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FRANCA
2007
MÁRCIA CAROLINA DE OLIVEIRA CURY
FRANCA
2007
Cury, Márcia Carolina de Oliveira
Júlio César Jobet e a cultura política do socialismo chileno
(1957-1973) / Márcia Carolina de Oliveira Cury. –Franca :
UNESP, 2007
CDD – 983.06
MÁRCIA CAROLINA DE OLIVEIRA CURY
BANCA EXAMINADORA:
Presidente: ___________________________________
Orientador: Prof. Dr. Alberto Aggio
1º Examinador: ___________________________________
Prof. Dr. Marcos Alves de Souza – UNIFRAN
2º Examinador: ___________________________________
Profª Drª Teresa Malatian – UNESP/Franca
Agradeço ao meu Vi, que me ensina todos os dias a sutil diferença entre dar as mãos
e acorrentar a alma. Obrigada por sua constante presença, pela paciência, por suportar crises
e dias mais difíceis, tornando-os mais felizes para mim. Enfim, por ser quem você é, esta
pessoa que se mostra especial em cada gesto do dia a dia e que me faz querer me tornar
alguém melhor. Obrigada por existir e por fazer parte da minha vida.
À minha mãe, a quem eu tanto amo e admiro. O seu poder de superação e a força
com que enfrenta o peso das injustiças deste mundo sempre foram a minha inspiração para
“crescer”. Ao meu pai, Mario, e à Teresa; figuras que à sua maneira estão sempre presentes e
contribuindo para cada passo que dou.
À grande família: meu irmão, Claudio, esta personalidade controversa e muito
marcante na minha formação. À minha nova família, Dona Jeusa e Wagner, pessoas especiais,
com as quais sei que sempre posso contar. À Dinha e à Tatiane, família que pude escolher e
que sempre fará parte da minha vida.
À Érika, amiga são-paulina com quem compartilho sofrimentos e alegrias pelo
futebol e pelos encontros e desencontros da vida. Aos meus “bichinhos” Sandrão e Mylla,
seres que não entendem o significado disto, mas que sentem o quanto são queridos e a alegria
que trazem por fazer parte da família.
Ao meu orientador, Alberto Aggio, obrigada pela oportunidade e por acreditar no
meu trabalho. Aos professores presentes na banca de qualificação, Teresa Malatian e Marcos
Alves, por seus questionamentos e sugestões esclarecedoras e muito enriquecedoras para a
finalização deste trabalho. Ao professor e colega Fabio Franzini, por sua gentileza e
disponibilidade para ajudar.
Devo registrar ainda as pessoas que tornaram a viagem ao Chile uma experiência
inesquecível e muito frutífera. Primeiramente, agradeço à colega Janaína Capistrano, por ter
facilitado as coisas para mim com a sua atenção e dicas infalíveis.
Agradeço ao Sr. Mario e à Dona Gladis por me receberem com tamanha gentileza em
sua residência. Às figuras simpáticas e sempre atenciosas que conheci nas livrarias chilenas e
que mesmo à distância estão sempre dispostas a atender. Assim como ao Sr. Alejandro,
funcionário da Biblioteca Nacional, e à Gina Morales, secretária do PS, que com inestimável
atenção, contribuíram muito para a agilidade das minhas pesquisas. Aos professores Julio
Pinto, Luiz Ortega e Juan C. Gómez, pela atenção e disponibilidade para discutir sobre o meu
objeto de pesquisa. Agradeço também a CAPES pelo financiamento da pesquisa.
RESUMO
Em grande parte dos países da América Latina alguns intelectuais se destacaram por
proporem não só interpretar a realidade política de seus países, mas também intervir na
mesma de maneira a transformá-la. Entre eles, muitos mantiveram uma colaboração orgânica
com o movimento político e partidário da esquerda. Em meio ao debate de interpretações do
desenvolvimento nacional e de propostas de ação política para a América Latina, o Chile se
destacou na participação de intelectuais na formulação de projetos de ação que influenciaram
a arena política do país ao longo do século XX. Partindo do debate em torno da interação
entre os intelectuais e a cultura política, o presente trabalho tem por objetivo refletir acerca do
papel do intelectual Julio César Jobet (1912-1980) na cultura política do socialismo chileno.
