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Curitiba
2008
ALINE HIGA
Moosburger
Curitiba
2008
“Pode-se classificar a imensa vegetação dos objetos como uma flora ou uma fauna,
com suas espécies tropicais, glaciais, suas mutações bruscas, suas espécies em vias de
produtos, de aparelhos, de gadgets, frente aos quais o homem parece uma espécie
particularmente estável. Tal abundância, caso se reflita a respeito, não é mais estranha do que
a das inumeráveis espécies naturais. Ora, estas, o homem as inventariou. E na época em que
um quadro exaustivo dos objetos práticos e técnicos pelos quais se achava cercado. A partir
daí o equilíbrio rompeu-se: os objetos cotidianos (não nos referimos às máquinas) proliferam,
vocabulário para designá-los. (...) Essa espécie de epopéia do objeto técnico, assinala as
mudanças de estruturas sociais ligadas a essa evolução técnica, mas pouco diz sobre a questão
de saber como os objetos são vividos, a que necessidades, além das funcionais, atendem, que
método para assimilar toda espécie de conteúdo, como será proposto na conclusão.
empírica e imprevisível, pois que a inserção de cada novo elemento muda todo o
conjunto.
processos, sem prazos – já que sem projeto – possam levar o seu tempo de maturação, o
mais perto possível do natural, como os vinhos, que perdem qualidade quando o processo
1
In: ARGAN, Arte Moderna, pág. 558
Além disso, sempre gostei de guardar o que se pode chamar de tranqueiras, com a
“Você se lembra daquela cabeça de touro exposta recentemente? Com o guidão e o selim de uma
bicicleta fiz uma cabeça de touro que todos reconheciam como cabeça de touro. Dessa maneira, completou-
se uma metamorfose; agora, eu gostaria de ver outra metamorfose ocorrer na direção oposta. Suponhamos
que a minha cabeça de touro seja jogada no lixo. Talvez algum dia uma pessoa chegará e dirá: ‘Ora, ali está
alguma coisa que seria muito boa para usar como guidão para a minha bicicleta...’ Assim, uma dupla
Seja como guidão, ou como cabeça de touro, seja como velas em castiçais ou
natureza em que estou inserida. Os materiais utilizados são objetos que compõem o meu
cotidiano, que convivem – funcionalmente ou não - com os corpos dos outros elementos
do acúmulo doméstico, inclusive com corpos humanos que também habitam ali; por isso,
esse acúmulo tem uma dinâmica onde os corpos dos objetos, e também seus conceitos,
moradores.
2
“Primeiro é preciso constatar que o conceito de coleção distingue-se do de acumulação. (...) [Na coleção]
estes objetos são acompanhados de projetos.” In: BAUDRILLARD, O Sistema dos Objetos, pág 111
3
In: CHIPP, H.B., Teorias da Arte Moderna, pág. 278
“Desde que uma informação goza das vantagens do inscrito, do cálculo, da classificação, do
superposto, disto que se pode inspecionar com o olhar, ela se torna comensurável com todas as outras
“E se a terminologia técnica da informação nos desagrada, podemos dizer que o que entesouramos
não é ‘informação’, mas ‘significado poético, significado fantástico, sentido profundo da palavra poética’;
distinguindo-o do significado comum teríamos afinal feito a mesma coisa; e se ainda aqui falarmos em
informação para indicar a riqueza dos sentidos estéticos de uma mensagem, isso visará a realçar as
acordo com alguns critérios que mudam, eles mesmos, de acordo com o processo de
até a presente pesquisa. Uma das questões é o encontro de duas entidades autônomas;
4
In: PARENTE, André. Imagens que a Razão Ignora, pág. 10
5
Ou ainda: “As espécies animais e vegetais não são conhecidas porque são úteis; elas são consideradas
úteis ou interessantes porque são primeiro conhecidas. Pode-se objetar que uma tal ciência não deve
absolutamente ser eficaz no plano prático. Mas, justamente, seu objetivo primeiro não é de ordem prática.
