca da cura dos males
breve uma alternativa menor no contexto emocionais. Ferenczi e Rank usaram as
das psicoterapias. Neste sentido, o descobertas da psicanálise, já naquela
objetivo deste artigo é oferecer algumas época, para encontrar uma forma de
considerações sobre a psicoterapia breve, abreviar o tratamento, atendendo às
suas origens e desenvolvimento, demandas específicas dos pacientes.
aplicações e fundamentação da técnica.

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Contudo, aquelas previsões, feitas expandiu-se para a Noruega (Heiberg,


tão precocemente pelo pai da psicanálise, 1975) e outros países do mundo,
tiveram seus desdobramentos efetiva e destacando na América Latina a
mais amplamente praticados apenas Argentina (Kesselman, 1970; Fiorini,
quatro décadas depois, quando as 1973) e o Brasil (Knobel, 1986; Simon,
necessidades, geradas pela Segunda 1983). Desta forma, o movimento das
Grande Guerra, exigiram um atendimento psicoterapias breves vem crescendo desde
mais pronto a um maior número de seu início, tanto pelo aumento de seus
pessoas. Neste momento, as tentativas adeptos e praticantes, quanto pela
feitas, até então, por Ferenczi e Rank, ampliação de suas possibilidades de
para abreviar e intensificar o método atendimento.
clássico, ganharam uma nova perspectiva O desenvolvimento destas
e novo alento. Em 1946, Alexander e propostas levou a uma diminuição da
French publicaram o que viria a ser ênfase sobre os critérios de indicação e a
considerado, posteriormente, o “marco uma preocupação maior com a
inicial” da psicoterapia breve participação do terapeuta no processo e
psicodinâmica, fruto de anos de pesquisa com a capacidade do paciente em
no Instituto de Psicanálise de Chicago. estabelecer um bom relacionamento
Este trabalho proporcionou o surgimento terapêutico (Messer e Warren, 1995). Esta
de muitas propostas de técnicas tendência ampliou as possibilidades de
psicoterápicas de tempo mais breve que atendimento das técnicas breves.
visavam, neste primeiro momento, Modificando a pretensão inicial de
objetivos tidos como ambiciosos, pois resolver os conflitos nucleares de
pretendiam a resolução do que era pacientes neuróticos, esta nova
chamado o “conflito nuclear” (Malan, perspectiva permitiu o atendimento de
1976). Em função destas propostas houve, qualquer indivíduo que pudesse
principalmente nos EUA, o estabelecer uma boa aliança de trabalho
desenvolvimento de programas de com o terapeuta, procurando solucionar
pesquisa objetivando, essencialmente, a mesmo aspectos limitados de sua
comprovação da eficácia de diversas problemática.
formas de tratamento psicoterápico, O mencionado desenvolvimento
mormente, as formas mais abreviadas de das psicoterapias breves levou a propostas
psicoterapia psicodinâmica e a diversas quanto à duração, estruturas,
especificação da população que melhor táticas, objetivos e mesmo focos
poderia beneficiar-se desses métodos. diferentes e múltiplos. Contudo, seus
Tratava-se do aperfeiçoamento dos aspectos específicos e definidores
critérios de seleção (Bergin, 1971). permanecem sendo “um conjunto de
Esta necessidade não foi sentida fatores técnicos que incluem a limitação
apenas pelos norte americanos, de forma de objetivos, a manutenção do foco e o
que também em outros países foram uso terapêutico do tempo” (Koss, Butcher
realizadas tentativas de empregar um & Strupp, 1986:60). A implicação, daí
método eficaz e abreviado de tratamento decorrente, é que uma terapia que tenha
psicoterápico, visando atender, a um curta duração não será necessariamente
tempo, necessidades de ordem econômica breve, a menos que circunscreva o
e de urgência na obtenção de respostas. problema a ser trabalhado, visando à
Inicialmente, mais restrito à Inglaterra obtenção de um objetivo específico e que
(Malan, 1976), Canadá (Davanloo, 1978) empregue os recursos técnicos e a
e Suiça (Gilliéron, 1983), o movimento duração temporal de forma articulada, a

