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25/3/2018 A vulgarização do termo “preconceito”

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jusbrasil.com.br
25 de Março de 2018

A vulgarização do termo “preconceito”

Escrito em 29-07-2014

Roberto Flávio Cavalcanti (*)

INTRODUÇÃO

Atualmente, a mera atitude de diferenciar seres humanos pelos mais diversos


critérios, é logo tachada de “preconceito”, um “chavão” recorrente a fim de se pôr
termo a discussões, grosso modo, de profundeza moral.

Todavia, o que se denota nesses nossos dias é a vulgarização do termo, o qual


passou por um deslocamento semântico perdendo completamente seu significado
etimológico.

https://rcavalcanti.jusbrasil.com.br/artigos/557948140/a-vulgarizacao-do-termo-preconceito 1/10
25/3/2018 A relevância em abordar-se o temaA projeta-se
vulgarização na
do termo
forte“preconceito”
tendência política
imprimida pelos nossos governantes em se combater preconceitos de toda ordem,
inclusive com crescentes interferências na esfera criminal, ameaçando certas salva-
guardas individuais.

Exemplo disso é que a nossa própria Constituição Federal invoca em seu


preâmbulo a ausência de preconceitos como uma diretriz suprema (artigo 3º inciso
IV), empregando o termo como sinônimo de discriminação, no objetivo de
expurgar a prática da sociedade.

Todavia, ao contrário da discriminação, que pode ser punida de forma casuística, o


preconceito não deve ser passível de pena, como haveremos de demonstrar.

O QUE É PRECONCEITO?

Etimologicamente, o preconceito significa um “conceito ou opinião formada


antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos. Calcado no
francês préconçu"[1].

Trata-se o preconceito de um juízo pré-concebido, uma idéia não muito


amadurecida sobre determinado objeto. Esta idéia formulada sem muita segurança
encontra-se em estado de tensão com um conceito. É um estado de tensão, pois
não há segurança ainda firme na formulação desta idéia. O que caracteriza o
preconceito é justamente isso: ao contrário da ciência, conhecimento certo e
seguro, o preconceito é conhecimento inseguro. Mas nem por isso deixa de ser
conhecimento.

Preconceitos pertencem ao âmago do ser humano, constituindo-se em reações


instintivas, fundadas em cálculos mentais praticamente instantâneos. A diferença
do “preconceito” para a “discriminação” consiste no fato de o preconceito ser
abstrato, enquanto a discriminação é concreta, colocando o preconceito em ação.
Com efeito, o preconceito é uma atitude geralmente defensiva, pouco facultativa,
que se abre em momentos de escolhas rápidas e decisivas, não estando no domínio
da razão ponderada. São cálculos psicossociais geralmente automáticos, sem
sopesada reflexão, guiados em regra pela experiência.

Não se pode confundir preconceito com antipatia, ódio, aversão, intolerância. É


bem verdade que um preconceito pode gerar antipatia, ódio, aversão e
intolerância, como também pode gerar seu inverso. Obviamente, é possível, sob o
véu de um preconceito, encobrir todos esses sentimentos. Porém, tal atitude, além
de ser inteiramente subjetiva, não é por si capaz de desfigurar o significado do
termo. Por exemplo: uma determinada tese pode muito bem soar como absurda,
mas nem por isso “tese” significa “absurdo”. Não é porque um carro possa ser
usado como arma que vou chamar um carro de arma. Carro não é arma, mas um
veículo de locomoção. A conduta é que pode ser degenerada, como ocorre,
semelhantemente, com o mau uso do preconceito. Assim, completamente
equivocada a idéia de fazer do termo “preconceito” sinônimo de antipatia, ódio,
aversão ou intolerância.
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25/3/2018 Em suma, os preconceitos refletemA uma
vulgarização do termo “preconceito”
idéia enraizada, moralmente neutra, que
só pode ser provada na prática como verdadeira ou falsa, uma vez pertencerem ao
domínio abstrato dos sentimentos.

PRECONCEITOS RAZOÁVEIS

Um exemplo de preconceito razoável é aquele dirigido em desfavor do cão pitbull.


