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O currículo por competências

Alexandre Manuel Azevedo de Oliveira

Didáctica da Física e da Química I

2010-2011

“Nenhum vento é favorável ao


barco que não sabe para onde
quer ir.”

Sénec
a

O currículo é o documento fundamental onde se apoia e de onde parte todo o trabalho do professor.
Para que o desempenho docente seja profícuo é necessário que o professor organize o seu trabalho,
que o planeie e articule de acordo com as necessidades dos seus alunos. É necessário que um
professor conheça o currículo, mas também mobilize as suas experiências a fim de coordenar todos
os recursos educativos facilitadores do processo de aprendizagem. Deve, portanto, o currículo ser o
guia vivo da actividade docente.

A palavra currículo, em referência a um percurso sequencial de estudo, foi utilizada pela primeira vez
no século XVI pelo calvinista Peter Rasmus (1516-1572) na sua obra “Professio Regia” como a
organização lógica do conhecimento (Sousa, 2007: 15). Emerge do pensamento Renascentista,
continua na Reforma e, mais tarde, como projecto social da Revolução Francesa um novo paradigma
tendo em vista a perfeição e a felicidade humanas. As deias de organização, progresso e controlo
racional, científico e tecnológico do mundo natural e social são emblemáticas de um contexto de
ruptura com a auctoritas do passado, de tradição dogmática e religiosa (Sousa, 2007: 16). A crença
absoluta na razão, na ciência e na tecnologia como meios de resolução dos problemas da humanidade
atingem o seu apogeu na sociedade industrial do início século XIX. A escola e o seu currículo,
ordenado, sequenciado e devidamente compartimentado serviam perfeitamente no contexto de uma
sociedade industrial que necessitava de técnicos industriais (Sousa, 2007: 16).

A partir meados do século XIX, com as ideias do filósofo e educador alemão Herbart (1776-1841)
surge um novo interesse na organização e planeamento do ensino. Com a chegada do século XX
surgem publicações de J. Dewey “The absolute curriculum” em 1900, “The curriculum in elementar
school” em 1901 e “The child and the curriculum” em 1902. Franklin Bobbitt publica “the
curriculum” em 1918 e “How to make a curriculum” em 1924 igualmente marcados com a
organização hierarquizada e compartimentada do conhecimento, numa lógica de racionalidade
científica não muito diferente da de Rasmus (Sousa, 2007: 16). E desta cientificidade lógica e
racional emerge a sociedade moderna.

A modernidade é caracterizada por Hagreaves, citado por Sousa (2007), como

“uma condição social que é simultaneamente guiada e sustentada pelas


crenças iluministas no progresso racional científico, no triunfo da
tecnologia sobre a Natureza e na capacidade de controlar e melhorar a
condição humana através da aplicação deste manancial de conhecimento
e de saber científico e tecnológico especializado ao campo das reformas
sociais.”

A. Hargreaves (1998)

Ao nível económico a modernidade marca a passagem do locus de trabalho da família para a


fábrica. Isto implica uma extrema especialização que dá início ao processo de produção em série,
tendo sempre como objectivo capitalista o aumento da eficácia e da produtividade. Há,
inevitavelmente, uma hierarquização que estratifica a sociedade separando os gestores dos
trabalhadores, a planificação da execução e o “trabalho de pensar” do “trabalho de fazer”(Sousa,
2007: 17). É neste contexto modernista que tem génese um modelo da escola que ainda perdura na
actualidade.

O Estado, na sociedade moderna, assume um papel protector e regulador da educação, da segurança


social e da economia. Surge a máquina burocrática, fortemente hierarquizada e segmentada em
divisões de competências técnica. Promove-se a identidade da pertença colectiva em sacrifício da
individualidade dentro do sistema. Torna-se necessário dotar toda a sociedade destes skills
tecnológicos e a escola é o veículo por excelência dessa instrução, com a necessidade de produzir em
grande quantidade a escola abre-se, também ela, à lógica de produção em série e daí resulta o ensino
em massa. Surge neste apogeu industrial a Escola Pública.

No ano de 1911 Taylor desenvolve uma teoria de gestão científica para a indústria no seu livro “The
principles of scientific management”, tendo por base a chamada “job analysis” uma
análise detalhada dos gestos e sequências para a execução de uma tarefa e o respectivo tempo
necessário para a concluir. Bobbitt, no seu currículo, pretende transferir para a escola esta cultura de
eficácia científica. A escola, com um curriculum oficial brevíssimo, organiza-se segundo o modelo de
uma fábrica preparando desde logo os alunos para a vida profissional futura (Sousa & Fino, 2001:
373).