Ela antes corresponde a exigências intelectuais ao invés de satisfazer às necessidades.” In: LÉVI-
STRAUSS, O Pensamento Selvagem, pág. 24
6
In: ECO. Obra Aberta, pág. 123
outra é o limite entre o industrial e a natureza, pois nosso ambiente é abundante em
fundamentos teóricos que permeiam a pesquisa, cuja base é a definição de arte como
Coleta, Acúmulo e Edição são também a base da pesquisa teórica, pois as idéias,
Pouco depois, do refugo da sociedade de consumo para uma moldura de slides foi
o ponto de partida que resultou na série Santa Terezinha: A Santa do Amor no Cotidiano.
detalhes dos elementos que as compõem: no caso dos impressos é possível ver as
O trabalho que oficialmente inicia esta pesquisa é Fiat Lux, que apresenta objetos
formados com praticamente os mesmos materiais com que trabalho agora. São objetos
momentos:
No 1º Momento [ilustração 4], ecrãs com imagens fixadas em caixas de fósforos
vazias são expostas em uma pequena galeria, cujo espaço é uma prateleira de madeira de
da lã de aço, e a água, além de colaborar com essa reação, serviu de mídia para que
Esta ação foi realizada em suporte de formato A47 e, deste, foram selecionadas
expositivo; isso tira o observador do espaço narrativo anterior e o traz de volta ao espaço
da exposição.
confeccionada em ateliê; e um objeto que, por sua vez, é formado pela união de velas
estão apoiadas duas velas artesanais, com fundição da parafina em etapas distintas, e
7
210x297mm
CAPÍTULO 2: Os Trabalhos
Três deles compõem a série Fiat Lux, que apesar de formados anteriormente, são
Acúmulo e Edição:
Objecto IV:
. [ilustrações 7 e 8]
. 23x21,5x23cm
de uísque; dentro dele, uma vela branca, queimada, e um anjinho de metal, que veio
dentro dessa vela, adquirida em loja de artigos religiosos. Sua fronteira com o espaço
transitável é marcado por uma estrutura vazada de madeira de pinus, formada por peças
encaixáveis. Com mais peças, forma-se uma adega. E, sobre a estrutura, como um
Objecto V:
. [ilustração 9]
. 23x21,5x6,5cm
. Neste trabalho, o objeto que recebe o espaço da obra é uma lata de bolachas,
antiga, feita de metal, que recebeu uma placa de parafina branca, e alguns respingos nas
laterais internas. Apoiado sobre a placa, no solo da lata, um vidro de esmalte de unha,
vazio mas com resíduos de esmalte cor-de-rosa. Uma caixa de madeira, confeccionada
aproximadamente 1cm.
Objecto VI:
. [ilustração 10]
. ø: 5cm h: 10,5cm
madeira é preso a ele com fio de nylon. Na base do cilindro, uma pequena camada de
parafina branca.
. [ilustração 11]
. ø: 8cm h: 12cm
longitudinalmente e encaixados uns sobre os outros. Colados com cola branca e pintados
Objecto VIII:
. [ilustração 12]
. ø: 5cm h: 7cm
uma vela, que foi queimada dentro do próprio copo, como castiçal.
Objecto IX:
. [ilustração 13]
. ø: 4cm h: 5cm
Objecto X:
. [ilustração 14]
. ø: 8cm h: 11cm
uma placa circular de parafina, confeccionado em atelier. Sobre ela, uma vela branca.
Objecto XI:
. [ilustração 15]
. 14x16x9cm
. mídia (dvd) usada, dois pedaços de fita VHS colados na mídia, com fita adesiva.
