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FABIAN, Johannes. [1983].

The Time and the


Other: how anthropology makes its object. 2. ed.
New York: Columbia University Press, 2002; 205pp.

RONALDO LOBÃO
Mestre em antropologia pelo PPGACP/UFF e
doutorando no PPGAS/UnB.

Resenha aceita para publicação em 27/07/05

Por que fazer a resenha da segunda edição A perspectiva crítica é talvez a maior marca
em língua inglesa de um texto publicado pela deste brilhante antropólogo e pode ser perce-
primeira vez em 1983? De alguma forma a res- bida na frase �nal de seu livro Time and the
posta está contida na própria pergunta, pois já Work of Anthropology: critical essays, de 1991:
se passaram mais de 20 anos e este livro seminal “Quem somos nós para ‘ajudá-los’? Precisamos
de Johannes Fabian ainda não foi publicado em da crítica (exposição das mentiras do imperia-
português! Não que ele não circule nos meios lismo, das maquinações do capitalismo, das
acadêmicos nacionais, mas se mantém restrito idéias equivocadas do cienti�cismo, e de todo
a um público necessariamente bilíngüe, quem o resto) para ajudar a nós mesmos. O detalhe é,
sabe para que o poder de sua crítica não ameace decerto, que ‘nós mesmos’ tanto pode ser eles
formações não consolidadas. como nós” (: 264).1
A barreira do idioma é também um meca- Em �e Time and �e Other, Fabian desen-
nismo de controle de poder, como o próprio Fa- volve um poderoso argumento para mostrar
bian nos apresentou em Language and Colonial que a construção do Outro, o objeto da Antro-
Power, de 1986, estudando o Shaba Swahili e pologia, foi realizada à custa da manipulação
administração colonial belga no Zaire. En�m, da temporalidade, ou seja, tanto pelas formas
tratam-se de livros sobre mecanismos de poder como o Tempo é percebido nas diversas socie-
e como são exercidos, mesmo que de forma im- dades humanas, quanto em suas implicações
perceptível e, portanto, ameaçadores. recíprocas. Para Fabian, o principal mecanismo
Johannes Fabian, nascido em 1937, foi pro- para o estranhamento antropológico não foi o
fessor do Departamento de Antropologia Cul- afastamento espacial, e sim o temporal. Para
tural da Universidade de Amsterdã. Obteve seu exempli�car as propostas de Fabian, podemos
título de Doutor na Universidade de Chicago, dizer que a transformação do familiar em exóti-
no �nal da década de 1960, com etnogra�a sobre co, ou do exótico em familiar, dá-se em termos
o movimento carismático Jamaa em Katanga. de manipulação, por parte dos antropólogos
Desde então publicou mais de doze livros, dos em relação ao seu objeto, das percepções acerca
quais dois são coletâneas de ensaios. Suas pesqui- do tempo.
sas abrangem movimentos religiosos, linguagem, Para Fabian, ao Outro foi negada uma pers-
trabalho e cultura popular, além de propor ques- pectiva temporal coetânea, ou seja, há o Tempo
tões epistemológicas e acerca da construção da
antropologia.
1. As traduções são minhas.

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do sujeito que é distinto do Tempo de seu conotações: a primeira, de totalidade, ou seja,