Vinculado organicamente ao Partido Socialista, Jobet foi dirigente desde a sua fundação e
destacou-se na formulação do pensamento socialista e dos princípios teóricos que o
animariam. Buscaremos apreender a singularidade do pensamento deste intelectual por meio
das interpretações e propostas expressas nos seus escritos, nos debates tanto no interior do seu
partido como com as demais forças de esquerda da política nacional, de maneira a apreender o
alcance e a influência da sua produção nos rumos do socialismo chileno.
Palavras-chave: Intelectuais, Cultura política, Socialismo, Chile, História política, América
Latina.
ABSTRACT
To a large extent of the countries of Latin America some intellectuals attracted attention not
only for commenting on the political reality in their countries, but also intervening in order to
transform it. Among them, many kept an organic collaboration with political and partisan left-
wing movement. In the midst of the debate of interpretations of national development and
proposals for political action for Latin America, Chile stood out because of the participation
of intellectuals to the formulation of action plans that influenced the country’s political arena
throughout the twentieth century. Starting from the debate on the interaction between
intellectuals and political culture, this work aims at reflecting about the role of an intellectual
called Julio César Jobet (1912-1980) in Chilean socialism’s political culture. Organically tied
to the Socialist Party, Jobet was its leader since its foundation and outstood in the formation
of the socialist thinking and the theoretic principles that would drive it. We will seek to get
hold of the singularity of his thought through the interpretations and proposals expressed in
his writings, in the debates inside his party as well as with other Chilean left-wing groups, in
order to apprehend the reach and influence of its production in the routes of Chilean
socialism.
Keywords: Intellectuals, Political culture, Socialism, Chile, Political History, Latin America.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO....................................................................................................................7
CAPÍTULO 1
O SOCIALISMO CHILENO: HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA..................................15
1.1 O socialismo chileno: das origens ao período da UP......................................................16
1.2 Elementos da historiografia do socialismo chileno........................................................39
CAPÍTULO 2
A EXPECTATIVA DA MUDANÇA.....................................................................................52
2.1 Transformações na cultura política do socialismo chileno............................................53
2.2 Uma nova configuração política e ideológica.................................................................67
CAPÍTULO 3
JULIO CÉSAR JOBET E A CULTURA POLÍTICA SOCIALISTA...............................90
3.1 Análises e debates: as faces de um protagonista............................................................91
3.2 Julio César Jobet e o socialismo:
a construção de uma identidade partidária........................................................................109
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................127
FONTES.................................................................................................................................134
REFERÊNCIAS....................................................................................................................136
7
APRESENTAÇÃO
insere num grupo de homens que buscou, ao longo da sua trajetória, aliar a atividade
com o contexto da experiência política que buscava a construção do socialismo por meio da
Membro do Partido Socialista do Chile (PS) desde a sua fundação, em 1933, Jobet se
dedicou à produção teórica, à difusão das idéias e da trajetória socialista, ao debate político
na região. A sua atuação se deu principalmente no campo teórico e na vida intrapartidária, não
cargos públicos.
