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Heloísa L i i c k
PEDAGOGIA
INTERDISCIPLINAR
Fundamentos
teórico-metodológicos
LQck, Heloísa
Bibliografia.
ISBN 8 5 - 3 2 6 - 1 3 2 9 - 2
94-3767 CDD-370.1
ISBN 85.326.1329-2
E s t e livro foi c o m p o s t o e i m p r e s s o p e l a E d i t o r a V o z e s L t d a . .
e m J a n e i r o de 1 9 9 5 .
Não se prendam superficialmente às
palavras. DEDICATÓRIA
Procurem, por meio delas,
captar e construir um estado de espírito. Aos professores do Colégio
Imperatriz Dona Leopoldina
e a seu diretor, Adelar
Hengemuhle, que se
dedicam ao esforço de
construir uma prática
interdisciplinar.
APRESENTAÇÃO. 13
INTRODUÇÃO, 19
I V - O SENTIDO DA INTERDISCIPLINARIDADE, 57
Proposições sobre o sentido da
interdisciplinaridade, 60
Pressupostos da interdisciplinaridade, 64
Interdisciplinaridade como processo de
circularidade entre disciplinas, 67
Contribuições da interdisciplinaridade no campo
da ciência e do ensino, 69
O contexto de desenvolvimento Interdisciplinar, 72
APRESENTAÇÃO
13
dele não apenas u m a formação polivalente, rnas Pedagogia Holísüca, Medicina Alternativa, Agri-
u m a formação orientada para a visão globaliza- cultura Sistémica, que se manifestam como ex-
dora da realidade e u m a atitude contínua de pressões d a consciência daquela necessidade.
aprender a aprender. No contexto desses movimentos, surge a i n -
terdisciplinaridade, como alternativa dc maior
O ensino, que recebe a responsabilidade so- significado, n a busca de superação da atomiza-
cial de promover a formação para a cidadania dos ção do conhecimento h u m a n o em disciplinas,
membros da sociedade, ao defrontar-se com esse t a n t o no contexto d a pesquisa, quanto do ensino.
trabalho, defronta-se, também, c o m a necessida- A partir d a compreensão de que "quanto mais se
de de promover s u a própria reorganização para desenvolvem as disciplinas do conhecimento,
orlentar-se ele próprio por esse novo sentido. Isso diversifícando-se, mais elas perdem o contato
porque, sendo ele próprio u m a expressão do com a realidade h u m a n a (Gusdorf i n Japiassu,
modo como o conhecimento é produzido, t a m - 1976; 13), reconhece-se a necessidade de reor-
bém se encontra fragmentado, eivado de polariza- ganizar o modo de produção e elaboração do
ções competitivas, marcado pela territorializaçáo conhecimento, de forma que se d i m i n u a m as
de disciplinas, pela dissociação das mesmas em distâncias estabelecidas entre o homem e o co-
relação à realidade concreta, pela desumaniza- nhecimento que produz, dessa forma, estabele-
ção dos conteúdos fechados em racionalidades cendo a unidade entre todo o conhecimento
auto-sustentadas, pelo divórcio, enfim, entre produzido.
v i d a plena e ensino.
"O homem é a medida de todas as coisas".
Portanto, surge como u m a demanda cada vez
Dele e para ele, enquanto h u m a n a e concreta-
m a i s clara e evidente entre os educadores a
mente considerado, partem todos os empreendi-
necessidade de se promover e superar essa frag-
mentos que valem a pena. E é com esse enfoque
mentação, em busca de u m a visão e ação globa-
que a interdisciplinaridade é proposta, vindo ela,
lizadora e m a i s h u m a n a . Aliás, essa consciência
portanto, a se constituir em u m movimento a ser
náo se restringe apenas ao ensino. Ela se m a n i -
assumido e construído pelos professores - não
festa nas múltiplas áreas de atuação h u m a n a .
podendo ser impostos a eles - levando em consi-
Vários movimentos traduzem a busca de aten- deração a sua interação c o m os alunos, na con-
dimento à necessidade de restabelecer o sentido dição de i n t e r m e d i a r a (rc)elaboraçáo d o
de unidade em diversos segmentos e grupos da conhecimento como u m processo pedagógico d i -
sociedade e m geral. Alguns deles são: Qualidade nâmico, aberto e interatívo.
Total, Gcstalt, da Ecologia, Empresa Holísüca,
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Trata-se, portanto, de u m a ídéia-força que conceitos e ideias que aprendem, dessa forma
visa contribuir para a superação do cartorialismo enriquecendo apenas seu vocabulário e discur-
praticado n a educação, conforme indicado por so, e empobrecendo sua vivência. Superar essa
Paulo Freire, b e m como a ênfase sobre a repro- atitude é desafio para todos nós.
dução de parcelas isoladas de conhecimento, Como de nada valem as boas ideias se não
destituídas de vida o u de inspiração transforma- forem colocadas em prática, para associar teoria
dora. e prática, abstração e concretude de açâo, a cada
Viver essa ideia não é tarefa simples, e requer momento deve o leitor confrontar conceitos e
reflexão e determinação. Essa orientação, no reflexões a q u i apresentados, com sua prática
entanto, não deve ter caráter normativo, consti- profissional, como também desenvolver suas
tuindo-se m u i t o mais em compreensão empáti- próprias observações e análises e propor sínteses
ca, a partir de relato de experiências, descrições pessoais capazes de impulsionar sua experiência
de reflexões e análises e sintetizações de frag- profissional para estágios mais amadurecidos e
mentos c o n c e i t u a i s dispersos n a l i t e r a t u r a . de alcance maior de resultados educacionais.
Exemplos de trabalhos n a área são os de Japias-
s u (1976), Fazenda (1979, 1991), B o c h n i a k
(1992), Petraglia (1993), Warschauer (1993),
dentre outros.
Este trabalho consiste, pois, em u m registro
de reflexões a partir de leituras e práticas peda-
gógicas, esperando-se que possa servir de apoio
para o desenvolvimento de u m a perspectiva i n -
terdisciplinar e globalizadora. que se acredita ser
fundamental para a necessária transformação
do ensino.
Para aqueles que antecipadamente vêem a
questão interdisciplinar como u m modismo em
educação, esclarece-se que o risco de fato existe.
Ele, no entanto, é resultado justamente da a t i t u -
de distanciada e acomodada de profissionais que
evitam o trabalho de pôr em prática os novos
16 17
INTRODUÇÃO
19
UÀ
dificuldades e tantas soluções possíveis, quantos do contexto de onde emerge, cria-se, desse modo,
grupos e pessoas que procurem a r t i c u l a r essas u m conhecimento limitado, ao mesmo tempo que
questões, gerando assim, não apenas maior com- se produz u m mosaico de informações, de conhe-
plexidade, mas também maior fragmentação e cimentos paralelos, desagregados u n s dos o u -
desintegração na compreensão da realidade. tros, e até mesmo antagónicos, todos tidos como
Eis que nos defrontamos com u r a grande legítimas representações da realidade.
leque de áreas de conhecimento e de teorias ^ o e n s i n o j a falta de contato do conhecimento
dentro dessas áreas, que passam a gerar dúvidas com a realidade parece ser u m a característica
e confusão, dado que tais conhecimentos foram, mais acentuada ainda. Os professores, no esfor-
em geral, produzidos mediante a ótica d a linea- ço de levar seus alunos a aprender, o fazem de
ridade e atomização, de que resultaram conheci- maneira a dar importância ao conteúdo em s i e
mentos simplificadores da realidade e visão da não à s u a interligação com a situação d a q u a l
parte, dissociada t a n t o do todo, quanto de outras emerge, gerando a j á clássica dissociação entre
partes desse mesmo todo. teoria e prática: "O que se aprende n a escola não
Esses conhecimentos, distanciados u n s dos tem n a d a a ver com a realidade", é o entendimen-
outros e da realidade a partir da q u a l foram to c o m u m de pessoas que, saindo dos bancos
produzidos, necessitam urgentemente ser a r t i - escolares, assumem u m a responsabilidade pro-
culados, a fim de que possam constituir u m todo fissional.
organizado. Surge, em consequência dessa ne- Tendo em vista que a construção da interdis-
cessidade, a proposição da interdisciplinaridade, ciplinaridade, para nortear a superação desse
como forma de superar tal fragmentação. quadro, necessita de conteúdos conceituais e
O enfoque interdisciplinar, no contexto da fundamentos que a orientem, tem-se como obje-
educação, manifesta-se, portanto, como u m a tivo analisar a questão apresentada, bem como
contribuição para a reflexão e o encaminhamen- sistematizar reflexões em torno do conceito, ten-
to de solução às dificuldades relacionadas à do-se em vista contribuir para que os educadores,
pesquisa e ao ensino, e que dizem respeito à organizados em torno do projeto político-pedagó-
maneira como o conhecimento é tratado em a m - gico escolar, possam desenvolver sua caminhada
bas funções da educação. interdisciplinar.
Evidencia-se, n a pesquisa, que o conheci- Vale lembrar que a questão interdisciplinar
mento vem sendo produzido de modo fragmentado, emerge também como orientação da superação
dissociando-se cada fragmento dc conhecimento da dicotomia entre pedagogia e epistemologia.
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entre ensino e produção de conhecimentos cien-
tíficos, daí por que sua maior complexidade e
necessidade de superação d a perspectiva depar-
tamental e setorizada do ensino.
E m vista dessa mesma Complexidade, para
m u i t o s professores, a compreensão de conceitos
e proposições abstratos, referentes à interdisci-
plinaridade, pode representar algo tão distancia-
do de sua prática que essa orientação e m relação
ao modo de t r a t a r o conhecimento passa a se
constituir u m a disciplina, ela mesma e, desse
modo, fazendo-a recair, redundantemente, n o
problema para cuja solução p r o c u r o u contribuir.