objeto, só que o Tempo do Outro é um Não o mundo todo, todo o tempo; a segunda, de
Tempo! Como esta operação é feita? Acompa- generalidade, quer dizer, o que é aplicável em
nhemos os argumentos de Fabian. um grande número de casos.
No prefácio Fabian apresenta o Tempo, as- Da história, passamos à Evolução, ou à
sim como o dinheiro e a linguagem, como um Naturalização do Tempo. Fabian a�rma que o
condutor de signi�cados, uma forma pela qual resultado da secularização do Tempo produziu
se de�nem as relações entre o Eu e o Outro. E, dois elementos importantes para os aconte-
sob as condições do modo de produção capita- cimentos do século XIX. O primeiro é que o
lista, o tempo pode construir relações de poder Tempo passou a ser considerado imanente, ou
e desigualdade. Assim, se é verdadeiro que o seja, coextensivo ao mundo, e o segundo é que
Tempo pertence à economia política das rela- as relações entre os componentes do mundo
ções entre indivíduos, o Antropólogo constrói – natural e sócio-cultural – tornaram passíveis
seu objeto através de uma “política do tempo”, de serem compreendidos através de relações
que deve ser vista como uma construção dialé- temporais. A nova dimensão quantitativa que
tica do Outro. o Tempo geológico produziu, permitiu que o
Para Fabian, o conhecimento produzi- Evolucionismo fosse pensado. A mudança no
do pelos antropólogos possui uma contradi- tempo estava completa, tanto em termo de sua
ção fundamental: de um lado a Antropologia qualidade – do sagrado ao profano – como em
está baseada em uma pesquisa de campo, que quantidade, do �nito ao in�nito. Entretanto,
consiste em uma prolongada interação com o processo complementar que os Antropólogos
o Outro. Mas a construção do conhecimento do século XIX desenvolveram, para Fabian, foi
utiliza-se de um discurso sobre o Outro fun- a espacialização do tempo, ou seja, na constru-
dado em uma distância temporal e espacial. A ção do Outro, a diferença foi encarada como
presença empírica do Outro se transforma em distância.
uma ausência teórica, para a qual as equações, Desde então, os Antropólogos têm abordado
“being here, being there” de Cli�ord Geertz, ou três dimensões do Tempo. A primeira delas Fa-
“olhar, ouvir e escrever” de Roberto Cardoso bian chama de Tempo Físico, que corresponde
de Oliveira, não dão conta, pois em ambas é o a um parâmetro ou vetor na descrição de pro-
Tempo contido nos afastamentos que está me- cessos sócio-culturais. A segunda diz respeito
diando o surgimento do Outro. ao tempo plotado em escalas (calendários, diria
Fabian mostra que na matriz da sociedade eu), que se desdobra em duas abordagens: um
ocidental, capitalista, o tempo vem sendo ma- Tempo Mundano e um Tempo Tipológico. O
nipulado em consonância com a dinâmica das primeiro aglutina períodos de tempo em gran-
relações de poder. Na tradição judaico-cristã o de escala, aos quais não se deseja quali�car deta-
Tempo foi concebido como um meio para a lhadamente, como a designação Idade de Ouro.
História Sagrada. O Tempo Sagrado é linear, A segunda cobre períodos de tempo não tão
em oposição ao tempo pagão, representado por extensos, e que possuem entre si características
um eterno retorno. A secularização do Tempo comuns e opostas, como, por exemplo, tradi-
realizada na tradição judaico-cristã colocou ção versus modernidade, campesinato versus ur-
em questão a universalização da história, que bano, sociedades com escrita versus sociedades
nascera como a história de um povo eleito. sem escrita. A terceira abordagem corresponde
Para Fabian, a noção de Universal teve duas ao Tempo Intersubjetivo. Para Fabian, quer o