Pela experiência somos ensinados a evitá-los, pois geralmente são cães agressivos e
perigosos. Isso não significa que todos os cães desta raça sejam perigosos, mas
devido a um histórico numeroso de casos que faz a sua má fama, é perfeitamente
razoável que os evitemos. Sendo assim, determinados preconceitos podem ser
razoáveis quando norteados pela prudência.

O Professor de Lógica, John Grier Hibben, explicou que nem sempre o


preconceito é um julgamento não-razoável. Segundo ele, o preconceito é
simplesmente um julgamento não-pensado. Um julgamento não-razoável,
prossegue, é, obviamente, contrário à razão e, portanto, a própria razão deve
repudiá-lo. Mas o julgamento que é simplesmente não pensado pode provar-se no
curso dos eventos ser eminentemente razoável, e como tal até em sua forma não
pensada pode servir a um propósito mais útil em nosso pensamento[2]. Como ele
destaca brilhantemente:

“Esses julgamentos são absolutamente indispensáveis na economia de nossa vida


mental. Se nós excluíssemos todos os julgamentos que não são acompanhados por
uma prova satisfatória de sua validade, um desperdício tremendo de tempo e
energia inevitavelmente resultaria. Por isso é uma lei fundamental de nossa
atividade intelectual que o processo da razão pelo qual nós chegamos em certas
conclusões freqüentemente perdem-se da memória: mas as conclusões
mesmas permanecem como um permanente depósito de
conhecimento.”[3] [GRIFAMOS]

Ora, o ser humano não é nem um computador nem um ser infalível. O ser humano
não tem a capacidade de armazenar por toda vida todo tipo de conhecimento a
ponto de comunicar somente conceitos cirurgicamente precisos. Caso as decisões
do ser humano fossem guiadas apenas por conceitos totalmente exatos, as próprias
ciências humanas e sociais seriam inviabilizadas, estaríamos numa utopia
racionalista e os seres humanos não seriam mais humanos, mas computadores ou
deuses.

Logo, a medida da razoabilidade de um preconceito exteriorizado é que deve servir


como parâmetro de sua constitucionalidade, o que se discutirá a seguir.

PRECONCEITOS IMPOSTOS POR LEI INFRACONSTITUCIONAL

Obviamente que o preconceito não se pauta na precisa racionalidade, pois, do


contrário, deixaria de ser pré-conceito para assumir a qualidade de “conceito”.

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25/3/2018 Todavia, o fato de um preconceito Anão
vulgarização do termo
revestir-se “preconceito”
de certeza, não significa que eles
possam ser destituídos de razoabilidade, sendo fundamental frisar que a
Constituição Federal somente veda os preconceitos arbitrários.

Ora, a legislação infraconstitucional é pródiga em exemplos de preconceitos de


diversos tipos. A começar pelo Código Penal.

Conforme se constata da leitura do caput do art. 59 do Código, as circunstâncias a


serem analisadas pelo magistrado para aplicação de pena são:" a culpabilidade, os
antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as
circunstâncias e conseqüências do crime, bem como o comportamento da vítima
".

Assim, caso a pessoa tenha antecedentes criminais, isso ensejará por parte do juiz
um tratamento discriminatório, implicando num pré-julgamento (preconceito)
legal em função do que esta pessoa fez no passado, mesmo que tal conduta não
tenha qualquer conexidade com o objeto de sua nova capitulação. É o chamado
“direito penal do autor”, que não deixa de ser baseado no preconceito, porém de
forma razoável, tendo em vista seu caráter pedagógico.

Mais um exemplo de preconceito encontramos no parágrafo único do art. 137 da


Lei nº 8.112/90, de constitucionalidade duvidosa, porque, no caso, aplica uma
pena de caráter perpétuo.

Afirma o dispositivo que não poderá retornar ao serviço público federal o servidor
que for demitido ou destituído do cargo em comissão por crime contra a
administração pública e corrupção. Assim, caso um servidor tenha sido punido há
15 anos por um ato de corrupção, nunca mais poderá voltar ao serviço público.

