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HANNAH ARENDT EICHMANN EM JERUSALEM Um relato sobre a banalidade do mal Tradupto: 1096 RUTENS SIQUEIRA, He in ont ‘Copyright © 1963, 1964 by Hannah Arendt “Til origina: Eichmann Jerusalem A Repor on the Banal of Et Cape: rire Botti Fate da capa APWide World Photos Revs da tadugo ‘Somuel Tian Jr Indice remissive: ‘Maria Clautia Carvalho Matos Revisto: Ana Marta Alvares Beatriz de Freitas Moca Das mci de ap m Nao) inom fal Jah Aa wd sd "aes een So Pra: Comp ae 19, ‘et Wor Be Hens GTS 8 Ti a pr ca sina Todos 0s direitos desta ego reservados & ‘Rox Dandsira Pais, 702, 6.32 (4532-002 — So Paulo — se “Telefon: (11) 3707-3500, ax: (11) 3707-3501 ‘wwe compankindsletas.com br ‘wo blogdacompanhi.cm br NOTA AO LEITOR Esta éumaedigdo revista aumentada do livrolangadoem maio de 1963, Fiza cobertura do processo de Kichmannem Jerusalém,em 1961, para a revista The New Yorker, na qual este relato foi publica- do, ligeiramente abreviado, nos meses de fevereiroe marco de 1963. Este livro foi escrito no verao € no outono de 1962 e conclude em novernbro daquele ano, durante minha estada como bolsistano Cen- tro de Estudos Avancados da Universidade Wesleyan O que foi revisto nesta edigdo sdo alguns erros téenicos, ‘nenhum dos quais tem a menor significago na andlise ou na argu- mentagtio do texto original. O registro factual desse perfodo ainda nio foi estabelecido em detalhes, ¢ certas questoes baseadas em suposigoes jamais poderio apoiar-se em informagSes inteiramente confidveis. Por exemplo, 0 total de judeus vitimas da Solugao Final uma suposicio — entre 4 milhdes € meio e 6 milhoes — jamais ‘comprovada, ¢ 0 mesmo se aplica aos totais de cada um dos paises enyolvidos. Alguns dados novos vieram a luz desde a publicagao deste livro, principalmente na Holanda, mas nenhum deles teve importancia para o evento como um todo. ‘Quase todos os acréscimos sto de natureza técnica, esclarecen- do um ponto especifico, introduzindo fatos novos ou, em alguns, casos, citagoes de outras Fontes. Essas novas fontes foram aerescen- tadas abibliografia e sao discutidas no pés-escrito, que trata da con- trovérsia despertada pela publicagdo original. Alm do pds-escrito, {98 acréscimos ndo técnicos referem-se i conspiragiio alema anti- Hitler de 20 de julho de 1944, que na versio original eu s6 mencio- nara incidentalmente, O cardter do livro como um todo permanece inatterado. Devoagradecimentosa Richard e Clara Winston por sua ajuda na preparaciio do texto do pés-escrito desta edigao. Hannah Arendt Junho de 1964 OAlemante Ouvindo as falas que vém data casa, rimos. Mas quem te vé corre apegarafaca. Bertolt Brecht (ad, Paulo Cesar de Souza) SUMARIO Nota ao leitor. ACasa da Justiga Oacusado, Um perito na questao judaica... A primeira solugo: expulsio. A segunda solucao: concentragio A solugao final: assassinato A Conferéncia de Wannsee, ou Poncio Pilatos Deveres de um cidadao respeitador das leis, Deportagies do Reich —Alemanhe, Austriaeo Protetorado... a Deportagdes da Europa Ocidental — Franca, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Italia... See XI. Deportagées dos Bale‘is — Ingostavia, Bulgaria, Grécia, Roménia.. a XII Deportagdes da Buropa Central — Hungria e Eslovquia — XIII. Os centros de exterminio no Leste XIV. Provase testemunhas.. XV. Julgamento, apelagao ¢ execugao Eptlogo Pos-escrito Bibliografia Indice remissivo... EICHMANN EM JERUSALEM I A CASA DA JUSTICA “Beth Hamishpath” —a Casa da Justiga: essas palavras, gr das a todo volume pelo meirinho do tribunal, fazem-nos ficar de pé ‘num salto, ao anuneiat a chegada dos trés jufzes que, de cabeca des- coberta, vestindo mantos negros, entram nasaladotribunal poruma porta lateral e ocupam seus lugares no nivel mais alto da plataforma elevada. A longa mesa, que logo estard coberta com intimeros livros te mis de quinhentos documentos, tem uma estendgrafa em ¢: extremidade, Logo abaixo dos juizes ficam os tradutores, cujos ser- vigos so necessdrios para as conversas diretas entre o acusado ou seus advogados e a corte; além disso, o acusado, cuja lingua, como ade quase todo mundo na platéia, € 0 alemao, acompanha os proce- dimentos em hebraico por meio da transmissio radiofénica simul- tinea, que é excelente em francés, tolerével em inglés, ¢ uma mera ‘comédia, muitas vezes incompreensivel, em alemao, (Em vista da ‘escrupulosa eqiiidade de todos os arranjos téenicos do julgamento, constitui um mistério menor que o novo Estado de Israel, com sua alta porcentagem de nascidos na Alemanha, seja incapaz de encon- trar um tradutor adequado para a nica lingua que o acusado e seu ‘advogado entendem, Pois o velho preconceito contra os judeus ale- mifes, antes muito pronunciado em Israel, nao tem mais forga suficiente para ser considerado uma causa disso, Resta, a guisa de explicagio, a velha e ainda poderosa “vitamina P”, nome que 0s is- raclenses diio ao favorecimento nos cfrculos do governo ¢ da buro- cracia.) Um degrau abaixo dos tradutores, um de frente para 0 outro B €, portanto, com os perfis voltados para a platéia, vemos acabine de vidro do acusado ¢ o banco de testemunhas, Finalmente, no tltimo plano, de costas para a platéia, ficam o promotor com seu grupo de quatro advogados assistentes e o advogado de defesa, que durante as primeiras semanas foi acompanhado por um assistente Em nenhum momento se nota algum trago teatral na conduta dos juizes. Seu passo nio é estudado, sua atengio, sébriae intensa, € natural mesmo quando visivelmente se enrijece sob o impacto da dor ao ouvir os relatos de sofrimento; sua impaciéncia com tivado promotor de acrastar infinitamente essas audiéncias éespon- nea e tranguilizadora, sua atitude para com a defesa talvez um tan to polida demais, como se estivessem sempre levando.em conta que 0 “de. Servatius estava quase sozinho nessa exigente batalh: ambiente desconhecido”, suas maneiras como acusado sempre ime preensiveis £ to dbvio que os trés so homens bons honestos que 6 surpreendente nenhum dos trés ceder & grande tentagdo de repre- sentar neste cendio,&tentagio de fingir que — todos eles nascidos e educados na Alemanha — precisam esperar pela