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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Instituto de Psicologia

Sérgio Alexandre Alves Fernandes

A POLÍTICA PÚBLICA NACIONAL ANTIDROGAS COMO PRODUTORA DE


SUBJETIVIDADES: observação participante em uma comunidade terapêutica de usuários de
drogas.

Belo Horizonte
2015
Sérgio Alexandre Alves Fernandes

A POLÍTICA PÚBLICA NACIONAL ANTIDROGAS COMO PRODUTORA DE


SUBJETIVIDADES: observação participante em uma comunidade terapêutica de usuários de
drogas.

Projeto de Monografia apresentado ao Curso de


Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para obtenção do título
de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Profª. Maria Antonieta

Belo Horizonte
2015
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 3
1.1 Tema ......................................................................................................................................... 3
1.2 Problema .................................................................................................................................. 3
1.3 Hipóteses ................................................................................................................................... 4
1.4 Objetivo .................................................................................................................................... 4
1.5 Objetivos específicos ................................................................................................................ 4
1.6 Justificativa .............................................................................................................................. 5

2 REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................................... 6


2.1 Políticas publicas sobre drogas no Brasil .............................................................................. 6
2.2 O SUS e a rede de atenção psicossocial (RAPS) ................................................................... 8
2.3 Comunidades terapeuticas .................................................................................................... 10
2.4 Redução de danos , abstinência e relações de poder .......................................................... 11

3 METODOLOGIA..................................................................................................................... 14

4 CRONOGRAMA ...................................................................................................................... 15

REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 16
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1 INTRODUÇÃO

1.1 Tema

A temática apresentada neste projeto de pesquisa relaciona os modelos de tratamento de


abuso de álcool e outras drogas – Redução de Danos e Abstinência – às políticas públicas e ao
sentido desses conceitos como um fenômeno sociolinguístico, ou seja, como produtor de
subjetividades a partir da perspectiva da psicologia social.

1.2 Problema

Observa-se na prática realizada em uma Comunidade Terapêutica (CT) de Belo


Horizonte, Minas Gerais, trabalho com dependentes químicos, que são pacientes usuários de
álcool e outras drogas em recuperação, estes reincidem e circulam em busca de tratamentos pelos
diversos dispositivos da rede de atenção psicossocial, principalmente pelos Centro de Atenção
Psicossocial para Álcool e outras Drogas (CAPSad). Outras vezes são internados voluntaria ou
involuntariamente nas CT’s. Nessas recidivas – ou recaídas – os pacientes são submetidos a
tratamentos e terapêuticas fundamentados em diferentes filosofias. Nos serviços de referência são
tratados pelo paradigma da Redução de Danos, e nas Comunidades Terapêuticas pela
Abstinência.
Entende-se aqui por Redução de Danos, não apenas a ação de propor aos usuários, por
exemplo, substituir substâncias que provocam maiores prejuízos por outras de menor potencial
ofensivo para o organismo ou à sociedade – como substituir crack por maconha, ou a substituição
de injetáveis por inalantes –, mas incluir o usuário no processo de corresponsabilização deste tipo
de escolha, que pode inclusive optar pela abstinência completa.
Quais sentidos estes usuários produzem para esses tratamentos ou terapêuticas? Até que
ponto essa questão poderia interferir em prognósticos de recuperação? Estas são algumas das
questões que a prática suscita e nos incentiva à pesquisa.
4

1.3 Hipóteses

Suspeita-se que a implementação de política pública sobre drogas no Brasil (PNAD), ao


incorporar as CT’s como parte integrante da Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de
Saúde (RAPS) tenha introduzido uma contradição interna no próprio sistema, pois a proposta
terapêutica da maioria das CT’s é de abstinência, paradigma este contrário a um dos cinco eixos
principais da PNAD, sendo este um dos eixos vigentes a Redução dos Danos Sociais e à Saúde.
Tal contradição produz subjetividades, na medida em que os limites da abordagem de abstinência
em dar conta da realidade da recuperação, não raro são tomados como índices de força de adesão
ao tratamento por parte dos pacientes e seus familiares, culpabilizando-os pelas tentativas
fracassadas e produzindo afetos negativos de culpa, vergonha, autopiedade. Isso é observado
principalmente após as recaídas dos pacientes e reforça ainda mais os estereótipos de fraqueza de
caráter do usuário ou de família desestruturada (pela forte associação da representação social do
dependente químico e déficit de moralidade) o que consequentemente dificulta a recuperação.

