Professional Documents
Culture Documents
O poder de punir
Embora possa parecer um paradoxo, a idéia que permeia o serviço público está
impregnada da certeza da impunidade POR PARTE dos seus agentes. Esta certeza
acaba por impulsionar a prática de ilícitos administrativos em face da impressão (falsa)
da impunidade. Como forma de dar azo a estes pressupostos, constata-se que o assunto
em tela é desconhecido (ou pouco conhecido) pela grande maioria dos agentes públicos
que, inescusavelmente, não conhecem a codificação de deveres e proibições que deles
são esperadas quando da sua atuação no serviço público.
A premissa, aqui, é que o interesse público deve se sobrepor aos interesses particulares.
Desta forma, todo o servidor público, diferentemente dos particulares que dispõem do
seu acervo de bens da forma que lhes aprouver, o servidor não só não é proprietário dos
bens sobre os quais atua (e que pertencem à sociedade) ou dos meios que são
necessários ao exercício do seu labor, como também está sujeito a atrelar todas as suas
atividades a forma prescrita pela norma jurídica.
Desta forma, o comportamento e os atos levados a efeito pelo servidor são a ele
atribuídos pela própria Administração, porquanto, a Administração, como ente abstrato,
não pode, por si só, praticar estes atos e, para tanto, delega-os as pessoas físicas as quais
reveste das competências especificas para fazer e agir em seu nome (ROMANO, 1977).
Assim, deduz-se que aquele incumbido de agir em nome do Estado deve, sobremaneira,
cumprir as atividades das quais está imbuído, representando o Estado em seu querer e
agir.
Para que estas atribuições sejam realizadas dentro de parâmetros de lisura, é que o
Estado institui um código de condutas, como forma de prevenir aquilo que não é
desejado, que é lesivo ao patrimônio da sociedade ou que atente à moralidade dos
serviços públicos.
O que se tem visto é que o Estado, como forma de dar prosseguimento de suas
atividades e aumento de demandas, tem provido inúmeros cargos através do
recrutamento de novos servidores. Estes novos servidores nem sempre estão
sintonizados com o zelo, a responsabilidade e o comprometimento com os bens e a
finalidade pública de suas atividades (CORREIA, 2001). Em uma analise enviesada, é
possível afirmar-se que o aumento destas demandas de trabalho, como um todo na
sociedade, pode vir desprovido dos valores que até então estavam tradicionalmente
vinculados ao trabalho, como é o caso da ética e da dedicação, que acabam por se diluir
no anonimato e rotinização de comportamentos experimentados na atual sociedade.
Na verdade, a estabilidade no cargo público não pode ser vista em uma acepção ampla,
de garantia individual conquistada pelo servidor. Através da estabilidade o que o Estado
pretende, efetivamente, é garantir que seus serviços sejam prestados de forma continua,
encontrando, para tanto, respaldo nos princípios da continuidade e da regularidade do
serviço público (FREITAS, 2004). Caetano (2008), como forma de dar o lastro
necessário a esta proposição, afirma que o critério utilizado é o de manter o lugar
ocupado, uma vez que este lugar foi criado através de uma determinada lei e que, no
tempo, perdurará indeterminadamente e, para tanto, possui uma dotação financeira
própria de modo a conferir ao seu titular o pagamento dos vencimentos. Por isso, a
estabilidade é exigida como forma de assegurar o provimento e a continuidade do
servidor no cargo. A estabilidade, neste sentido, não pode ser vista como um privilégio
que foi concedido ao servidor e, sim, como uma garantia da Administração Pública e da
própria sociedade de que os interesses públicos do Estado serão atendidos. Serve,
entretanto, como uma proteção ao servidor de que estes não farão aquilo que a lei proíbe
se mandados. A contrapartida é que sempre poderão, através do devido processo legal,
se defender das imputações que levianamente lhe forem imputadas. È sob este prisma
que a estabilidade deve ser vista: como forma de proteção atribuída por lei aos
desmandos e arbítrios cometidos por superiores hierárquicos.
Ao transgredir uma (ou mais) destas disposições, o servidor procede de forma a pôr em
descrédito o Estado e, em conseqüência, em detrimento da regularidade do serviço
público (COSTA, 2004).
Desta forma, o servidor público que, através de seu comportamento, cometer algum ato
que possa se configurar como um ilícito administrativo (e este ato poderá corresponder
tanto a uma ação quanto a uma omissão) e que transgride um (ou mais de um) dos
deveres que a ele compete (e que estão dispostos no art. 116, Lei n. 8.112/90 ou em
outros regulamentos ou norma interna) e, ainda, comete uma (ou algumas) das
proibições funcionais (art. 117 da mesma lei), ficará sujeito ao poder disciplinar do
Estado. Tal qual aos moldes do que acontece na esfera penal, a ação (ou omissão)
tendente a infração dos deveres e das proibições funcionais deve comportar o
enquadramento da tipificação legal.
Não é demais lembrar que a estrutura do Estado está assentada nos pressupostos que
norteiam a Teoria da Burocracia e nos fundamentos da hierarquia. É em função da
supremacia que se controlam as ações dos indivíduos a ela subordinados. Na verdade,
aos moldes do que previa Weber (1964) os objetivos dos princípios burocráticos estão
assentados na racionalidade, na eficiência e na autoridade legitimamente constituída.
Nela, as regras de comportamento são claras, o tratamento é impessoal, as
responsabilidades são objetivas (KWASNICKA, 2006; MEGGINSON, MOSLEY &
PIETRI JR., 1998; ROBBINS, 2008; SILVA, 2008).
