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1. INTRODUÇÃO
2. A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE E DA POSSE, SEGUNDO O
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
3. A DESAPROPRIAÇÃO DE BEM IMÓVEL NÃO REGISTRADO
3.1. A possibilidade de desapropriação da posse, e sua valoração
3.2. A impossibilidade de desapropriação apenas da posse, quando o imóvel estiver
registrado
3.3. As possíveis consequências para o ente desapropriante, ao desapropriar a posse
3.4. Considerações sobre a ação judicial de desapropriação, nos casos em que o bem não
é registrado
3.5. Considerações sobre os casos em que o bem é registrado, porém o proprietário não
foi citado para responder à ação de desapropriação
3.6. Registro da desapropriação de bem imóvel não registrado
4. CONCLUSÕES
1. INTRODUÇÃO
O Poder Público fica então em situação bastante difícil: indenizar ou não, pela
via administrativa, a posse de imóvel não registrado? Pagá-la tendo como parâmetro o valor
integral da propriedade? Ajuizar contra quem a ação judicial?
A propriedade foi incluída pelo Código Civil no rol dos direitos reais (artigo
1.225), e, por tal motivo, a sua transmissão por ato entre vivos só tem eficácia erga omnes
após registro do título no Cartório de Registro de Imóveis (v. artigo 1.227).
Para os fins específicos a que se propõe este trabalho, melhor é adotar a postura
de FARIAS e ROSENVALD1:
Entendemos que, para além da concepção de posse como relação de fato ou mera
exteriorização de um direito de propriedade, as normas que tutelam a posse são a ela
direta e imediatamente dirigidas. Portanto, a posse é um direito subjetivo dotado de
estrutura peculiar.
1
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais, 6a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2009, p. 32.
necessariamente ligada à existência de algum título.
há ainda uma terceira esfera da posse, que se afasta das duas concepções
patrimoniais tradicionais acima descritas. Cuida-se de uma dimensão possessória
que não se localiza no universo dos negócios jurídicos que consubstanciam direitos
subjetivos ou obrigacionais. Trata-se de uma posse emanada exclusivamente de uma
situação fática e existencial, de apossamento e ocupação da coisa, cuja natureza
autônoma escapa do exame das teorias tradicionais.
Para o objeto deste trabalho, importa cuidar unicamente desta terceira acepção
de posse, desvinculada de relações jurídicas obrigacionais ou reais com o proprietário. Isso
porque apenas nesta última pode cogitar-se a inexistência de registro – e, consequentemente,
de proprietário.
O simples fato de a posse não estar incluída no Título referente aos direito reais
(Título II do Livro III) já dá um forte indicativo quanto às diferenças entre ela e o instituto da
propriedade.
Por tal motivo,“O expropriado que detém apenas a posse do imóvel tem direito
a receber a correspondente indenização.”3.
Entretanto, muito embora indenizável, seu valor não deve ser o mesmo da
2
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 769.731/PR. Brasília, 8 de maio de 2007.
3
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.261.328/BA. Brasília, 6 de abril de 2010.
desapropriação do domínio4:
Além disso, tal percentual de sessenta por cento deve servir apenas como
parâmetro, válido para os casos gerais. Em situações excepcionais, não há como negar que a
posse pode ser avaliada em percentual superior – quando, por exemplo, a posse é antiga,
pacífica e notória, tendo o condão de permitir a declaração de usucapião –, ou inferior –
4
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 77.624/PR. Brasília, 20 de junho de 1996.
5
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 538/PR. Brasília, 3 de maio de 1993.
quando é recente, e/ou sem qualquer espécie de título negocial.
3.2. A impossibilidade de desapropriação apenas da posse, quando o imóvel estiver
registrado
Como síntese óbvia sobre o assunto, tem-se que, se o ente desapropriou apenas
a posse, e não a propriedade, ele deverá ser tido como possuidor, e não como proprietário.
Com isso, por exemplo, tornar-se-á frágil a defesa do ente público, caso seja
alegada usucapião, posteriormente, por particular; os óbices constitucionais à usucapião de
bens públicos (artigo 183, § 3o, e 191, par. único, da Constituição da República) referem-se
unicamente à propriedade, e não à posse.
Ainda no que diz respeito à posse, o ente público possuidor poderá socorrer-se
unicamente das medidas oferecidas pelo 926 do Código de Processo Civil, tendo como
fundamento o artigo 1.210 do Código Civil, uma vez que sua posse será jus possessionis6:
Tal direito é chamado jus possessionis ou posse formal, derivado de uma posse
autônoma, independentemente de qualquer título. É tão somente o direito fundado
no fato da posse (possideo quod possideo) que é protegido contra terceiros e até
mesmo o proprietário. O possuidor só perderá o imóvel para este, futuramente, nas
vias ordinárias. Enquanto isso, aquela situação será mantida. E será sempre mantida
contra terceiros que não possuam nenhum título nem melhor posse.