1.4 Objetivo

Realizar intervenções psicossociais que ampliem o debate sobre as dificuldades da


implementação das políticas públicas brasileiras para álcool e outras drogas, além de favorecer a
compreensão dos usuários das limitações das propostas de Redução de Danos e de Abstinência.

1.5 Objetivos específicos

Realizar reuniões temáticas com um grupo de usuários internos em uma comunidade


terapêutica , que possibilite conhecer os sentidos dados pelos usuários aos conceitos de Redução
de Danos e Abstinência e identificar possíveis efeitos na subjetividade dos internos, através de
autorreferências a afetos negativos, estando estes indivíduos atualmente submetidos às
terapêuticas de abstinência após terem sido tratados nos serviços de referência como o CAPSad
cuja proposta de tratamento é de Redução de Danos.
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1.6 Justificativa

A maior parte dos usuários de drogas em tratamento no Brasil está em Comunidades


Terapêuticas. Em levantamento realizado pela Secretária Nacional Antidrogas (SENAD) em
2007, verificou-se que das 1.256 instituições de tratamento entrevistadas, 483, ou seja, 38,5% da
amostra classificam-se nesta categoria. Em seguida, aparecem os Centros de Atenção
Psicossocial de Álcool e outras Drogas (CAPSad), com 153, 12,2%; e os grupos de auto-ajuda,
com 124, 9,9%.
Após oito anos da pesquisa acredita-se que esse percentual seja ainda maior hoje, pois há
uma forte tendência de privatização no campo da dependência química, pois este tem se tornado
um “grande mercado”, principalmente pela exploração dada pela mídia à questão do Crack
enfocando o fenômeno das “Crackolândias”, o que por sua vez favoreceu no imaginário popular a
ideia de soluções higienistas, repressivas e antidemocráticas de tratamento. Como resultado
possibilitou a proliferação das chamadas “clínicas de recuperação” ou Comunidades
Terapêuticas, que se confronta com alguns dos princípios norteadores da filosofia do SUS
(equidade, universalidade e gratuidade).
Após relativos avanços no reconhecimento dos direitos dos usuários terem sido obtidos,
principalmente graças à pressão de grupos de direitos humanos e de cidadania, verificam-se hoje
ainda poucos avanços apesar das muitas discussões sobre as terapêuticas utilizadas, até mesmo
por profissionais da saúde. Nesse cenário de oposição circulam de maneira recorrente os maiores
interessados na questão, os usuários do sistema. Ora eles se utilizam dos serviços de referência
oferecidos pelo estado, como os CAPSad (que fundamentam o tratamento pela proposta de
redução de danos), ora são internados voluntariamente ou não em comunidades terapêuticas (que
majoritariamente defendem a proposta de abstinência como paradigma terapêutico muitas vezes
não por motivos científicos, e sim religiosos). Muito tem se discutido em termos dos resultados
epidemiológicos e ideológicos da questão, mas é importante incluir na discussão a questão da
produção de subjetividades dos usuários ao se defrontarem com esta divergência.
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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Políticas publicas sobre drogas no Brasil

Araujo (2012) apresenta uma análise histórica e crítica, do surgimento da política sobre
drogas no Brasil. Inicialmente é um movimento fortemente influenciado pelo saber médico e da
judicialização do problema. Apoiada por instituições científicas, religiosas, educacionais,
imprensa, clubes desportivos, entre outras, estava a educação antialcoólica e a legislação tinha
um caráter repressor além de conter estratégias de controle sobre a população trabalhadora. Essas
estratégias eram colocadas em prática por meio de palestras e conferências, propagandas
(cartazes, folhetos, etc.) e pela realização da semana antialcoólica:

[...] o país tem regulamentação sobre as drogas desde 1938 (Decreto-Lei de Fiscalização
de Entorpecentes n° 891/38, posteriormente incorporada ao artigo 281 do Código Penal
de 1941). O Código Penal Brasileiro surge na gestão do Presidente Getúlio Vargas
(1930-1945), focado nas preocupações com o trabalhador e do papel do governo em
desenvolver ações para conter o comportamento desviante (ARAUJO, 2012).

