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Resumo | O Slow Food é um movimento internacional que valoriza os produtos alimentares tradicionais,
artesanais e locais. Privilegia a culinária na sua origem, relacionando-a com os hábitos e cultura de um
povo. Preserva a biodiversidade e a sustentabilidade do mundo rural defendendo o prazer de uma expe-
riência gastronómica. É um movimento que surge como expressão alternativa do fast food, mas ainda
sem registo nos Açores. Este projeto promove a sua implementação nesta Região, com o aproveitamento
dos recursos naturais, culturais, gastronómicos e tradicionais que tanto a valorizam. Tem por base a
incrementação do valor da identidade gastronómica e cultural do arquipélago, potenciando o seu setor
turístico. Foram efetuados inquéritos a Chefs, empresários, outros agentes e pessoas singulares ligadas
à restauração e à gastronomia local, para complementar o estudo de implementação deste conceito nos
Açores. Os resultados demonstram que a maioria dos inquiridos já tem algum conhecimento da filosofia
Slow Food, abordam o tema com entusiasmo e reconhecem ser uma experiência diferenciadora que
valorizará a oferta turística. O Slow Food visa atingir um nicho de mercado sensibilizado pela procura
de produtos turísticos naturais, representando simultaneamente uma fuga aos destinos massificados, na
procura do sossego e tranquilidade que a natureza pode oferecer.
Abstract | Slow Food is an international movement that values the regional traditions, artisanal and
local food. It privileges the cuisine at its source linking it to the habits and culture of a people. It
* Licenciada em Turismo pela Universidade dos Açores, Mestre em Gestão do Turismo Internacional pela Universidade
dos Açores, Técnica de Controlo de Qualidade, Responsável de Compras e formadora na Associação Açoriana de Formação
Turística e Hoteleira (AAFTH).
** Doutorada em Ciências Económicas e Empresariais pela Universidade dos Açores, Professora Auxiliar na Faculdade
de Economia e Gestão da Universidade dos Açores e membro do Centro de Estudos de Economia Aplicada do Atlântico
(CEEAplA).
*** Doutorado em Engenharia de Sistemas pela Universidade de Lisboa, Professor Auxiliar na Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade dos Açores e membro do Núcleo Especializado de Investigação e Desenvolvimento em e-Saúde.
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preserves biodiversity and the sustainability of the rural world, defending the pleasure of a fine dining
experience. This movement emerges as an alternative expression of fast food in the world today though
does not yet exists in the Azores. This project promotes the implementation in this region, with the use
of natural, cultural, gastronomic and traditional resources that both value. It is based on incrementing
the value of the gastronomic and cultural identity of the archipelago, enhancing its tourist sector. Ques-
tionnaire surveys were made to Chefs, managers, agents and other individuals linked to the restoration
and local cuisine to complement the study of implementation of this concept in the Azores. The results
show that the majority of respondents already have some knowledge of the Slow Food philosophy; they
approach the subject with enthusiasm and acknowledge to be a distinctive experience that will value the
tourist offer. Slow Food aims to reach a niche market moved by demand for natural tourism products,
while representing an escape from the mass market destinations in search of peace and tranquility that
nature can offer.
Governo dos Açores, a Câmara do Comércio e In- caso do turismo gastronómico (Theobold, 1994;
dústria de Ponta Delgada e a SATA Air Açores - Quan & Wang, 2004; Fields, 2002). Contudo,
fundou a Escola de Formação Turística e Hoteleira tem havido pouca investigação sobre essa relação
(EFTH). Este estabelecimento de ensino ministra entre a gastronomia e o turismo, embora os in-
cursos formação inicial e formação contínua, com vestigadores contemporâneos aceitem que é um
particular destaque para a restauração, e tem um assunto complexo e multifacetado (Long, 2004).
papel ativo na promoção dos Açores e da gastro- Relativamente aos motivos que tornam o turismo
nomia açoriana através da organização de eventos gastronómico bem-sucedido, ou porque este tem
gastronómicos, tanto a nível local, como nacional êxito em determinado tempo ou local e não nou-
e internacional. Estes eventos promovem ainda a tro, ainda não foram abordados em pormenor e,
transferência de conhecimento entre os profissio- portanto, merecem maior consideração e um es-
nais que trabalham na área da restauração, nome- tudo mais aprofundado (Long, 2004; Moscardo,
adamente ao nível de novas técnicas e tendências. 2000).
Umas das principais tendências com potencial Numa determinada região, a gastronomia
de crescimento elevado na Europa é o Slow Food. ajuda a diversificar o turismo e a estimular a loca-
O Slow Food segue o conceito da ecogastronomia, lidade, contribuindo para o desenvolvimento local,
conjugando o prazer e a alimentação com cons- regional e nacional. Além disso, o turismo gas-
ciência, com qualidade e com responsabilidade. tronómico engloba valores éticos e sustentáveis,
Preserva a origem e sabor dos alimentos, inviabi- baseados no território, na terra, no mar, na cul-
lizando o desaparecimento das tradições culinárias tura local, nos produtos locais, na autenticidade
regionais (Slow Food, 2011). das atuais tendências culturais (UNWTO, 2016).