Outro exemplo está na lei falimentar (Lei nº 11.101/2005), pois, de acordo com seu
artigo 48, quem quer que exerça regularmente suas atividades há mais de 02 (dois)
anos não poderá requerer recuperação judicial caso tenha sido condenado em
qualquer dos crimes previstos na lei (inciso IV).

Ora, fica evidente tratarem-se de preconceitos estabelecidos por lei em desfavor de


pessoas portadoras de antecedentes, funcionando como um plus no apenamento
em razão de comportamento pregresso. Todavia, nada – a não ser a existência do
próprio preconceito – garantirá que tais pessoas assumirão no futuro
comportamento inidôneo que justifique o tratamento discriminatório por tais
comandos normativos. O que ocorre é que tais preconceitos orientam-se pela
prudência e não pelo arbítrio, sendo totalmente razoáveis e, portanto,
constitucionais neste tocante.

Poderíamos citar centenas de outros preconceitos presentes no ordenamento


infraconstitucional e que nunca tiveram sua constitucionalidade questionada, visto
que a vedação constitucional aos preconceitos somente se aplica aos preconceitos

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25/3/2018 A vulgarizaçãocláusulas
arbitrários, ou seja, àqueles que estabeleçam do termo “preconceito”
de tratamento iníquas, cujo
fator de desequiparação “não guarda relação de pertinência lógica com a
disparidade de regimes outorgados”[4].

O PORQUÊ DA DEMONIZAÇÃO DO “PRECONCEITO”

Feitos tais esclarecimentos, notamos existir um preconceito errôneo enraizado nas


mentes de boa parte do povo com o termo “preconceito”. É o preconceito ao
“preconceito”.

Seguramente, “preconceito” transformou-se no vício por excelência nesta nova


ordem cultural igualitária. A emergência desta “nova ordem” massificou a idéia
ética do “ter” ou “não ter preconceito” como novo paradigma das relações
humanas. Acusar alguém de “preconceito” é projetar-lhe o mal; verdadeira heresia
da sociedade contemporânea. Incorrer em “preconceito” tornou-se sinônimo de
“praticar o mal”.

Richard Weaver identifica nas doutrinas de Moscou as fontes e origens da


grande pressão para erradicar o “preconceito”.[5] Segundo este estudioso, os
militantes comunistas fazem isso para produzir um ceticismo social generalizado
para que, logo a seguir, possam impor uma reconstrução dogmática no mundo.[6]
Ele afirma, igualmente, que o objetivo destes comunistas é reduzir o povo a uma
massa disforme, removendo aquelas distinções que são a expressão desta idéia[7],
sejam elas de ordem econômica, moral, social ou estética[8].

Constata-se no combate frenético ao preconceito, portanto, uma genuína guerra à


tradição; uma hostilidade aos costumes tradicionais, visando apagar os seus
vestígios a serem suplantados por uma nova sociedade: a sociedade igualitária;
sem classes, regida por ausência de toda sorte de distinções.

John Grier Hibben destaca que amamos ou detestamos alguém pelos seus
preconceitos. Extrair os preconceitos de alguém é fazê-lo um depósito de lugares-
comuns. A personalidade, segundo o Professor Hibben, é a projeção de nossos
preconceitos. Remova os preconceitos e o indivíduo é diluído na multidão. Caráter
sem um traço de preconceito é insípido e um homem assim tomado perde
intensidade de convicção[9].

Em conclusão, a idéia engendrada de privar a sociedade de preconceitos acaba por


transformar a sociedade numa massa composta de nulidades: cidadãos covardes,
débeis, sem espírito criativo, reprodutores de lugares-comuns. A ideologia
igualitária subjacente a uma sociedade sem preconceitos transforma o povo numa
massa inane e a pessoa num mero fragmento (“indivíduo”) deste aglomerado:

“O nome de indivíduo, ao contrário, é comum ao homem e ao animal, à planta, ao


micróbio, ao átomo. E ao passo que a personalidade repousa sobre a substância
da alma humana... a individualidade se funda como tal, nas exigências próprias
à matéria, princípio de individuação... Como indivíduos, somos apenas um
fragmento da matéria... cujas leis sofremos. Como indivíduos, somos sujeitos aos
https://rcavalcanti.jusbrasil.com.br/artigos/557948140/a-vulgarizacao-do-termo-preconceito 5/10
25/3/2018 A vulgarização
astros. Como pessoas, dominamo-la. do termo “preconceito”
O individualismo moderno é um equívoco,
um qui-pró-quó: a exaltação da individualidade fantasiada de
personalidade...”[10]

As diferenciações de ordem moral desaparecem, pois a ética da igualdade passa a


encadear as relações humanas. Eis então uma sociedade sem virtude, sem brilho e
sem heroísmo.