A partir da década de 1960 as políticas sobre drogas privilegiavam ações do campo


jurídico e/ou médico que fossem na direção da redução da oferta de drogas. O objetivo era
controlar o tráfico e o consumo das substâncias psicoativas. Traficantes ou usuários eram
criminalizados indiscriminadamente sem conseguir com isso evitar o uso e dificultando o seu
controle, pois, muito mais substâncias foram colocadas na clandestinidade (ARAUJO, 2012).
Após essa fase, através de levantamento de dados, informações, orientações,
assessoramento e articulação entre as diversas esferas públicas começam a surgir o Conselho de
Prevenção Antitóxico do Ministério da Saúde, a Comissão Nacional de Fiscalização de
Entorpecentes Tóxicos do Conselho Nacional de Saúde, o Conselho de Prevenção Antitóxicos do
Ministério da Educação e Cultura e o Sistema Nacional de prevenção, Fiscalização e Repressão
vinculado ao Ministério da Justiça (ARAUJO apud GARCIA et al., 2012).
Um fato ocorrido na década de 1970 após a morte de duas crianças vítimas de crime
relacionado com o uso drogas redundou em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no
Congresso Nacional e após três anos de discussão, diversas alterações na legislação culminaram
na Lei 6368/76 (ARAUJO apud GARCIA et al., 2012).
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Na década de 1980, ainda focado no binômio abstinência-repressão surgem os Conselhos


Antidrogas (Decreto 85.110), conhecidos por Conselhos de Entorpecentes (Conselho Federal –
CONFEN, Conselhos Estaduais – CONENS e Conselhos Municipais – COMENS) (ARAUJO
apud GARCIA et al., 2012).
A partir dos anos 90 cria-se o Sistema Nacional Antidrogas (SISNAD) e a Secretaria
Nacional Antidrogas (SENAD) diretamente vinculada ao Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência da República (ARAUJO apud GARCIA et al., 2012).
Dalbosco (2011) aponta que justificado pelas transformações sociais, políticas e
econômicas, pelas quais o país e o mundo passavam e pela necessidade de construção de uma
nova agenda nacional para a redução da demanda e da oferta de drogas no país, foi feita uma
reavaliação dos fundamentos legais e em 2003, a partir dos princípios da luta antimanicomial
brasileira, foi criada a Política Nacional Antidrogas (PNAD) contemplando três pontos
principais: integração das políticas públicas setoriais com a Política Nacional Antidrogas,
descentralização das ações em nível municipal, estreitamento das relações com a sociedade e com
a comunidade científica.
A PNAD está estruturada em cinco eixos principais: Prevenção; Tratamento; Recuperação
e Reinserção Social; Redução dos Danos Sociais e à Saúde; Redução da Oferta; Estudos,
Pesquisas e Avaliações. Observa-se que a estratégia Redução de Danos (RD) teve nessa
legislação atenção privilegiada, pois foi colocada como um dos pilares, como um paradigma a ser
perseguido:
[...] Reconhecer a estratégia de redução de danos, amparada pelo artigo 196 da
Constituição Federal, como medida de intervenção preventiva, assistencial, de promoção
da saúde e dos direitos humanos. [...] Orientar e estabelecer, com embasamento
científico, intervenções e ações de redução de danos, considerando a qualidade de vida,
o bem-estar individual e comunitário, as características locais, o contexto de
vulnerabilidade e o risco social. [...] Garantir, promover e destinar recursos para o
treinamento, capacitação e supervisão técnica de trabalhadores e de profissionais para
atuar em atividades de redução de danos. [...] Viabilizar o reconhecimento e a
regulamentação do agente redutor de danos como profissional e/ou trabalhador de saúde,
garantindo sua capacitação e supervisão técnica. [...] Estimular a formação de
multiplicadores em atividades relacionadas à redução de danos, visando um maior
envolvimento da comunidade com essa estratégia. [...] Incluir a redução de danos na
abordagem da promoção da saúde e prevenção, no ensino formal (fundamental, médio e
superior). [...] Promover estratégias de divulgação, elaboração de material educativo,
sensibilização e discussão com a sociedade sobre redução de danos por meio do trabalho
com as diferentes mídias. (BRASIL, 2005)
8

Passos e Souza (2011), sem explorar toda a problemática em relação à redução de danos,
sintetizam o conceito:

A redução de danos propõe determinadas regras de conduta como, por exemplo,


substituir crack por maconha, ou substituir a via injetável pela inalável. Entretanto, o
processo de corresponsabilização depende do modo como os usuários de drogas se
apropriam dessa regra, depende das atitudes que começam a emergir desse encontro,
gerando muitos desdobramentos possíveis, pois são muitos os dispositivos que a RD
dispõe para dar continuidade a esse processo. (PASSOS; SOUZA, 2011).