Em 1949, Ralph Tyler, que define o curriculum como “uma construção dos objectivos da acção
educativa e na subsequente determinação dos meios conducentes a tais fins” (Tyler, 1949; Taba,
1962; Johnson, 1977) os princípios apresentados no livro “Basic principles of Curriculum and
instruction” (1949) estão consagrados em quatro questões:

· Que objectivos educacionais deve a escola procurar atingir?

· Que experiências educacionais podem ser proporcionadas para que seja possível atingir esses
objectivos?

· Como organizar eficientemente essas experiências educacionais?

· Como poderemos ter a certeza de que esses objectivos estão a ser alcançados?

Tyler, que fora aluno de Bobbit, limpa assim o modelo do seu professor de tuda a linguagem
industrial, criando as bases do que ainda hoje chamamos currículo escolar (Null, 2008). A perspectiva
de Tyler é baseada no modelo de Bobbitt e ainda muito hierárquica e segmentada. Com uma
verticalidade em que o aluno é receptor do conhecimento definido pela política do Estado – o
programa oficial – e o professor transmissor do saber, não participando nem agindo no processo de
elaboração e gestão curricular. Para Leite (2002) a teoria técnica de Tyler, descrita em é uma teoria do
racionalismo académico tradicional, estruturada em conceitos como. Objectivos, conteúdos,
actividades e avaliação. A ampla aceitação deste modelo pela sociedade assenta na necessidade que
tinha de formar gente para o emergente e expansivo mercado tecnológico e industrial (Null, 2008).

Alguns autores como Schwab (1985) e Stenhouse (1984) são bastante críticos ao currículo de Tyler,
apresentam um modelo de racionalidade prática em que o currículo é visto como um projecto, uma
proposta que precisa de ser investigada e provada (Leite, 2002). Stenhouse propõe um professor
aprendiz, que fazendo da sala de aula um laboratório adapta o curriculum à sua realidade. O
pensamento curricular de Schwab (Pacheco, 1996) parte dos quatro elementos que propõe para a
construção de um currículo: alunos, professores, meios e conteúdos, que se conjugam e articulam
através da emergência da prática.
Num currículo pós-moderno, que dê resposta às recentes mudanças sociais que nas últimas décadas
modificaram todo o cenário social, é necessária ainda uma maior flexibilidade. Para W. Doll (1993) o
currículo pós-moderno deve obedecer à metáfora dos quatro Rs, isto é, ser rico, reflexivo,
relacional e rigoroso, entendido aqui o rigor como o critério “que permite evitar que o currículo
resvale para um relativismo excessivo ou para um solipsismo sentimental”, o rico como a capacidade
de ser “aberto e inacabado... (por forma a permitir) aprofundar os seus níveis de significado e as suas
múltiplas possibilidades ou interpretações”, o reflexivo “com o objectivo de estimular estratégias
metacognitivas”, o relacional que diz respeito “à rede de conexões intrínsecas ao próprio currículo”
(Leite, 2001: 4 n.r.)

Uma definição do que é hoje o currículo não é fácil nem consensual. Mas é aceite que o currículo não
é apenas o conjunto dos conteúdos a ensinar e a fazer aprender, essa concepção só seria adequada a
uma escola que se limitasse a cumprir um papel unicamente transmissivo de conhecimento já feito e
apresentado como verdade única numa mera lógica de manutenção de uma herança cultural. Ao
reconhecer o papel da escola como educadora e formadora aceta-se que o currículo inclua actividades
desenvolvidas fora do contexto disciplinar e abrindo espaço para situações de aprendizagem não
formais que surgem espontaneamente da articulação do processo educativo e que não estavam
contempladas à partida (Leite, 2001). A escola pode ser entendida como uma instituição
curricularmente inteligente, no sentido em que os seus membros aprendem individual e
colectivamente por forma a construírem mudanças (Leite, 2000). Neste enquadramento não se limita
a administrar e distribuir conhecimento de uma forma lógica e racional, mas promove práticas onde
se desenvolvem a criatividade e competências de ordem cognitiva, afectiva e social. E não depende
exclusivamente de uma gestão que lhe é exterior, mas recorre a processos de gestão participada que a
torna realmente flexível.