Esta superfície é apoiada em um apoio para livros, composto por duas estruturas de mdf
. 3x2x4cm
Em seu livro Problemas da Estética, Luigi Pareyson deu três definições da arte:
arte como fazer, arte como conhecer e arte como exprimir; ele o faz para em seguida
“A arte não é somente executar, produzir, realizar, e o simples ‘fazer’ não basta para definir sua
essência. A arte também é invenção. Ela não é execução de qualquer coisa já ideada, realização de um
projeto, produção segundo regras dadas ou predispostas. Ela é um tal fazer que, enquanto faz, inventa o por
fazer e o modo de fazer. (...) Nela concebe-se executando, projeta-se fazendo, encontra-se a regra operando,
já que a obra existe só quando é acabada, nem é possível projetá-la antes de fazê-la e, só escrevendo, ou
pintando, ou cantando é que ela é encontrada e é concebida e inventada. (...) Nela a realização não é
inteireza, de modo que é uma invenção tão radical que dá lugar a uma obra absolutamente original e
irrepetível. Mas estas são características da forma, que é, precisamente, exemplar na sua perfeição e
singularíssima na sua originalidade. De modo que, pode dizer-se que a atividade artística consiste
8
In: PAREYSON. Os Problemas da Estética, págs. 25 e 26
Materialmente, com Fiat Lux eu comecei a me interessar bastante pela união de
parafina e vidro, então resolvi começar a acumular copos e afins. Adquiri copos de vidro
parafina, uma proporção nas formas que me agradou, e resolvi manter esses instantâneos,
maneira, a primeira peça de Objecto IV foi o copo com a vela. Este copo já fazia parte do
acúmulo doméstico; trincado em decorrência do uso, ele foi resgatado para a pesquisa. A
vela de dentro foi comprada em uma loja de artigos religiosos, o apelo dela era vir com
pequenininho o anjo e fiquei decepcionada, mas colei-o na parafina que escorria da sua
própria vela. Esse objeto ficou meses assim, junto com os outros instantâneos.
Participam ainda: copos tipo martelinho, um vidro de geléia que, acabado o doce,
eu usava para guardar cravos-da-índia; e vários vidros vazios de esmalte de unha, alguns
eu limpei, outros escorria o finzinho do esmalte, até secarem essas vias, e outros ainda
todas brancas, para evitar simbolismo da cor. Mesmo os brancos são diferentes,
higiênico. Gosto do tamanho deles, da cor e dos cortes diagonais no papelão. Acumulei
canudos desses por bastante tempo, sem saber o que faria com eles, mas quando
Nesse tempo eu acumulei também leituras, para formar o texto. A pesquisa teórica
De um acúmulo material mais histórico, há uma caixa de metal herdada, que por
anos eu usei para guardar receitas avulsas; e ainda, argolas de madeira, cuja função inicial
era serem costuradas na cortina e encaixadas num varão, e que foram somadas ao
Desde que onde há vela deve haver fogo, o acúmulo também conta com caixas de
fósforos; e, para finalizar, há borrachas escolares, comprei várias para fazer gravuras que
uma camada de verniz, para ficarem mais bonitos e fortes. Em alguns deles foram
amarrados, com fio de nylon, uma argola de madeira; outros foram cortados ao meio e,
descartados da função de expositores, ganharam a base bem fininha, que deixa entrar luz
parafina dos nichos. Ainda mais que neste caso, o Objecto VI, esta luz vitral está na base
uma forminha de quiche untada com vaselina, onde foram apoiados os canudos para ali
grudarem quando secos. Como eles tinham uma camada de verniz oleoso, o óleo da
A maior parte do acúmulo de canudos participa dos Objectos VII, XIII e XIV. Na
formação destes, cada canudo sofreu um corte longitudinal; o primeiro de cada Objecto
papel. Outros canudos foram sendo encaixados neste eixo, colados com cola branca e às
vezes também presos com elásticos, para não resultar em uma massa compacta, mas sim,
ganhar movimento, pois eu pensava em mandalas orientais. Por fim, misturei grafite em
papelão.
durante o processo. Quando voltaram, ficaram guardados, até serem virados de cabeça
para baixo tornando-se também castiçais. E, como não são bem retinhos, a parafina
derretida escorre toda para o mesmo lado e forma linhas encorpadas na lateral da vela.
Este movimento foi especialmente abundante no que veio a ser o Objeto X, porque usei
essa vela para fazer, com o calor da chama, dois orifícios em uma placa de parafina (para
protótipo do nicho onde o objeto seria assentado), as linhas na lateral são formadas por
parafina pretejada pela fumaça. E com esse desenho ficou finalizado este objeto.
Gosto muito de mexer com caixinhas de fósforos, cheias ou vazias, fechadas ou
abertas. Gosto de suas cores, materiais e texturas, e também do palito, com sua cabeça
porosa, oval e inflamável. Por isso desmontei muitas e fiquei com uma quantidade
guardava cravos, cuja tampa ficou enferrujada demais para guardar alimento. Como essas
novas embalagens não têm lixa para acender o fósforo, vários desses objetos ficaram pelo
com palitos colados com tinta acrílica, sobre mídias – cd – descartadas. Nesse processo vi
que a tinta encobria o corpinho do palito como se fosse um casacão plástico. Então, eu
comecei a segurá-los pela cabeça e mergulhá-los até alturas diferentes no tubo de tinta.
plástico que trazia, para dispensar o excesso de tinta e resultar num pezinho, não em uma
poça de tinta. Como esse pezinho já é uma base, a borracha é o pedestal da peça.