Esses mesmos autores se posicionam de maneira contrária a proposta de tratamentos por


abstinência:

[...] uma rede de instituições que define uma governabilidade das políticas de drogas e
que se exerce de forma coercitiva na medida em que faz da abstinência a única direção
de tratamento possível, submetendo o campo da saúde ao poder jurídico, psiquiátrico e
religioso (PASSOS; SOUZA, 2011).

Do que foi aprendido da leitura de Passos e Souza (2011) permite inferir que a
problemática tem outros desdobramentos políticos e ideológicos que precisam ser discutidos,
para além da questão clínica.

2.2 O SUS e a rede de atenção psicossocial (RAPS)

A Portaria nº 3088, de 26 de dezembro de 2011, regulamentou a Rede de Atenção


Psicossocial (RAPS) criada pelo Decreto Presidencial nº 7508/2011. A RAPS contém os
principais serviços e ações de atenção psicossocial no país para todas as pessoas com sofrimento
ou transtornos mentais, incluindo os decorrentes do uso prejudicial de drogas (BRASIL, 2011).
A proposta é de articulação em rede com variados pontos que promovam um conjunto de
referências capazes de acolher a pessoa em sofrimento mental. A ideia é possibilitar a inclusão de
outras instituições, associações, cooperativas e variados espaços da cidade em torno da noção de
território e estender conjunto dos serviços de saúde mental do município.

O território é a designação não apenas de uma área geográfica, mas também das pessoas,
das instituições, das redes e dos cenários nos quais se dão a vida comunitária. Assim,
trabalhar no território não equivale a trabalhar na comunidade, mas a trabalhar com os
componentes, saberes e forças concretas da comunidade que propõem soluções,
apresentam demandas e que podem construir objetivos comuns. Trabalhar no território
9

significa, assim, resgatar todos os saberes e potencialidades dos recursos da comunidade,


construindo coletivamente as soluções, a multiplicidade de trocas entre pessoas e os
cuidados em saúde mental. (GARCIA, 2013 p. 24)

A noção de território apresentada é central para se compreender a lógica de constituição


da RAPS e nesse ponto se articula a principal controvérsia apontada na hipótese desse trabalho,
pois, é a partir dessa articulação de organizações com diretrizes de tratamento diferentes que a
rede se constitui. Garcia (2003) antecipa as críticas quanto às possíveis contradições do modelo,
porém em seus argumentos não estão incluídas as CT’s que está no cerne dessa discussão:

Nesse sentido, a importância da atuação no território e a relevância dos laços sociais na


atenção ao sofrimento mental, expressa na Lei nº 10.216 e nos princípios da RAPS, não
devem ser vista como contraditórias com o cuidado daqueles que fazem o uso prejudicial
da droga. A RAPS incluiu um dispositivo para acolhimentos breves motivados por
urgências médicas, os leitos especializados em Hospital Geral. A RAPS também oferece
oportunidade de acolhimento imediato e breve (leitos em CAPS 24 horas) em situações
de crise ou de grande vulnerabilidade. Em médio e longo prazo, é preciso, todavia,
considerar que os territórios existenciais e laços sociais das pessoas que fazem o uso de
drogas são mais diversos do que um retrato momentâneo sobre o usuário pode fazer
supor. Eles não estão apenas ligados ao universo da droga, por isso não devem ser
desconsiderados em seu cuidado. (GARCIA, 2013 p. 25)

Os componentes da RAPS no território estão distribuídos de acordo com o quadro abaixo.

Quadro 1 - O SUS e a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)


Estratégia Saúde da Família (ESF), Núcleo de
Apoio à Saúde da Família (NASF), Equipe de
ATENÇÃO BÁSICA EM SAÚDE
Consultório na Rua, Centro de Convivência e
Cultura.
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS),
ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
CAPS: I, II, III, álcool e drogas (CAPSad) e
ESTRATÉGICA
infanto-juvenil (CAPSi).
Unidades de Acolhimento, Serviços de
ATENÇÃO RESIDENCIAL DE
Atenção em Regime Residencial (comunidades
CARÁTER TRANSITÓRIO
terapêuticas)
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
(SAMU), Unidade de Pronto Atendimento
ATENÇÃO HOSPITALAR
(UPA), Serviço Hospitalar ou Enfermaria
Especializada em Hospital Geral.
ESTRATÉGIA DE Serviço Residencial Terapêutico, Programa de
DESINSTITUCIONALIZAÇÃO Volta pra Casa.
ESTRATÉGIAS DE REABILITAÇÃO
Estratégias de Reabilitação Psicossocial.
PSICOSSOCIAL
Fonte: Elaborado pelo autor com dados extraídos de (GARCIA, 2013 p. 30-34)
10