Jobet nasceu em Perquenco, uma pequena cidade chilena, em 1912. Sua vida pública
se desenvolveu a partir da década de 1930 e esteve compreendida entre duas profundas crises
sociais: um golpe de Estado ocorrido em 1924 – que consolidou no poder Carlos Ibañez, até
de Professor de História, Geografia e Educação Cívica, cujo trabalho para a obtenção do título
metodológica apreendida pelas novas gerações de historiadores que, entre outros métodos de
conhecimento histórico. Seu trabalho veio representar uma proposta de ruptura com a
acordo com Jobet, a sua inclinação política tem origem na sua família e na realidade que o
cercava, marcada por uma profunda desigualdade social. Segundo ele, seu pai lhe dava lições
libertárias, citando idéias de Jean Jaurés – influência expressada até no nome dado às terras
os primeiros autores que se debruçaram sobre os temas políticos e sociais do país, localizados,
principalmente, no século XIX, numa tendência literária que se tornou referência no país por
seu pioneirismo no estudo da denominada “questão social”. Além disso, seus ensaios estão
acerca de temas políticos desde a fundação do Estado chileno, até temáticas que ainda
político do país.
Sua perspectiva central encontra-se referida à análise da formação e das contradições internas
chilena. Este encontro entre as particularidades da realidade local e a teoria marxista adquiriu
especificidades.
1
Em 1935 Jobet elaborou o manual intitulado Estructura y ritmo de las doctrinas sociales (1760-1930), e
fundou com seu amigo Juan Picasso o periódico El socialista de Cautín. Em 1938, já colaborava com o
periódico socialista argentino, La Vanguardia.
2
ROBNOVITCH, Rosa. Un ensaysta quimicamente puro. La Nación, 12 sept 1971, Suplemento, p. 15
9
fez dele um protagonista da história política do país. Homem que viveu os dilemas do
uma concepção socialista difusa, para, em seguida, adotar uma postura concertacionista até
meados da década de 1950. Jobet buscou, ao longo da sua trajetória, implementar uma
revolucionária.
história do país, Jobet buscou apresentar uma nova proposta política, identificada ao partido
contexto do final dos anos cinqüenta, período no qual se identifica em parte da sociedade
entre diferentes setores, que visavam políticas integradoras, mas que não se mostraram
viveria uma mudança que acarretaria transformações na sua cultura política, com a
representante.
mudanças que se processaram no cenário chileno no século XX. Suas proposições foram
conferiram à ação dos seus grupos um conteúdo teórico e ideológico ao longo das suas
trajetórias na política nacional. A abordagem das suas formulações teóricas, que nos indica
10
uma leitura da realidade daquele país e suas perspectivas políticas, nos remete para a sua
singularidade.
A perspectiva do presente trabalho entende que as idéias são fruto de uma produção
das aspirações desta.3 Trata-se de analisar o alcance e a responsabilidade dos teóricos sobre os
aqueles que, assim como Jobet, apresentam como parte integrante da sua atividade a prática
política, termina por expressar elementos de uma cultura política específica em um momento
definição de uma identidade voltada a uma coletividade. Esta é uma concepção em que o
Para a compreensão deste processo, o conceito de cultura política deve estar pautado
e símbolos ocorre de acordo com determinado contexto histórico, como uma resposta àquilo
que se vive. A partir de tais pressupostos, para identificar o papel do intelectual na cultura
A mesma perspectiva deve ser adotada para a compreensão do papel que exerceu
Jobet. É necessário inseri-lo no ambiente político e intelectual vivenciado pelo Chile a partir
formulações muito significativas para o debate da esquerda do país. Tais teorias passaram a
3
FREDRIGO, Fabiana de Souza. Os intelectuais e a política nos regimes autoritários: um estudo do caso
chileno. Estudos de História, Franca, v. 7, n. 2, p. 231-264, 2000.
11
movimento de esquerda influenciado pelos ideais marxistas, que se tratava de uma entidade
relacionando tal descoberta com sua produção e sua ação no meio em que constrói suas
produção com um processo político e com a coletividade social. Visando apreender as teorias
produzidas, o historiador necessita, mais do que uma articulação puramente mecânica entre
mundo.5
campo de análise para o historiador na medida em que permite apreender o que ele define
para o eleitorado, como programas, discursos da formação, etc.6 Ou para aqueles que se
encontram na ideologia política do partido, que consiste em uma grade comum de leitura dos
acontecimentos, capaz de fundar uma solidariedade de ação e, para além de toda finalidade
de um partido político e por seus intelectuais, por meio de uma “cultura política que constitui
o núcleo das formações políticas e que garante, para além dos acontecimentos conjunturais, a
4
MOULIAN, Tomás. El marxismo en Chile: producción y utilización. Santiago de Chile: Facultad
Latinoamericana de Ciencias Sociales, 1991. Serie Estudios Políticos, p. 1.
