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Anotações para as aulas sobre feudalismo e violência:

Se o que distingue as eras medievais e modernas é o monopólio da força física e, por


conseguinte, a ideia de que a modernidade é mais vincada na paz do que sua era
antecessora, como explicarmos toda a violência dos fenômenos totalitários do século XX?
A pergunta vem para nos darmos conta de que, ausente ou presente, o monopólio da força
física não é prerrogativa para a paz social. O que diferencia sociedades modernas e
medievais, quanto a este problema, é que as sociedades medievais não viam a violência
como ruptura na ordem social. Ao contrário das sociedades modernas, onde a violência é
vista e sentida como ruptura com a normalidade, as sociedades medievais constituíram-
se como tal a partir da experiência da guerra.

O que mudou não foi a intensidade ou não da violência, mas a maneira como, socialmente,
ela é enquadrada na dinâmica cotidiana.

“Movimentos da Paz de Deus”: Concílios em que se reunião os guerreiros episcopais para


estabelecer batalhas sob a condição de poupar os “pobres”. Por pobres, não entende-se,
para o período, os destituídos de riquezas, mas aqueles que não tinham condições de se
armar e entrar em disputa. (mercadores, viúvas, camponeses, etc. Esses movimentos eram
mais locais e pontuais do que a nomenclatura nos leva a interpretar. Caráter muito mais
“foquista” do que o de um movimento da “Idade Média”.

Apesar disso, é possível destacar que esses movimentos tiveram, ao longo dos séculos, o
poder de conformar o clero como uma instituição propagandista da violência.

O clero mobilizou-se como que um articulador entre beligerantes e “pobres”. Os


movimentos clericais desarmavam a si mesmos em um ato de profissão de fé (fazer do
mandamento “não matarás” letra viva). Feito isso, eles ganhavam legitimidade social para
regular as práticas sociais de violência e não para combate-las. A partir deste movimento
clerical, a guerra se firmou no cotidiano medieval, mas se firmou com certa
regulamentação social.

Os bispos que guerreavam assim o faziam porque tinham compromissos nobiliárquicos.


Diante da Igreja, a guerra era vista como um atentado moral, mas os bispos que assim o
faziam discursavam em nome do rei e não da igreja.

O texto do professor Leandro visa atacar essa estrutura explicativa e defender uma
alternativa a partir de 3 pontos:
A) Havia uma visão episcopal de que a violência era ato ilícito.
B) O ato de beligerar integrava a atividade episcopal na forma de um sacramento.
C) Dessa forma, guerra e religião eram manejados pelos bispos de modo a fundar
certa ordem pública.

Ponto A) VARCELI, 972 D.C: Bispo Pedro: Membro da Corte dos Teutônicos: Relação
com o governante permeada de lacunas para os historiadores. 982: Relatos de que o Bispo
se arma e ruma ao Sul. Ao lado de Aristocratas, atende à convocação do Imperador Oto
II para combater grupos de muçulmanos. A derrota leva o Imperador a fugir. O
beligerantes tombam em combate. Pedro fora capturado. Viveu como prisioneiro por 8
anos no Egito. A ausência do Bispo não imobilizou a Igreja que ele comandava. Um grupo
clerical tomou para si a prática administrativa e promoveu implementos na dinâmica da
Igreja.

987: Doação vultuosa de terras à Igreja local, ainda na ausência do bispo Pedro. Dado
curioso: uma transação de terras e bens que dispensaram a mediação da figura principal
da Igreja local.

990: Retorno de Pedro do cativeiro. Não aprovou a doação. Afirmou que a posse não
deveria estar nas mãos dos cônegos substitutos, mas nas da Igreja de Varceli e, como essa
Igreja era esposa espiritual do Bispo Pedro, deveria permanecer sob o julgo dele.

