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propõe-se a abordar a poética de Carlos Drummond de Andrade, num primeiro plano, sob o
viés essencialmente estilístico, como anuncia na própria introdução do livro o seu percurso
crítico – o que, neste caso, destaca-se A Rosa do Povo (1945). Dentre os aspectos que perpassam
este arcabouço teórico-metodológico, Merquior toma como fenômeno estilístico capital, a
saber, a “mescla de estilo” (Stilmischung) pontuada por Erich Auerbach na sua importante obra
Mimesis (1946). O crítico alemão parte da tônica do “estilo mesclado” para traçar um estudo
panorâmico desde a Antiguidade clássica, figurada por Homero, até os mais contemporâneos
como a escritora Virgínia Woolf.
Para os antigos havia uma divisão hierarquizante entre os estilos, como está ilustrada na
célebre “A roda de Virgílio”: o estilo simples, representado pela obra Bucólicas; o médio, pela
Geórgicas; o sublime, pela Eneida (GUIRAUD, 1970, p. 26). Porém, a partir dos românticos
contemporâneos, tais como Stendhal e Balzac, há uma ruptura com “a regra clássica da
diferenciação dos níveis, segundo a qual a realidade cotidiana e prática só poderia ter seu lugar
na literatura no campo de uma espécie estilística baixa ou média, isto é, só de forma
grotescamente cômica ou como entretenimento agradável, leve, colorido e elegante”
(AUERBACH, 1987, p. 500). Em outras palavras, vislumbra-se a intersecção do sublime – de
uma esfera elevada, nobre, do belo artístico – com o grotesco – da dimensão do vulgar, do
baixo, do que causa estranheza.
Segundo José Guilherme Merquior, em A Rosa do Povo há o predomínio de um lirismo
“puro”, embora os poemas “A flor e a náusea”, “Nosso tempo” e “O mito” explorem, por
excelência, a mescla de estilo. Esta obra de Drummond elabora uma poética do cotidiano e, por
assim dizer, da experiência vivida. Além disso, encena um romantismo modernizado, anti-
idealista e antissentimental. Estes desdobramentos figuram-se nos seguintes versos de
“Consideração do poema”: “Poeta do finito e da matéria/ cantor sem piedade, sim, sem frágeis
lágrimas,/ boca tão seca, mas ardor tão casto” (ANDRADE, 1980, p. 75). Como observa o
crítico carioca em um ensaio intitulado “Notas em função de ‘Boitempo’ (I)” – publicado anos
antes na obra A astúcia da mímese (1972) –, o próprio
[...]
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
(ANDRADE, 1980, p. 75-76, v. 34-43; v. 48).
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Carlos Drummond. A Rosa do Povo. In: ______. Reunião: 10 livros de poesia.
Introdução de Antônio Houaiss. 10. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980. p. 75-153.
AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. Tradução
coletiva para a língua portuguesa. 2. ed. rev. e aum. São Paulo: Perspectiva, 1987.
BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
François Rabelais. Tradução de Yara Frateschi Vieira. 2. ed. São Paulo: HUCITEC; Brasília:
Editora da UNB, 1993.
CANDIDO, Antonio. Inquietudes na poesia de Drummond. In: ______. Vários escritos. São
Paulo: Duas Cidades, 1970.
GUIRAUD, Pierre. A estilística. Tradução de Miguel Maillet. São Paulo: Mestre Jou, 1970.
MERQUIOR, José Guilherme. Verso universo em Drummond. Tradução de Marly de Oliveira.
2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976.
______. Notas em função de “Boitempo” (I). In: BRAYNER, Sônia (Org.). Carlos Drummond
de Andrade. Rio de Janeiro: Civilização brasileira; Instituto Nacional do Livro, 1977. p. 123-
145.