Uma borracha sujou de tinta, foi uma manchinha apenas mas tirou a solidez do
casaco, por isso foi descartada, resultando em quatro objetos, que são Objectos XII, XV,
XVI e XVII.
com pedaços de fita VHS, tentando unir movimento e centro. Na primeira operação, colei
nele, com fita adesiva, dois pedaços de fita, e notei que ficou parecendo um olho de gato,
assunto que chamara muito a minha atenção durante esse dia, porque eu passara um bom
9
O desejo de entender as mandalas serviu-me de pontapé inicial para manipular materiais e assim iniciar
outros processos de formatividade.
tempo mergulhada na paisagem dos olhos de uma gata que também convive com o meu
outras cores. Assim, pode ser colocado junto com algum dos outros Objectos: ‘espelho,
espelho meu...’, onde o objeto pode ser “um, nenhum, cem mil”10. Para isso tinha que
antigo, esse apoio é um esqueleto leve, feito de mdf marrom escuro, com estrutura de
encaixe e linhas também felinas. Além disso, lembrei-me de que a pintura também pode
partir dele pego uma referencia figurativa, principalmente para fins de traçar proporções,
relaciono em uma harmonia controlada, a partir das relações de proporção ou do mito que
já vai se criando.
Como ambiente, a idéia inicial era fazer, para todos os Objectos, caixas com
orifícios para dois olhos. A parede com os orifícios e a oposta são de parafina, o que
resulta em uma luz difusa e suave que pára o tempo e lembra um templo. A semi-
transparência dos objetos faz com que não se tornem vultos, os corpos mantêm detalhes
para a paisagem.
10
PIRANDELLO, Luigi: “Não sou um autor de farsas, mas um autor de tragédias. E a vida não é uma
farsa, é uma tragédia. O aspecto trágico da vida está nessa lei a que o homem é forçado a obedecer, a lei
que o obriga a ser um. Cada qual pode ser um, nenhum, cem mil, mas a escolha é um imperativo
necessário”. In:< http://www.sinpro-rs.org.br/extra/ago01/extrato_esp.asp>
Durante a confecção das paredes e testes de luz, que tiveram o intuito de definir a
espessura das paredes, montei umas estruturas provisórias com módulos de uma adega de
madeira de pinus tão molenguinha que para guardar vinhos não confiei, mas ainda assim
Quando vesti o copo com a estrutura de pinus, para então apoiar nela as paredes, o
Como a estrutura de madeira tinha uma peça horizontal que ficava bem na frente
do anjo, usei uma base também de parafina para erguer o copo que o contém. Pois,
de parafina.
Uma das placas de parafina serviu de telhado para esse altar. Nela há uma marca
feita com a ponta de um objeto afiado. A marca riscada na parafina nasceu quando eu ia
servia de molde ficou respingada com parafina, de modo a lembrar um jardim nevado.
espaço do Objecto V.
na convivência cotidiana, onde o objeto pode ser abordado de várias maneiras, e ficam
Strauss:
“’Cada coisa deve estar em seu lugar’, notava com profundidade um pensador indígena (Fletcher
1904, 34). Poder-se-ia mesmo dizer que é isso o que a torna sagrada, pois, se fosse suprimida, mesmo em
pensamento, toda a ordem do universo seria destruída; portanto ela contribui para mantê-la ocupando o
lugar que lhe cabe. Os requintes do ritual, que podem parecer dispensáveis quando examinados de fora e
superficialmente, explicam-se pelo cuidado com aquilo que se poderia chamar de ‘microperequação’: não
deixar escapar nenhum ser, objeto ou aspecto, a fim de lhe assegurar um lugar no interior de uma classe.