2.3 Comunidades terapeuticas

Nos anos de 2006 e 2007 foi realizado pela SENAD uma parceria com a Universidade de
Brasília (UNB) e com a consultoria técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),
um projeto denominado de “Mapeamento das Instituições Governamentais e Não-
Governamentais de Atenção às Questões Relacionadas ao Consumo de Álcool e Outras Drogas
no Brasil”. O objetivo do projeto era que o governo federal pudesse conhecer a situação e as
práticas de atendimento adotadas por estas instituições. Nesse documento, o governo brasileiro
reconhece o seu desconhecimento das instituições e as praticas realizadas nas comunidades
terapêuticas.

[...] as questões relacionadas ao consumo de álcool e outras drogas no Brasil são ainda
pouco conhecidas das esferas governamentais responsáveis pela elaboração e execução
da política nacional sobre drogas. Conhecer a diversidade da forma de atuação e de
atendimento prestado por estas instituições é fundamental para órgãos, como a SENAD,
que tem, dentre outras, a atribuição de exercer orientação normativa sobre as atividades
de redução da demanda de drogas no país. (BRASIL, 2007)

Os resultados do trabalho mostraram que a maioria das instituições de tratamento para


abuso de álcool e drogas brasileiras são as comunidades terapêuticas. O percentual dessas
organizações relatado no trabalho de mapeamento (38,5%), justifica um aprofundamento na
história da CT’s para que se possam compreender os atravessamentos com a micropolítica de
construção das políticas de drogas do Brasil.
O termo “comunidade terapêutica” surgiu na década de 1940 por um psiquiatra escocês,
Maxwell Jones. A ideia era desmistificar a imagem autoritária dos profissionais que atuavam nos
hospitais, apostando nas ideias de autoajuda e ajuda mútua. Mas a primeira CT psiquiátrica
surgiu em unidade de reabilitação social do Belmont Hospital, em meados de 1940.
(FRACASSO, 2013)
O autor ressalta que esse foi o modelo utilizado nas instituições de recuperação do abuso
de álcool e drogas ainda hoje nos outros países:

A natureza terapêutica do ambiente total (motivação geral das CTs de Maxwell Jones) é
precursora do conceito fundamental de comunidade como método de tratamento de
substâncias psicoativas. Esse modelo, fundamentado como uma abordagem de mútua
ajuda, manteve essa característica essencial e diversificou-se, englobando e combinando
com eficácia outros modelos psicossociais vigentes, tais como a prevenção da recaída e
11

técnicas motivacionais, além de inúmeros serviços adicionais relacionados à família, à


educação ou trabalho e à saúde física e mental. (FRACASSO, 2013 p. 40)

As Comunidades Terapêuticas no Brasil sugiram nos anos de 1970, principalmente por


organizações evangélicas. Multiplicaram-se sem qualquer regulamentação e com propostas bem
diferentes da filosofia original. A realidade era de um funcionamento precário. Em virtude disso
foi necessário que se organizassem em federações. Muitas práticas antidemocráticas eram
praticadas e a partir de denúncias de maus tratos de usuários veio também a pressão para a
necessidade do estabelecimento de regulamentação do setor para o funcionamento destes
serviços, que garantisse a segurança e a qualidade do trabalho de recuperação das pessoas com
dependência química.
Em 30 de maio de 2001, a diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA), adotou a Resolução de Diretoria Colegiada – RDC 101/01 como
Regulamento Técnico para o Funcionamento das Comunidades Terapêuticas – Serviços de
Atenção às pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substâncias psicoativas
(SPA), segundo modelo psicossocial. Esta permanece até os dias de hoje sendo uma das poucas
normas de atividade desse segmento.
Foi no ano de 2005 que a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), sob a
pressão do setor pela sua federação alterou a política vigente no país desde então foram
aprovadas novas resoluções, entre elas a Resolução nº 03/GSIPR/CH/CONAD de 27 de outubro
de 2005. Nessa resolução, no item Diretrizes 2.2.1 – Tratamento, Recuperação e Reinserção
Social, da Política Nacional sobre Drogas, as Comunidades Terapêuticas – CTs foram incluídas
como parte das intervenções para tratamento, recuperação, redução de danos, reinserção social e
ocupacional passando então, a fazer parte formal dessa política, mesmo que em suas práticas não
utilizem como terapêuticas a redução de danos e sim a abstinência. Nesse ponto, segundo nossa
hipótese, introduz-se uma contradição na própria política nacional antidrogas, como já citado.