Conclui-se, portanto, que as proposições a q u i
apresentadas não devem ser tomadas como dis-
ciplina o u conteúdo a ser estudado e reproduzi-
do, mas como concepção orientadora p a r a a
superação d a problemática descrita, e que as
dificuldades de compreensão das questões abs-
tratas sobre o m o d o de produzir e tratar o conhe-
cimento, experimentadas pelo mestre, devem ser
consideradas u m desafio a ser vencido, sob pena
de o professor c o n t i n u a r atuando como u m mero
repassador de fragmentos de conteúdos de ensi-
n o aos seus alunos.
D a d a a complexidade do conjunto c u l t u r a l h u -
m a n o , a sociedade defronta-se, todos os dias,
c o m inúmeras situações ambíguas, contraditó-
r i a s e conflltivas que o homem individual e so-
c i a l m e n t e organizado deve resolver e que o
d e i x a m angustiado, caso leia, efetivamente, os
sinais reais que as situações emitem. Caso se
negue a vê-las, com medo d a própria angústia,
ficará imerso em sua condição alienada e, por-
t a n t o , menos h u m a n a (Morin, 1988).
D I F I C U L D A D E S E D E S A F I O S COTTDIANOS
Ao ligar a TV, enquanto telespectadora, a
pessoa recebe a mensagem de que fumar o cigar-
ro marca X lhe a t r i b u i status, charme e até
mesmo atração sexual, para em seguida ser i n -
formado de que fumar faz m a l à saúde. Da
m e s m a forma que, n u m m i n u t o , recebe a esti-
mulação para que compre u m produto; no outro,
recebe o apelo p a r a economizar, depositando n a
caderneta de poupança. N u m mesmo segmento
é estimulado a comer e ingerir alimentos e bebi-
das engordantes, para em seguida ser instado a
controlar o peso e o colesterol.
E m casa, a situação não é diferente. Por
exemplo, a criança recebe dos pais a orientação,
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Trata-se de u m estado de consciência q u e
muitas vezes c o m grande veemência, no sentido divide i n t e r i o r e exterior, o " e u " e "os outros", a
de que não deve m e n t i r para os mais velhos, que atitude e o comportamento, dentre outros aspec-
esse comportamento "é feio", pára, em u m a o u t r a tos, estado esse que está não apenas no cerne d o
ocasião em que atende u m telefonema para seu modo fracionário de produção do conhecimento,
pai, receber a sua ordem, n o sentido de que diga mas da própria consciência (Waxemberg, 1980).
que não está e m casa. Isso porque a expansão d a consciência significa
Estes são apenas dois dos múltiplos e c o r r i - u m a participação e responsabilidade crescentes,
queiros exemplos e m nosso cotidiano, de contra- por meio de esforço integrativo.
dição e ambiguidade com que nos defrontamos e A i n d a mais, essa fragmentação leva a pessoa
que também criamos. Quem Já não praticou, o u ao ponto em que, de tanto ver a realidade pela
pelo menos presenciou, situação semelhante visão de mundo-máquina, de mundo-objeto, de-
àquela em que u m a pessoa grita, com i n d i g n a - fronta-se c o m o fato de que se transforma nessa
ção, para o u t r a que gritara c o m ela, afirmando: mesma máquina, n u m objeto manipulável exter-
"não griteüf g r i t a r é falta de respeito e educa- namente e, portanto, sem consciência da própria
ção!?" O u que ironicamente ridiculariza u m com- individualidade como ser h u m a n o . Perde ela,
portamento que j u l g a r a irónico? também, s u a consciência d a dinâmica da r e a l i -
É evidente que se acaba, comumente, pratican- dade, vendo-a limitada e preestabelecida e i m p o -
do, com a própria crítica, o comportamento censu- sitora dessas características sobre si.
rado, sem tomar-se conhecimento do fato, o que Angústia e alienação estão, por conseguinte,
espelha u m a absoluta alienação de s i próprio e face a esse quadro, presentes em nosso dia-a-
falta de autocrítica. E quando ela é revelada, de- dia, dialeticamente, isto é, de maneira a se de-
monstra-se, por melo de uma lógica qualquer, que frontarem e mteriníluenclarem contraditória e
o mais velho o u o que tem alguma forma de poder, reciprocamente. Ao fugir da angústia, a pessoa
tem o direito de ser mal-educado (sem ser reconhe- cai n a alienação e vice-versa, até chegar ao ponto
cido como tal), enquanto que o outro (mais jovem
ou de menor poder) não pode fazer o mesmo. em que não t e m escapatória: o de assumir a
Criam-se, então, duas realidades que permitem e angústia d a alienação, o que se dá mediante a
facilitam o desenvolvimento da visão falseada da superação da ótica fragmentadora que cultiva.
realidade, porque tendenciosamente parcial e ma- A h u m a n i d a d e se defronta hoje com esse
niqueísta, e ao mesmo tempo contribuinte para a desafio. Enfrentá-lo não é mais uma simples
formação da irresponsabilidade face à realidade, questão filosófica; é sim u m a questão de sobre-
que a alienação estabelece.
27
26
• 1
vivência, pois, caso o mesmo não seja assumido vivenciamos), psiquiatras são mistificados pela
pelo homem, a autodestruição e destruição de esquizofrenia. Do mesmo modo outros profissio-
sua casa {oikos) sc acentuará a ponto de se nais apresentam semelhantes discrepâncias, a
tornar irreversível. respeito d o que o saber popular denota, a esse
A tensão do enfrentamento da ambiguidade e respeito, que "em casa de ferreiro, o espeto é\ de
da contradição, orientada polo princípio d a i n - pau".
certeza subjetiva, e m substituição a u m a con- No campo Jurídico, por exemplo, o acúmulo
cepção l i n e a r de m u n d o , d i r e c i o n a d a pelo de preceitos legais gerou u m torvelinho de leis
princípio da certeza objetiva (Oliveira, 1989), que os profissionais d a área não entendem, de
passa a ser condição de vida do homem de tal modo a demonstrar que analogicamente "a
sociedades complexas, o que apenas agora se corrente p r i n c i p a l de ideias se d i v i d i u em dúzias
compreende com m a i o r clareza. de riachos" (Capra, 1991:23) chegando a esgotar
Entender a complexidade e as inúmeras inte- a própria fonte.
rações dos múltiplos componentes da realidade Todas essas situações teriam surgido em de- \
torna-se, portanto, u m a necessidade inadiável. correncia da falta de visão globallzadora sobre os
É mediante e n a medida dessa compreensão que fenómenos, a q u a l se constitui em condição que
o homem se eleva d a dimensão de objeto e engre- permite vê-los em s u a interligação e interdepen-
nagem, n u m a máquina social, e supera o senso dência c o m os demais.
comum que d o m i n a o seu cotidiano. Evidencla-se, pois, que os inegáveis ganhos
possibilitados ao homem pela especialização pro-
EXPRESSÕES D E D I F I C U L D A D E S NA duzem, ao mesmo tempo, u m a possibilidade de
ATUAÇÃO P R O F I S S I O N A L sérios prejuízos, por falta de visão global e inte-
Um sinal Impressionante de nosso tempo, rativa d a realidade e de interligação dessa visão
conforme apontado por Capra (1991:22), "é o fato com a ação.
de que as pessoas que se presume serem espe-
cialistas em vários campos Já não estarem capa- EXPRESSÕES D E ALIENAÇÃO E
citadas a lidar com os problemas urgentes que ESVAZIAMENTO D A DIMENSÃO HUMANA E
surgem em suas respectivas áreas de especiali- SUA R E A L I D A D E
zação". Exemplificando tal constatação, Capra O desdobramento do conhecimento em disci-
indica que economistas são incapazes de enten- plinas estanques teve seu Início mediante u m a
der a inflação (as consequências disso todos nós
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objetivação da coisa conhecida, de maneira que
o sujeito cognoscente pretendeu ver a realidade modo a reforçar a ótica do homem-máquina e a
dissociada de si próprio e até mesmo d e seu modo visão simplificada de mundo. Para q u e supere t a l
de vê-la. Dessa forma, promoveu-se não apenas ótica, a própria educação deve a s s u m i r umpã-
a disjunção entre diferentes dimensões e aspec- radtgma:tetOTc"ô^ffi^
tos de u m mesmo fenómeno, como também do tradições, ambiguidades (sobretudo e a partir d o
homem em relação a eles. eõnTextoíImediatoepróprio), que aceiteconviver
com a incerteza e os seus mistérios, que consiga
No ensino, essa disfunção se expressa pela òrderíár e fã2êf sênfidõ do caos e da complerfda-
preocupação em esquematizar conteúdos p r o d u - dèTsêm~tlrar-lhe à dinâmica, sem aruJlciafizá-la
zidos de maneira divorciada da realidade e até e simplifica-la. Sooretudo, c o n s t r u i n d o u m a
mesmo da investigação científica que produz o perspecllvalifítlca que além de refletir sobre sua
conhecimento. Evidencla-se em s e u contexto própria realidade procura examinar a origem, a
u m a despreocupação p o r estabelecer relação en- natureza, o modo de ser e a finalidade "do conhe-
tre ideias e realidade, educador e educando, cimento em geral e do conhecimento científico
teoria e ação, promovendo-se assim a desperso- especialmente, enquanto representação da rea-
nalização do processo pedagógico. lidade (Pavianni, 1988: 24).
Produziu-se, em última análise, a disjunção
Emerge, pois, nesse conjunto de situações, a
do conhecimento em relação à vida h u m a n a e à
necessidade de " u m a nova visão d a realidade que
condição social. Esse aspecto se constitui, por
transcenda os limites disciplinares e conceituais
certo, n a base que j u s t i f i c a e apoia a atitude de
do conhecimento" (Oliveira. 1989: 7), visão essa,
alienação e irresponsabilidade do homem em
q u e se torna condição para atualizaçào do ensi-
relação a si próprio, a realidade social que cons-
n o . Este é, aliás, o verdadeiro princípio da sua
trói e a realidade n a t u r a l que perturba.
atualização e não apenas a utilização de recursos
tecnológicos modernos.