Como acentua o Professor Hibben, “se a natureza humana fosse privada do


preconceito, os épicos da moralidade nunca seriam escritos.”[11] O escritor
Thedore Dalrymple afirma que:

“O homem sem preconceitos, ou especialmente, o homem que se declara como tal,


é um homem que fica apavorado de ser pensado primeiro dogmático, e segundo,
tão fraco de mente, tão desprovido de individualidade e poder mental, que não
pode pensar por si mesmo. Por suas opiniões, ele tem que retroceder em
fragmentos de sabedoria, ou mais propriamente insensatez, que constitui o
preconceito.”[12]

Como a sociedade que combate os preconceitos, guerreia a experiência e a


tradição, trata-se de uma sociedade em processo de infantilização, pois, no
momento em que for chamada a tomar decisões rápidas e impensadas, descartará
a experiência por considerá-la “conhecimento precário”. Pela ausência de
experiência, a criança escolherá sempre a mesma coisa, a coisa que lhe seja mais
imediatamente atrativa ou gratificante, porém não necessariamente a melhor para
si. Assim, uma sociedade sem preconceitos é uma sociedade previsível e mais
facilmente governável. Em outras palavras, mais fácil de ser domesticada e
enganada.

PRECONCEITO PERTENCE À NATUREZA HUMANA

Pertencendo o preconceito ao domínio abstrato dos sentimentos, portanto ao


âmago do ser humano, a conduta a ser punida só pode ser a “discriminação
injusta”, que degenera o preconceito numa aplicação desarrazoada.

Criminalizar o preconceito é destruir um domínio natural do ser humano, apenas


pelo fato de o homem ser animal dotado de racionalidade, o que é uma imputação
mais do que exorbitante, mas anti-natural.

Preconceitos constituem normas extraídas da experiência humana, o que, aliás,


também ocorre com diversos outros animais, como é o caso da experiência de
Pavlov. Quando não estão em desacordo com a reta-razão, não desnaturam sua
qualidade, pois o homem não detém a onisciência divina, nem é um computador
para atuar conceitualmente cem por cento do seu tempo.

Preconceitos, portanto, completam a personalidade, que não se limita a aspectos


substancialmente racionais.

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25/3/2018 A vulgarização
Criminalizá-lo é tão abusivo e arbitrário como do termo “preconceito”
criminalizar sentimentos como o
choro, a raiva, a dor e o riso.

O princípio da alteridade no direito penal veda a incriminação do pensamento


(pensiero non paga gabella). Como assinala Fernando Capez:

“O direito penal não se presta a punir pensamentos, idéias, ideologias,


nem o modo de ser das pessoas, mas, ao contrário, fatos devidamente
exteriorizados no mundo concreto e objetivamente descritos e
identificados em tipos legais.

(...)

Não pode castigar meros pensamentos, idéias, ideologias, manifestações


políticas ou culturais discordantes, tampouco incriminar categorias de pessoas.
Os tipos devem definir fatos, associando-lhes penas, e não estereotipar
autores”[13] [GRIFAMOS]

Prossegue o autor dizendo que:

“Silva Franco lembra que, ‘no Estado Democrático de Direito, o simples respeito
formal ao princípio da legalidade não é suficiente. Há, na realidade, ínsito nesse
princípio, uma dimensão de conteúdo que não pode ser menosprezada nem
mantida num plano secundário. O Direito Penal não pode ser destinado, numa
sociedade democrática e pluralista, nem à proteção de bens desimportantes, de
coisas de nonada, de bagatelas, nem à imposição de convicções éticas ou morais
ou de uma certa e definida moral oficial, nem à punição de atitudes
internas, de opções pessoais, de posturas diferentes.’”[14] [GRIFAMOS]

Com efeito, o preconceito não é um dado substancialmente racional, mas nem todo
dado que não seja substancialmente racional é irracional, ou seja, contrário à
razão. Basta ser ordenado para ser ideologicamente racional, embora não
substancialmente.