Mas o poder político, o papel regulador do estado não pode ser ignorado. Continua a haver uma lei de
bases do sistema educativo e um programa definido politicamente. Algumas correntes neo-marxistas
na linha de Althusser, Bourdieu, Passeron, Bowles ou P. Freire vêm o Estado a assegurar, por vias do
seu conteúdo, expresso ou oculto, as expressões existentes do poder (Sousa, 2007: 23). Uma
educação que subjuga o aluno e o seu conhecimento á vontade do Estado. Por outro lado,
movimentos como a Nova Sociologia da Educação de M. Young, a Reconceptualização Curricular de
W. Pinar, Slattery e outros, e os “Estudos Gerais” de Giroux numa perspectiva mais sócio-cultural
dentro da área do currículo questionam a validade de um processo transformador do sujeito.
O final do século XX fica marcado pela explosão das tecnologias de informação e comunicação
(TIC). O termo globalização passa a ser uma realidade quotidiana. A Internet aproxima virtualmente
o mundo inteiro, aparece o conceito de aldeia global. Alguns autores, como Giraux, criticam o ensino
que a escola actual veicula por ser um conhecimento desenhado a partir de uma referência única: o
modelo europeu de cultura e civilização, espartilhado em áreas autónomas e especializadas. Foi
também contra o currículo territorializado que Edgar Morin (1999) escreveu “Os sete saberes para a
educação do futuro”, quando solicitado pela UNESCO para apresentar a debate as suas ideias sobre a
essência da educação do futuro, no âmbito da sua visão do “pensamento complexo”, que podem ser
resumidos da seguinte forma (Sousa, 2007: 23):

1. Conhecer o conhecimento, nos seus processos de construção mental, psíquico e cultural.

2. Conhecer os objectos nos seus contextos, nas suas complexidades, nos seus conjuntos e nas suas
relações e influências recíprocas.

3. Conhecer a condição humana no que tem de comum e diverso (em termos físicos, biológicos,
psíquicos, culturais, sociais e históricos).

4. Conhecer a história do ser planetário, iniciada com a comunicação dos continentes no século XVI,
sem ocultar as opressões e dominações.

5. Conhecer as incertezas que apareceram nas ciências físicas, nas ciências da evolução biológica e
nas ciências históricas.

6. Compreender o outro, quer seja próximo ou estranho, estudando as incompreensões (causas dos
racismos, xenofobias, desprezos).

7. Conhecer a antropo-ética, na relação que o indivíduo tem com a sociedade e com a espécie (a
democracia, a cidadania terrestre e o destino planetário).

Estamos já num novo paradigma pós-moderno, em que a cultura e a educação estão claramente
marcadas pela especificidade, diferença, pluralidade e múltiplas narrativas. As TIC potenciam-no
dando livre acesso a múltiplos territórios culturais, fontes de conhecimento diversas do modelo
monolítico ocidental, europeu, branco, masculino de classe média, amplamente veiculado pela escola
tradicional (Sousa, 2007: 24). Torna-se assim difícil que o modelo clássico permaneça por muito mais
tempo. Segundo I. Martins (2009) “é hoje claro que a educação formal deverá ser equacionada no
ambiente social em que acontece. A alteração continuada e contínua dos processos e meios de
comunicação repercute-se (ou deve repercutir-se) na forma como se estrutura o ensino e se
perspectivam aprendizagens e competências dos alunos. Com efeito, as redes digitais e a divulgação
da Internet a partir da segunda metade da década de 90 alargaram a base de informação disponível e,
portanto, facilitaram novas aprendizagens”.

Afastado dos objectivos concretos de um currículo no modelo clássico, aparece um novo conceito de
aprendizagem: o desenvolvimento de competências. Em contexto escolar é por vezes entendida uma
valorização das competências como um relegar dos conhecimentos para um papel secundário, o que é
erróneo pois as competências englobam conhecimentos (Galvão et al., 2007). As competências
mobilizam os conhecimentos, interagindo entre si e tornando a sua utilização mais eficaz e adequada.
Bunk (1994) afirma que possui competência quem dispõe dos conhecimentos, destrezas e
capacidades. E segundo Shapiro (1998) para se ser competente não é suficiente ser portador do
conhecimento na sua expressão cognitiva, mas é exigida a capacidade de integrar um largo conjunto e
competências que lhe permita executar uma tarefa de acordo com os recursos tecnológicos
disponíveis e com o tipo de tarefa a realizar (Galvão et al., 2007). O crescimento e a complexidade
da economia, a globalização e o acelerado progresso tecnológico têm sido o suporte desta nova era. A
escola não pode ficar alheia a esta realidade, pois tendo um papel mediador entre o meio familiar e a
vida activa de trabalho é nela que se podem e devem desenvolver as competências necessárias a uma
participação activa, consciente e sustentável na sociedade. É pelas competências que a pessoa
compreende e participa na sociedade do conhecimento, mobilizando o saber, o saber ser e o saber
resolver problemas com que se confronta constantemente (Galvão et al., 2007: 46).