5
FREDRIGO, op. cit., p. 260.
6
O sentido de ideologia utilizado no presente texto refere-se ao conjunto de idéias do partido.
7
BERNSTEIN, Serge. Os partidos. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro:
IUPERJ, 1996, p. 90-91.
12
Esse estudo permite alcançar um amplo espectro de análise que deixa compreender
as raízes e filiações dos grupos e restituir coerência aos seus comportamentos frente à política
sua influência na cultura política socialista entre o início da Frente de Ação Popular (FRAP),
também de que maneira e em que grau esse processo comprometeu e alterou a cultura política
Chile.
dois perigos. Por um lado, ao tomar contato com o pensamento de um historiador que se
um risco. Por outro, observar o dilema da relação entre a atividade intelectual e a prática
política exige uma arguta clareza diante das funções, bem como frente à fusão das atividades,
8
BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François (Org.). Para uma
história cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 355.
13
Para a compreensão da sua trajetória foi importante analisar tal questão, já que Jobet,
sociedade. Nesse sentido, foi necessária a abordagem da sua trajetória a partir da reflexão em
torno da tensão que configura este tipo de prática intelectual. No entanto, uma dificuldade a
mais se coloca. Sob a perspectiva de que a dimensão da cultura constitui uma forma de
transcender a política, as concepções acerca dos intelectuais como “homens de cultura” são
recorrentes para referir-se ao grupo, considerado por vezes como independente e autônomo
Dessa forma, esta discussão em torno do engajamento político dos intelectuais, que
coloca em questão a relação entre teoria e práxis, é tratada de maneira a direcionar o debate
para a distinção entre as atividades. A partir destas observações, considera-se que analisar a
pensamento que não resulte unilateral. Em outras palavras, o desafio consiste em analisar seu
destina a esboçar a trajetória da esquerda chilena desde as suas origens, localizadas nas
esquerda chilena bem como os aspectos que compreendem a formação da sua identidade,
9
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 9 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1995.
14
visto que muitos elementos são resgatados ou negligenciados pelo movimento ao longo do
século XX.
adotado objetivou traçar um debate com autores que desconsideraram muitas das
acerca das suas origens, do significado dos processos que marcam a sua atuação na política
e 1960, os novos atores que surgem ou se fortalecem nesse momento, bem como os diferentes
processos que dinamizaram a disputa política, destacando o espaço ocupado pelo socialismo.
São subsídios que nos permitem obter uma melhor compreensão da maneira como se desenha
temas discutidos e influências sofridas por Julio César Jobet. Analisar o papel do intelectual e
político. Para tanto, busca-se apreender a sua leitura da sociedade chilena, suas propostas e os
principais debates empreendidos tanto no interior do seu partido como com as principais
forças políticas do Chile por meio dos seus escritos, compreendendo a sua atuação em meio
cultura política da esquerda que almejava a construção do socialismo naquele país e que
conta uma grande tradição histórica do Chile que remonta ao período das lutas operárias do
século XIX, passando pela formação dos partidos de esquerda, bem como pelos diversos
Dessa forma, a apreensão daquele movimento vai além da sua vinculação com o
revolucionário cubano. É preciso pensar o socialismo chileno como uma expressão política
manteve juntamente com os seus reflexos nos setores político e social. Enquanto que países
Nacional juntamente com uma maior inserção no sistema capitalista mundial, o Chile, já em
1830, dava sinais de um Estado forte, e ao final do mesmo século passou por uma experiência
Mas é certo também que, assim como os demais países latino-americanos, o Chile
sofreu no início do século XX pressões que caracterizaram os países periféricos, como a forte
presença imperialista, tensão social gerada pelo processo de modernização capitalista e uma
precária e insuficiente incorporação das classes populares. Foi nesse sentido que o debate da
a estabilidade política e a questão social do país. Debate que se ampliou de acordo com as
1
AGGIO, Alberto. Frente popular, radicalismo e revolução passiva no Chile. São Paulo: Annablume, 1999, p.