tradugdo hebr: 1, Moshe Landau, 0 presidente do jtri, quase nunca espera otradu tor terminar seu trabalho para dar suas respostas, e muitas vezes interfere, corrigindo ¢ methorando a tradugiio, evidentemente satis- feito com a oportunidade de distragao num evento sombrio como esse, Meses depois, durante um interrogatério do acusado, ele che- garda convencer seus colegas a utilizar 0 alemio, que é sua lingua nativa, no didlogo com Eichmann —prova, se é que ainda é neces- sario uma prova, de sua notével independéneia diante da opinitio piiblica de Israel, Desde o comego, niio hd dividas de que é o juiz Landau quem Add 0 tom, e de que ele esté fazendo 0 maximo, o maximo do maxi- ‘mo, para evitar que este julgamento se transforme num espeticulo por obra da paixio do promotor pela teatralidade, Entre as razdes pelas quais ele nem sempre consegue isso esta o simples fato de que is sessOes ocorrem num palco diante de uma platéia, com o esplét dido grito do meirinho no comego de cada sessio produzindo o efei- tode uma cortina que sobe. Quem planejoueste audit6rio darecém- construida Beth Ha am, Casa do Povo (no momento circundada por if altas ceteas, guardada do s6tio ao pordo pela policia fortemente ‘armada, e com uma fileira de barracas de madeira no patio frontei- ro onde todos os que vio chegando sao adequacamente revistados), tinha em mente um teatro completo, com seu fosso de orquestra e sua galeria, com proscénio e paleo, e portas laterais para a entrada dos atores. Evidentemente, este tribunal ndo é um mau lugar para o espetaculo que David Ben-Gurion, primeiro-ministro de Israel, ti ‘nha em mente quando resolveu mandar raptar Eichmann na Argent na trazé-lo & Corte Distrital de Jerusalém para ser julgado por seu papel na questiio da “solucto final dos judeus”. E Ben-Gurion, ade- quadamente chamado de “arquiteto do Estado”, é 0 diretor de cena do processo. Nao comparece a nenhuma sessiio; no tribunal, fala pela voz de Gideon Hausner, 0 procurador-geral que, representante do governo, faz.o que pode para obedecer a seu senhor. E se, feliz mente, seus esforgos nem sempre atingem o objetivo é porque o jul- _zamento esté sendo presidido por alguém que serve A Justicacom a ‘mesma fidelidade com que o st. Hausner serve ao Estado de Israel ‘A justiga exige que o acusado seja processado, defendido e julgado, € que fiquem em suspenso todas as questdes aparentemente mais importantes — “Como pode acontecer uma coisa dessas?” e “Por que aconteceu”, “Por que os judeus?” e “Por que os alemaes?”, “Qual o papel das outras nagdes?” e “Até que ponto vai a responsa bilidade dos Aliados?”, “Como puderam os judeus, por meio de seus lideres, colaborar com sua propria destruigo?” e “Por que rmarcharam paraa morte como carneiros parao matadouro?” A jus- tiga insiste na importancia de Adolf Eichmann, filho de Karl Adolf Eichmann, aquele homem dentro da cabine de vidro construida para sua protegio: altura mediana, magro, meia-idade, quase calvo, den tes tortos € olhos mfopes, que ao longo de todo o julgamento fica esticando o pescogo para olhar 0 banco de testemunhas (sem olhar nem uma vez para a platéia), que tenta desesperadamente, e quase sempre consegue, manter 0 autocontrole, apesar do tique nervoso que Ihe retorce a boca provavelmente desde muito antes do comego este julgamento, Em juszo estao os seus feitos, nao o sofrimento dos judeus, nem 0 povo alemiio, nem a humanidade, nem mesmo o anti-semitismo ¢ 0 racismo. Ea Justica, embora talvez uma “abstragao" para quem pensa ‘como ost. Ben-Gurion, vera ser um amo muito mais severo até do {que um primeiro-ministro com todo o seu poder. © dominio deste Litimo, conforme o st. Hausner se estende em demonstrar, é permis sivo; permite ao promotor dar entrevistas & imprensa e aparecer na televisdo durante o julgamento (a transmisstio norte-americana, patrocinada pela Glickman Corporation, é constantemente inter. rompida — sempre os negdcios! — por antincios de propriedades imobilirias), permite-lhe mesmo explosdes “espontaneas” junto 08 repérteres dentro do edificio do tribunal —que est cansado de interrogar Bichmann porque cle responde sempre com mentiras; permite que lance olhares para a platéia e permite a teatralidade de ‘uma vaidade maior doque o notmal, que finalmente triunfa ao rece- ber do presidente dos Estados Unidos os parabéns pelo “trabalho bem-feito”. A Justica nao admite coisas desse tipo; ela exige isola. mento, admite mais a tristeza do que a raiva, ¢ pede a mais cautelo- saabstinencia diante de todos os prazeres deestarsobaluzdos retle- tores.A visita do juiz Landau aeste pais pouce depois do julgamento ‘no foi divulgada, « nfo ser entre as organizagées judaicas em prol das quais foi empreendida, No entanto, por mais que os juizes evitem os refletores, ali estio eles, sentados no alto da plataforma, na frente da platéia, como se estivessem no palco para atuar numa pega. A platéia deveria representar o mundo todo, € nas primeiras semanas realmente era composta de jornalistas ¢ articulistas de revistas que acorreram a Jerusalém vindos dos quatro cantos do mundo. Essas pessoas iriam assistir a um espeticulo tio sensacional quanto os julgamentos de Nuremberg, s6 que desta vez “a tragédia do judaismo como um todo constituitia a preocupagiio central”. Pois “se tivermos de acusat [Eichmann] também por seus crimes contra niio-judeus... isso" no ocorrerd porque ele os cometeu, mas, surpreendentemente, "porque ido fazemos distingdes émicas”. Essa € sem diivida uma frase sur- preendente para ser pronunciada por um promotor em seu discurso de abertura, e que acabou sendo a frase-chave de toda a acusaio. Porque essa acusagao tem por base 0 que os judeus sofreram, nioo que Eichmann fez. E, segundo o sr. Hausner, essa distingao seria 16 irrelevante, porque “sé houve um homem que se dedicou quase exclusivamente aos judeus, cuja ocupagao foi sua destruigio, cujo papel no aparelho do regime iniquo se limitou aeles, E.esse homem foi Adolf Eichmann”, Nao seria légico apresentar & corte todos os {atos do softimento judeu (que evidentemente jamais foi questiona- do) para depois examinar as provas que pudessem de alguma forma Jigar