Nesse sentido, a cerimônia do Hako, dos índios pawnee, só é particularmente reveladora porque foi bem
analisada. A invocação que acompanha a travessia de um curso d’água divide-se em várias partes que
deslocam, em que a água recobre seus pés inteiramente; a invocação ao vento separa os momentos em que
o frescor é percebido somente nas partes molhadas do corpo, depois aqui e ali e, enfim, sobre toda a
epiderme: ‘apenas então podemos prosseguir com segurança’ (id., pp. 77-78). Como assinala o informante,
‘devemos dirigir um encantamento especial a cada coisa que encontramos, pois Tirawa, o espírito supremo,
reside em todas as coisas, e tudo aquilo que encontramos no caminho pode nos socorrer... Fomos ensinados
coerente, além de conferir-lhes caráter sacro, é seguir a lei da própria obra. Enquanto a
12
In: LÉVI-STRAUSS. ibid. pág. 25
formatividade acontece, aumenta a profundidade das relações e percepções do pintor que
Uma coisa que tenho visto com bastante freqüência é a produção de instalações e
acontece a inversão disso, principalmente porque esses objetos têm uma concepção
arquitetônica onde alguns elementos são personagens. Assim, o observador pode se sentir
gigante, e pode se sentir como uma obra, ou um organismo a ser consultado (ou uma
linguagem construída etc.), como essas grandes obras de arte. Essa inversão pode ser
“Inversão propriamente fantástica, pois aquele que seria dominado, na paisagem desenhada ao
fundo, torna-se dominante assim que entra em seu gabinete de trabalho e desdobra os mapas para rasurá-
los. Para compreender esta inversão, não devemos esquecer, bem entendido, a conéctica, que liga este lugar
a todos os outros, por intermédio das expedições, das viagens, dos colóquios, das academias, pela mediação
das vias comerciais tratadas a fogo e sangue, da matemática pura, que permite experimentar vários sistemas
de projeção, e pela dos gravadores em cobre e dos impressores. Prestemos atenção por um instante à
inversão das relações de força entre aquele que viaja numa paisagem e aquele que percorre com o olhar o
mapa recém-desenhado.”13
Essa comparação pode ser também estendida à produção do texto, pois a escolha
destas frases edita e organiza a conéctica deste lugar a todos os outros, é um caminho que
diferença grande é que na pintura a assimilação é feita do todo para as partes, e no texto
13
LATOUR, Bruno. In: PARENTE (org.). Tramas da Rede, pág. 47
as partes são assimiladas no tempo da leitura, e o todo só é percebido no final. Mesmo no
texto, tento escrever sem muitas censuras, já atribuindo à edição uma importância grande,
que se confirmou quando percebi que estava escrevendo vários textos com abordagens
sem a organização em pastas e arquivos, foi necessário folhear os cadernos várias vezes,
lendo mesmo que rapidamente as várias anotações sobre diversos assuntos e assim eu me
deparei com idéias pertinentes mas que a princípio não estavam no discurso idealizado.
Isso provocou um emaranhado de idéias que rapidamente deixou de ser linear, mas ao
vontade para traçar mais relações. Isso é, de certa forma, visualizar o todo antes das
partes.
uma coisa influenciou a outra, somando-se ainda a produção do texto, que catalisou o
mostrados são tridimensionais, mas a visão dos que estão no nicho se dá como se fosse
um plano de pintura e mostra o trabalho como uma coisa cujo habitat não é o mundo, mas
objetos. Por outro lado, a concepção teatral pode funcionar como espelho, como na
observador encontra.
sua ineliminável pessoalidade e inventividade. Estas duas exigências nem ao menos estão em contraste;
antes, convergem e coincidem nos conceitos de pessoa e de criatividade humana. Uma vez que pessoa
significa singularidade irrepetível, inconfundível, original, mas não tem nada a ver com o ‘sujeito’, que
reduz a pura intimidade e atividade subjetiva tudo aquilo com que entra em relação: a pessoa é aberta,
comunicativa, social, de modo que toda atividade humana, e por isso também a arte, tem sempre um caráter
pessoal e social a um só tempo; e a criatividade humana tem um caráter inventivo e original pelo qual,
entre as suas condições e os seus materiais, de um lado, e os seus resultados, de outro, existe sempre um
salto, mas não é de modo algum uma criatividade absoluta, que inventa também as condições e os
materiais: estes conservam a sua natureza e o seu peso no interior do ato inventivo, o qual permanece por
eles condicionado, ainda que não determinado, e, em todo caso, alimentado, enriquecido, incrementado,
porque é própria do ato inventivo a capacidade de extrair o máximo fruto das próprias condições, de modo
14
“Ao fazerem parte do espaço real e, no entanto, estarem de alguma forma alijados desde, a bola suspensa
e a meia-lua [de Giacometti] buscam abrir uma fissura na superfície contínua da realidade. Assim, a
escultura ensaia uma experiência que às vezes temos na vida acordada, uma experiência de descontinuidade
entre diferentes fragmentos do mundo.” Sobre o que a autora chama de Objetos assentados. In: KRAUSS.