Para além de uma definição concreta de competência, que há várias na literatura, é necessário
perceber que este conceito está sempre relacionado com a mobilização dos diferentes saberes
adquiridos num novo espaço de acção. As competências combinam de forma dinâmica diferentes
elementos que a constituem e possuem um carácter operatório e social, têm por finalidade a
construção de uma nova ordem social, a educação e a formação dos recursos humanos (Galvão et
al., 2007; 49).

Aparece na literatura um vasto conjunto de terminologias e concepções de competências, mas em


todas permanece o carácter fundamental baseado na transversalidade, transferibilidade e
flexibilidade. A aquisição de competências ao longo do percurso escolar não só permite uma mais
fácil transição entre os ciclos por transferência dos conhecimentos adquiridos, como facilita a entrada
no mundo do trabalho. Neste contexto a não aquisição destas competências – quer por reprovação ou
por abandono escolar – que serão a chave da integração pode levar à exclusão social. Abre-se assim
na escola um novo leque de percursos fora no normalizado modelo clássico, que sem incidir
exclusivamente no conhecimento substantivo proporciona diferentes experiências de aprendizagem
focalizadas no individuo e no seu contexto social. A exclusão social pode ser combatida valorizando
a diversidade e os conhecimentos trazidos pelo mundo envolvente (Galvão et al., 2007: 52). As
estratégias didácticas devem valorizar mais o desenvolvimento de competências cognitivas, sócias e
relacionais que a mera aplicação rotineira das tecnologias. E neste novo paradigma educacional
exige-se â escola que desenvolva uma cultura educativa que facilite a compreensão, análise e
resolução de problemas, em particular em contextos reais com que os alunos se identificam. Pede-se
à escola que valorize a par com o conhecimento transmitido os saberes experienciais resultantes das
experiências de vida que todos os alunos possuem qualquer que seja a sua idade. Que mostre
flexibilidade, promova autonomia e desenvolva critérios de apreciação ética e estética no sentido de
valorizar dinamismos colectivos (Galvão et al., 2007). É, portanto, necessário que a escola e os
professores evoluam no sentido de desenvolver nos alunos competências e não somente
conhecimentos tecnológicos. Desenvolver a pessoa num quadro interdisciplinar exige acção em três
domínios: o cognitivo, as atitudes socializadoras e a autoformação pessoal.

Esta transição para a valorização das competências vem distingui-las da qualificação. O ensino
tradicional é qualificante, certifica a qualificação das aprendizagens para o desempenho de
determinada função para a qual o aluno foi ensinado e treinado (Canário, 2008: 46). Mas, muitas
vezes, a mobilização desse saber adquirido em contexto escolar para o contexto real do mercado de
trabalho é ineficaz. A acção profissional tem lugar em contextos sociais marcados pela singularidade
e a incerteza (Canário, 2008: 46), onde é necessária uma criatividade e flexibilidade que permitam a
mobilização do conhecimento e dos diversos saberes adquiridos à problemática concreta – a essa
mobilização podemos chamar competência e deve ser adquirida e praticada na formação inicial, na
escola e ao longo de toda a vida. Assim descrito o conceito de competência corresponde a “saber
encontrar e por em prática eficazmente as respostas apropriadas ao contexto na realização de um
projecto” (Reinbold & Breillot, 1993 in Canário, 2008: 47). É possível armazenar informação, mas
não competências que são atributos do sujeito (Boterf, 1994), são propriedades globais resultantes da
“reorganização e do acréscimo de complexidade do cérebro” (Morin, 1990). O currículo na escola
tem, necessariamente, de contemplar uma perspectiva globalizante estendendo o ensino para além da
transmissão dos saberes – substantivos, cognitivos, racionais – e incluir processos que promovam a
literacia científica, capacidade reflexiva, crítica social, cidadania e educação para a sustentabilidade.
Coloca-se então uma maior subjectividade no ensino e uma ruptura com a única avaliação
tradicionalmente praticada: a classificação dos testes – quantitativa, numérica e objectiva. A
avaliação das competências implica um conjunto de instrumentos de avaliação muito mais amplo e
diverso. Os testes escritos do modelo clássico dificilmente avaliam competências fora do campo
cognitivo. No decreto-lei nº 286/89 a avaliação tem um papel de controlo da qualidade do ensino e
deve “estimular o sucesso educativo de todos os alunos, favorecer a confiança própria e contemplar
os vários ritmos de desenvolvimento e progressão”. No decreto-lei nº 6/2001 a avaliação aparece
como tendo um papel regulador das aprendizagens, orientador do percurso escolar e certificador das
diversas aquisições realizadas pelo aluno ao longo do ensino básico. Refere-se a importância da
participação dos alunos, dos pais e dos encarregados de educação no processo de avaliação. São
introduzidas novas modalidades de avaliação – diagnóstica, formativa e sumativa – e é estendida a
avaliação qualitativa às áreas curriculares não disciplinares do 2º e 3º ciclos fugindo da classificação
numérica da avaliação quantitativa utilizada ainda nas disciplinas curriculares. É ainda referido o
carácter pedagógico da avaliação e no caso de retenção fica determinado que o professor titular de
turma elaborará um relatório das aprendizagens não realizadas, que será tido em conta na elaboração
do plano curricular da turma em que o aluno for integrado. Contempla-se assim o papel principal da
avaliação: contribuir para uma melhor aprendizagem.