D E S A F I O S À EDUCAÇÃO F A C E ÀS Portanto, o desafio que é apresentado à edu-
DIFICULDADES ENFRENTADAS cação, a fim de que contribua para a formação
A necessidade de superação das dificuldades de pessoas capazes de se defrontarem com os
já expostas cresce em importância p a r a a socie- problemas do seu ambiente c u l t u r a l e natural,
dade e a educação. No entanto, n a busca das consiste em que se apresente como u m a ação
soluções a seus problemas, ambas podem agir educativa dinâmica e dlalética, visando desen-
(como em geral, infelizmente, vêm agindo) de volver entre seus participantes a consciência da
realidade h u m a n a e social, da qual a escola faz
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parte, mediante u m a perspectiva globalizadora. "Se essa for m a i s u m a moda, não me interes-
O importante, porém, náo é, táo-somente, "essa sa..." Assim se expressou u m a professora ao
manifestar seu receio de que a interdisciplinari-
nova consciência do problema, mas também o dade viesse a se c o n s t i t u i r em u m a novidade a
trabalho de reflexão critica dos educadores, n o ser imposta aos professores, com poucos resul-
tempo e no espaço, de suas próprias ativldades, tados práticos n o desenvolvimento e melhoria do
com u m objetivo de a b r i r caminho de soluções processo educacional.
para o problema do homem de hoje, situado n u m
É adequado a q u i relembrar que a moda ocor-
contexto de pluralismo c u l t u r a l , axiológico e re q u a n d o u m a concepção pedagógica é verbal-
ideológico" (Pavianni, 1988: 21). mente repetida, sem que, n o entanto. Impregne
a ação das pessoas; fica no plano d o discurso e
CONSTRUÇÃO DA VISÃO p o r isso não é utilizada para transformar a rea-
lidade.
INTERDISCIPLINAR NO C O N T E X T O
ESCOLAR Como, então, t r a b a l h a r a interdisciplinarida-
de n a s escolas onde professores não tomaram
Cabe agora, pois, estabelecer u m sentido conhecimento d o s e u significado e não estão
mais abrangente, aprofundado e significativo às conscientes de s u a importância, por estarem
experiências pedagógicas, para as quais a inter- mais preocupados c o m questões comuns do co-
disciplinaridade m u i t o t e m a c o n t r i b u i r . Isso t i d i a n o escolar? Seria impossível s u a prática
porque a realidade com a qual o ensino propõe-se n u m contexto escolar sobremodo preocupado
a levar o aluno a conhecer "é u m fenómeno com questões corriqueiras, como falta de mate-
múltiplo, diversificado; e todos os conhecimentos r i a l básico escolar?
e interpretações, enquanto só explicam u m a par- Vale alertar q u e se o professor analisar ade-
te d a realidade, permanecem sempre inacaba- quadamente o s e u cotidiano escolar e vital Irá
dos" (Pavianni, 1988: 46). Identificar facilmente inúmeras dificuldades que
r e s u l t a m d a ótica fragmentadora, o que, por s i ,
É importante, para tanto, cultivar u m a pers- estabelece a necessidade do enfoque Interdisci-
pectiva e atitude voltadas para a superação de p l i n a r e globalizador no ensino.
visões de qualquer ordem, sem encobrir a m b i -
guidades e escamotear diferenças. Torna-se ne- Torna-se necessário e possível, nesse quadro
d a realidade, t r a b a l h a r a interdisciplinaridade
cessário, sobretudo, superar a problemática como u m processo que leva em consideração a
clássica do ensino, qual seja a de concretização c u l t u r a vigente e a sua transformação, como
de Ideias em ação. D o contrário, vai-se c r i a r condição f u n d a m e n t a l para que promova os
apenas u m novo modismo em educação. princípios Interdisciplinares. E m primeiro lugar.
32 33
é necessário que se dê importância a esses p r i n -
cípios, como orientadores da prática e não como
parte de u m corpo conceituai que se deve inte-
grar logicamente (como acontece n a disciplinari-
dade). Entenda-se, portanto, que o espirito d a
Interdisciplinaridade é m a i s importante que a
letra que a representa. Seu caráter não é norma-
tivo e s i m explicativo e inspirador.
E m continuidade, é necessário que se dê
atenção ao estágio em que o corpo docente de
u m a escola se encontra, em relação ao processo
interdisciplinar, e movitá-lo a expressar e discu-
t i r em conjunto os problemas principais do ensi-
no e seus esforços, sob a ótica da elaboração
globalizadora do conhecimento.
Necessariamente, serão indicados pelos pro-
fessores problemas relacionados à fragmentação
e dissociação, pois eles estão subjacentes a todo
processo social e se acham manifestados e m
todas as dimensões do conjunto c u l t u r a l h u m a -
no. E m consequência, irão mostrar a necessida-
de de busca de diálogo e de integração, sem n o
entanto, nesse estágio preliminar, terem os pro-
fessores alterado sua postura mental e s u a orien-
tação em relação ao conhecimento. E é sobre
essa limitação que deve ser estabelecida a base
d a transformação pedagógica.
Emerge, nesse processo, o desenvolvimento
de atitude e consciência de que trabalhando
dentro de u m sistema de Interdisciplinaridade o
professor produz conhecimento útil, portanto,
interligando teoria e prática, estabelecendo rela-
ção entre o conteúdo do ensino e realidade social
escolar.
A fim de se compreender melhor a questão d a
interdisciplinaridade, torna-se necessário co-
nhecer o sentido de disciplina e do paradigma
disciplinar q u e o determina.
Orientando-se pela concepção dicotomlzado-
r a , o termo disciplina é utilizado para indicar d o i s
enfoques relacionados ao conhecimento: o epis-
temológico, relativo ao modo como o conheci-
m e n t o é produzido, e o pedagógico, referente à
maneira como ele é ofgánlzadõ~no ensino, p a r a
promover a aprendizagem pelos alunos. Veja-
mos, a seguir, a distinção básica entre ambos,
mesmo correndo o risco de reforçar a sua dico-
tomização.
E N F O Q U E EPISTEMOLÓGICO ^
Segundo o enfoque epistemológico, disciplina é:
- Uma ciência (atividade de investigação)
- Cada u m dos ramos do conhecimento
A disciplina (ciência), entendida como u m
conjunto específico de conhecimento de caracte-
rísticas próprias, obtido por meio de método
analítico, linear e atomizador d a realidade, p r o -
duz u m conhecimento aprofundado e parcelar
(as especializações). Ela corresponde, portanto,
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a u m sabei especializado, ordenado e profundo, tico promove, no contexto escolar, mediante r a -
que permite ao homem o conhecimento da reali- ciocinio lógico formal, caracterizado pela l i n e a r i -
dade, a partir de especificidades, ao mesmo t e m - dade e atomização, já agora maior do q u e fora
po em que deixa de levar em consideração o todo produzida, u m mais acentuado distanciamento
de que faz parte. Disciplina e Ciência, portanto, do conhecimento, em relação á realidade de que
se correspondem e têm como elemento básico a emerge. T a l procedimento estaria em acordo com
referência e o estudo de objetos de u m a mesma o que parece ser uma das funções essenciais d a
natureza (Ander-Egg, 1984). disciplina que, conforme demonstrado por Faure
E m consequência desse enfoque, a h u m a n i - (1962:62), é "não a de a m p l i a r seu domínio, mas
dade conta c o m u m acervo de conhecimentos sim d i s t r i b u i r sanções, através de laudações e
que se caracteriza por u m verdadeiro mosaico, conformidade". Ela estabeleceria, em decorrên-
ao mesmo tempo deslumbrante e estonteante, cia de u m princípio de certeza, não apenas bar-
dados os seus múltiplos aspectos, a s u a diversi- reiras intelectuais entre u m a área e outra, m a s
dade. Os ganhos que possam promover no en- também u m a inadequada e fictícia segurança n o
tanto dependem de u m a visão de conjunto capaz trato das questões pedagógicas, por evitar o u
de d a r a devida importância a todos o s aspectos d i m i n u i r o âmbito de Incertezas e inesperados.
e m conjunto e de forma interativa. Sendo o conteúdo das disciplinas de ensino o
resultado de u m duplo processo de atomização,
instaura-se, por esse procedimento, e e m conse-
E N F O Q U E PEDAGÓGICO quência, a ênfase sobre informações Isoladas que
Segundo o enfoque pedagógico, disciplina é passam a valer por elas mesmas e não por s u a
termo que corresponde a: capacidade de ajudar o h o m e m a compreender o
m u n d o , s u a realidade e a posicionar-se diante de
- atividade de ensino o u o ensino de u m a área seus problemas vitais e sociais; desculda-se,
da Ciência igualmente, do processo de apropriação crítica e
- ordem e organização do comportamento inteligente do conhecimento e mais ainda de s u a
No contexto pedagógico, o conhecimento Já produção, u m a vez que o ensino, em geral, cen-
produzido, conforme o enfoque epistemológico tra-se n a reprodução do conhecimento Já p r o d u -
anteriormente descrito, é submetido, novamen- zido. Consequentemente, o ensino deixa de
te, ao tratamento metodológico analítico, linear formar cidadãos capazes de participar do proces-
e atomizador, agora com o objetivo de facilitar a so de elaboração de novas Ideias e conceitos, tão
fundamental para o exercício da cidadania críti-
sua apreensão pelos estudantes. O objetivo didá-
38 39
ca e participação n a sociedade moderna, onde O P A R A D I G M A POSITIVISTA Q U E
t a n t o se valoriza o conhecimento. CONSTITUI A DISCIPLINA
É a partir desse enfoque da organização interna As disciplinas o u corpos de conhecimento
dos conteúdos, cuja apreensão demanda atenção especializado foram construídos a partir de u m
do aprendiz e quietude mental, que poderíamos paradigma teórico-metodológico q u e norteou a
explicar o entendimento desenvolvido n o contexto determinação da visão especializada de m u n d o ,
escolar de disciplina e "falta de disciplina", como centrado, sobremodo, nas proposições de Des-
comportamento. É m u i t o frequentemente conside- cartes e Newton, combinando empirismo e lógica
rado "indisciplinado", o aluno que Identifica e formal. A compreensão de seus fundamentos nos
questiona as ambiguidades e contradições do co- permite apreender, em parte, como se chegou ao
nhecimento ou que, não vendo espaço para t a l ponto em q u e sentimos necessidade de retomar
questionamento, se desestimula e m relação ao a u m a visão de m u n d o de longe esquecida.