26.
17
aquela sociedade.
imperialista e as elites locais na exploração das riquezas nacionais. Ao final do século XIX,
século XX.2
migração para o norte mineiro, estabeleceu uma corrente de transmissão política com o sul,
são algumas das condições, bastante originais no meio latino-americano dessa época, que
diversificação de sua base produtiva e tornar mais complexa a sua estrutura social.4
2
ELGUETA, Belarmino. La cara oculta de la historia: el legado intelectual de Julio César Jobet. Chile:
Factum Ediciones, 1997, p. 69.
3
Em decorrência deste conflito, o Chile expandiu seu território, recebendo parte do Atacama (cidade de
Tarapacá), do Peru, e parte do território boliviano (Antofagasta), que perdeu a saída para o mar.
4
CORREA, Sofía; FIGUEROA, Consuelo (Org.). Historia del siglo XX chileno: balance paradojal. Santiago:
Editorial Sudamericana, 2001, p. 23.
18
entre os círculos de artesãos que passaram a ser integradas por operários industriais e os
mineiros. Inicialmente tratavam-se das mutuales, sociedades de socorro mútuo, que estavam
característica destas organizações era a atenção especial à formação educacional dos seus
enquanto que as sociedades de resistência eram marcadas por opor-se de forma permanente a
aos setores que oprimiam a classe operária, com propensão à conformação de uma identidade
de classe de mais claro perfil. Sofia e Consuelo destacam a transição das organizações na
medida em que:
[...] se observa um evidente trânsito de um associacionismo com demandas
exclusivamente sociais e com ambições de cooperação mútua a entidades embuídas
de uma orientação e discurso de caráter político. Os postulados socialistas e
anarquistas, de crescente gravitação durante a mudança de século, estimularam o
desenvolvimento desse tipo de organização, que experimentou um notável
incremento, aumentando de 240 sociedades operárias na última década do século
XIX, a 433 em 1910.5 [tradução nossa]
Nesse primeiro momento, havia estudiosos que se voltavam para as questões sociais
e, ao mesmo tempo, homens que iniciaram suas atividades no meio operário para se
5
CORREA; FIGUEROA, op. cit.., p. 59.
19
periódicas iniciais, como o Centro Social Obrero e a Unión Socialista, em 1897, que
orientados por idéias socialistas e anarquistas, disseminavam sua propaganda nos grandes
se formava vigorosamente.6
Bilbao e o Partido Socialista, sucessor do primeiro.7 De acordo com o autor, este movimento
pressão exercida pela oligarquia; em combate à pobreza, bem como a defesa do sufrágio
universal. Tais documentos teriam sido redigidos por Ricardo Guerrero, apontado como o
operários permitiu uma postulação reformista, de defesa da luta no interior do sistema vigente.
identificadas com postulados libertários e que se filiaram à IWW (Industrial Workers of the
World).
6
JOBET, Julio César. Ensayo crítico del desarrollo económico social de Chile. 3.ed. México: Centro de
Estudios del movimiento obrero Salvador Allende, 1982, p. 123-124.
7
Cf. DEVÉS, Eduardo; DÍAZ, Carlos. El pensamiento socialista en Chile: antología 1893-1933. Chile:
Ediciones Documentas, 1987.