Caminhos da Escultura Moderna, pág. 138
que toda atividade humana, e portanto também a arte, tem sempre um caráter inventivo e condicionado a
um só tempo.”15
Isso fica bastante claro nesta pesquisa com objetos industrializados, que também,
“A poética do objet trouvé, ou do ready made, não é dos nossos dias: foi elaborada pelos
surrealistas e pelos dadaístas. (...) Havia na base destas operações figurativas um projecto assaz subtil: cada
objecto traz consigo uma carga de significados, quase constitui um termo de vocabulário, com as suas
referências bem precisas, como se se tratasse de uma palavra: isolemos o objecto, afastêmo-lo do seu
contexto habitual para o inserirmos num outro contexto; ele ganhará outro significado, ganhará um halo de
referências insuspeitadas, dirá algo que até ao momento não tinha dito...” 16
“As pessoas não são passivas frente aos estímulos – e não é qualquer estímulo que poderá tornar-
se ‘acaso’ ou ‘inspiração’. As pessoas estão é receptivas; receptivas, a partir de algo que já existe nelas em
forma potencial e que encontra no acaso como que uma oportunidade concreta de se manifestar. Por mais
surpreendente que sejam os acasos, eles nunca surgem de modo arbitrário e sim dentro de um padrão de
15
In: PAREYSON, op. cit. pág. 115
16
In: ECO. A Definição da Arte, pág. 204
ordenações, em que as expectativas latentes da pessoa e os termos de seu engajamento interior representam
Pensamento Selvagem:
“O bricoleur está apto a executar um grande número de tarefas diversificadas porém, ao contrário
procurados na medida de seu projeto: seu universo instrumental é fechado, e a regra de seu jogo é sempre
arranjar-se com os ‘meios-limites’, isto é, um conjunto sempre finito de utensílios e de materiais bastante
heteróclitos, porque a composição do conjunto não está em relação com o projeto do momento nem com
nenhum projeto particular mas é o resultado contingente de todas as oportunidades que se apresentaram
para renovar e enriquecer o estoque ou para mantê-lo com os resíduos de construções e destruições
anteriores. O conjunto de meios do bricoleur não é, portanto, definível por um projeto (...); ele se define
apenas por sua instrumentalidade e, para empregar a própria linguagem do bricoleur, porque os elementos
são recolhidos ou conservados em função do princípio de que ‘isso sempre pode servir’. Tais elementos
são, portanto, semiparticularizados: suficientemente para que o bricoleur não tenha necessidade do
equipamento e do saber de todos os elementos do corpus, mas não o bastante para que cada elemento se
restrinja a um emprego exato e determinado. Cada elemento representa um conjunto de relações ao mesmo
tempo concretas e virtuais; são operações, porém, utilizáveis em função de quaisquer operações dentro de
um tipo.” 18
17
In: OSTROWER. Acasos e Criação Artística, pág 4
18
In: LÉVI-STRAUSS. op. cit. pág. 33
Em ‘Coleta, Acúmulo e Edição’ apresento os objetos do universo instrumental. O
fato de usar os próprios objetos em vez de representá-los é dividir o ‘ser sujeito’ com o
“Ela [a obra] fala a todos, mas a cada um de seu modo, e assim assegura uma universalidade
através da individualidade e institui uma comunidade através da singularidade. De tal modo, ela mostra,
com evidência máxima, que o essencial da sociedade não é a despersonalização, mas a personalidade, uma
vez que, no público criado pela arte, os vínculos são tanto mais estreitos quanto mais individual foi o
colóquio do indivíduo com a obra. (...) A relação entre o artista e o público é constitutiva da arte; tanto isto
é verdade, que até o artista não visa outra coisa senão tornar-se espectador da própria obra: o processo
artístico pode ser interpretado como um movimento em que o autor tende a transformar-se em espectador,
uma vez que a obra não pode dizer-se bem sucedida senão no momento em que, autônoma e viva por conta
própria, reclama reconhecimento e aprovação de todos, e, em primeiro lugar, daquele mesmo que a
produziu.” 20
19
Apesar do anteparo que alude à pintura tradicional que assume a hegemonia do pintor e estabelece uma
hierarquia de valores dentro do quadro. O ponto de vista é imposto.