Exemplo disso é que sentimentos de repulsa ao mal e de satisfação com o bem são
perfeitamente ordenados, e por isso são racionais – não substancialmente – mas
ideologicamente.

Tudo aquilo que se opõe à reta-razão é anti-natural, mas o preconceito não é,


aprioristicamente, contrário à razão. Quando no curso dos eventos o preconceito se
demonstra correto, passa a ser ideologicamente racional, e, por conta disso,
perfeitamente razoável.

Infelizmente, nossos legisladores não são dados a profundas meditações, o que


seria exigível de um múnus de tamanha responsabilidade. Quando não são dotados
de indigência intelectual, estão sempre imbuídos de indolência mental, dando-se
mais satisfeitos pelo volume de proposições apresentadas do que propriamente
pela qualidade destas produções.
https://rcavalcanti.jusbrasil.com.br/artigos/557948140/a-vulgarizacao-do-termo-preconceito 7/10
25/3/2018 A vulgarização
O resultado é a concretização de várias do termo “preconceito”
leis desastrosas, entre as quais as que
buscam punir o preconceito, violando a própria natureza humana.

Ora, se o preconceito é natural e intangível por estar no recôndito da alma de cada


ser humano, encontra-se selado no domínio da intimidade, que é protegida pela
mesma Constituição, em seu artigo 5º, inciso X.

Por conta disso, o artigo 1º[15] e o caput do artigo 20[16] da Lei 7.716/89 devem
ser interpretados conforme a Constituição Federal, pois são literalmente
inexeqüíveis, já que visam punir não apenas discriminações como também
preconceitos.

Assim, o preconceito não pode e nem deve ser punido em função de uma
vulgarização semântica incorporada à legislação.

Inversamente à ausência de sustentabilidade lógica à criminalização do


preconceito, o apenamento da “discriminação” é humanamente possível, desde que
esta discriminação seja injusta. A regra de ouro, antes de tudo, é verificar se existe
correlação lógica entre o fator de desequiparação entre os regimes outorgados a
cada parte.

EXEMPLO DE EXORBITAÇÃO DO IGUALITARISMO

Há praticamente 03 (três) anos uma família sentiu-se atingida por conduta de


certo vendedor de uma concessionária BMW, no Rio de Janeiro, pelo fato de ter
supostamente “expulsado” filho negro de casal branco das dependências do
estabelecimento.

Não se sabe ao certo se o caso acabou parando na polícia, e se o vendedor acabou


respondendo civil ou criminalmente pela conduta. O fato é que o caso tomou
maiores proporções, com a família repercutindo o caso nas redes sociais e
ganhando as páginas de grandes veículos de imprensa. Os pais adotivos do menino
acabaram lançando a campanha no Facebook “Preconceito racial não é mal
entendido”, como noticiado pelo Jornal O Globo a seguir:

“‘Essa loja não gosta de crianças, mãe?’ A pergunta, feita por um menino negro
de apenas 7 anos, comoveu os pais, Priscilla Celeste e Ronald Munk, que, atônitos,
assistiram a um vendedor expulsar seu filho de dentro de uma concessionária
BMW, na Barra. O vendedor ‘desavisado’ não sabia que a criança era o filho do
casal de cor branca, que entrara ali para comprar um carro maior para a
família. Numa reação ao que consideraram um ato de racismo, os pais lançaram
a campanha no Facebook ‘Preconceito racial não é mal entendido’, que em poucos
dias conseguiu apoio de mais de dez mil internautas. Eles querem que a
concessionária faça uma retratação pública e que se comprometa a criar
procedimentos que possam evitar os ‘impulsos’ de funcionários que ainda tenham
o preconceito racial enraizado em suas reações.” [17]

https://rcavalcanti.jusbrasil.com.br/artigos/557948140/a-vulgarizacao-do-termo-preconceito 8/10
25/3/2018 A vulgarização
A situação criada pelo vendedor, ainda do termodesconfortável
que bastante “preconceito” para todos os
envolvidos, tratou-se de um visível mal entendido.