Eichmann aos acontecimentos? Os julgamentos de Nurem- berg, nos quais os réus foram “acusados de crimes contra membros de diversas nagdes”, nfo Jevaram em conta a tragédia judaica pelo simples fato de Eichmann nao estar presente. Ser que 0 sr. Hausner realmente acreditava que os julgamen- tos de Nuremberg teriam prestado mais atencao no destino dos judeus se Eichmann estivesse no banco dos réus? Dificilmente. ‘Assim como todos em Israel, ele acreditava que s6 um tribunal judeu poderia fazer justiga aos judeus, € que era tarefa dos judeus julgar seus inimigos, Da‘ a hostilidade quase generalizadaem Israel contra a simples mengdo de uma corte internacional que pudesse aacusar Bichmann nio de crimes “contra o povo judeu”. mas de cri- ‘mes contra a humanidade perpetrados no corpo do povo judeu. Dat ‘testranha vaidade: “nio fazemos distingSes étnicas”, que soou menos estranha em Israel, onde a lei rabinica governa o status pes soal de cidacios judeus, proibindo judeus de casar com nao-judeus; ‘98 casamentos realizados no exterior sao reconhecidos, mas os filhos de casamentos mistos sao legalmente bastardos (lilhos de pais judeus nascidos fora do casamento so legitimos), ese a miie de alguém por acaso € niio-judia essa pessoa nao pode nem se casa, ‘nem ser enterrada. O ultraje desse estado de coisas ficou mais agu- do depois de 1953, quando boa parte da jurisdicao de assuntos rela- tivos a lei familiar passou para a corte secular. Hoje as mulheres podem herdar propriedades e gozam, no geral, de status igual a0 do homem, Portanto no é bem respeito af ou a0 poder da minoria de fandticos religiosos que impede o governo de Israel de substituir a Jurisdigdo secular da lei rabinica em questdes de casamento e divér- ‘cio, Cidadiios israelenses, religiosos e nio religiosos, parecem con- cordar que € desejavel ter uma lei que proiba o casamento misto,¢é sobretudo por essa razio — como admitiam os funcionérios israe~ 7 lenses fora da sala do tribunal — que eles consideram indesejivel possuir uma constituigao escrita, em que essa lei teria de ser emba- agosamente descrita com todas as letras. (“Os argumentos contra 0 de seusescondenio, outa Eenconrélos importantes pos persno mbps encanta adinistagos estate «, geralmente, em cargos piblicos imimeros hon al men cua mas essa resposta nunca foi confirmada pelo proprio acusado, A defesa aparentemente teria preferido que ele se declaras- se inocente «om base no fato de que, para o sistema legal nazista ‘bes, Bich- 32 ‘entio existente, nio fizera nada errado; de que aquelas acusagies no constitufam crimes, mas “atos de Estado”, sobre 0s quais ne- hum outro Estado tinha jurisdigao (par in parem imperium non ha~ bet), de que era seu dever obedecer e de que, nas palavras de Ser- ‘vatius, cometeraatos pelos quais "somos condecorados se vencemos ‘econdenados a prisao se perdemos”. (Goebbels declarara seguin- te, em 1943: “Ficaremos na hist6ria como os maiores estadistas de {odos os tempos ou como seus maiores criminosos”.) Forade Israel, hhuma reuniao da Academia Catélica, na Baviera, dedicada aquilo ‘que 0 Rheinischer Merkur chamava “problema espinhoso” das “possibilidades ¢ limites de se lidar com culpas histéricas ¢ politi- ‘eas por meio de processos criminais”, Servatius foi um paso adian- tee declarou que “o tinico problema criminal legitimo no caso Eich- mann seria jugar seus raptores israelenses, coisa que até agora nfo foi feita” —incidentalmente uma declaragaoum tanto dificil de har- monizar com suas repetidas declaragdes, amplamente difundidas ‘em Isracl, afirmando que a conduta do julgamento era “uma grande conquista espiritual”, comparando-o favoravelmente aos julga- ‘mentos de Nuremberg. ‘Aatitude de Eichmann era diferente, Em primeiro lugar, a acu- saeiio de assassinato estava etrada: “Com o assassinato dos judeus nao tive nada a ver. Nunca matei um judeu, nem um no-judeu — ‘nunca matei nenhum serhumano, Nunca dei uma ordem para matar fosse um judeu fosse um ndio-judeu; simplesmente ni fiz isso”, ou, conforme confirmaria depois: “Acontece |... que nenhuma vez eu fiz isso” — pois ndo deixou nenhum diivida de que teria matado 0 proprio pai se houvesse recebido ordem nesse sentido. Por isso ele repetia incessantemente (algo que jd declarara nos assim chamados documentos Sassen, entrevistas dadas por ele em 1955 a0 jornalis- taholandés Sassen, antigo homem da ss também fugitivo da justi- ‘a, que depois da captura de Bichmann foram publicadas em parte pela revista Life, nos Estados Unidos, e pela Stern, na Alemanha) ‘que 86 podia ser acusado de “ajudac e assistir” & aniquilagao dos Jjudeus, a qual, declarara ele em Jerusalém, fora “um dos maiores crimes da hist6ria da Humanidade”. A defesa nao prestou a menor tenga teoria do proprio Bichmann, mas aacusagao perdeu muito ay 0 para provar que Eichmann, pelo PrOprias maos (um menino judew na "MP0. com maior sucesso, com um. ia € que dizia: “Bich Cho eg PO® 2 fuzilamento”. Essa era a tinica “ordem de execu, S20", Se € que o era, para qual jamais exist um farrapo de prova. A Prova era mais questiondvel do que deu a durante 0 julgamento, em que os jutzes aceitaram Motor contra a negagiio categés muito ineficaz, visto que ex cooratl nao tio marcante”, nas palavras de Servatus. O incidene 1, seis meses depois de a Alemania ter lugoshivia. O Exército vinha sendo infer. tema desde entio, eas autoridades mili ; is problemas de um s6 golpe, fuzilando nem tdeus czanos para cada soldado alemao mort. Sem divide nem os juden peep gc kganos vata guerritheiros, mas, nas palavras “puatio civil do governo militar, um certo Staatsrat Harald ‘ume, “os judeus jéestavam ali no campo [mesmo], afinal, eles Hampi So sérvios,, além disso, tim de desaparecer”eltatp, por Raul Hillberg em The Destruction ofthe European Jeu 196 1). 