20
In: PAREYSON. op. cit. pág. 123
21
Cf. ibidem, pág. 22
Com o ângulo de visão limitado, é do observador o poder da formação da pintura,
tridimensional que vira imagem bidimensional. O trabalho só existe no olhar do observador pelo buraco da
porta.”22
Por outro lado, trabalha-se também com o corpo do observador, que é imobilizado
“Colocada sob o signo da arte, a pessoa se torna vontade e iniciativa de arte, assume
inteiramente uma direção artística, traz, de per si, uma vocação formal, torna-se uma carga de
energia formante.”23
O corpo inteiro participa, num exercício que envolve ao mesmo tempo controle e
humildade, com ênfase a dar apoio ideal e confortável, detectando o que deve ser
tensionado e o que deve ser relaxado, para que a energia flua sem refração, e seja assim
22
In: PAZ. O Castelo da Pureza, pág. 88
23
In: PAREYSON. ibid, pág. 107
24
“Mudrá, uma palavra com muitos significados, é caracterizada como gesto, posicionamento místico das
mãos, como selo ou também como símbolo. Estas posturas simbólicas dos dedos ou do corpo podem
representar plasticamente determinados estados ou processos da consciência. Mas as posturas determinadas
podem também, ao contrário, levar aos estados de consciência que simbolizam. (...) Elas são utilizadas para
que a pessoa se coloque num determinado estado de consciência. Através da prática destas mudrás o
praticante pode não apenas agir positivamente sobre seu corpo e espírito, mas também despertar forças
praticante tem como propósito abrir mão de si mesmo para se entregar ao presente e
sentir “o tempo que influi sem outro intento que o de deixar as idéias e sentimentos se
efêmera”. 25
espirituais. (...) Enquanto as religiões asiáticas encaram a linguagem gestual no rito de maneira
basicamente positiva, a cristandade valoriza menos os gestos. O desprezo à linguagem gestual no Ocidente
pode ser compreendido a partir de sua história e dos sentimentos devotos do mundo ocidental. O Ocidente
cristão sempre tem considerado o corpo como adversário e empecilho no caminho da salvação.”
25
In: CALVINO. Seis Propostas para o Novo Milênio, pág. 66
CONCLUSÃO
implica em passar por eles várias vezes, ter deles várias percepções distraídas. Essa
pouco consciente, mas não por isso deficiente em perceber qualidades, atribuir valores e
conhecer possibilidades.
“Adquirimos além disso o hábito de intelectualizar ao extremo nossas percepções. Uma imagem
cujos contornos se apreende numa olhada traduz-se imediatamente por um conceito e isso em detrimento
tempo todo a este contato. Eles dão o tempo para o tátil se unir ao conceitual diversas
De certa forma isso já acontece até mesmo antes da manipulação, pois quando
subjetiva com o sujeito. Segundo Jean Baudrillard, “o meio habitual conserva um estatuto
26
In: RESTANY. Os Novos Realistas, pág 118
confusão dos sentidos (mão, olho), de intimidade com um objeto privilegiado, é
Baudrillard citou também Maurice Rheims, quando disse que os objetos são um
do mundo e nós uma tela descontínua, classificável, reversível, repetitiva, área do mundo
que nos pertence, dócil à mão e ao espírito.”28 Baudrillard ainda aponta outra caracter
“Os objetos não nascem: nós os fabricamos; não têm sexo; e tampouco morrem: gastam-se,
tornam-se inúteis. Seu túmulo é a lixeira ou o forno de fundição. A técnica é neutra e estéril. Pois bem, a
técnica é a natureza do homem moderno: nosso ambiente e nosso horizonte. Certo, toda obra humana é
negação da natureza; do mesmo modo, é uma ponte entre ela e nós. A técnica transforma a natureza de uma
forma mais radical e decisiva: desalojando-a. O famoso retorno à natureza é uma prova de que entre ela e
nós se interpõe o mundo da técnica: não uma ponte, mas uma muralha.”29