objeto de ensino e passa a assumir comportamen-
tos dispersivos. Nesse contexto, o a l u n o não é Sendo, pois, a disciplina o u dlsdplinaridade
considerado como pessoa total e sim, tão-somente, resultado d o paradigma positivista que v e m
em sua dimensão cognitiva, em total rejeição a orientando a produção do conhecimento, para
expressões do domínio afetivo e psicomotor, asso- compreendê-la mais plenamente, é útil, p o r t a n -
ciados à atividade (dai por que o ensino venha a to, compreender esse paradigma.
ter u m elevado caráter de passividade). - Sobre q u e pressupostos se assenta a p r o -
dução do conhecimento n o paradigma positi-
D a mesma forma, não se admite, n e m mesmo vista?
no plano cognitivo, qualquer interaçáo entre o - Q u a l s e u método?
indivíduo cognoscente e o conhecimento, questio- - Q u a l s e u objetivo?
nando-o, analisando-se o conteúdo e m seu signi-
ficado e sob vários ângulos. A superação dessa a) Pressupostos da construção disciplinar
limitação se pode d a r n o ensino, não apenas me-
diante o desenvolvimento de processos mentais no A visão de realidade positivista que orientou
desenvolvimento da aula, estimulando-se o aluno o desenvolvimento de disciplinas o u áreas espe-
a realizar, por exemplo, comparações, extrapolações, cializadas de estudo associa-se à compreensão
interpretações, exemplificações, sínteses, deduções, de que:
como também pondo-se em crítica a forma de • o universo é u m sistema mecânico composto de
tratamento no processo de ensinar. unidades materiais elementares, em vista do
40 41
que podem ser compreendidas de forma des- fragmentação o u atomização gradativa da rea-
contextuallzada; lidade em s u a s unidades menores, para co-
• a realidade nesse universo é regular, estável e nhecê-las (atomização), de que resultam as
permanente, tendo existência própria; variáveis, isto é, unidades mínimas de análise
(reducionismo);
• a realidade é como é, preexiste à percepção pelo
homem, e m vista do que o processo de conhe- consideração d a percepção sensorial como fon-
cer é neutro; te básica de conhecimento de verdade;
• a matéria é a realidade última e os fenómenos Isolamento d o fenómeno estudado, e m relação
espirituais nada mais são do que u m a m a n i - ao contexto d e que faz parte (a-historicidade);
festação d a matéria; organização das partes estudadas, segundo leis
• a verdade é absoluta, objetiva e existe inde- causais unidirecionais (linearidade);
pendentemente do sujeito cognoscente; distanciamento do observador em relação ao
• a vida em sociedade é u m a Juta competitiva pela objeto observado, de modo a garantir objetivi-
dade;
existência;
• o progresso material é limitado e alcançável estudo de validação e fidedignidade dos instru-
pelo crescimento económico e tecnológico; mentos de medida, com vistas a garantir objeti-
vidade (identificação de regularidade, estabili-
• a matéria é inerte e passiva, contida n a forma, dade e rxamanência);
com u m significado próprio identificável, me-
diante a adoção de método científico; análise quantitativa e explicação estatística d a
realidade, a partir do pressuposto de que a
• a ciência é isenta de valores, u m a vez que estes representação estatística e a realidade c u l t u r a l
são absolutos e existentes n a natureza; coincidem e que t u d o que existe expressa-se
• se alguma coisa existe, existe em alguma q u a n - c o m u m a quantidade;
tidade, e se existe em alguma quantidade, pode simplificação, u m a vez que cada estágio e mo-
ser medida. mento de produção do conhecimento é consi-
derado independente de outro;
b) Método da construção disciplinar
lógica dedutiva, a partir do pressuposto de que
As especializações ou disciplinas específicas
as importantes dimensões de u m fenómeno,
são resultantes de u m método de c o n s t r u i r o
evento o u situação são Já conhecidos e podem
conhecimento que, fundamentado nos pressu-
ser replicados por experimentação.
postos epistemológicos caracterizam-se por:
42 43
c) Objetivo da construção disciplinar não são levados em consideração (por exemplo:
O modelo positivista tem por objetivo explicar psicologia escolar, psicopedagogla e pedagogia).
os fenómenos, com vistas a predizê-los e controlá- c) A m a i o r i a das disciplinas estabeleceram m u i -
los, e m razão do q u e sua orientação é conserva- t a s teorias diferentes, sem, contudo, d e t e r m i n a r
dora. Consequentemente, generaliza informa- relações entre s i , do que resulta o aparecimento
ções de u m a realidade. Essa generalização esta- de teorias paralelas, divergentes, ambíguas e
beleceria leis explicativas, a p a r t i r do pressupos- contraditórias, sem ater-se ao entendimento des-
to de estabilidade, ordem e regularidade dos ses aspectos, a partir da observação dos fenóme-
fenómenos. nos, n o interior de u m a mesma disciplina (p. ex.:
o estudo de chuvas, ventos e rios, em conteúdos
isolados u n s dos outros).
CONSEQUÊNCIAS DO PARADIGMA
POSITIVISTA Acrescenta-se ainda o fato de que, pela ato-
mização, o paradigma positivista tem estabeleci-
Veriflca-se, portanto, que o enfoque episte-
do u m a visão dicotomizadora da r e a l i d a d e ,
mológico e o pedagógico apresentam aspectos
segundo a qual a realidade ou é isso o u aquilo.
comuns d a disciplinaridade e que são devidos ao
Por exemplo: o comportamento h u m a n o seria
paradigma d o q u a l ambos são emergentes. A l -
r e s u l t a d o de processamentos internos à pessoa
guns desses problemas comuns (Edutec, 1975)
(Psicologia) o u de influências externas (Sociolo-
são:
gia). A aprendizagem do aluno seria o r i e n t a d a
a) O domínio de estudo de u m a disciplina con- p o r s e u s processos interiores (Psicologia da
siste em vários subconjuntos claramente cir- Aprendizagem) o u pela organização do ensino
cunscritos, que põem em relevo u m mesmo (Metodologia). Essa visão d a realidade leva a que
domínio material (por exemplo, ao estudar-se o se v e j a m as soluções de problemas como sendo
ser h u m a n o , ávida mental do homem é estudada possíveis mediante intervenções setorizadas e
n a psicologia; as propriedades anatómicas, físi- dissociadas entre si.
cas e químicas, que mantêm u m organismo vivo,
são estudadas pela fisiologia).
b) As diversas disciplinas se sobrepõem conside-
ravelmente, tratando das mesmas questões sob
diferentes enfoques, criando, dessa forma, cam-
pos de ambiguidade entre elas, que, n o entanto,
44 45
básico reconhecer que as disciplinas, como
u t o do desenvolvimento histórico, encon-
-se em transição c o n t i n u a e estão submeti-
a forcas exteriores e m constante mudança,
mo por exemplo valores culturais, condições
económicas, ideologias políticas. Em vista disso,
I reavalia-se a questão de como elas vêm sendo
produzidas e mantidas, de modo que se estabe-
lece, no momento, a necessidade de superação
da visão dicotômica que o r i e n t a seu desenvolvi
to, que se manifesta como o cerne das diíl-
ldades e limitações produzidas pelo paradigma
positivista.
A disciplinaridade e ensino por disciplinas
ssociadas se constrói mediante a aplicação dos
cípios da delimitação interna, da fixidez n o
_eto próprio de análise, pela decomposição de
problemas em partes separadas e sua ordenação
{fsterior, pelo raciocínio lógico formal (Descar-
caracterizado pela regra d a exclusão do que é,
que não é (princípio da certeza). Por conse-
te, c o n s t i t u i n u m a visão limitada para orien-
a compreensão da realidade complexa dos
pos modernos e da atuação em seu contexto.
> •
:
49
>1*
LIMITAÇÕES DO PARADIGMA é condição para o avanço da compreensão d a
POSITIVISTA realidade. S u a negação corresponde ao desenvol-
A compreensão da tendência à complexidade vimento não apenas de uma visão limitada d a
crescente d a realidade demanda u m a forma de realidade, m a s também alienada, visto que d i s -
percebê-la e explicá-la de forma coerente c o m socia o h o m e m t a n t o d a realidade que cria, q u a n -
suas dimensões. E m vista disso, o modo de ftda representação que faz da mesma.
produzir e tratar conhecimento pela fragmenta- S. O reconhecimento da realidade como comple-
ção sucessiva e princípio da fixidez esgotou s u a " * i d a d e organizada implica que se busque c o m -
possibilidade de c o n t i n u a r a c o n t r i b u i r para o preendê-la mediante estratégias dinâmicas e
avanço da c u l t u r a h u m a n a e melhoria da q u a l i - flexíveis de organização da diversidade percebida,
dade de vida, correndo-se até o risco de, pela sua de modo a se compreender as múltiplas interco-
continuidade, promover a destruição das condi- nexões nela existentes.