08 mage baviam sido construidos pelo general Franz Bohme, gover. igdNOs aos milhares, O veu, sem consultara poli. todos os seus judeus, # que no era preciso nenuma'tropa mando, para tornar a Sérvia juden das Relagdes Extetiores, quem lembrou a0 general Bohme que “em, ‘Cutos territéios fo que significava a Rissa] outros comendans 34 Inilitares haviam se enearregado de niimeros consideravelmente stipetiores de judeus sem nem sequermencionar oassunto”. Detoda ‘Muncira, se Bichmann efetivamente “props o fuzilamento”, o que tlisse aos militares foi apenas que deviam continuar com aquilo fue jd vinham fazendo, e que a questo dos reféns era exclusiva- mente da competéncia deles. Evidentemente, essa era uma questo ilo Exéreito, uma vez que s6 dizia tespeito a homens. A implemen- {glo da Solugao Final na Sérvia teve inicio cerca de seis meses tlepois, quando mulheres e criangas foram reunidos e eliminados fom caminhdes de gis. Durante o inquérito, Eichmann, como sem- pre, escolheu a explicacio mais complicada e menos provavel Rademacher necessitara do apoio do Escritério Central da Segu- Fnga do Reich, teritério de Eichmann, para sua prépria posi¢gona Aiuesto do Ministétio das Relagdes Exteriores, e portanto forjarao ‘documento, (O proprio Rademacher explicon o incidente de forma Inuito mais razoavel em seu préprio julgamento, diante de uma orte da Alemanha Ocidental, em 1952: “O Exército era responsé- ‘vol pela ordem na Sérvia¢ teve de Fuzilaros judeus rebeldes". Soa- yi mais plausfvel, mas era mentira, porque sabemos — de fontes hhazistas — que 0s judeus nao eram “rebeldes”.) Se jé era dificil Metpretar uma observagiofeita por telefone como uma ordem, era linda mais dificil acreditar que Eichmann estivesse em posigao de dar ordens para os generais do Exército. Seri que ele se teria declarado culpado se fosse acusado de cumplicidade no assassinato? Talvez, mas teria feito importantes \qualificagdes. O que ele fizera era crime s6 retrospectivamente, e lesempre foraum cidadiorespeitador das leis, porqueasordens de Her, que sem diivida executou o melhor que péde, possufam orga de lei” no Terceiro Reich. (A defesa poderia ter citado, em ‘poi dtese de Bichmann, otestemunho de um dos mais conhecidos Ppetitos em lei constitucional do Terceiro Reich, Theodor Maunz, fentiio ministro da Educactio e Cultura da Baviera, que afirmou, em 1943 [em Gestaltund Recht der Polizei]: “O comando do Fihrer ...] 0 centro absoluto da ordem legal contemporsinea”.) Aqueles que hoje diziam que Eichmann podia ter agido de outro modo simples- ‘mente niio sabiam, ou haviam esquecido, como eram as coisas, Ele 35 ‘nao queria ser um daqueles que agora fingiam que “tinham sempre sido contra”, quando na verdade estavam muito dispostos a fazer 0 que Ihes ordenavam., Porém, otempomuda, ele, assim como 0 pro- fessor Maunz, “chegara a conclusoes diferentes”. 0 que fez estava feito, nao pretendia negar; ao contrario, propunha “ser enforcado publicamente como exemplo para todos os anti-semitas da Terra” Com isso, niio queria dizer que se arrependia de alguma coisa, “Arrependimento é para criancinhas”. (Sic!) Mesmo sob consideravel pressao de scu advogado, ele niio mudou essa posigiio. Numa discussao sobre proposta de Himmler, feitacm 1944, de trocar um milhio de judeus por 10 mil caminhdes, © sobre seu papel nesse plano, perguntaram a Eichmann: “Senhor ‘Testemunha, nas negociagdes com seus superiores, o senor ex- ressou alguma vez piedade pelos judeus e disse que havia espago para ajudé-los?”. E ele respondeu: “Estou aqui sob juramento e te- rhode falara verdade. Nao foi por piedade que dei inicio aessa tran- sagilo” —o que estaria muito bem, antio ser pelo fato de que nfo foi Eichmann quem “deu inicio” aessa ransagao. Porémele continuou, con bastante sinceridade: “Minhas raz6es, jé expliquei hoje pela ‘manha, ¢ essas razes eram as seguintes: Himmler enviara um homem de sua confianga a Budapeste para lidar com a questo da emigracao judaica. (Que, por sinal, se transformara num negécio florescente: pagando enormes somas de dinheiro, 0s judeus podiam comprar sua safda, Eichmann, porém, no mencionou isso.) Era o {ato de “as questdes dc emigracao ali serem tratadas porum homem que nao fazia parte da Forca Policial” que o deixava indignado, “porque eu tinha de ajudar ¢ implementar a deportagao, além das questdes de emigragao, nas quais me considerava um perito,eessas coisas foram atribuidas a um homem novo na unidade(...] Fiquei aborrecido [..] Decidi que tinha de fazer alguma coisa para que as uestées de emigragao ficassem em minhas miios”. Ao longo de todo o julgamento, Bichmann tentou esclarecer, quase sempre sem nenhum sucesso, aquele segundo ponto: "ino- centeno sentido daacusago”. A acusagao deixava implicito que ele no s6 agira conscientemente, coisa que ele no negava, como tam- ‘bém agira por motivos baixos e plenamente consciente da natureza 36 (viminosa de seus feitos. Quanto aos motivos baixes, ele tinha cer- lent absoluta de que, no fundo de seu coragio, niio era aquilo que ‘humava de innerer Schweinchund, um bastardo imundo; ¢ quanto {sua consciéneia, ele se lembrava perfeitamente de que s6 ficava ‘vom a consciéncia pesada quando nao fazia aquilo que Ihe orden- ‘yom — embarear milhées de homens, mulheres e criangas para a norte, com grande aplicacdo ¢ 0 mais meticuloso cuidado. Isso era mesmo dificil de engolir. Meia dizia de psiquiatras haviam atesta- ilo 4 sua “normalidade” — “pelo menos, mais normal do que eu fiquei depois de examiné-lo”, teria exclamado um deles, enquanto ‘outros consideraram seu perfil psicol6gico, sua atitude quanto a ‘esposae filhos, mie e pai, irmios, irmas ¢ amigos, “niio apenas nor- mal, mas inteiramente desejavel” —e, por tiltimo, o sacerdote que 6 visitou regularmente na priso depois que a Suprema Corte termi- hou de ouvir seu apelo tranqiiilizou a todos declarando que Eich- ann era “um homem de idéias muito positivas”. Por trés da comé- dia dos peritos da alma estava 0 duro fato de que nao se tratava, evidentemente, de um caso de sanidade moral e muito menos de sanidade legal. (Recentemente, 0 st. Hausnerrevelou no Saturday Evening Post coisas que “nao pode revelar no julgamento”, contra izendo assim a informagao dada informalmente em Jerusalém. O que ele nos conta agora é que Eichmann havia sido descrito pelos Priquiatras como “um homem obcecado, com um perigose ¢ inss- ‘civel impulso de matar”, “uma personalidade pervertida, sidica Nesse.caso, seu lugar seria oasilo de alienados.) Pior ainda, seu caso evidentemente niio era de um