seu suposto túmulo. É resgate da matéria, que carrega informações não processadas em
documentações, por isso, nada melhor do que o objeto ali, ele mesmo, como retard31. Daí
remetem ao passado pois cada consulta remete à anterior. E remetem ao futuro pois o
27
In: BAUDRILLARD. op. cit. págs. 95, 96
28
Ibid, págs. 95, 97 e 102
29
In: PAZ. op. cit. 28
30
In: CALVINO. O Caminho de San Giovanni, pág. 80
31
“As figurações de Picasso atravessam velozmente o espaço imóvel da tela; nas obras de Duchamp o
espaço caminha, se incorpora e, tornado máquina filosófica e hilariante, refuta o movimento com o retard, o
retar com a ironia. Os quadros do primeiro são imagens; os do segundo, uma reflexão sobre a imagem.” In:
PAZ, op. cit, pág. 8
cuidado com a conservação destes frágeis objetos é uma preocupação com o futuro. Além
disso,
acontecimentos singulares que remetem ao passado, ao presente ou ao futuro, formando um mapa dobrável
e desdobrável como uma geometria variável. A cada dobra mudamos as conexões de seus componentes e
novos estratos se refazem. O desenvolvimento da história da tecnologia se parece muito com as descrições
das teorias do caos e do tempo topológico: acontecimentos que parecem afastados estão muito próximos,
ou o contrário. Na verdade, seria mais exato dizer que a multitemporalidade nos leva a uma outra
concepção e imagem do tempo. O tempo multitemporal passa e não passa, ele percola, diz Serres, mas não
Segundo Serres, o tempo funciona como um filtro, que ora faz passar, ora impede a passagem. É
desta forma que as tecnologias remetem ao duplo movimento de aceleração e desaceleração, inovação e
informações que me ajudam a formar mitos, que são nutridos com valores de caráter
tradicional, e, enquanto a obra vai se formando, ela mesma começa a mostrar novas
“Tudo surge e se define em interações recíprocas. A composição de uma imagem vai sendo
formada à medida em que entrarem os elementos visuais (digamos: certas linhas, cores, superfícies) e com
eles se articularem certos relacionamentos formais (digamos: contrastes, semelhanças, tesões espaciais,
ritmos) – e ao mesmo tempo, nesta mesma composição, o significado de cada um dos elementos e das
posições que ocuparem, vai ser redefinido pelo conjunto dos outros elementos presentes. Quer dizer: o
32
In: PARENTE. Tramas da Rede, pág.94
significado de cada detalhe dependerá das funções específicas que passe a desempenhar na estrutura da
E, pelo mesmo motivo, quando a obra começa a determinar as leis, muda o modo
“Isto concilia liberdade e lei, contingência e necessidade, inventividade e norma, criação e rigor,
originalidade e legalidade: o artista inventa não só a obra, mas na verdade a legalidade interna dela, e a tal
que o que foi pré-concebido por mim. Essa autonomia da obra eu permito através da
despir de preconceitos. Com objetos é encorajador fazê-lo, já que eles são dóceis à mão e
ao espírito.
33
In: OSTROWER, op. cit., pág. 33
34
In: PAREYSON, op. cit, pág 184
ANEXO:
ILUSTRAÇÕES
. Ilustração 1 .
Spicy Lautrec
Parafina, pigmentos, casca de cebola, pimenta rosa e gergelim entre vidros, 2005
23x23cm
. Ilustração 2 .
Pintura Pixelada
Lã de aço e verniz entre vidros, 2005
14x19cm
. Ilustração 3 .
Imagem
Papel de bala digitalizado e plotado, 2005
101x68cm (matriz: 3x2cm)
. Ilustração 4 .
. Ilustração 5 .
39
. Ilustração 6 .
. Ilustração 7 .
40
. Ilustração 8 .
41
. Ilustração 9 .
42
. Ilustração 10 .
43
. Ilustração 11 .
44
. Ilustração 12 .
45
. Ilustração 13 .
46
. Ilustração 14 .
47
. Ilustração 15 .
48
. Ilustração 16 .
49
. Ilustração 17 .
50
. Ilustração 18 .
51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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