ções que possibilitaram o desenvolvimento c u l - A ideia de complementaridade de interação
t u r a l do homem e da civilização. entre dualidades determinou que se concluísse
Entende-se hoje que o m u n d o não consiste por entender a relação sujeito-observador e obje-
de "coisas" isoladas, e s i m de interações-, pela to-observado, como reciprocamente influentes.
complementaridade de dimensões que dela fa- O reconhecimento dessa interinfluêncla está s i n -
zem parte, "constituindo u m a complicada m a l h a tetizado n a ideia de que "o que observamos não
de ligações operativas complexas e não lineares" l :é a realidade e, s i m , a realidade que se percebe
(Oliveira, 1989: 8). É composto de u m a m u l t i p l i - e apreende pelo método adotado para observá-la e
cidade de fatores que não são m u t u a m e n t e ex- \ questioná-la" (Oliveira, 1989: 17). Assim, aneces-
cludentes, e sim explicados e Justificados u n s e m < èidade de se alterar o método de análise, para outro
relação aos outros. Quando formados em d u a l i - mais abrangente, resulta não apenas do reconhe-
dades, estabelecendo-se dicotomias, como por cimento da limitação do método, mas do reconhe-
exemplo indivíduo e sociedade, há de se entender cimento da relação método-conhecimento.
tratar-se de dimensões de u m a mesma realidade, Emerge, portanto, n o quadro referencial des-
u m a vez q u e u m a não existe sem a o u t r a , e que, s a s Ideias, a necessidade de u m a visão da reali-
conforme apontado por Niels Bohr, "os contrários dade que transcenda os limites disciplinares e
se complementam" (cf. Capra, 1991). iitconceituais do conhecimento (Oliveira. 1989: 7).
O reconhecimento do paradoxo, d a a m b i g u i - A i n t e r d i s c i p l i n a r i d a d e , p o r t a n t o , propõe
dade e convivência de concepções antagónicas. u m a orientação para o estabelecimento da es-
51
queclda síntese dos conhecimentos, não apenas celto de currículo de há m u i t o adorado e toda sua
pela Integração de conhecimentos produzidos teorização perseguia, desde o início, t a l objetivo.
nos vários campos de. estudo, de modo a ver a Há, também, que se integrar Ciência e Peda-
realidade globalmente, mas. sobretudo, pela as- gogia, conforme anteriormente indicado, u m a
sociação dialética entre dimensões polares, como *Vez que n e n h u m a área de conhecimento e ne-
por exemplo teoria .e prática, açáo e reflexão, n h u m a dicotomia deve escapar da ótica globali-
generalização e especialização, ensino e avalia- ssadora.
ção, meios e fins. conteúdo e processo, indivíduo A Ciência, para seu desenvolvimento e clari-
e sociedade, etc. ficação, depende da comunicação, d a divulga-
Mediante u m a t a l síntese, a pessoa, conscien- ção, isto é, seu desenvolvimento vincula-se a
te de que faz parte do objeto conhecido, j á mesmo u m a expressão do ensino. Por outro lado, o
por conhecê-lo, ao ver a realidade, vê-se nela e ensino depende da Ciência, u m a vez que, em
não fora dela, enquanto mera observadora. Con- u m a instância, constitui-se n u m trabalho de
sequentemente, a lógica formal do princípio d a mediação entre o saber produzido e os aprendi-
certeza é substituída pela lógica paradoxal do zes. Ensino e Ciência, Pedagogia e Epistemologia
constituem, portanto, duas dimensões de u m a
princípio da dúvida. m e s m a realidade. A dissociação de ambas cor-
responderia, por conseguinte, a u m a visão In-
SUPERAÇÃO DA VISÃO DICOTÔMICA completa e parcelar d a realidade (a ótica da
E N T R E EPISMOLOGIA E PEDAGOGIA disciplina) e a integração das mesmas correspon-
deria à visão interativa, relacional, global da
O reconhecimento de que o paradigma frag- realidade (interdisciplinaridade). Há que se s u -
mentador esgotou s u a possibilidade de conti- perar a "mentalidade que separa e esconde as
n u a r a contribuir para o desenvolvimento d a relações entre a situação pedagógica e a situação
humanidade suscita a busca de u m a ótica que, epistemológica, isto é, entre o ensinar e a produ-
n a dimensão epistemológica, promova o estabe- ção de conhecimentos científicos" (Pavianni,
lecimento de u m concerto, u m a interação n o 1988: 20).
campo d a Ciência, entre os conhecimentos pro-
duzidos (Metaciência); e, na Pedagogia (Pedagogia Essa mudança de a t i t u d e deve constituir-se
Holística). leve à associação do que ê ensinado n a pedra angular para a orientação e superação
às condições concretas da vida. de maneira a de todas as demais dicotomias.
atribuir-lhe maior autenticidade, além de intera-
ção das múltiplas dimensões do ensino. O con-
52
PRÁTICA E ESTÁGIOS DA CAMINHADA É fácil, pois, reconhecer que, embora esses
INTERDISCIPLINAR •Hf'' aspectos sejam associados à prática iiiterdiscipll-
• nar, eles não podem ser considerados como o
A superação d a fragmentação, linearidade e • j " processo todo. Muitas vezes, n o entanto, são con-
artiflcializaçao, tanto do processo de produção siderados como o ponto de chegada de u m esforço
do conhecimento, como d o ensino, b e m como o i \ no sentido de construir a interdisdpllnarldade e
distanciamento de ambos em relação à realidade, M\ não, tal como se propõe, como u m passo o u m o -
6 v i s t a como sendo possível, a p a r t i r de u m a mento desse processo.
prática mterdisciplinar. É interessante notar que Dado o conceito, anteriormente formulado, é
a proposição de interdisciplinaridade surge, so- ' possível s u g e r i r que a interdisciplinaridade p l e -
bremodo, no contexto de instituições de ensino, W na (transdisciplinaridade) só ocorreria q u a n d o
onde se pratica o ensino e a pesquisa. \ da efetivação d a sua finalidade (aluno com visão
1
59
d a compreensão de que o ensino náo è tao-so- Paradigmático
mente u m problema pedagógico e s i m u m pro- - Visão de conjunto de u m a realidade, median-
blema epistemológico. te permanente associação d a s diferentes d i -
O objetivo da interdisciplinaridade é, p o r t a n - mensões (disciplinas) c o m q u e pode ser
analisada.
to, o de promover a superação d a visão r e s t r i t a
de m u n d o e a compreensão da complexidade d a - Visão global e não fragmentada d a realidade.
realidade, ao mesmo tènipo resgatando a centra- - U m a ótlca que abrange todos os aspectos da
lidade do homem n a realidade e n a produção d o produção e uso do conhecimento.
conhecimento, de modo a p e r m i t i r ao mesmo
tempo u m a melhor compreensão d a realidade e ssual
do homem como o ser determinante e determi- - "Concertação o u convergência de várias dis-
nado. ciplinas com vistas à resolução de u m proble-
m a cujo enfoque teórico está, de algum modo,
ligado ao da uca o o u da decisão" (Japlassu,
PROPOSIÇÕES S O B R E O S E N T I D O DA 1976: 32).
INTERDISCIPLINARIDADE • Articulação orgânica de conteúdos e de disci-
Há m u i t a s descrições a respeito de q u a l plinas.
seja o s e n t i d o e significado prático d a i n t e r - • Instauração de diálogo entre várias discipli-
d i s c i p l i n a r i d a d e . R e g i s t r a m o s , a seguir, u m a nas, buscando a unidade do saber.
listagem a p a r t i r da l i t e r a t u r a e das descrições B u s c a de interação entre duas o u mais disci-
de professores e m seminário sobre o t e m a . plinas.
Pode-se v e r i f i c a r que elas convergem p a r a u m Movimento de interação de áreas de conheci-
mesmo e n t e n d i m e n t o , cada u m a delas a p r e - m e n t o diferentes, visando a superação da
s e n t a n d o u m ângulo d a questão o u e x p r e s - visão fragmentada da realidade.
sando apenas de m o d o d i f e r e n t e o m e s m o Metodologia pluralista, caracterizada por crí-
p o n t o de v i s t a . Essas ideias podem ser a g r u - tica permanente.
padas segundo a ênfase que estabelecem so- Movimento de saber orientado pela busca per-
b r e d i f e r e n t e s aspectos paradigmático (ótlca), manente de relações recíprocas de conheci-
p r o c e s s u a l , técnico, de r e s u l t a d o s . Vejamos, mento, de maneira a deslocar suas fronteiras.
p o i s . a l g u n s enfoques: V i a possível de ampliação do exercício crítico.
BI
- Complementaridade e Integração de áreas visando tanto a produção de novos conhedmen-
diferentes de estudo. Itos, como a resolução de problemas, de modo
global e abrangente. A p a r t i r deles, e c o m o
Técnico sentido de alargá-los, como u m a praxis, isto é,
- U m a ferramenta utilizada para superar a um processo de reflexão-ação, a interdisciplina-
fragmentação do ensino. ridade ganha foro de vivência (escapando à dis-
llnaridade) e estabelece a hominizaçáo em
- U m a ferramenta utilizada para produzir no- u processo.
vos conhecimentos, pela integração dos j á
produzidos. O pensar e o agir interdisciplinar se apoiam n o
noípio de que n e n h u m a fonte de conhecimento
De resultados e m s i mesma, completa e de que, pelo diálogo
- Superação d o saber disciplinar. 3fcom outras formas de conhecimento, de maneira
fpi se interpenetrarem, surgem novos desdobra-
- Síntese de duas o u mais disciplinas, de modo mentos na compreensão da realidade e sua repre-
a estabelecer u m novo nível de representação sentação (Fazenda. 1979). A interdisciplinaridade
d a realidade, mais abrangente, de que resulta Hbnbém se estabelece a partir d a importância e
o estabelecimento de novas relações. ^necessidade de u m a contínua intcrlnfluência de
- "Formação do cidadão do m u n d o , quer dizer, >j teoria e prática, de modo que se enriqueçam reci-
pessoas abertas à pluralidade de paradig- procamente.
mas, de horizontes c u l t u r a i s " (Vattimo, 1962: U m a série de proposições, entendidas como
16). do processo interdisciplinar, foram apon-
De todos esses entendimentos, apresen ta-se das pelos professores do Colégio Imperatriz
restrição aos referentes ao sentido de "ferramen- D o n a Leopoldina (Entre-Rios, Guarapuava - PR),
ta", apresentado em relação ao aspecto técnico, EJm um estudo sobre o tema, a saber:
por reforçar o sentido limitado e impessoal que - estabelecimento de ligação de disciplinas entre si;
se pretende superar c o m a interdisciplinaridade. estabelecimento de linguagem e orientação
A interdisciplinaridade, do ponto de vista d a comum entre os professores;
laboração sobre o conhecimento e elaboração do - integração do ensino à realidade;
mesmo, corresponde a u m a nova consciência da superação d a fragmentação do ensino para
realidade, a u m novo modo de pensar, que resul- promover a formação global e critica do aluno;
ta n u m ato de troca, de reciprocidade e integra- - formação do aluno para enfrentar os proble-
cao entre áreas diferentes de conhecimento. mas globais do m u n d o a t u a l .