20
crises que afetavam com maior intensidade os estratos mais pobres, situação que gerou o
gérmen dos movimentos de protesto que culminaram com a primeira greve geral do país, em
1890, abrindo um ciclo grevista de orientações trabalhistas e políticas que se estendeu por
Partido Obrero Socialista, ele iniciou este grupo no intuito de criar uma organização que fosse
É possível extrair das suas postulações algumas idéias que serão reivindicadas por
elementos para o projeto socialista, que denotam o pioneirismo do líder operário no início do
Socialismo, que constituiu o manifesto da nova organização fundada neste mesmo ano, em
Iquique, o Partido Obrero Socialista. Neste folheto, Recabarren se preocupa em tecer severas
8
A contribuição de Luis Emilio Recabarren é destacada em diversos trabalhos a respeito do desenvolvimento
marxista na América Latina e do movimento operário no Chile. Além das obras utilizadas no presente trabalho,
ver: JOBET, Julio César. Recabarren y los orígenes del movimiento obrero y el socialismo chilenos. 2.ed.
Santiago de Chile: PLA, 1973.
21
nacional:
[O programa democrata] só contém um programa de reformas por realizar sobre as
instituições existentes, ampliando-as, suavizando e democratizando, mas deixando
sempre o que são: instituições coercitivas da liberdade dominadas pela burguesia.
Democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo.9 [tradução nossa]
ser o principal nome da Federación Obrera Chilena (FOCH), organização criada pelos
conservadores, sob bases mutualistas, com finalidade de assistência social e de mediações nas
relações de trabalho. A despeito desse caráter inicial, Recabarren passou a liderar o que viria a
ser um dos principais centros de atuação do proletariado chileno, gerando uma radicalização
das ações do setor e a sua filiação à Internacional Comunista, em 1921, pouco antes da
O líder tornou-se uma das referências do movimento operário chileno, dentre outros
movimento operário daquele país serve de referência para pensar que a adoção do marxismo
foi realizada historicamente e de acordo com a sua inserção nos processos políticos e sociais
mudança se deu após a sua visita a Moscou, ilustrada a partir do registro das suas impressões,
um modelo revolucionário:
9
RECABARREN, Luis Emilio. Democracia – Socialismo (1907). In: DEVÉS; DÍAZ, op. cit., p. 87.
22
Pude ver com alegria que os trabalhadores da Rússia tinham efetivamente em suas
mãos toda a força do poder político e econômico, e que parece impossível que tenha
no mundo força capaz de despojar o proletariado da Rússia daquele poder já
conquistado.
[...] ao proletariado do Chile só falta disciplinar um pouco mais sua organização
política e econômica para encontrar-se capacitado a realizar a revolução social que
expropriará todo o sistema de exploração capitalista [...]10 [tradução nossa]
de Recabarren, tais como Ramón Sepúlveda, Carlos Alberto Martinez, Manuel Hidalgo Plaza.
Foram líderes políticos que faziam parte do mundo operário e que trabalhavam em
organizações sociais, especialmente voltados para a difusão dos ideais socialistas da zona de
Parte dessas lideranças deixou o então Partido Comunista após cisões internas e
fundou grupos de orientação socialista que viriam a formar o Partido Socialista do Chile,
como a Nueva Acción Pública e a Izquierda Cristã. Somaram-se a eles o Partido Socialista
no início do século XX, a ascensão das classes médias ao cenário político com forte
representação partidária. Dessa forma, a arena política chilena, que tinha como demarcação
para a luta político-partidária e da colocação de novas alternativas que iriam percorrer todo o
século.
10
RECABARREN, Luis Emilio. La Rusia obrera-campesina. In: DEVÉS; DÍAZ, op. cit., p. 108-109.