O principal objetivo deste projeto é avaliar, Pine e Gilmore (1999) argumentam que o con-
através de inquéritos, as opiniões e perceções dos sumidor já não quer pagar apenas pela obtenção de
Chefs, empresários, outros agentes e pessoas sin- um serviço básico, mas sim pela oferta de uma ex-
gulares locais ligadas ao setor da restauração e be- periência completa e única. No caso da gastrono-
bidas, em relação ao movimento/conceito de Slow mia, as pessoas estão dispostas a pagar mais pela
Food, às formas mais eficazes de o divulgar, aos va- oferta do valor acrescentado que uma experiência
lores que o caraterizam e ainda em relação ao con- gastronómica proporciona. Por sua vez, constitui-
tributo que a sua implementação pode dar para a se, assim, uma porta de entrada para a cultura,
valorização cultural da gastronomia local, incenti- criatividade e paisagens locais. As experiências
vando o desenvolvimento do turismo gastronómico gastronómicas podem estimular o desenvolvimento
nos Açores como um produto turístico complemen- local na medida em que o turismo gastronómico é
tar. um tipo de turismo rentável, podendo ser um fator
para prolongar a estada do turista e diversificar as
economias rurais (UNWTO, 2016).
a figura 1 demonstra.
justas para todos os envolvidos no processo, cia. Articulam relações com os produtores, fazem
desde a produção até ao consumo. campanhas para proteger produtos alimentares tra-
A associação internacional Slow Food coordena dicionais, organizam degustações e palestras, en-
eventos e projetos que defendem as tradições ali- corajam os Chefs a usar alimentos regionais, indi-
mentares locais, protegem as comunidades dos ali- cam produtores para participar em eventos inter-
mentos, preservam a biodiversidade alimentar e nacionais e lutam para levar a educação do gosto
promovem produtos de qualidade, nomeadamente às escolas.
os artesanais, conforme os seus princípios básicos. Os Convívios estão para o Slow Food como os
Exemplos disso são o Salone Del Gusto e Terra Ma- Capítulos estão para as comunidades confrádicas,
dre, Cheese, Slow Fish, Fortalezas, Arca do Gosto, pois o intuito é o mesmo, a troca de experiências
Oficinas e Laboratórios do Gosto e ainda Projetos gastronómicas e o convívio entre as pessoas que
Comunitários e Intercâmbios que visam proteger o partilham o mesmo gosto e da mesma área. Atual-
inestimável património gastronómico. mente são mais de oitocentos e cinquenta convivia
Um dos maiores festivais gastronómicos de Slow Food pelo mundo fora. Portugal atualmente
Portugal tem lugar nos Açores. É organizado pela conta com sete convívios de Norte a Sul do país.
Escola de Formação Turística e Hoteleira e decorre
anualmente no restaurante de aplicação desta en-
tidade, o Restaurante Anfiteatro. Durante 10 dias, 3.2. Enquadramento do Slow Food no Slow
o evento acolhe 10 Chefs de renome nacionais e in- movement
ternacionais, inclusive alguns destes com estrelas
Michelin. O Slow Movement surgiu como antítese do tu-
rismo de massas sendo um tipo de turismo holístico
(Conway & Timms, 2010). É um tipo de turismo
3.1. Os convívios Slow Food caracterizado como sendo de pequena escala, mi-
nimalista nos impactos sociais e ambientais, flexí-
A organização deste movimento tem represen- vel e com oferta de experiências turísticas autênti-
tantes locais que são os denominados convívios cas (Poon, 1994). É baseado na filosofia do Slow
onde são promovidos todos os eventos, debates Food. A partir deste movimento inicial, surgiram
e outras iniciativas. São a espinha dorsal do Slow outros paralelos como é o caso do Slowcities ou
Food e os mesmos tornam-se possíveis somente Cittaslow.
pelo incansável trabalho dos associados. A categoria Slow City confere à cidade um selo
Cada novo membro é ligado ao convívio geo- de qualidade e de marca que funciona como uma
graficamente mais próximo da sua área de residên- distinção.
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e, por último, 5,8% afirmam que “O rendimento Após a análise descritiva da secção anterior,
disponível permite viver confortavelmente”. apresentam-se a análise de resultados dos testes
Terminada a caracterização sociodemográfica do Qui-quadrado e ANOVA por forma a avaliar a
da amostra, prossegue-se com o conhecimento da existência de diferenças significativas de cada um
mesma em relação ao conceito de Slow Food. Aqui dos seguintes aspetos, relativamente às caracte-
constatou-se que a maior parte, representando rísticas sociodemográficas dos inquiridos: “as for-
71% da amostra, afirma conhecer o conceito. mas de comunicação e divulgação do conceito Slow
Os inquiridos que responderam afirmativa- Food”; “os valores que caracterizam o Slow Food”;
mente à questão anterior especificaram o modo e “a importância do movimento Slow Food e sua
como tomaram conhecimento do conceito. As aplicação nos destinos turísticos”. Note-se que a
respostas dividiram-se bastante pelas várias possi- validade dos testes é discutível tendo em conta a
bilidades e apurou-se que a parte mais significativa reconhecida falta de aleatoriedade da amostra. As-
tomou conhecimento através das redes sociais, sim, usam-se os testes de forma indicativa e não
com 24,7%; 24,5% afirmaram que tomaram co- conclusiva.