63
Levando em consideração esses aspectos, e m |j • A realidade desse universo é dinâmica, estando
conjunto, e integrando-os, foi desenvolvido o se- em contínuo movimento, sendo construída so-
guinte conceito de interdisciplinaridade p a r a o cialmente.
contexto do ensino, c o m u m caráter operacional, 1 • A verdade é relativa, pois o que se conhece
de m o d o a orientar à ação: depende diretamente da ótica do sujeito cog-
"Interdisciplinaridade é o processo que envol- s' noscente. Vale dizer que a realidade não tem
ve a integração e engajamento de educadores, significado próprio, sendo este a ela atribuído
n u m t r a b a l h o conjunto, de interaçáo das disci- • pelo h o m e m .
plinas do currículo escolar entre s i e c o m a Quanto ao método, a interdisciplinaridade é
realidade, de modo a superar a fragmentação d o •[construída mediante:
ensino, objetivando a formação integral dos a l u -
nos, a fim de que possam exercer criticamente a R* O estudo das forças interativas que interligam
cidadania, mediante u m a visão global de m u n d o as várias dimensões que caracterizam u m fe-
e serem capazes de enfrentar os problemas c o m - nómeno. Vale dizer que a interdisciplinaridade
plexos, a i u pios e globais da realidade a t u a T . wL não é o b t i d a procurando estabelecer relações
B; entre conhecimentos considerados desvincu-
ladamente d a realidade.
PRESSUPOSTOS DA 1'fA construção do conhecimento interdisciplinar
INTERDISCIPLINARIDADE se processa por estágios o u etapas de matura-
A construção do conhecimento i n t e r d i s c i p l i - ção de consciência. E m v i s t a disso, o esforço
n a r 6 orientada por pressupostos e respectivos de construção d o conhecimento interdiscipli-
métodos, que se diferenciam diametralmente d a - I ' n a r constitui u m trabalho de construção d a
queles q u e orientam a construção d o conheci- | i • consciência pessoal globalizadora, capaz de
mento disciplinar especializado.
1
compreender complexidades cada vez mais
"amplas.
Como pressupostos fundamentais d a 6t i c a
Í
interdisciplinar tem-se: Embora complexa, a realidade é u n a , u m a vez
• A realidade, isto é, o campo e horizonte deter- que todos os seus aspectos são interdependen-
m i n a d o de vida, é construída mediante u m a tes, não têm significado próprio e sim no con-
teia de eventos e fatores que ocasionam conse- texto de que fazem parte. Consequentemente,
quências encadeadas e reciprocas. o conhecimento é unitário e as diversas ciên-
t** d a s se prendem umas às o u t r a s por vínculos
de profunda afinidade. O que é importante
64 65
conhecer sobre a realidade são suas caracte- JNTERDIS CTPLIWARIDADE COMO
S R O C E S S O D E CIRCULARIDADE ENTRF
rísticas unificadoras. ÍDISCIPLINAS
• O conhecimento produzido em qualquer área,
por mais amplo que seja, representa, apenas A interdisciplinaridade não consiste n u m a
de modo parcial e limitado, a realidade. A alorização das disciplinas e do conhecimen-
consciência d a parcialidade de nosso conheci- uzldo por elas. Conforme M o r l n (1985:33)
mento sobre a realidade supõe a necessidade a, "o problema não está em que cada u m a
de i r além dos limites postos pela visáo disci- a s u a competência. Está e m que a desen-
plinar, rompendo fronteiras. a o suficiente para articular com as outras
• T u d o está relacionado com tudo m a i s : causas, jetências (disciplinas e conhecimentos) que,
as em cadela, formariam o anel completo e
problemas e soluções estão totalmente i n t e r l i - Amico, o anel do conhecimento do conheci-
gados em u m grande continuum* (Peccei e Ike-
da. 1984: 14).
• "Tudo é Duplo, contudo tem pólos; tudo t e m o ão se trata, portanto, de eliminar a discipll-
seu oposto: igual e desigual são a mesma coisa; ade, embora se critique, como patológica
os opostos são Idênticos em natureza, mas orf i n Morin [19871 e Japiassu [1976]) a
diferentes e m g r a u ; os extremos se t o c a m ; ação e a fragmentação dos conhecimentos,
é ela mesma que oferece os elementos, a s
todas as verdades são meias-verdades; todas mações, as ideias que são utilizadas para
os paradoxos podem ser reconciliados" (Her- i r u m metaconhecimento (conhecimento
mes, segundo Schuré 1986: 72). phecimento).
• "O conhecimento é, como a riqueza, destinado
ao Uso. A posse do conhecimento sem ser ^ C o n h e c i m e n t o é, ao mesmo tempo, u m
acompanhada de u m a manifestação o u ex- éno multidimensional e inacabado, sendo
pressão e m Ação é como u m amontoado de ível sua completude e abrangência total,
metais preciosos, u m a coisa vã e tola" (Hermes, vez que, a cada etapa d a visão globalizadora,
segundo Schuré, 1986: 83). questões e novos desdobramentos s u r -
jTal reconhecimento n o s coloca, portanto,
do fato de que a interdisciplinaridade se
t u i em u m processo contínuo e interminá-
elaboração do conhecimento, orientado
Uma atitude crítica e aberta à realidade, c o m
66
o objetivo de apreendê-la e apreender-se nela, A circularidade deixa de ver barreiras entre
visando m u i t o menos a possibilidade de descre- áreas de conhecimento e, a partir de u m a área,
vê-la e m u l t o mais a necessidade de vivê-la ple- estabelece o diálogo com o u t r a , buscando nela
namente. »elementos necessários para o alargamento expli-
Nesse caso, procura-se estabelecer u m méto- . cativo de a l g u m a problematização proposta, de
do, o menos mutilantc possível, que p e r m i t a gmodo a superar a s concepções redutoras e dis-
estabelecer o diálogo entre conhecimentos dis- i u i t o r a s das disciplinas isoladas.
i,4
68
produzido e para orientar a produção de u m a de produzir conhecimento passa a ser questio-
nova ordem de conhecimento. nado e demanda-se uma epistemologia capaz de
À ultrapassagem dessa circunstância é pos- estabelecer u i n novo processo de conhecimento,
sível, motivada e orientada pela lógica interdis- que é propiciado apenas m e d i a n t e o permanente
ciplinar que i n d i c a o movimento c i r c u l a r da confronto entre diferentes (Feyerabend, 1989).
busca d a u n i d a d e na diversidade. No campo d o ensino a Interdisplinaridade
constitui condição para a m e l h o r i a da qualidade
1. Awdliar o estabelecimento da unidade do co- do ensino mediante a superação contínua da s u a
nhecimento construído Já clássica fragmentação, u m a vez que orienta a
De acordo c o m Habermas, "o conhecimento é formação global do homem.
c o m u m entre as disciplinas", sendo possível, e m
vista disso, observar-se que há entrevarias áreas 1. No plano imediato, a formação integral ocorre
de conhecimento diferenças m u i t o maiores de n a medida em que os educadores estabelecem:
linguagem e simbologia, do que conceituai, s u b -
a) o diálogo entre suas disciplinas, eliminan-
sistindo essa diferença menos pelo sentido da
do as barreiras artificialmente postas entre os
busca da verdade, e mais pelo Jogo de poder de
conhecimentos produzidos;
pessoas que u s a m o conhecimento para p r o m o -
ção pessoal, o u , ainda, pelo isolamento e falta de b) a interação entre o conhecimento e a reali-
comunicação dessas pessoas e descuido e m es- dade concreta, a s expressões de vida, que sempre
tabelecer o diálogo entre os segmentos de conhe- «dizem respeito a todas as áreas de conhecimento.
cimento que produzem.
32. No plano mediato, a melhoria d a qualidade de
jCnsino corresponde a u m a m e l h o r i a da qualida-
2. Promover avanço do conhecimento
d e de vida, u m a vez que possibilita ao aluno u m a
Com esse objetivo, cria-se novos horizontes,
novas analogias, nova linguagem e novas estru-
turas conceituais. Na medida e m que o campo
t sáo global de m u n d o e de s i mesmo no m u n d o ,
le pode p e r m i t i r o enfrentamento da realidade
$5 a superação do sentido de fragmentação, de
em que são exercidas as atividade» h u m a n a s e Múvlda negativa, de medo de erro na escolha d a
elas próprias são questionadas, tprna-se grada- profissão, etc.
tivamente m a i s complexa a compreensão d a rea-
lidade. E m consequência, o modo simplificador
71
•
O C O N T E X T O D E DESENVO) VIMENTO Assim, a interdisciplinaridade se constitui em
INTERDISCIPLINAR u m a forma de ver o m u n d o que encontra paralelo
n a Ecologia, n a Gestalt, n o Holismo, no movi-
O enfoque Interdisciplinar consiste n u m es- m e n t o d a Qualidade Total, n a Teoria de Siste-
forço de busca d a visão global d a realidade, como mas, que estabelecem, a partir do mesmo ponto
superação das Impressões estáticas, e do hábito de vista, novos e similares instrumentos concei-
de pensar fragmentador e simplificador da reali- tuais e metodológicos para promover a com-
dade. Ele responde a uma necessidade de t r a n s - preensão do m u n d o que p e r m i t a ao homem
cender a visão mecanicista e linear e estabelecer resolver os problemas amplos com que se defron-
u m a ótica globalizadora que vê a realidade, e m ta, segundo u m a visão interativa e globalizadora.