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Considerações sobre o emprego da
Psicoterapia Breve Psicodinâmica

fim de dar um sentido coerente ao 1996). Tudo isto decorre também do


processo terapêutico. significativo empenho das pesquisas
Com relação ao envolvimento do durante este período (Yoshida, 1997), que
paciente no trabalho terapêutico, é sabido proporcionaram o desenvolvimento de
da importância de uma participação uma teoria da técnica psicoterápica de
financeira. Portanto, o custo de um tempo limitado, permitindo articular
tratamento abreviado mostra-se mais recursos terapêuticos de forma a conduzir
acessível a um número maior de pessoas. eficazmente o tratamento, visando desde
Mesmo para tratamentos financiados por alívio de sintomas até melhoras mais
agências governamentais ou convênios de duradouras de padrões relacionais,
saúde, a brevidade pode ser mais anteriormente, desadaptados, ampliando
exeqüível e, consequentemente, levar a as indicações das psicoterapias de tempo
uma ampliação da população atendida, limitado. Em conseqüência disto, tornou-
significando uma economia de dinheiro se viável atender diversos tipos de
público e um ganho social. É preciso problemas, desde situações críticas
considerar ainda as expectativas dos circunstanciais, previsíveis ou não,
indivíduos quanto a um objetivo desencadeadas por fatores externos, até
específico do tratamento psicoterápico, problemas emocionais menos atuais, para
em função tanto do ritmo mais acelerado os quais, anteriormente, apenas eram
da vida atual quanto de suas condições recomendados tratamentos de longa
pessoais para realizar um trabalho que duração. Assim, é possível contar,
demanda auto-observação. Muitos têm atualmente, com um instrumento dos mais
problemas de ordem emocional, mas nem importantes na assistência à saúde mental,
todos apresentam as condições que instrumento este que, partindo de uma
costumam ser exigidas para um avaliação inicial do funcionamento da
tratamento psicoterápico: habilidade para personalidade do indivíduo e das
lidar com conceitos abstratos, capacidade circunstâncias de seu meio, possibilita um
de introspecção, desejo de fazer planejamento de intervenções que possam
mudanças significativas em sua maneira trabalhar um aspecto específico do
de viver, entre outras (Simon, 1981). O problema diagnosticado, visando um
que se observa em situações como esta é objetivo limitado, quando comparado a
um descompasso entre a expectativa do um tratamento sem prazo determinado.
paciente quanto ao problema que espera Conhecer os conflitos do indivíduo e suas
ser mudado e o treinamento do terapeuta relações com o contexto de sua
para “promover o desenvolvimento total” existência, viabiliza o diagnóstico do que
do indivíduo. Em tais casos parece mais seria a “situação problema” (Simon,
condizente oferecer um tratamento sério 1983) que está vivenciando. Além disso,
que contemple as necessidades do permite ao terapeuta hierarquizar as
indivíduo de forma satisfatória para intervenções necessárias, de forma a
ambos (Enéas, 1993). favorecer o estabelecimento de objetivos
Estes foram alguns dos motivos limitados. O que muda, basicamente, em
que impulsionaram o crescimento das relação ao método psicoterápico mais
psicoterapias breves em diversas partes tradicional é a maior participação do
do mundo, inclusive no Brasil. Considera- terapeuta, tanto ao investigar o problema,
se que este movimento está entrando quanto na intervenção e na manutenção
agora em sua quarta geração de autores do foco da atenção de ambos os
proponentes de técnicas e de métodos participantes sobre o aspecto a ser
psicoterápicos (Coelho Filho e Enéas, trabalhado.