Certamente que o vendedor em questão retirou o menino da loja por já ter


experimentado casos similares de meninos de cor pedindo ou vendendo balas em
estabelecimentos comerciais, o que, havemos que considerar, é realidade
corriqueira numa cidade como o Rio de Janeiro. Nesta cidade, os negros,
lamentavelmente compõem uma maioria esmagadora de meninos de rua, sendo
fato que não pode ser desprezado ao julgarmos a reação do vendedor. Desta forma,
embora seu preconceito tenha sido errôneo, não foi irracional. Ora, o vendedor não
é um ser onisciente que julga situações rápidas como se fosse Deus, adivinhando
todo histórico da criança. Errar por engano não é o mesmo que errar por malícia,
pois todos os seres humanos são falíveis. O vendedor enganou-se justamente por
ter preconceitos, como todos nós seres humanos também temos.

CONCLUSÃO

Enfim, muito embora o preconceito tenha sofrido evidente deslocamento


semântico, trata-se tão somente de conduta abstrata e neutra de pré-julgar sem o
amparo decisivo da razão, geralmente em situações emergenciais, provando-se
apenas como correto ou equivocado na prática.

A medida da constitucionalidade de um preconceito é sua razoabilidade. Exemplo


disso são os diversos preconceitos incorporados à legislação infraconstitucional
cuja validade nunca foi questionada no Judiciário.

A demonização em si dos termos “preconceito” e “discriminação” é obra de uma


revolução igualitária, que tende a desfigurar o bem jurídico “igualdade” num
monstro, em detrimento do bem jurídico “liberdade”, mais consentâneo à
estrutura democrática de Estado concebida pela Constituição de 1988.

Enquanto o “preconceito” não é passível de ser criminalizado por situar-se no


domínio interno do ser humano, o apenamento da “discriminação” é
humanamente possível, desde que se concretize em manifestações desprovidas de
razoabilidade e justiça.

Referências:

[1] Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Antônio Geraldo da Cunha, p.


629

[2] HIBBEN, John Grier. A Defense of Prejudice and other essays. Charles
Scribner’s Sons. p. 02.

[3] Idem. pp. 02-03


https://rcavalcanti.jusbrasil.com.br/artigos/557948140/a-vulgarizacao-do-termo-preconceito 9/10
25/3/2018 A vulgarização
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Conteúdodo termo “preconceito”
Jurídico do Princípio da
Igualdade. 3ª Edição, São Paulo, Malheiros, 2008, p. 47-48.

[5] WEAVER, Richard. Life Without Prejudice and other essays. Henry Regnery
Company. p. 02.

[6] Idem.

[7] Ibidem, p. 03.

[8] Idem.

[9] HIBBEN, John Grier. A Defense of Prejudice and other essays. Charles
Scribner’s Sons. p. 13.

[10] ATAÍDE, Tristão de, “Política”, Editor Getúlio Costa, 3ª Ed., 1939, p. 20

[11] Idem, 15.

[12] DALRYMPLE, Theodore. In Praise of Prejudice. Brief Encounters. p. 04.

[13] CAPEZ, Fernando, Direito Penal, 16ª Ed., Volume 1, Ed. Saraiva, São Paulo,
2012, pp. 44

[14] Ibidem, p. 64

[15]“ Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de


discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
(Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)”

[16] Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça,


cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de
15/05/97)

[17] Disponível em <http://oglobo.globo.com/rio/família-faz-campanha-no-


facebook-contra-preconceito-7379006> Acesso em 19/04/2016

(*) Advogado militante e Jornalista

Disponível em: http://rcavalcanti.jusbrasil.com.br/artigos/557948140/a-vulgarizacao-do-termo-preconceito

https://rcavalcanti.jusbrasil.com.br/artigos/557948140/a-vulgarizacao-do-termo-preconceito 10/10

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