ddio insano aos judeus, de um fansit- coanti-semitismo ou de doutrinagao de um ou outro tipo. “Pessoal- mente”, cle nao tinha nada contra os judleus; ao contrario, ele tinha fazies pessoais” para nio ir contra os judeus. Sem dtivida, havia fandticos anti-semitas entre os seus amigos mais préximos, por ‘exemplo, Liszlo Endre, secretirio de Estado encarregado dos As- suntos Politicos (judeus) na Hungria, que foi enforcado em Bu- dapeste em 1946; mas isso, segundo Eichmann, estava mais ou menos dentro do espirito do “alguns de meus melhores amigos sio anti-semitas”. Claro, ninguém acreditou nele.O promotorndo acreditos, por- que nao era essa a sua funeio, O advogado de defesa ni Ihe pres- ‘ou atengio porque, ao contro de Eichmann, cle ndo esta, apa. rentemente,interessado em questdesde consciéncis. Eos jutzes mio acreditaram nele, porque eram bons demais e talver também cons. cientes demais das bases de sua profissto para chegar a admitir que ‘uma pessoa mediana, “normal”, nem burra, nem doutrinada, nem cinica, pudesse ser inteiramente incapaz de distinguit o certo do cerrado, Elespreferiram tirar das eventuais mentras a conclusto de que ele era um mentiroso —e deixaram passar 0 maior desafio moral e mesmo legal de todo o processo. A acusagio tinh por base ‘apremissa de que o acusado, como toda “pessoa normal”, devia ter conscigncia da natureza de seus atos,e Eichmann era efetivamente normal na medida em que “nio era uma excegio dentro do regime * sazista No entanto, nas condigdes do Terceiro Reich, s6 se podia esperar que apenasas “excegdes”agissem “normalmente”, O cerne dessa questio, do simples criow um dilema para os juizes. Dilemma «que eles no souberam nem resolver, nem evitar : Ele nascera em 19 de margo de 1906, em Solingen, una cida- dealemias margens do Reno, famosa por sas facas, tesouras eins. ‘rumentos crirgicos. Quarentae quatro anos depois, entreguea seu passtempo favorite de eserever suas mena, descrevev esse memorivel evento da seguinte maneira: “Hoje, quinize anos « dia depois de 8 de maio de 1945, comego a conduit nove ponee 1mentos de volta iguele 19 de margo do ano de 1906, quandosss cin. cco horas da manha, entrei para a vida na Terra sob 6 aspecto de um ser humano”. (O manuscrito nfo foi liberado pelas autoridades israelenses. Harry Mulisch conseguin estudar essa autobioprafia ‘durante meia hora”, eo semanri judeu-alemiio Der Aufbau con. seguiu publicarexcertos curtos dele.) Segundo suas crengasreligie. sulém, Eichmann declarou-se um Gortglaubiger, termo nazista usado para aqueles que haviam rompido com ocristianismocrecu, souse a jurar sobre a Biblia), esse acontecimento devia ser atibu- 38 doaum “Portador de Séntido superior”, uma entidade de certa for- ma identificada com o “movimento do universo”, a qual a vida hu- ‘mana, em si isenta de “sentido superior”, deveria estar sujeita. (A terminologia € bastante sugestiva. Chamar Deus de Huher Sin- nestriger significa, linglisticamente, dar a ele um posto na hierar- (quia militar, uma vez que os nazistas haviam transformado o “rece- hedor de odens”, 0 Befehlsirdiger, num “portador de ordens”, um Befelstriger, indicando assim, como no antigo termo “portador de mas noticias”, a carga de responsabilidade e de importancia que devia pesar sobre aqueles que executavam ordens. Além disso, Eichmann, como todo mundo ligado & Solugao Final, também era oficialmente um “portador de segredos”, um Geheimnistréiger, coisa que em termos de vaidade nao era de se desprezar.) Mas Eich- ‘mann, nfo muito interessado em metatisica,silenciou sobre a exis- {éncia de alguma relagio mais intima entre o Portador de Semtido e o portador de ordens e prosseguiu, considerando uma outra causa possivel de sua existéncia, seus pais: “Eles nao teriam se enchido de alegria com achegada de seu primogenito se fossem capazes de ver {que, na hora do meu nascimento, para provocur o zeniv di felivida- de, 0 génio da infelicidade jé estava tecendo os fios de dor e tristeza ‘em minha vida. Porém um véu suave c impenetravel impedia meus pais de enxergar o futuro”. ‘A infelicidade comegou cedo; comecou na escola O pai de Eichmann, primeiro contador da Companhia de Bondes ¢ Eletri dade de Solingen, depois de 1913, funcionério da mesma empre~ sana Austria, em Linz, teve cinco filhos, quatro homens e uma mulher, dos quais, a0 que parece, s6 Adolf, 0 mais velho, niio con- seguiu terminara escola secundéria, nem se formar na escola voca- cional para engenharia na qual foi matriculado entao. Ao longo de toda a sua vida, Eichmann enganow as pessoas sobre suas primeiras dificuldades, escondendo-se atrds das honradas dificuldades finan- ceiras de seu pai. Em Israel, porém, durante as primeiras sessies ‘com 0 capitiio Avner Less, 0 interrogador da policia que passaria aproximadamente 35 dias com ele € que produziria 3564 paginas datilograladas a partir de 76 fitas gravadas, Bichmann estava efes- ‘yescente, cheio de entusiasmo com essa oportunidade tinica “de 39 Tevelar tudo [..] que sei”, ao mesmo tempo, ascender ao posto de acusado mais cooperativo de todos os tempos. (Seu entusiasma logo arrefeceu,emborando tena se extinguido totalmente, quando se viu confrontado com perguntas concretas baseadasemdocumen- {os irefutaveis.) A melhor prova de sua ilimitada confianga inital, prntemente desperdigada com ocapitao Less (que disse Harry, Mulischt “Bufo padre confessor de Eichmann”), foi que pela pr. mmeira vez na vida cle admitiu seus desastres iniciais, emborn de ves. Se ter consciéncia do fato de que estava assim contradizendo a si ‘mesmo em diversos itens de sua ficha oficial no nazismo, Bem, os desastres eram comuns: como ele “nao era exatamen- fe um aluno dos mais estudiosos" —nem, podemos acrescentar un dos mais dotados — sen pai otirou primeiro da escola secundaria, <¢peis da escola vocacional, muito antes daformatura, Dafa profs: ‘Sko que aparece em todos os seus documentos oficiais: engenheiro de construcdo, coisa que tinha a mesma ligagdo com a realidade quanto adeclaragdo de que nascera na Palestina e de que era fluen. teem hebraico ¢ ifdiche —outra memtira deslavada que Eichmann 2ostava de contar tanto a seus companheiros da S$ quanto hs suse vitimas judaicas. Era nessa mesma veia que ele fingia ter sido des pedido de seu trabalho de vendedor na Companhia de leo a Vécuo ta Austria devido a sua fitiagdo a0 Partido Nacional Soctatica, 8 Yersio que ele confidencion ao capitdo Less era menos dramnitica, Ginbora tumpouco verdadeira: foradespedido porque erauma poe dedesemprezo, 0s funcionériossoteiros eram os primeiros per, der o trabalho. (Essa explicagio, que de inicio pareceu plausivel, 0g muito satisfatéria, porque ele perdew o emprego na primavera ¢ 1933, quando jd fazia dois anos que estava noivode Veronika, ou Vera, Liebl, sua futura esposa, Por or que no se casou com ela antes, quando ainda tina emprego? Ble acabou se casando com ela em marco de 1935, provavelmente porque, tanto na ss como na Com, Pani de Ole homens Soltero ndotinham seguranga do empre 20¢o podiam ser promovidos.) Claro que a pretensio sempre foi tum de seus vicios capitais, Enquanto ojovem Eichmann ia mal naescola, seu pai deixou a Companhia de Bondes ¢ Bltricidade e abriu um negécio proprio, 40 uma pequena émpresa de minerasioe determinowqueseu Bs promise ho uaelbasse ca cana iets Basceminenieon mentees ichmana Sompanhia Oberisterreichis lektrobau, mann Meonvaisde dolsanee Ele ina agora quse.25 cose rspestiva de cara aie cols qn pend vet,o princi nf, Jo qual emos, masa vr, das verte iver I Nara relate auiobiogratieeexcrito & mio aoe eee ee 1939 para conquistar uma promogéo na ss,ele arm sein: Brite dar or anos de 192501827 sonra panhiaEelrobau usec, Dsl essapoiio deliveeesponts- : itade porque a Companhia de Oleo a Vacuo de Vi ae sen une repewcna ao Nore eee gui é“oferecen", uma vez gue, segundo a hstéria qe cont Capo Lasem vnc ing he ofereeu maa, Ame de fevia movrido quando ele inhadez anos deidace,eseu pi se casa ma senoveUneprime desuamadrata-bonemquecke cha Se eer ‘il de un cigs jude na Teheeoslon gis war es eonatos com oreo geal da Compania de Oo ara um de chaado sr. Weiss, pra conseguir para seu infliz pene Fe de vendedor ian. Fichman ow adeguad te apradecicio: os judeus de sua familia estavam entre as suas oat acme para oda seus Em 1943.0 1948, sequecido: “A filha desse easel, meio-judia segundo as Leis Nuremberg [..J me procurou para obter permisslo para emir oo tmmme pcan eins nets em pol mes ne venens, $6 mension to par denon ge pessoa ‘mento tnha tin dos jndeus posto na fone po ade, opinis deems das que cram Coens Parentes f aa Pere ine es Teton Ponto: jamais: abriga une fea seeds dee "Explicit li ode Kater ie presen eon Bue acho qe conta too minds oma eg nes nicscolaprindicvintuumoscear eee 2 declase com quem er ae paseo lass : i lo NsbaP [o Partido Nazista} ee 9 interrogatorio da policia menos serty spond oui segues tenendo parse teria parecid sob Iam aspect, ass qe ina ende fancy dem arranjara“emigrago fread lee cle teve uma amar ma velha relagao de L amante judia, uma v Sain judia, it relagao de Linz. Rassen schnde, rlermcomjutcnen tavern sib e odia cometer, e embora durante a guerr faa de mo judias: 1a piriou ree odemocsiuenastomadopnonpe needing mocranadaconimum ial swe dsserumcasone lexi ori o denna vlna anes a en | 'c obsceno diretor do Der Stiirmer,e: rr rf expresavam mais que o desprezo rotin — levia demonstrar pelas paix6 ; ea densa pln pat la Os Véeuo de ‘ganhi somos pas exoctontande mi aiid, Rete : = — Pentecostes de 1933 —estava mies — cl mis sq Ne vera, conan mais oe pot peer aces, ‘0 final de 1932, ele foi inesperada EY Je LinzparaSalebug, mutocontiaasuaroree essoais, que Fo que um Ss “iluminado” de luminares menores do NCO anos € meio que pa eal os 1ei0 que passou na Companhia de Oleo a sve ter sido os mts felizs da vida de Eichmann, El @ época de severo desemprego, ainda morava 42 oda alegrin em meu trabalho, nfo gostava mais de vender, de fa- Visitas”, Essas stibitas perdas de Arbeitsfreude, Bichmann iria Woli-las ac longo de toda a sua vida. A pior delas ocorreu quando fle soube da ordem do Fidhrer de “exterminar fisicamente os ju- tJous”, tarefa em que ele iria desempenhar importante papel. Isso Juinbém foi uma coisa inesperada; ele préprio “nunca havia pensa- lo [«.] numa solugo violenta’” e desereveu sua reagdo com as mes- ns palavras: “Eu tinha perdido tudo, toda alegria no meu trabalho, oda iniciativa, todo interesse; estava, por assim dizer, acabado”. ‘Coisa semelhante deve ter acontecido em 1932, em Salzburg, ¢ em seu préprio relato fica claro que ele no deve ter se surpreendido nuito ao ser despedido, embora nao se tenha de acreditarnele quan lo disse que tinha ficado “muito contente” ao ser despedido. ‘Seja qual for a razdo, o ano de 1932 marcou um momento de transformagio em sua vida, Foi em abril desse ano que ele se filiou so Partido Nacional Socialista e entrou para a ss, a convite de Ernst Kaltenbrunner, um jovem advogado de Linz que depois veio a ser cchefe do Escritério Central da Seguranca do Reich (o Reichssicher- heitshaupramt ou RSHA, confornie vou chamé-lo daqui em disnte) Num de seus seis departamentos principais — o Bureau Iv, sob 0 comando de Heinrich Miiller —, Bichmann acabou sendo emprega- do como chefe de seeao B-4, No tribunal, Eichmann davaaimpres- ‘io de um tipicomembro da baixa classe média, eessaimpressio era ‘mais que confirmada por cada palavra que falou ou esereveu quando na prisiio, Mas isso era enganoso; ele era antes 0 filho déclassé de tuma sélida familia de classe média, ¢ um indicio de sua descida na scala social é 0 fato de seu pai ser bom amigo do pai de Kaltenbrun- ner, que também era advogado em Linz, enquanto a relagio dos dois filhos era bastante fria: Kaltenbrunner no deixava diividas de que tratava Eichmann como seu inferior social. Antes de Bichmann entrar para o Partido e para ass, ele j havia provado ser um adesis- ta,¢odin de maio de 1945, data oficial daderrota da Alemanha, foi significativo para ele principalmente porque se dew conta de que @ partir de entdo teria de viver sem ser membro de unva coisa ou outs. Senti que teria de viver uma vida individual dfeil e sem lideranga, nao receberia diretivas de ninguém, nenhuma ordem, nem comando B 'me seria mais dados, nfo haveria ene para consultar — em resumé