É bem verdade que, em casos tais, o proprietário não poderá reivindicar a posse
do imóvel, caso este já esteja afetado, uma vez que a afetação confere o caráter de público ao
bem. Poderá, contudo, ajuizar ação veiculando pedido de indenização pela desapropriação
6
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Direito das coisas, Vol. V, 6a ed. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 46.
indireta7:
[...] por estar a área afetada ao uso público, há que reconhecer sua desapropriação
indireta, o que implica incorporação ao patrimônio público. Inviável a retenção do
imóvel pelo particular, restando-lhe o direito à indenização.
Isso significa que se, dentro do prazo da prescrição aquisitiva em favor do ente
desapropriante, o verdadeiro proprietário vier a aparecer, ostentando título registral, aquele
ente ver-se-á obrigado a indenizá-lo pela perda do bem decorrente da desapropriação.
Nada impede, contudo, que o ente desapropriante una a sua posse à de seu
antecessor (artigo 1.207 do Código Civil), podendo posteriormente requerer a declaração de
usucapião.
7
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 871.141/RR. Brasília, 23 de junho de 2009.
3.4. Considerações sobre a ação judicial de desapropriação, nos casos em que o bem não
é registrado
O que fazer?
Na verdade, o que aquele tribunal pretendeu afirmar foi que a ação proposta
somente contra o possuidor deve ter como objeto unicamente a posse, e não a propriedade.
Isso significa que, nos casos em que o imóvel não estiver registrado, porém o
ente desapropriante necessite obter o domínio, a ação de desapropriação deverá ser ajuizada
contra o “proprietário desconhecido”, exatamente na forma do artigo 18 do Decreto-Lei
3.365/1941: “A citação far-se-á por edital se o citando não for conhecido [...]”.
O ente desapropriante terá ainda o dever de incluir no polo passivo os
possuidores do imóvel, uma vez que os efeitos da desapropriação “repercutem também na
esfera dos legítimos possuidores, motivo pelo qual também eles devem figurar no polo
passivo da demanda”9.
9
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 953.910/BA. Brasília, 18 de agosto de 2009.
10
Loc. cit.
4. A posse é um fenômeno fático que merece proteção jurídica (arts. 1.196 e ss. do
Código Civil vigente, arts. 485 e ss. do Código Civil revogado), e, via de
consequência, pode ser indenizada - como ocorre, e.g., nos casos de desapropriação
em que o proprietário não reúne a condição de possuidor e, com a imissão do ente
público na posse, ambos (proprietário e possuidor) têm parcela do patrimônio
jurídico prejudicada.
11
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 769.731/PR. Brasília, 8 de maio de 2007.
3.5. Considerações sobre os casos em que o bem é registrado, porém o proprietário não
foi citado para responder à ação de desapropriação
Mesmo assim, não se pode negar ao proprietário com justo título o direito de
rediscutir tal valor; desde que – é claro – ele prove que teve prejuízo (artigo 250, par. único,
do Código de Processo Civil), sob pena de se verificar carência de ação, por ausência de
demonstração de interesse processual.
No caso, só se podem cogitar dois eventuais prejuízos de (i) o de subavaliação
da justa indenização declarada na sentença; e (ii) o de indevido pagamento de indenização à
pessoa que não era possuidora do bem.
Para ter a oportunidade de rediscutir estas questões, o proprietário não citado
para ação de desapropriação deverá ajuizar ação de nulidade da sentença (querela nullitatis)13:
5.4. [...] a ação de desapropriação foi proposta contra os particulares que receberam
do Estado do Mato Grosso terras que não lhe pertenciam, jamais tendo participado
do feito o legítimo titular do domínio – a União.
12
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 993.680/SE. Brasília, 19 de fevereiro de 2009.
13
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.015.133/MT. Brasília, 2 de março de 2010.
5.6. A pretensão querela nullitatis pode ser exercida e proclamada em qualquer tipo
de processo e procedimento de cunho declaratório.
14
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração na Ação Rescisória 569/PE. Brasília, 22 de
junho de 2011.
3.6. Registro da desapropriação de bem imóvel não registrado
15
BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de Imóveis: doutrina, prática, jurisprudência, 15a ed. revista e
atualizada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 127.
que a nova matrícula seja aberta mesmo que o ente desapropriante tenha apenas se imitido
provisoriamente na posse do bem.
Importa notar que, para que se possa efetuar tal registro, deverá ser expedido
mandado pelo juízo competente, ou extraída carta de sentença da ação de desapropriação. Isso
porque o artigo 221, inciso IV, da Lei 6.015/1973, determina que somente serão admitidos
registros de “cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos
de processo”.
Além disso, tal dispositivo não pode ser aplicado aos casos em que o ente
desapropriante pretende desapropriar apenas a posse, uma vez que, como já visto, não será
possível a abertura de matrícula cujo objeto seja tão somente a posse.
4. CONCLUSÕES
14. Quando o ente público desapropriar apenas a posse, não será viável a
abertura de matrícula no Cartório de Registro de Imóveis.