seu movimento, constituída p o r u m a teia dinâ-
mica de inter-relações circulares, visando esta- O desenvolvimento d a ótica interdisciplinar
belecer o sentido de unidade que ultrapassa a s se assenta sobre o entendimento d a pluridimen-
impressões fracionadas e o hábito de pensar e de sionalldade e complexidade dá realidade que,
exprimir-se por pares de opostos, como condição aliás, dá origem às múltiplas representações em
e resultado final do processo de produção do áreas e teorias diferentes. A compreensão desse
conhecimento. fato leva a que se veja a realidade social, e m
qualquer contexto e sem excluir o escolar, como
A complementaridade de contrários é consi- dividida e pluralista.
derada a chave p a r a elucidar as relações dialéti-
cas dentro da dualidade dos opostos, condição, Conclui-se, pois, ser inviável admitir para orien-
por sua vez, necessária para o estabelecimeto de tar a educação uma visão única e válida para todos
u m a visão de unidade da realidade, constituída os contextos e segmentos educacionais (Pavianni,
por u m vasto conjunto de sistemas caracterizado 1988). A menos que essa concepção seja suficien-
por uma teia de interações (Oliveira, 1989). temente abrangente e crítica, para permitir a refle-
xão sobre os contrastes e contradições nela
A prevalência desse enfoque Já marcou, e m presentes e em suas relações com a sociedade.
outros tempos, o pensamento de Hermes (3000
aC) no q u a l o pensamento grego se abeberou e Como a realidade de cada grupo social e seu
foi expresso por Heráclito de .íjfèso (Oliveira, projeto de sociedade apresentam-se múltiplos e
1989). fazendo também parte da visão taoísta e até mesmo em conflito, é coerente com a ótica
hinduísta de m u n d o , como tarribérn da física interdisciplinar fazer emergir as múltiplas faces
moderna e de alguns princípios filosóficos d a e conflitos e fazê-los confrontar, dialogar, como
Ciência (Capra. 1991). forma de transformação d a prática escolar.
73
Deixar de considerar as p<íssibilidades de
confronto entre as diversas concepções de ensino
e colocá-las como competidoras e derrotadoras
umas das o u t r a s corresponderia a limitar o sen-
tido d a educação, b e m como a estabelecer u m a
ideia de homem (e de educação) geral e abstrata,
Imutável e definitiva.
Portanto, desenvolver a interdisciplinaridade
implica em a d m i t i r a ótlea pluralista das concep-
ções de ensino e estabelecer o diálogo entre as
mesmas e a realidade escolar para superar suas
limitações. Corresponde, pois, a reconhecer que
"a ordem da ação não está presidia por u m só
critério, não é perfeita, é produzida pela confron-
tação de pontos de vista n u m diálogo permanen-
te, que pressupõe a presença de valores por vezes
Incompatíveis" (Novaes, 1992: 14).
74
Considerando que a construção interdisciplinar
centra-se no forjamento do conhecimento em
estreita e intima interconexáo com ávida e inter-
comunhão com os seres, nela é fundamental o
homem, que toma o conhecimento como media-
dor de s i mesmo e a realidade que torna objetiva.
É a partir das representações que os indiví-
duos fazem de s u a realidade, que sobre ela agem,
sendo importante situá-lo e a s u a praxis no cerne
da discussão interdisciplinar.
CARACTERIZAÇÃO D O ESFORÇO
I N T E R D I S C I P L I N A R NA E S C O L A
A i n d a é incipiente, no contexto educacional,
o desenvolvimento de experiências voltadas para
a prática intencional de construção interdiscipli-
nar. E m vista da falta de padrões de referência,
bem como do arraigamento a atitudes dicotomi-
zadoras, há muita insegurança a respeito dessa
prática. Surgem então questionamentos a res-
peito do que seja ou não a prática, a fim de que
se tenha parâmetros de segurança para o enten-
dimento da mesma.
Lembre-se, no entanto, que a discussão sobre
o que é e o que não é interdisciplinaridade pode
estar m a i s associada ao pensamento fragmenta-
77
dor, que estabelece, de maneira artificial, catego- A s s i m , p o r t a n t o , entende-se todo esforço
r i a s mutuamente excludentes e e l i m i n a a visão orientado por u m a intenção de construção d a
de continuidade entre as diversas dimensões de interdisciplinaridade, como parte de u m proces-
u m a mesma realidade, b e m como separa o pen- so contínuo, caracterizado por estágios sucessi-
s a r do fazer e deixa de considerar o movimento vos de significação cada vez m a i s ampla, como
concomitante de construção de experiência e do u m a verdadeira praxis, que v a i alargando o en-
conhecimento correspondente, tendimento dos professores envolvidos, ao mes-
m o tempo q u e v a i transformando a realidade
E m vista disso, é importante compreender pedagógica.
que, em vez de estabelecermos o que é e o que
não é interdisciplinaridade, devemos entender as Consequentemente, os primeiros esforços de
diferentes manifestações no sentido de realiza- professores q u e se engajam n o processo de cons-
ção do movimento interdisciplinar. Essas m a n i - trução de u m a prática interdisciplinar, caracte-
festações, em seu estágio inicial, podem não riza-se, sobremodo, pela construção de u m
representar, segundo aqueles que visualizam o trabalho de equipe, pelo estabelecimento do diá-
processo em seu ponto de chegada, u m processo logo entre professores, de modo que conheçam
interdisciplinar completo. Tal j u l g a m e n t o levaria os seus respectivos trabalhos. À medida que esse
a que se abandonasse u m a vertente de ação, entendimento é conseguido, percebem que ele
considerada errada, para adotar o u t r a , n a espe- não basta, que é necessário questionar o próprio
rança (e n a dúvida) de estar certa, o que, por s i conhecimento e a forma como é produzido e
só, estabeleceria a fragmentação da ação, em trabalhado.
relação ao agente, em relação ao pensar, dentre Segundo, pois, o estágio de maturidade cole-
outros aspectos. tiva dos professores, a prática interdisciplinar se
expressa em diferentes níveis de profundidade
Para que a busca d a interdisciplinaridade se e m diferentes escolas, não se devendo rotular
c o n s t i t u a em u m processo efetivamente interdis- como não sendo Interdisciplinar a prática daque-
ciplinar, é necessário que seja considerada como les que se esforçam para t a l , embora estejam
u m movimento c o n t i n u o de superação de está- ainda apenas dialogando entre si sobre seus
gios limitados de significado e abrangência, isto conteúdos, sem estabelecer u m a visão mais alar-
é, que seja busca e por isso mesmo sujeita a gada d a realidade. É importante, outrossim,
situações de tatelo e até mesmo inicialmente i d e n t i f i c a r esforço, valorizá-lo, identificar as
distanciadas da interdisciplinaridade. transformações alcançadas e orientar o alcance
de novos níveis de visão interdisciplinar.
78
Não há receitas para a construção interdisci- m u i t o c o m u m que é o de apresentar r e c r i m i n a -
p l i n a r n a escola. Ela se constitui em u m processo ções a pessoas o u grupos de pessoas, como se
de intercomunicação de professores que não é não se fizesse parte deles (isto é, "os professores"
dado previamente e s i m , construído por meio de e não nós]. Trata-se de u m a visão idealizada de
encontros e desencontros; hesitações e dificulda- comportamento e não engajada, u m a vez que
des, avanços e recuos, tendo em v i s t a que, ne- estabelece a pressuposição de que individualis-
cessariamente, se questiona a própria pessoa do m o , omissão, acomodação, fossem característi-
professor e seu modo de compreender a realida- cas dos outros e totalmente ausentes nos que as
de, n o processo. Daí por que seus altos e baixos. identificam.
Enquanto a representação da realidade pode
RELAÇÃO E N T R E A T I T U D E E ser a s s i m polarizada, o mesmo não acontece com
INTERDISCIPLINARIDADE a realidade ela mesma. Assim, veriflca-se que o
comportamento h u m a n o se expressa de forma
Reconhece-se que. p a r a o desenvolvimento dinâmica, mediante u m complexo processo de
d a interdisciplinaridade, é fundamental que haja resolução de forças polares interiores, como por
diálogo, engajamento, participação dos professo- exemplo:
res, n a construção de u m projeto c o m u m voltado
p a r a a superação d a fragmentação do ensino e egoísmo altruísmo
de seu processo pedagógico. No entanto, essas omissão participação
não são características facilmente encontradas individualismo espírito de grupo
nas escolas em geral. Registra -se, e m m u i t a s isolamento engajamento
delas, muito mais u m desejo de que t a l situação
ocorra, acompanhado de grande lamentação acomodação ação
pela dificuldade d a prática pedagógica, e m decor- atenção dispersa atenção concentrada
rência dessa falta. sujeito objeto
É c o m u m os professores queixarem-se ser
-impossível praticar a interdisciplinaridade, por O relacionamento interpessoal se processa
causa do individualismo, comodismo e até mes- dinamicamente e nele as polaridades se asso-
mo d o egoísmo dos professores". "Os professores ciam dialetlcamente, podendo, no entanto, m a -
não assumem posições, não se preocupam com nifestar, em certos momentos, e segundo o
o colégio como u m todo", dizem u n s . E interes- c o n j u n t o de circunstâncias e as avaliações que
sante identificar e m tais depoimentos u m cará ter se fazem a ele, mais u m pólo e menos outro, das
80 81
— ÉáJÉÀJ —•-'
dimensões possíveis de comportamento. Há que se - levar as pessoas a expressarem suas ideias,
considerar, n o entanto, que, n a unidade dialética,
"os dois pólos nào se reduzem u m ao outro (como - aceitar ideias dos outros,
no idealismo ou, em contraposição, no realismo - aceitar a possibilidade de errar,
mecanicista), mas se reclamam u m ao outro e se - dar tempo aos colegas de manifestarem suas
exigem em reciprocidade" (Marques, 1988: 24). opiniões,
A questão que se apresenta é sobre como - superar a insegurança,
podemos agir e m situações concretas, de m o d o - desenvolver maior autoconfiança,
a superar atitudes que potencializem poucos
resultados e as transformemos em energia posi- - trabalhar cooperativamente.
tiva e superadora da atitude dicotomizadora.