desconhecida,” Quando crianea, tica, inscreveram-no na Associ; ‘mais nenhum regulamento perti- 0, havia diante de mim uma vida seus pais, desinteressados por poli ‘ipo Crista de Mogos, da qual ele ™ tempos, cujo teorti- Kaltenbrunner explicou a some vemde Sclaraffenland, aera dossier ee ‘lemes), mas ele foi “chutado para fora” da sumac im cade nest graces Fra israclense, odeixavacoradode vergonha: “Contrariandoninyen $0 ensemborafoseomaisnove condan nec «tomar uma taga de vinho! = ee Uma fotha no redemoinho da Schlaraffia, a Terra do Nunca de mesas sere frangos assados que voam para dentro da hoc ment, da companhiarespeavel de ovr acy Carreiras garantidas e “humor refinado",cujo p Yelnet un deseo itreprimivel de pregar pegaas—, para as coli Wehe do Reich dos Mil Anos, que dur exatamente doze ses. De toda forma nao entrou pares o Partido por con ‘do tempo, ele foi soprado para fora ‘das por magica e 0s com diplomas ¢ ior vicio era prova- {ods as expectativas e sem decisdo prévia. Aconteceu muito de~ pressa e repentinamente”. Fle nao tinha tempo, e muito menos von~ {ude de se informar adequadamente, jamais conheceu o programa do Partido, nunca leu Mein Kampf. Kaltenbrunner disse para ele: Por que niio se filia a $8? E ele respondeu: Por que no? Foi assim. que acontecen, e isso parecia ser tudo. Evidentemente, isso nao era tudo. O que Eichmann deixou de dizer ao juiz presidente durante seu imterrogat6rio foi que ele havia. sido um jovem ambicioso que ndo agiientava mais © emprego de vendedor viajante antes mesmo de a Companhia de Gleo a Véicuo go agilenté-lo mais, De uma vidarotineira, sem significado ou con seqiiéncia, 0 vento o tinha soprado para a Histéria, pelo que ele entendia, ou seja, para dentro de um Movimento sempre em marcha eno qual alguém como ele — jf fracassado aos olhos de sua classe social, de sua familia, portanto, aos seus préprios olhos também — podia comegar de novo e ainda construir uma carreira. E se ele nem sempre gostava do que tinha de fazer (por exemplo, despachar rmultiddes que ian de trem para a morte em ver de forgé-Ias a emi grat), se ele nao adivinhou antes que a coisa toda iria acabar mal, com a Alemanha perdendo a guerra, se todos 0s seus planos mais caros deram em nada (a evacuagio dos judeus europeus para Mac: gascat, oestabelecimento de um territ6rio judeu na regiao de Nisko, nna Polénia, 0 experimento com instalagdes de defesa cuidadosa- ‘mente construidas em torno de seu escritétio de Berlim para repelir cs tanques russos),e se, para sua grande “tristeza e sofrimento”, ele ‘munca passou do grau de Obersturmbannfidirer da ss (posto equiv lente ao de tenente-coronel) —em resumo, se, com exceciio do ano {que passou em Viena, sua vida fora marcada por frustragdes, ele jamais esqueceu qual seria a alternativa, Nao 6 na Argentins, levando a triste existéncia de um refugiado, mas também na sala do tribunal de Jerusalém, com sua vida praticamente confiscada, el ainda preferiria — se alguém Ihe perguntasse — ser enforcado como Obersturmbannfiikrer a. D. (da reserva) do que viver a vide discreta e normal de vendedor viajante da Companhia de Oleo Véiewo. 45 © comego da nova careira de Eichmann no foi muito promis- sor. Na primavera de 1933, quando estava em viagem de servigo, 0 Partido Nazistae todos os seus afiliados foram suspensos na Austria, por causa da ascenstio de Hitler ao poder. Mas mesmo sem essa nova calamidade, uma carreira no Partido austriaco estava fora de ques- to: mesmo aqucles que se alistaram nas ainda estavam trubalhan- do em seus empregos regulares; Kaltenbrunner ainda era scio da firma juridiea de seu pai. Eichmann, portanto, decidiu ir para a Ale- ‘manha, coisa que era natural porque sua familia nfo tinha renuncia- do cidadania alema. (Esse fato foi de alguma relevancia durante 0 julgamento, O dr. Servatius tinha pedido ao governo da Alemanha Ocidental que extraditasse oacusado e, no caso de uma negativa, que pagasse as despesas da defesa, e Bonn recusou, afirmando que Eich- ‘mann nao era cidadio alemao, o que era uma mentira patente.) Em Passau, na fronteira alema, ele, de repente, virou de novo vendedor viajante, e quando se apresentou ao Ider regional, perguntou-the empenhadamente se tinha “alguma ligagdo com a Companhia de Oleo a Viicuo bavara”. Essa foi uma de suas nto raras recaidas num pperfodo anterior de sua vida; sempre que se via confrontado com os sinais de que era nazista nfo regenerado, em sua vida na Argenti ‘mesmo na prisioem Jerusalém, ele se desculpavacom “Li voueude novo, para a mesma cantilena [die alte Tour]. Mas sua recaida em Passau curou-se depressa: disseram-lhe que era melhor se alistarem algum treinamento militar — “Por mim, tudo bem, por que niio me ttansformarem soldado?"— e foi mandadoem répida sucesso para dois campos da ss na Bavaria, em Lechfeld e Dachau (ele nada teve 4 ver com 0 campo de concentragio dessa cidade), onde a “legitio austtiaca no exilio” recebia treinamento. Foi assim que se transfor- ‘mou numa espécie de austrfaco, apesar de seu passaporte alemio, Ficou nesses campos militares de agosto de 1933 até setembro de 1934, progrediu ao grau de Scharfithrer (cabo) e tinha tempo de sobra para ponderar sobre sua disposicao de abragara carreirade sol- dado. Segundo seu proprio relato, s6 numa coisa ele se distinguiu durante esses catorze meses, no treino punitivo, em que se empenha- vacom grande obstinagdo, noespirito odiaso de “se meu pai ndioquer ‘que minha mao congele, ele que me compre luvas”. Mas nio ser por 46 ‘esse dibio prazer, a0 quall deveu sua primeira promocio, ele passou lum mau bocado: “A rotina do servico militar era algo que eu nao suportava, dia apés dia a mesma coisa, sempre e sempre a mesma coisa’. Assim enfarado até o limite, ele ouviu falar que 0 Servigo de Seguranga da Reichsfiihrer ss (o Sicherheitsdienst de Himmler, ob ‘8D, como o chamarei daqui em diante) tina vagas abertas e resolveu ‘candidatar-se imediatamente. ME UM PERITO NA QUESTAO JUDAICA Em 1934, quando Bichmann solicitou um emprege ¢ foi aten- ddido, 0 sp era uma entidade relativamente nova na ss, fundado dois ‘anos antes por Heinrich Himmler, para funcionar como Servigo de Inteligéncia do