2.4 Redução de danos , abstinência e relações de poder

A discussão entre qual dos paradigmas deve ser utilizado nos tratamentos de usuários de
álcool e outras drogas, passa necessariamente por se discutir, sob o ponto de vista das relações de
poder da medicina, do estado (pela via da judicialização) e pela moral religiosa em nossa cultura.
12

Passos (2011) reflete de maneira crítica essa questão evocando Deleuze e Foucault como seus
articuladores. Para ele:

[...] Expor as relações de poder que se teceram historicamente para a produção de uma
política de guerra às drogas exige que realizemos uma análise micropolítica da política
antidrogas objetivando apreender seus dispositivos capilares de reprodução do
paradigma da abstinência (PASSOS, 2011, p. 4 ).

O mesmo autor aponta uma proximidade entre a política antidrogas e o paradigma da


abstinência, afirmando que a abstinência “se torna um eixo articulador entre a justiça, a
psiquiatria e a moral religiosa que, em sua articulação, definem uma política do tratamento para
usuários de drogas”.
Para acompanhar o raciocínio do autor deve-se entender por paradigma da abstinência não
apenas uma direção clínica possível e às vezes necessária, mas como já citado:

[...] por uma rede de instituições que define uma governabilidade das políticas de drogas
e que se exerce de forma coercitiva na medida em que faz da abstinência a única direção
de tratamento possível, submetendo o campo da saúde ao poder jurídico, psiquiátrico e
religioso (PASSOS, 2011, p. 2 ).

O autor defende ainda que há uma relação entre a criminologia e psiquiatria no Brasil,
isso devido à interlocução direta com o Direito Penal, pois “psiquiatria se insurge do exterior,
disputando com o direito penal o papel de gestora do criminoso, através de uma relação,
progressivamente mais íntima, entre crime e doença mental” (PASSOS apud RAUTER, 2011).
Assim, o mesmo autor evoca um período em que a criminalização era a realidade dos
usuários de drogas ao afirmar “dentro deste jogo de poder o usuário de drogas estaria ora poder
da criminologia, ora diante do poder da psiquiatria; ora encarcerado na prisão, ora internado no
hospício”.
Claro que se pode objetar quanto ao progresso da legislação penal brasileira em relação
aos usuários de drogas, mas pode-se facilmente extrapolar o raciocínio para a discussão das
internações compulsórias nas “clinicas de recuperação” com mesmos efeitos.
É a partir das relações entre psiquiatria e Direto trazidas pelo autor que podemos
compreender como a Redução de Danos tem tido grandes dificuldades de se estabelecer como um
paradigma, o que talvez explique também a alteração da PNAD que incorporou as CT’s na citada
legislação em 2011:
13

[...] A produção histórica do estigma do usuário de drogas como uma figura perigosa ou
doente nos permite compreender parte dos problemas que a RD passa a enfrentar quando
essa se torna um método de cuidado em saúde que acolhe as pessoas que usam drogas
como cidadãos de direitos e sujeitos políticos. [...] A construção das políticas de saúde
para usuários de drogas centradas no hospital psiquiátrico demarca uma significativa
interferência do Direito Penal sobre os procedimentos clínicos, como também uma
aproximação entre práticas jurídicas e práticas médicas. As diversas retaliações judiciais
que ações de RD vêm sofrendo no Brasil apontam para um embate que não se reduz às
limitações impostas pelo Direito Penal, mas apontam para a delimitação imposta ao
campo da saúde constituída entre a psiquiatria e a justiça em torno do paradigma da
abstinência (PASSOS, 2011, p. 2).