23
campos contrapostos - direita e esquerda - bem definidos; coexistindo, em cada um, uma
pluralidade de forças diferenciadas entre si, ainda que aglutinadas em torno de projetos
possível falar em direitas e esquerdas, de acordo com os matizes que se advertiam no interior
Liberal, a plataforma conservadora apoiava com firmeza a livre empresa privada como fator
1861 e governaram por trinta anos, durante a chamada “República Liberal”. Ideologicamente,
as diferenças entre estes e os Conservadores são bastante tênues, em especial, após o fim da
Conforme se verá adiante, durante o período de 1932 a 1964, o Partido Radical (PR)
modernizador, o grupo também apresenta divisões internas entre uma ala direitista que
identifica sua filosofia política com a dos conservadores e liberais, e uma ala esquerdista
promotora de reformas sociais. De acordo com Julio Pinto e Gabriel Salazar, trata-se de uma
divisão que tem suas raízes sociais e ideológicas. Sociologicamente, o PR foi dirigido pela
classe média de províncias, com um núcleo dirigente formado nas escolas secundárias do
11
CORREA; FIGUEROA, op. cit.., p. 117.
12
SALAZAR, Gabriel; PINTO, Julio. Historia contemporánea de Chile I: Estado, legitimidad, ciudadanía.
Santiago: LOM, 1999, p. 275, v. 1.
24
o partido do sistema político chileno que tem a mais variada composição, que compreende
desde operários até latifundiários. Inclui nortistas dos distritos mineiros, latifundiários do sul,
Comunista (PC) esteve representado precocemente e de forma mais consistente do que os seus
originado do movimento operário, para somente duas décadas depois se formar um partido
socialista.
quarenta anos, ao mesmo tempo em que se configurou como a principal força política entre os
trabalhadores chilenos. De acordo com Pinto e Salazar, a mudança tática do partido, que passa
a seguir um caminho gradualista e pacífico até o poder, seu forte impacto em círculos
partir dos ditames da Internacional Comunista, o que revela, entre as décadas de 1920 e 1930,
uma postura confrontacional, que o isolou de outros grupos da esquerda nacional. Essa linha
13
Devemos considerar que os programas de recuperação econômica, adotados na década de 1930, além do
impulso à industrialização, significaram a incorporação de um importante segmento do setor popular urbano às
áreas fabris e à construção. O proletariado industrial, por exemplo, experimentou um aumento quantitativo que
variou de 84.991, em 1926, para 389.700, em 1949. ATRIA, Raul; TAGLE, Matias (Edit.). Estado y política en
Chile: ensayos sobre las bases sociales del desarrollo político chileno. Santiago de Chile: CPU, 1991, p. 162.
25
comunistas, porque entendiam que essa postura isolaria a classe trabalhadora de outros
Popular, em 1936.
Frente de Libertação por parte da burguesia chilena. A aliança só seria segura se se optasse
núcleo, o eixo comunista-socialista. Esta nova linha estratégica apresentava como requisito
libertação nacional”. Vale lembrar que o XX Congresso do PCUS admitia a tese da “transição
Nacional era considerada a ferramenta com a qual se poderia construir uma democracia
14
AGGIO, Alberto. Democracia e socialismo: a experiência chilena. 2.ed. São Paulo: Annablume, 2002, p. 83.
15
Ibidem, p. 83-84.
26
período que compreende desde a sua fundação, em 1921, até 1933. O segundo momento, que
abarca o período de 1933 até o X Congresso de 1956; e o terceiro até fins de 1980. O primeiro
como uma linha de frentes amplas com signo antiimperialista. Nas eleições presidenciais de
1946, o PC fez parte de uma composição política com os radicais que elegeria Gonzalez
Este governo herdou sérios problemas econômicos e sociais e se viu numa situação
período da guerra fria, cujo apelo à solidariedade nas nações americanas a fim de defender o
continente da ameaça comunista ditava as regras das relações entre os países vizinhos. Mesmo
operário e popular voltou a atuar com maior desenvoltura em meados da década de 1950.16
Guerra Fria estabeleceu no mundo, e que foi ratificada na formação da Frente de Ação
Popular (FRAP), como se verá adiante. Os comunistas concebiam um movimento no qual era
bojo de um processo que acentuasse a participação das massas, levando em conta as suas lutas
políticas do país, de forma a que se restaurassem todas as liberdades políticas, com vistas a
uma das forças políticas que mais se empenharam na defesa de reformas políticas e
para o socialismo chileno, cuja cultura política fora caracterizada por forte antagonismo ao
socialistas com a liderança comunista dentro da esquerda, o que o levou a delimitar, desde o
início, o caráter alternativo ao comunismo na esquerda nacional como uma das suas principais
16
AGGIO, op. cit., 1999, p. 152-153.