A escola é inevitavelmente um espelho da sociedade em que se insere. Querer preservar um modelo


escolar que se cada vez mais se torna desenquadrado com a realidade envolvente é uma luta inglória
e perdida a curto prazo. A ideia de uma escola para a qualificação profissional, assente num modelo
Taylorista que injecta mão-de-obra ensaiada para o mercado de trabalho, está em crise devido a
precariedade do emprego. A formatação do aluno num modelo de ensino para todos – o mesmo
ensino para todos – condiciona e elimina a criatividade e a individualidade que são exigidas
actualmente para o sucesso pessoal. As grandes mudanças sociais e económicas que se verificaram na
última década do século XX e na primeira do século XXI exigem uma resposta processual na
educação e na formação dos indivíduos para uma sociedade funcional, eficaz, participativa e
sustentável. Essa resposta passa inevitavelmente pela escola pelo seu papel formador e universal,
pelo seu carácter obrigatório e pelo seu mister fundamental de ensinar, educar e instruir a sociedade
em geral e cada um em particular. Um currículo tradicional obedece a uma lógica racional e tem por
base única a cultura europeia, foi elaborado para um aluno-tipo que seria europeu, cristão, branco, do
sexo masculino e de classe média, este é um modelo ultrapassado e que em nada reflecte os alunos
que frequentam a escola actualmente. A globalização abriu os horizontes culturais da população, tudo
é mais acessível e imediato – sem mediador – sobretudo com o desenvolvimento das TIC e com a sua
ampla divulgação, aceitação e utilização por parte da comunidade escolar e muito particularmente
dos alunos. A flexibilidade inerente à juventude aliada a uma curiosidade fervente e a um sentido de
pertença social potenciaram a utilização das TIC para um nível que não seria previsível há poucos
anos. Numa rede social – Hi5, Facebook, Twitter – o utilizador conquista o seu espaço não pelo que
sabe mas pelo que consegue mobilizar em frente ao ecrã: a relação com o outro, a capacidade de
comunicação, os interesses em comum, os aspectos inovadores e criativos que o individualizam e o
tornam visível na comunidade virtual. Não terá mais sucesso o aluno mais qualificado para a
utilização da língua inglesa – o que tem melhor classificação nos testes – que um aluno com uma
classificação mediana mas que tenha desenvolvido competências de relacionais e de comunicação,
pode não ser o aluno que tem a maior classificação em ciências a participar mais activamente num
fórum científico ou a desenvolver projectos de astronomia ou ser um fervoroso activista numa
associação ecologista de âmbito mundial. É necessário o professor entender e acompanhar estas
mudanças, pois se como indivíduo não é alheio a elas como profissional de educação muito menos o
pode ser.

