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Araraquara – SP
Outubro de 2015
Introdução
Evidentemente, uma discussão mais passa muito longe dos limites da nossa discussão aqui,
mesmo assim, isso não nos impede de levar a cabo algumas observações que talvez deixem claro a
atualidade do texto de Mariátegui e da discussão acerca da nossa dependência, bem como nos
incitem a estudar mais sobre este assunto. Sendo assim, podemos começar nossa reflexão pela
crítica que Mariátegui faz ao Kuomitang 3 latinoamericano, ou seja, o indigenista peruano em 1929
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Essa noção foi desenvolvida pelo crítico literário Roberto Schwarz, inspirado nas leituras que fez de Sergio Buarque
de Holanda e Antonio Candido. Segundo Schwarz, o liberalismo – entre outras ideias geradas em solo europeu –, por
exemplo, não pode ser simplesmente duplicado no Brasil – nem em nenhum outro lugar que não a Europa –, pois sua
raiz sócio-histórica é a européia, são as transformações históricas que decorreram especificamente deste continente.
Mas isso não significa – como bradavam os evolucionistas e positivistas – que somos inaptos a tais ideias, muito pelo
contrário, somos perfeitamente capazes de desenvolver uma democracia ou levar a cabo a revolução comunista, no
entanto, tudo isso precisa ser levado a cabo considerando nossas especificidades histórica. No caso de Mariátegui, não
era possível fazer qualquer tipo de manifestação social sem considerar a importância crucial da população indígena –
mais da metade da população inteira do Peru, pelo menos na época em que Mariátegui escrevia.
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O Brasil sentiu isso na pele com a Era Vargas (1930 – 1945) e com a Ditadura Militar (1964 – 1985).
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Kuomitang é a famosa aliança entre a burguesia e o proletariado e campesinato chinês contra a invasão japonesa, a
qual embora seja conhecida como uma aliança entre polos antagônicos que “deu certo”, também expressa contradições,
principescamente quando a burguesia chinesa oprimiu uma greve, ponde em risco a derrota para os japoneses, só para
não perder sua hegemonia dentro do kuomitang.
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já tinha consciência da impossibilidade de se realizar uma aliança entre burguesias nacionais latino-
americanas e suas populações indígenas, camponesas e proletárias, para a realização de uma
revolução burguesa nacional própria. No final das contas a ideologia da conquista da soberania, ou
seja, a busca pela realização da revolução burguesa política (lê-se as noções de liberdade pessoal,
de imprensa, igualdade perante a lei, entre outras realidades do capitalismo central que jamais
chegaram as colônias, após a independência) não podia ser nada mais além de uma ilusão, uma
piada – de muito mal gosto, diga-se de passagem.
Isso aconteceu, a grosso modo, por causa da estruturação das classes sociais dentro da
América Latina. Em outras palavras, as elites agrárias (nossos senhores de engenho e barões do
café, ou os gamonales peruanos) jamais se preocuparam em trazer para a realidade ex-colonial as
conquistas burguesas europeias em seu sentido político, por exemplo, a mais emblemática delas: a
abolição da escravatura e a reforma agrária. Da pequena burguesia (lê-se os trabalhadores de
colarinho branco) também não podemos esperar qualquer tipo de aliança consistente com as
camadas excluídas, a fim de reivindicar soberania nacional e direito políticos. Isso pode ser
explicado pelo pedantismo patológico da pequena burguesia, expresso no seu terror a proletarização
e em sua subserviência a burguesia internacional (em nosso caso, ao ianque, que as pequenas
burguesias sempre sonharam em um dia ser). Não é possível nem minimamente cogitar aliança com
as burguesias financeiras, as quais só interessam o acúmulo irrestrito de capital e para tanto,
financiam todo tipo de governo que mantenha um mínio de “paz social” por meio da
desinformação, do populismo e do impedimento de toda e qualquer reivindicação social que posso
questionar o status quo.
Após termos destacado a contribuição de Mariátegui na crítica daquilo que ele chamou de
kuomitang latino-americano, esperamos ter deixado claro a falácia de toda e qualquer aliança com
as burguesias internas a fim de promover uma “segunda revolução nacional”, ou melhor, como
Florestan Fernandes define, “uma revolução dentro da ordem”. A alternativa para a superação da
condição de atraso da América Latina não é tentar acompanhar os mesmos passos trilhados pelo
capitalismo central (lê-se Europa e EUA). Tal perspectiva é impossível não só porque a burguesia
nacional dos países latino-americanos é traidora e cruel, mas, para além disso, por causa da aliança
estrutural entre o atraso latino-americano e o desenvolvimento do capitalismo central. Em suma, o
atraso latino-americano pode até existir, mas ele é estrutural, ou seja, ele é essencial e condição de
existência do desenvolvimento dos capitalismos centrais. Portanto, a perspectiva anti-imperialista
de Marátegui não só é extremamente atual par ao nosso tempo, bem como anda na esteira de
inúmeras tentativas de esclarecimento da nossa condição histórica para que possamos fazer nossas
“verdadeira s revoluções”, para que possamos andar com nossos próprios pés – mesmo que isso,
signifique marchar contra o ex-colonizador, atual imperialista investidor.