A briga se arrastou até o chamado “magistrado de Pávia”, no ano de 996: Um juiz


nomeado por Otto III, herdeiro da coroa, deveria decidir pelo litígio. Pedro, apresentando-
se paramentado como um verdadeiro nobre, exerceu pouco apelo ao juiz que decidiu a
favor dos cônegos. O nobre derrotado sai ao lado dos vassalos.

Após essa derrota, Pedro recorre ao Marquês de Toscana, que lhe entrega uma carta
garantindo a posse dos bens em jogo.

A nova carta tratava com indiferença e silenciamento os incidentes passados. Ela


procurou apagar o que havia sido decidido e atribuir Pedro como legítimo donatário.
Apesar da manobra e de novo julgamento marcado em outro fórum, Pedro fora novamente
derrotado.

Para o professor Leandro, esse episódio mostra que a Idade Média foi um período com
uma definida e clara ordem pública. Isso significa dizer que não havia uma situação de
caos generalizada, em que se “feudalizavam” localidades pulverizadas e ausentes de
diálogo. Isso é, antes, uma leitura moderna do período e bastante enviesada.
Um caso paralelo; excomunhão de um nobre, sob a justificativa de que ele, ao atacar
alguns “pobres”, teria se desviado do caminho de Cristo e abraçado Satã.

Essa excomunhão, sugere o professor, surgiu como contrapartida à morte do Bispo Pedro.
Determinada a derrota judicial, o Bispo Pedro não abriu mão de sua pretensão em
comandar as terras doadas e passou a assediar os cônegos. Desse conflito, um nobre
organizou um cerco à Igreja do Bispo e o executou em praça pública.

A virada é a seguinte: ao ser executado, a Igreja se mobiliza contra o nobre assassino e


determina sua excomunhão, afirmando, categoricamente, que este utilizou de violência.
O sentido empregado pela palavra violência é, nesse caso, muito significativo, já que
outras práticas de mesmo ou maior teor sangrento não são definidas como práticas de
violência.

Esse discurso clerical de demonização da violência contesta interpretações


historiográficas de que ela funcionava de modo lícito na sociedade medieval.

Para não incorrer na ideia de que a violência é uma espécie de discurso que camufla as
verdadeiras intenções da Igreja, o professor passa ao caso do Bispo sucessor de Pedro,
Leão, já em 998.

O sucessor deu cabo das sentenças contra o excomungado e, concomitantemente,


mobilizava suas armas.

1002: morte, sem herdeiros, do imperador Otto III. Ao amealhar descontentamentos de


nobres locai, o excomungado, surpreendentemente, é coroado novo rei. A investida gera
um grande racha entorno de sua legitimidade como soberano.

O Bispo Leão estava entre os opositores. Ao redor do Bispo, formou-se uma grande força
oposicionista de cunho majoritariamente clerical. A contenda mobilizou armas por longos
anos e a oposição episcopal empunhava-as sempre em nome da paz. A Interpretação
proposta pelo professor é de que essa paz, mobilizada na e pela guerra, era legítima para
os homens daquele tempo. Ser pacífico, não era um truísmo absoluto. Mas defender as
regras do ordenamento público mediante, sobretudo, o uso das armas.

Leão havia encontrado na guerra um sacramento, isto é, um meio


terreno para edifcar a autêntica comunidade cristã, para unir os
féis através de laços redentores39. Provavelmente, ele o fez
imitando o exemplo de predecessores próximos. Afnal, os bispos
de Roma asseguravam isto há décadas. Em 878, João VIII
garantira a vida eterna àqueles que morressem batalhando contra
pagãos e inféis, pois sua luta fortalecia o estado da religião cristã.
(p. 14)

A paz ganha o sentido de desfecho de um processo de glorificação da comunidade cristã.


Essa glorificação deveria ser garantida pelo uso legítimo da força.

A paz era, então, independente de seus meios, vista como a garantia da vigência da ordem
pública. A mesma ordem que impediu com o que o Bispo Pedro subsumisse o julgo
palaciano a sua prerrogativa nobiliárquica.

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