Apesar de ter sido instruído num currículo por objectivos, num modelo de escola clássica, sempre
tentei que o meu tempo na escola como aluno se estendesse para além da sala de aula. Participei em
clubes de ciência, de teatro, tertúlias de poesia, no desporto escolar e no associativismo estudantil.
Talvez por isso sempre me foi grato um currículo que proporciona no ambiente escola diversas
experiências de aprendizagem, as formais, as não formais e por vezes até as não intencionais. Nas
experiencias formais estão as disciplinares e as intencionalmente planificadas nas áreas curriculares
não disciplinares, nas não formais as que emergem da vontade dos alunos e que podem ser incluídas
num currículo vivo em permanente actualização e adaptação e as não intencionais são aquelas que
surgem onde menos se espera – numa situação de conflito, num recreio, na biblioteca ou noutro
espaço – e pode ser mobilizado para um processo de aprendizagem ou que espontaneamente resulta
numa situação enriquecedora.

Esta reflexão sobre o currículo por competências, depois de consultar alguma literatura, deixou-me
na cabeça o pensamento de Séneca: “Nenhum vento é favorável ao que que não sabe para onde ir”. O
professor, ao assumir esse papel na escola, não pode vaguear sem direcção. Não pode tomar decisões,
fazer opções, escolher percursos se não souber para onde ir. No currículo por objectivos o papel do
professor era transmissivo e as orientações curriculares sugeriam o estrito cumprimento das normas
apresentadas acreditando que se todos os alunos forem ensinados da mesma maneira vão aprender o
mesmo. Este currículo era um cabo amarrado ao barco, o seu destino pontual e definitivamente
marcado podia aceitar, sem incentivar, alguns desvios na linearidade mas nunca nos objectivos
concretos para a unidade temática e para o referido ano curricular. No currículo por competências
corta-se o cabo e o barco pode escolher livremente o seu percurso, conhecendo bem o ponto de
partida e tendo balizado o ponto de chegada – com maior ou menor rigor. Neste currículo o professor
tem um porto destino, mas a rota é escolhida e ajustada conforme as necessidades, sabendo para onde
ir o currículo torna-se o vento favorável, não soprando sempre na mesma direcção pois as metas são
maiores, a distância e o tempo esticam-se para todo um ciclo, permitindo ajustes à rota de modo a
levar a bom porto a tripulação dentro do tempo previsto e alcançando as competências definidas no
início da jornada. A velocidade do barco, a direcção mais favorável do vento, os portos onde se fazem
escalas são variáveis que o homem do leme controla e vai registando nas suas planificações
adaptando o currículo às necessidades da turma em geral e do aluno em particular. É necessária uma
ruptura com o modelo transmissivo de conhecimento em que o professor servia unicamente de
veículo de aplicação das directivas curriculares para o modelo participativo e construtivista em que o
professor e os alunos reflectem sobre o currículo, agem sobre ele e criam mudança que o torne mais
eficaz ao ir de encontro às necessidades, vontades e desejos de quem quer aprender.

Acredito que reflectir sobre este tema me proporcionou uma base sólida para desenvolver o meu
trabalho docente, encarando-o de uma maneira mais sustentada, apoiado teoricamente e sabendo-o
aplicável na prática. As exigências desta sociedade pós-moderna manifestam-se na escola em que
ainda vigora o modelo clássico de Tyler, mas se o objectivo do currículo de Tyler era a
empregabilidade na indústria qual será a sua utilidade concreta no tempo actual para os alunos que
frequentam hoje a escola. É, por isso, necessário que o professor se preocupe com a sua formação
contínua, que lhe dê um suporte teórico, pedagógico e didáctico, para desenvolver a sua actividade e
uma maneira mais eficaz. É com tristeza que escrevo esta reflexão no ano em que, por razões
exclusivamente financeiras, o estado português decide terminar com as áreas curriculares não
disciplinares que pela sua génese comtemplam a transversalidade e a possibilidade de criar
desenvolver e aplicar todas as competências definidas nas orientações curriculares do ensino básico.
Em especial na área de projecto podem-se criar situações concretas em que os alunos possam
mobilizar os conhecimentos adquiridos em contexto fora da escola modernista, proporcionando
momentos de aprendizagem em que uma avaliação formativa alcança uma dimensão não possível, ou
não facilmente atingível, nas áreas disciplinares. Resta mais uma vez ao professor como interface do
sistema para o aluno analisar e reflectir em função do cenário e agir sobre o currículo
proporcionando, criando ou promovendo momentos fecundos de aprendizagem no horizonte que lhe
estiver disponível. Acredito que o vínculo afectivo à escola – da parte de alunos, pais encarregados de
educação e também dos professores – só é possível trabalhando as competências transversais, que
serão as competências-chave a adquirir com no processo educativo que asseguram, ou proporcionam,
o sucesso pessoal e social integrado numa sociedade competente, participativa e sustentável.

Referências Bibliográficas

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