Essas ideias, emergentes do contexto de pro-
Podemos identificar ações concretas e objetivas
fessores, podem servir como indicador para que
que podemos assumir para orientar nosso esforço
esses profissionais hajam de modo a criar as
pessoal no sentido da superação das atitudes
bases para a construção d a interdisciplinaridade
limitadoras e potenciallzação das positivas. A mes-
em seu trabalho pedagógico.
m a deve ser interpretada em seu caráter de i n s p i -
ração e não normativos. Assim u m grupo de
professores propôs-se a agir no sentido da cons- I N T E R D I S C I P L I N A R I D A D E E A FORMAÇÃO
trução interdisciplinar, valendo-se de procedimen- DO H O M E M
tos e atitudes tais como listados:
A educação t e m por finalidade contribuir para
- usar a oportunidade para falar, expressar m i - a formação do homem pleno, inteiro, uno, que
nhas ideias, alcance níveis cada vez mais competentes de inte-
- expressar crítica construtiva, gração das dimensões básicas - o eú e o mundo -
- fazer autocrítica, como u m processo contínuo a fim de que seja capaz de resolver-se, resolvendo
de compreender-se n o m u n d o , os problemas globais e complexos que a vida lhe
- estudar mais para aprofundar a prática, apresenta, e que seja capaz também de, produzin-
do conhecimentos, contribuir para a renovação da
- aceitar ideias novas, sociedade e a resolução dos problemas com que os
- respeitar os limites de cada u m , diversos grupos sociais se defrontam.
- respeitar e valorizar as Ideias diferentes das Essas duas dimensões - o eu e o m u n d o -, n o
próprias. entanto, estiveram, desde o m u n d o grego, que
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83
-
sobremodo Influenciou o conhecimento ociden- h u m a n a e de u m homem não n a t u r a l " , de acordo
tal, separadas, em decorrência da maneira como com Moscovici (apud M o r i n , 1988: 13).
o conhecimento era considerado. Sócrates e seu Trata-se, pois, no cerne d a interligação das
discípulo Platão consideravam como sendo a óticas, de produção do conhecimento, de superar
principal função do conhecimento promover o as separações e até mesmo oposições existentes
autoconheclmento (o "conheçá-te a t i mesmo", e apontadas por M o r i n (1988) entre as noções de
colocado no Oráculo de Delfos), com vistas a homem e de animal, de c u l t u r a e de natureza.
promover o crescimento moral, intelectual e es- Essa superação é possível a partir do e n t e n d i -
p i r i t u a l . Consistia no caminho para a sabedoria. mento de que tudo t e m u m a dupla dimensão:
Essa mesma atribuição é dada ao conhecimento, u m a objetiva, ligada às operações práticas, i m e -
entre os orientais, pelo Taoísmo e o Zen. E n t r e - diatas e materiais e o u t r a subjetiva, m e n t a l e
tanto, Protágoras considerava como p r i n c i p a l espiritual, ligada às questões não utilitárias. T r a -
função do conhecimento a capacitação da pessoa ta-se, pois, de restabelecer a intercomunhão e n -
para tornar-se eficaz, como caminho para o aper- tre as diversas dimensões d a vida e dos seres e
feiçoamento e o sucesso n a Terra. Esse enfoque de estabelecer a prática de pensar, a n a l i s a r e
corresponde, entre os orientais, ao Confucionis- r e p r e s e n t a r a realidade s e g u n d o u m esforço
mo. de intercomunicação c o m os outros (Marques,
Estabeleceu-se pois, desde então, u m a dico- 1988).
tomia das funções do conhecimento, que p o l a r i - Essa interligação se caracteriza como f u n d a -
zava o significado da vida: o u espiritualizar-se mental n a orientação do trabalho de recuperar a
em total abandono d a dimensão material e per- dinâmica das relações recíprocas do próprio s u -
dendo a vida mais rapidamente por causa disso, jeito do conhecimento consigo mesmo, com seus
o u tecnificar-se, materializando a vida e perden- semelhantes, com o produto social do seu t r a b a -
do o sentido de humanização e transcendência. lho e c o m a natureza, de modo que se veja como
ser global e e m relação. Essa premissa cabe t a n t o
A visão interdisciplinar corresponde, portanto, a educadores, quanto a educandos.
a estabelecer a interligação dessas duas concep-
ções que, a cada momento, em cada circunstân- Desse modo, privilegia-se a prática de u m a
cia, se veja o homem por inteiro, reconhecendo educação e m que professores e alunos se v i s u a -
a ii 1Ioração dlalética entre duas dimensões: m a - lizem por i n t e i r o no processo, estabelecendo-se
terialidade - espiritualidade, corpo-alma, de u m a mudança de atitude a respeito da formação
modo "a pôr termo à visão de u m a natureza não e ação do homem, das quais fazem parte, os
84 85
as¡>ectos afetlvos, relacionais e éticos, concomi- corpo e vitalidade, como condição para a supe-
tantemente com os racionais, lógicos e objetivos. ração dos problemas de fragmentação do ensino.
Sabe-se que toda inovação gera resistência,
RESISTÊNCIAS À ADOÇAO D O E N F O Q U E sobretudo quando deixa de levar em considera-
INTERDISCIPLINAR ção a c u l t u r a dos grupos onde é implantada,
mediante imposição de fora para dentro e de c i m a
A Ideia de superação da fragmentação do para baixo, que desconsidera qualquer elemento
ensino não é nova, afirmam os professores. A do modo de ser e de fazer do grupo e que possa
concepção do currículo, proposta no final do c o n s t i t u i r s e em base para sua transformação.
século passado, já indicava u m a preocupação Interdisciplinaridade não deve ser considera-
com a fragmentação e procurava oferecer o Ins-
t r u m e n t a l conceituai necessário ao estabeleci- da, n o entanto, como u m a inovação em seu
mento d a unidade do ensino. A Lei 5692/71, que sentido pleno, u m a ideia nova, m u i t o embora
p r o p u n h a a integração vertical e horizontal das muitos professores tenham ouvido falar desse
disciplinas, procurou orientar a superação dessa tema apenas recentemente. Ela cristaliza a preo-
fragmentação. Igualmente, o método de projetos cupação e o interesse pela superação de u m
que foi m u i t o popular em certa época. Esses problema que tem preocupado os professores, de
aspectos correspondem, n o entanto, a estágio u m modo geral e de longa data. E torna-se ne-
elementar e inicial do processo. cessário que assim seja entendida. Enquanto
c a m i n h a d a de construção do conhecimento e d a
Verifica-se, por conseguinte, que apenas ago- prática pedagógica mediante u m a nova ótica,
r a ela surge com a força d a sustentação de u m a mais se distancia do sentido de inovação e se
fundamentação que corresponde ao atendimeto caracteriza como transformação, como vivência
de necessidade percebida pelos profissionais da i n t u i t i v a e experiência h u m a n a que elabora e
educação em geral, e não apenas por aqueles que reelabora, em seu contexto histórico, seu próprio
a t u a m em seu nível macro-adminlstrativo. T r a - situar-se, sua própria síntese de normas criado-
ta-se de u m a concepção que veio evoluindo grada- ras, s u a capacidade de pensar e sua própria
tivamente, por meio do amadurecimento pedagó- racionalidade, conforme indicado por Marques
gico. Ela não vem para s u b s t i t u i r outras formas (1988).
de açáo, como comumente t e m ocorrido até ago-
ra, q u a n d o novas ideias se apresentam, mas Os problemas relacionados às dificuldades de
para s u p e r a r as anteriores. E é Justamente por múltiplos estímulos dissociados e até contradi-
esse sentido que a interdisciplinaridade ganha tórios entre si, sobre as pessoas, e m seu cotidia-
no, b e m como as dificuldades resultantes da
HG 87
busca de soluções por aspectos isolados, têm Para concluir, lembra-se que n a d a é mais
elevado o nível de angústia vivencial e a ansieda- i m p o r t a n t e e significativo do que u m a ideia cujo
de pela busca de u m referencial que as ajude n a tempo chegou. A interdisciplinaridade corres-
solução de problemas. T a l segurança não existe, ponde a essa imagem n o contexto do ensino, que
pois não existem modelos, m u l t o menos receitas leva à construção d a necessária e urgente h u m a -
para a prática interdiscipUnar. nização pela visão globalizadora, dai o porquê de
O estabelecimento dé u m trabalho de sentido sua importância.
interdisciplinar provoca, como toda açâo a que Fica o desafio aos educadores, no sentido de
não se está habituado, u m a sobrecarga de t r a - que se esforcem por assumir u m a a t i t u d e inter-
balho, u m certo medo de errar, de perder p r i v i - disciplinar que, associada ao empenho p o r m u -
légios e direitos estabelecidos (por menores que dar n o exercício d a prática, acreditamos há de
sejam). A orientação pelo enfoque interdiscipli- tornar o trabalho educacional mais significativo
n a r para orientar a prática pedagógica implica e m a i s produtivo.
em romper hábitos e acomodações, implica e m
buscar algo novo e desconhecido. É, certamente,
u m grande desafio.
Dados, portanto, os riscos inerentes a essa
situação, o estabelecimento da interdisciplinari-
dade provoca reações de resistência, apesar de
aceita intelectualmente. Parte de nós a deseja e
aceita; parte a rejeita; mas a rejeição ocorre não
pelos resultados que possa produzir, e sim, pelo
trabalho que promove, pelo desaloj amento de
posições confortáveis que provoca. O fundamen-
tal no desenvolvimento da interdisciplinaridade
é uma questão da atitude, conforme reiterada-
mente indicado por Fazenda (1979, 1991).
É básico que aceitemos a condição da asso-
ciação de trabalho à produção de resultados. Não
podemos ser como rio "que faz o curso sem sair
do leito" (assim, pelo menos, à primeira vista nos
parece).
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