Partido, e era agora liderada por Reinhardt Hey- dich, antigo oficial da Inteligéncia da Marinha, que viria a set, con- forme diz, Gerald Reitlinger, “o verdadeiro engenheiro da Solugao Final” (The Final Solution, 1961). Sua tareta inicial fora espionat ‘membros do Partido para assim garantirss uma ascendéncia sobre © aparelho regular do Partido. Nesse interim, a entidade assumira outros encargos, tornando-se o centro de informagiio e pesquisa da Policia Secreta do Estado, a Gestapo. Esses foram os primeiros pas- sos da fusio entre a SS ¢ a policia, que, no entanto, s6 foi efetivada em setembro de 1939, embora Himmler ocupasse o duplo posto de Reichsfithrer SS e Chefe da Policia Alemii de 1936 em diante. Eich: ‘mann, evidentemente, no podia saber desses futuros desenvolvi ‘ments, mas aparentemente também nao sabia nada sobre a nature- za do Sb quando ingressou nele; isso é muito possivel, porque as ‘operagdes do sb sempre foram altamente seeretas. No que Ihe dizia respeito, tudo nao passava de um equivoco e, de inicio, “uma gran- de decepgao. Pois pensei que isso era o que tinha lido no Miinchen- er Illustrierten Zeitung; quando os altos oficiais do Partido safain de «arro, havia comandos de guardas com eles, homens viajandoem pé nos batentes dos carros [...] Em resumo, eu tinha tomado 0 Servigo de Seguranga do Reichsfithrer pelo Servigo de Seguranca do Reich 48 |... eninguém me corrigiu e ninguém me contou nada. Pois eu nao {inha a menor nocio daquilo que agora me revelavam”. A questo ele estar ou nao falando a verdade teve certa relevancia no julga- mento, onde se tinha de decidir se ele havia sido voluntério para a sua posigo ouse havia sido convocadoaela. Seuequivoco, se éque houve algum, nao era inexplicavel; a 88 ou Schutestafeln tinha sido fundada como unidade especial de protégdo dos lideres do Partido. Suadecepeao, porém, devia-se principatmente ao fato deter de ‘comegar tudo de novo, de estar embaixo de novo, ¢ seu tinico con- solo era que outros haviam cometido 0 mesmo erro. Foi designado ppara o departamento de Informacdo, onde seu primeiro trabalho foi ‘arquivar toda informagaio relativa a magonaria (que, na confusio Ideol6gica inicial do nazismo, ficou um tanto misturada ao judafs- mo, ao catoticismo ¢ ao comunismo) e ajudar a montar um museu sobre a magonaria, Ele agora tinha grandes oportunidades de apren- doro que significava essa estranha palavraque Kaltenbrunnerhavia disparado na discusséo sobre a Schlaraffia, (Incidentalmente, uma das caracteristicas dos nazistas era a disposigo de fundar museus, ‘celebrando seus inimigos. Durante a guetra, diversas entidades dis- putaram ferrenhamente a honrade fundar museus ebibliotecas anti __jidaicos. Devemos a essa estranha mania a preservaciio de muitos esouros culturais do judaismo europeu.) O problema é que as c fas cram, novamente, muito, muito tediosas, e ele ficou aliviado ‘quando, depois de quatro ou cinco meses ocupado com a magona- Fia, foi transferido para um departamento novo em folha, referente tos judeus. Esse foi o verdadeiro comego da carreira que terminaria ha corte de Jerusalém. Era o ano de 1935, quando a Alemanha, contrariamente as loterminagdes do Tratado de Versalhes, introduziui a convocagio {etal e anunciou publicamente planos de rearmamento, inclusive a jonstrugo de uma forga aéreae uma marinha, Eratambém oanoem {gue a Alemanha, tendo deixado a Liga das Nagdes em 1933, prepa- Fava, nem discreta, nem secretamente, a ocupacio da zona desmil lurizada do Reno. Erao momento dos discursos de paz. de Hitler— *y Alemanha precisa de paze deseja a paz”, “reconhecemos a Pold- hia como lar de um grande povo consciente de sua nacionalidade”, 49 “aAlemanha nio pretende nem deseja interferir nos negécios inter- nos da Austria, nem anexar a Austria, nem concluir um Anchluss” —c, acima de tudo, era o ano em que o regime nazista conquistaria reconhecimento genetalizado e infelizmente genuino na Alemanha eno exterior, em que Hitler seria admirado por toda parte como um grande estadista. Na propria Alemanha, aquela era uma época de ttansigdo. Devido ao enorme programa de rearmamento, o desem- prego havia sido eliminado, a resistencia inicial da classe trabalhado- ra fora quebrada, € a hostilidade do regime, que de inicio voltara-se primordialmente contra “antifascistas” — comunistas, socialistas, intelectuais de esquerda ejudeus em posigGes importantes —, ainda no se voltara inteiramente para a perseguigiio de judeus enquanto judeus, ‘Sem diivida, um dos primeiros passos do governo nazista, em, 1933, foi a exclusio dos judeus do servigo publico (que na Alema- nha compreendia todos os postos de professor, desde a escola pri- maria até a universidade, e a maior parte dos ramos da indiistria de entretenimento, inclusive o radio, o teatro, a Gpera e.0s concertos) e a sua remogao de postos piiblicos. Mas os negécios particulares continuaram quase intocados até 1938, mesmo as profissdes legal ica s6 gradualmente foram sendo abolidas, embora os estu- dantes judeus fossem excluidos da maior parte das universidades e niio thes fosse permitido formar-se em parte alguma. A emigragio de judeus nesses anos nao foi indevidamente acelerada e ranscor- reu de forma ordeira, ¢ as restrigdes que dificultavam, mas niio impossibilitavam que os judeus levassem seu dinheiro, ou pelo ‘menos boa parte dele, para fora do pais eram as mesmas para judeus enao-judeus; e essas restrigdes vinham desde os dias da Repiblica de Weimar. Havia certo nimero de izenlaktionen, agées indivi informado da ordem do Fuhrer para a Solugao Final. Tornar 0 WN judenreinna dataque Heydrich rometeraem relugio’ Boemia \orévia s6podia significar oncentacio e deportagao para pon- {de onde os juddeus poderiam ser enviados com facilidade para Hipos de exterminio. O fato de Thetesienstadt ter servido a outro 1 b6sito, o de vitrina para 0 mundo exterior — era o tinieo campo {ie representantes da Cruz Vermelha Internacional eram admiti- |S — era outra questao que Eichmann naquete momento devia “se certamente ignorar e que, de toda forma, estava inteiramente Hor Jo ambito de sua competéncia,

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