O poder, no âmbito das relações que se estabelecem com o Estado, é axiomático. O
poder de punir é, então, decorrência da hierarquia que permite ao superior punir o
subordinado. O objetivo é o de assegurar a ordem interna, uma vez que é necessário
tutelar a própria organização do Estado, compreendendo, desta forma, a imputação de
punições às infrações funcionais eu se sujeitam às normas estatutárias.
O poder para iniciar o processo punitivo está em mãos do superior hierárquico imediato
do servidor faltoso. Esta iniciativa é obrigatória, uma vez que prevista em lei e poderá
ser levada a efeito, ainda, por qualquer outra autoridade administrativa que venha a
tomar conhecimento da irregularidade. Convém que se ressalte a responsabilidade da
autoridade: como a sua ação deve se dar de oficio, a sua inércia e condescendência
refletirá no crime de prevaricação.
V – atender com presteza ao que lhe for exigido: Este dever, em especifico, está
subdividido em três situações. A primeira refere-se ao dever do servidor em servir o
público em geral. Embora possa parecer redundante, é a coletividade a destinatária de
toda e qualquer atividade exercida pelo agente. Obviamente que, em se tratando das
informações pelo público solicitadas, estas devem encontrar seu fundamento na
legitimidade da informação ou, então, na legalidade de sua obtenção. Aquelas
informações que estiverem submetidas ao sigilo estão excluídas da obrigatoriedade. A
segunda situação diz respeito ao fornecimento de certidões ou outros documentos que
visem esclarecimentos de situações pessoais: o Estado age como controlador de todas as
ações levadas a efeito no meio social e, desta forma, é capaz de emitir as informações
que se fizerem necessárias aos fins perquiridos, como é o caso de certidões e outros
documentos que atestem determinada situação que está sob o controle estatal. A terceira
diz respeito ao atendimento das requisições que são feitas pela Fazenda Pública: caso
em que são prestadas as informações necessárias ao andamento processual de causas
patrocinadas pela Fazenda. Todas estas atribuições são acrescidas do termo
“prontamente” o que equivale a dizer que o fornecimento resume a presteza, a agilidade
e a rapidez necessária ao atendimento do pedido do interessado.
III - recusar fé a documentos públicos: todo o servidor possui fé pública no que diz
respeito aos documentos com os quais atua em razão de suas atribuições. A recusa da
necessária fé acarreta em prejuízo manifesto, uma vez que retarda o andamento dos
serviços administrativos. Esta proibição, inclusive, encontra ratificação na própria
Constituição Federal (art. 19, II), na medida em que, ali,também está estatuída a
proibição da recusa de fé em documentos públicos.
Todo o documento público goza, a principio, de fé pública, o que significa que,
presumivelmente, são verdadeiros. Assim, ao servidor é vedado qualquer tipo de
oposição a sua recepção.
XVII - cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa: esta
hipótese excetua os casos relativos a situações de emergência e transitórias. Configura-
se quando o servidor ocupante de cargo hierárquico superior delega a outrem atribuições
que são estranhas ao cargo por ele ocupado.
A proibição encontra propósito, também, na vedação em permitir-se o de função.
É bem verdade que a ocupação de um cargo público presume que o servidor possua a
capacitação técnica necessária e, também, que possua as características éticas e morais
para que possa desempenhá-la a contento. Em caso contrário, ou seja, agindo o agente
em desconformidade com o que dele se espera, penalidades serão impostas ao
comportamento desvirtuado com a finalidade não só de prevenção, como e acima de
tudo, tornar clara a exemplaridade, na medida em que os efeitos da punição imposta
impactam não apenas a figura do infrator, como também ressoam no meio laboral do
mesmo.
A principio, tais transgressões (e esta relação não é exaustiva, uma vez que em
documentos internos ao órgão poderão existir outros deveres aos quais o servidor estará
obrigado) são puníveis com advertência. Entretanto, em face da gravidade e da natureza
da infração, é possível que se enseje a aplicação da suspensão. Se aplicada esta punição,
ela decorre da correlação existente entre o dever e uma proibição.
XVII - cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações
de emergência e transitórias;
XVIII - exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou
função e com o horário de trabalho.
Estas hipóteses, entretanto, não são exaustivas uma vez que é necessário considerar-se
que o art. 132 da aludida lei traz outros casos em que a demissão será a conseqüência.
IV - improbidade administrativa;
VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;
XI - corrupção;
A revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo também faz parte dos
crimes contra a Administração Pública e se caracteriza por revelar fato de que tem
ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a
revelação. Ainda compreende os atos de permitir ou facilitar, mediante atribuição,
fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não
autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública,
bem como devassar o sigilo de proposta de concorrência pública, ou proporcionar a
terceiro o ensejo de devassá-lo.
Aqui, a intenção do agente é consciente e, portanto, revestida de dolo.
Quando estas regras foram construídas pelo Estado, o legislador não se preocupou em
descrever, detalhadamente, todos os comportamentos que seriam ilícitos. O rol, então,
não é exaustivo. Na verdade, esta situação é bem comum no direito, uma vez que a
norma jurídica é capaz de suportar uma variedade razoável de interpretações. Reale
(2009) deduz que é bem provável que se encontrarem situações e condutas que não
foram disciplinadas pela regra e, quando isso acontece, é razoável que se subordine a
norma que disciplina uma situação semelhante e com coincidências em pontos
essenciais. Da mesma forma, um determinado comportamento pode significar que uma
proibição (ou mais) foi violada e, da mesma forma, com esta violação um (ou mais)
dever acabou por ser infringido.