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Maria Leonor Espinosa Enéas

Malan (1980) já havia criticado a “recursos” como livros, ligações


posição passiva assumida por Freud telefônicas e tantas outras formas de
diante dos obstáculos apresentados pelos Auto-ajuda correspondendo ao chamado
pacientes pois, segundo ele, isto levou ao ético de minimizar o sofrimento psíquico
prolongamento da análise, além de do ser humano.
diminuir a evidência da efetividade
terapêutica. Malan, como outros autores,
está convencido de que é importante Referências Bibliográficas:
fundamentar a compreensão do ser
humano nos ensinamentos de Freud,
contudo, enfatiza a necessidade de ALEXANDER, F.; FRENCH, T.M.
desenvolver métodos terapêuticos que (1946). Terapeutica psicoanalitica:
sejam aplicáveis à grandes proporções da principio y aplicacion. Trad. Luis
população. Ele considera ainda que o Fabricant. Buenos Aires: Paidós,
desenvolvimento de tais métodos 1956.
terapêuticos traria vantagens de ordem BERGIN, A.E. (1971). The evaluation of
prática, de melhor verificação científica e, therapeutic outcomes. In: BERGIN,
a mais importante, humanitária, pois, A.E.; GARFIELD, S.L.,eds.
segundo suas contundentes palavras, “a Handbook of psychotherapy and
miséria crônica causada pela doença behavior change: an empirical
psiconeurótica é talvez menos dramática e analysis. New York, Advisory Board,
óbvia do que a causada por muitas Ca: 7:.217-270.
doenças físicas crônicas, mas não é COELHO FILHO, J.G.; ENÉAS, M.L.E.
menos real. O valor de possuir um (1996). Psicoterapia breve
método de terapia que substituirá segura e psicodinâmica: um percurso de 50
permanentemente tal miséria por anos. Psiconews, 5, ano II:4.
felicidade, criatividade e realização não DAVANLOO, H. (1978). Basic
necessita sublinhar-se.” (Malan, 1980:23). principles and techniques in short-term
Desta forma, as psicoterapias dynamic psychotherapy. Northvale:
breves psicodinâmicas têm se consolidado Jason Aronson, 1994.
como uma alternativa válida e eficaz no ENÉAS, M.L.E. (1993). O critério
tratamento psicológico em diversos motivacional na indicação de
contextos. Como bem lembrado por psicoterapias breves de adultos.
Yoshida (1993), “a psicoterapia breve não Dissertação (Mestrado) - Pontifícia
deve ser entendida como uma alternativa Universidade Católica de Campinas.
de ‘segunda linha’, nem uma panacéia 105p.
aplicável à todas as situações” (Yoshida, FIORINI, H.J. (1973). Teoria e técnica de
1993:32), e, sendo bem aplicada, pode psicoterapias. Trad. Carlos Sussekind.
representar uma oportunidade de 5.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
atendimento eficaz para casos atualmente 1982.
desatendidos ou que aguardam FREUD, S. (1904). Sobre a psicoterapia. In:
desnecessariamente uma terapia de longa Edição Standard Brasileira das Obras
duração. Além disso, este tipo de ajuda, psicológicas completas de Sigmund Freud.
cientificamente fundamentado, responde Direção da Trad. Jayme Salomão. v.7. 1
ed. Rio de Janeiro: Imago, 1972:265-278.
mais prontamente à expectativa do
GILLIÉRON, E. (1983). As psicoterapias
paciente, constituindo-se na solução breves. Trad. Vera Ribeiro. Rio de
oferecida pela psicologia às inúmeras Janeiro: Zahar, 1986.
buscas da população, que conta com

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Considerações sobre o emprego da
Psicoterapia Breve Psicodinâmica

HEIBERG, A. (1975). Indications for


psychotherapy in a psychiatry clinic
population: a survey. Psychotherapy &
Psychosomatics 26 (3):156-166.
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STRUPP,H.H. (1986). Brief
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Clinical Psychology, 54 (1):60-67.
MALAN, D.H. (1976). As fronteiras da
psicoterapia breve. Trad. Lais Knijnik
e Maria Elisa Z. Schestatsky. Porto
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MALAN, D.H. (1980). The most
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YOSHIDA, E.M.P. (1997). Pesquisa
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SEGRE,C.D. org.
Psicoterapia breve. São Paulo:
Lemos:63-283.

Contatos: Universidade Presbiteriana Mackenzie 23


Faculdade de Psicologia
Departamento de Psicologia Clínica – Prédio 14 – 1º andar
Rua Itambé, 145 – Higienópolis
01239-902 São Paulo - SP
Maria Leonor Espinosa Enéas

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