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antropólogo use uma abordagem sincrônica, “ver” uma cultura é equivalente a entendê-la, e
quer use um enfoque diacrônico, ambas estão por �m, é o tempo do antropólogo que dita as
baseadas em uma dada cronologia, impensável relações de produção do conhecimento.
sem a dimensão do Tempo. As conclusões de Fabian são claras: “como
Uma das premissas de um Tempo Inter- relações entre os povos e sociedades que estu-
subjetivo é o fato de que os participantes do dam e aqueles que são estudados as relações
“encontro” devem estar em uma mesma tempo- entre a antropologia e seu objeto é inevitavel-
ralidade, ou seja, serem coetâneos. Entretanto, mente política: a produção do conhecimento
Fabian denuncia que a característica da escrita ocorre em um fórum público de relações in-
etnográ�ca é exatamente oposta: há “uma ten- ternas aos grupos, entre as classes e interna-
dência persistente e sistemática em colocar os cionais” (: 143). Em sua busca por território,
referentes da antropologia em um Tempo dis- o ocidente utilizou o Tempo para acomodar a
tinto do presente daquele que está produzindo História unilinear: “progresso, desenvolvimen-
o discurso antropológico” (: 31), ou seja, negar to, modernidade (e suas imagens contrárias:
ao Outro o direito de ser coetâneo, ou coevo. estagnação, subdesenvolvimento, tradição)”.
Com isso não se está produzindo uma si- Para Fabian, a geopolítica do ocidente tem seus
tuação anacrônica, reveladora de um evolucio- fundamentos em uma cronopolítica.
nismo ultrapassado. Para Fabian, na verdade, o Trazer o Tempo para o centro das relações
que se produz é uma situação em que o Outro de poder coloca uma ferramenta de análise que
é revelado pelos antropólogos como sendo aló- supera em muito as discussões acerca do pa-
crono, ou seja, não está em temporalidade al- pel da antropologia e da dominação colonial.
guma. O exemplo marcante para a exclusão da O “presente etnográ�co” de etnogra�as famo-
temporalidade na antropologia é o pensamento sas, mesmo aquelas que tiveram a sensibilida-
de Lévi-Strauss, para quem o Outro que “não de de perceber diferenças entre os sentidos das
está presente no mundo; ele habita uma ma- temporalidades particulares, como Os Nuer
triz que permite que ele, não só coloque, mas de Evans-Pritchard, congelam os grupos no
marque todo e qualquer traço cultural em uma tempo. O povo nuer, observado na década de
rede lógica” (: 55). 1930, permaneceu o mesmo ao longo da trilo-
No quarto capítulo Fabian analisa o pro- gia de seu etnógrafo, até seu último livro, Nuer
cesso acadêmico, ainda vigente, de pesquisa de Religion, publicado na década de 1950.
campo, notadamente em seu constrangimento En�m, a crítica de Fabian coloca para os
temporal. As alternativas existentes, o aprendi- antropólogos um desa�o: como superar em
zado da língua previamente – quando o caso –, nossas práticas acadêmicas e/ou pro�ssionais
o estudo de pequenas comunidades através de os limites de uma temporalidade linear, ca-
mapas, quadros de parentesco, censos diversos, racterística de nosso modelo de cienti�cidade,
todos tem como objetivo fazer com que o pes- quando em contato com outras construções
quisador de campo “ganhe” tempo, não “perca” sociais que não estão fundadas no mesmo mo-
tempo, cumpra seu “prazo”. Fabian a�rma que delo? Neste livro, a resposta de Fabian é que
existem três pressupostos subjacentes a estas devemos reconhecer que nossas teorias sobre a
prescrições que merecem ser explicitados: co- sociedade do Outro são “nossas práxis – as for-
loca o aprendizado da língua nativa como uma mas pelas quais produzimos e reproduzimos o
“ferramenta” para extração de informações, conhecimento acerca do Outro em função de
adota uma perspectiva “visualista”, ou seja, que nossa sociedade” (: 165).

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E tal ensinamento é fundamental para que acurada acerca dos interesses em disputa, e das
se inicie um novo processo de compreensão so- possibilidades de sua administração.
bre o modelo de reconhecimento de políticas O livro de Fabian é, antes de tudo, uma re-
públicas nacionais voltadas para nossos Outros: velação sobre nós mesmos. E, como tudo que
índios, quilombolas e populações tradicionais. traz à tona o que está no fundo de nossas práti-
Os con�itos recentes de Roraima, acerca da cas e nossas crenças incomoda, instiga, provoca
Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, sugerem reações inesperadas. Talvez este seja o motivo de
que a análise das temporalidades em jogo pode seu ocultamento: o potencial questionador que
fornecer uma pista para uma compreensão mais contém sobre nós mesmos e nossas certezas.

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