Mas não para por aí. Além da psiquiatria e do direito, que exercem sobre o usuário o seu
poder disciplinar, acresce-se outro, a religião. Esta se encontra presente na maioria das CT’s,
como uma forma adicional de poder disciplinar de maneira ainda mais forte, uma vez que atua
em dimensões subjetivas. É neste ponto que a escolha da abstinência se liga à produção de
subjetividades, como na hipótese apresentada. É o que Passos também concorda, incluindo a
moral religiosa como um dos instrumentos de exercício de opressão e reforçamento dos
estereótipos de fraqueza de caráter do usuário de drogas:

O poder disciplinar opera por meio da normalização das condutas desviantes, em que o
saber médico e o criminológico privilegiam como objeto de intervenção o criminoso, o
louco, o delinquente, o “drogado”. Desse ponto de vista, poderíamos facilmente concluir
que os embates da RD acontecem, exclusivamente, contra os dispositivos disciplinares: a
prisão e o manicômio. Porém não é somente dentro das prisões e dos hospícios que os
usuários de drogas são confinados hoje em dia. As ditas Comunidades Terapêuticas e
Fazendas Terapêuticas trazem outro elemento que não exclui a disciplina, mas a
complementa: a moral religiosa (PASSOS, 2011).

Esta é a situação encontrada na prática do trabalho com os dependentes químicos. Há uma


forte identificação com o estereótipo moralista e a culpa predomina nos relatos dos pacientes
durante as reuniões grupo.
14

3 METODOLOGIA

A pesquisa deste trabalho é eminentemente qualitativa. Tem como foco de estudo o


processo vivenciado pelos sujeitos. Assim, as investigações qualitativas vêm como outro modo
de produção de conhecimento capaz de responder à necessidade de compreender em
profundidade alguns fenômenos da prática psicológica, suprindo vazios deixados pela pesquisa
positivista e seus métodos de coleta e análise de dados.
Do ponto de vista dos seus objetivos é uma pesquisa exploratória. Segundo Gil (1991):

[...] visa proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo
explícito ou a construir hipóteses. Envolvem levantamento bibliográfico; entrevistas com
pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; análise de
exemplos que estimulem a compreensão. Assume, em geral, as formas de Pesquisa
Bibliográfica e Estudos de Casos (GIL, 1991).

Além disso, escolhemos como ferramenta metodológica a observação participante, por


permitir ao pesquisador analisar a realidade social tentando captar os conflitos e tensões
existentes em grupos com motivação para mudança.

[...] exemplifica a pesquisa de grupos e comunidades, exclusão social, construção de


identidade e movimento social; filia-se à corrente funcional estruturalista e, também, a
perspectivas interacionistas; ilustra tão bem a observação participante e o enfoque
etnográfico quanto o uso da entrevista de pesquisa e o método biográfico de história de
vida (MACHADO, 2007).
15

4 CRONOGRAMA

A proposta de pesquisa e escrita da monografia seguirá o seguinte cronograma descrito


abaixo no quadro 2.
Quadro - cronograma
Atividade Jul/15 Ago/15 Set/15 Out/15 Nov/15 Dez/15
Revisão do
referencial
teórico
Preparação
do material
temático
Realização
das reuniões
Transcrição
do material
das reuniões
Análise e
discussão
dos dados
16

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA. Normatiza o


funcionamento de serviços públicos e privados, de atenção às pessoas com transtornos
decorrentes do uso e abuso de substâncias psicoativas, segundo modelo psicossocial para o
licenciamento sanitário. Resolução de Diretoria Colegiada RDC nº 101 de 30 de Maio de 2001.
Brasília; 2001.

ARAUJO, R. R., RAUL, M. C. Subjetividade e política sobre drogas: considerações


psicanalíticas. Revista EPOS, v. 3, n.1, 2012.

BRASIL. Curso de capacitação para líderes, voluntários, profissionais e gestores de comunidades


terapêuticas - Aulas 2 e 3. , 2014.

BRASIL. Mapeamento das instituições governamentais e não-governamentais de atenção às


questões relacionadas ao consumo de álcool e outras drogas no Brasil - 2006/2007: Relatório.
Coordenação Geral de Denise Bomtempo Birche de Carvalho. Supervisão Técnica Paulina do
Carmo Arruda Vieira Duarte - Senad. Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas, 2007.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 8.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de


Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades
decorrentes do uso do álcool, crack e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Diário Oficial da União, Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.brasilsus.com.br/>. Acesso
em: 10 mar. 2015

BRASIL. Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e


Outras Drogas. Brasília, DF: Ministério da Saúde. 2003.

BRASIL. Política Nacional Sobre Drogas. Brasília, DF: Gabinete de Segurança Institucional.
2005.

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