nhecimento através de amigos e familiares e, em Em primeiro lugar, pretende-se testar se exis-
terceiro lugar, através de revistas especializadas tem diferenças significativas em relação ao grau
sobre turismo, gastronomia, enologia ou biodiver- de importância atribuído às formas de comunica-
sidade, com 17,8%. Com frequências menores ção/ divulgação do movimento Slow Food relati-
estão os “líderes de opinião e a televisão”, com vamente às características sociodemográficas dos
8,2%, de seguida os “blogs”, com 6,8%, os “ví- inquiridos.
deos e associação empresarial/ profissional”, com Foram apresentadas doze formas de divulga-
4,1% e, por último, com 1,4%, estão as “feiras/ ção, que os inquiridos tinham de classificar numa
exposições ou outros eventos gastronómicos e a escala de 1 a 5, onde 1 correspondia a “Sem im-
sinalética colocada em locais aderentes ao Slow portância” e 5 a “Extremamente importante”.
Food” . A média situa-se nos 3,6, ou seja, os inquiri-
dos consideram importante a divulgação do con-
ceito. Nenhum dos inquiridos deu uma classifica-
5.2. Testes de hipóteses ção abaixo de 3,0, pelo que se conclui que conside-
ram importantes todas as formas de comunicação
Tendo em conta que o Slow Food é um con- apresentadas, conforme referenciado na figura 3.
ceito recente, e que a sua aplicação por parte dos Pode-se concluir que as redes sociais (atra-
destinos turísticos tem vindo a crescer ao longo dos vés da internet) são o meio de comunicação
anos, o questionário elaborado assumiu-se como considerado mais importante, seguido por fei-
uma primeira abordagem para o estudo da sua apli- ras/exposições e convívios Slow Food.
cação ao destino Açores.
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Perguntou-se aos inquiridos qual o seu grau de Analisando as respostas, verifica-se que a sua
concordância em relação a um conjunto de afirma- média geral se situa nos 4,5, existindo outras di-
ções relativas aos valores que caracterizam o Slow mensões com avaliação inferior e superior à média
Food, utilizando uma escala de 1 - “Discordo to- conforme se constata na Figura 4.
talmente” a 5 -“Concordo totalmente”.
Relativamente à variável “o paladar não é pro- as características sociodemográficas que mais in-
priamente o impulsionador da interação entre o sa- fluenciam a concordância com a aplicação do con-
bor e a espera entre cada prato de degustação” em ceito aos vários destinos turísticos.
analogia ao rendimento dos inquiridos verifica-se Relativamente à aplicação do questionário “A
que os inquiridos que responderam “o rendimento essência da gastronomia na valorização cultural:
disponível dá para viver” concordam mais com a A aplicação do conceito Slow Food nos Aço-
afirmação comparativamente aos que responderam res”, pode-se verificar que, a nível local, a maior
“ é difícil viver com o rendimento disponível”. parte dos inquiridos referiu já ter conhecimento
Comparou-se o grau de concordância das variá- do conceito Slow Food, maioritariamente através
veis em estudo em relação à idade dos inquiridos e do maior meio de comunicação atual, a internet,
constatou-se que esta não influencia as respostas sendo esta a principal aposta de divulgação. Pode-
para os diferentes níveis utilizados. No entanto, se constatar ainda que a maior parte dos inquiri-
ainda que os valores não sejam significativos para dos conheciam alguns dos princípios base do mo-
a variável “ecogastronomia”, observa-se que os in- vimento. Em relação à aplicação deste conceito
quiridos que não discordam nem concordam têm aos destinos turísticos, os inquiridos reconhecem
uma média de idade muito mais elevada do que os a sua importância e afirmam ser uma mais-valia
que concordam. para uma experiência turística diferenciadora.
Efetuando uma análise geral a estes resultados,
pode-se afirmar que as três hipóteses testadas ao
longo deste projeto foram todas validadas dentro
das limitações da falta de aleatoriedade da amos- 6. Conclusões
tra. Na H1 confirma-se uma extrema importância
Estão verificadas e reunidas as condições ge-
em divulgar o conceito de Slow Food para um me-
rais para que os Açores integrem este movimento
lhor conhecimento do mesmo. Na H2 atesta-se
internacional. Os Açores, tal como o Slow Food,
também que as características sociodemográficas
defendem e privilegiam os produtos de qualidade,
exercem influência no grau de concordância com os
valorizam os produtos gastronómicos locais, tendo
valores que caracterizam o conceito. Por último,
em vista a sustentabilidade dos recursos naturais
na H3 verificou-se que a idade e o rendimento são
e a defesa dos valores culturais humanos, além do
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