17
AGGIO, op. cit., 2002, p. 84.
28
se deu no momento de crise da URSS, o que permite afirmar que o seu discurso, caracterizado
como humanista e libertário, também tem a ver com esse momento de contestação ao regime
formado essencialmente pelas classes médias, unido por uma concepção bastante difusa do
socialismo. Sua formação tem como marco a República Socialista de 12 dias, movimento
liderado pelo comandante da aviação Marmaduque Grove, para destituir do governo Esteban
Deste governo pode-se afirmar que Monteiro buscou articular em torno de si apenas
os setores tradicionais da política chilena, deixando de lado a esquerda que se fortalecia e que
tentava afirmar um projeto de ação capaz de superar a grave questão social que atingia o país.
A partir deste evento, as organizações socialistas se reuniram para formar o Partido Socialista,
identidade. É possível afirmar que se tratou de uma organização que veio compor um novo
antiimperialista. Seu caráter nacional e popular, além da sua caracterização como um partido
dos trabalhadores manuais e intelectuais, e que não admitia a divisão classista, marca a
não seria o “seu pertencimento de classe, mas a sua consciência política revolucionária, a sua
18
Os líderes da rebelião foram destituídos e presos na Ilha de Páscoa. Ainda em 1932, Marmaduque Grove
concorreu à eleição presidencial, vencida por Arturo Alessandri, e obteve a segunda colocação, com 17,7% dos
votos.
29
Ainda de acordo com Schnake, uma das principais lideranças do grupo naquele
contexto, o movimento que originou o partido se denominava socialista por ser contrário ao
Econômica do Chile.
perdurar ao longo da sua história, mas que, como se nota, trata-se também de uma forma de
do socialismo soviético; além de referendar o passado das lutas operárias e se projetar como
alternativa para o futuro, um dos determinantes mais evidentes da ação do PS, constantemente
preocupado com a “chilenidad” dos seus pressupostos, como afirma Marie Noëlle Sarget.20
Bolívar.
que permite observar a constante referência feita ao passado do país, assim como aos ideais de
Latina remete ao “toqui”, instrumento utilizado pelos índios mapuche, do sul do Chile, tanto
para destruir, como para construir, e que se tornou símbolo da resistência mapuche ao invasor
19
SCHNAKE, Oscar. Política Socialista (1938). In: WITKER, Alejandro (Org.). História documental del
PSCH 1933-1993: signos de identidad. Chile: IELCO, sd, p. 23-24, v.18.
20
SARGET, Marie-Noëlle. Système politique et Parti Socialiste au Chili: un essai d’analyse systematique.
Paris: Éditions L’Harmattan, 1994.
30
e a libertação econômica do país por meio da união dos trabalhadores manuais e intelectuais.
Sendo a união de diferentes setores sociais um dos principais pontos da declaração socialista,
Esta afirmação dá uma dimensão do caráter inicial do PS, que apregoava, dentre
pluriclassista de um grupo que era composto de correntes ideológicas que variavam desde
PS, em comparação com outros marxistas europeus. O argentino Juan B. Justo e José Carlos
Mariátegui, marxista peruano, figuram entre os autores socialistas que ocupam lugar em
algumas referências, mais por traduções e comentários que fizeram da obra de Marx.
Matte, Oscar Schnake, nomes que constituíram a liderança nos primeiros anos de vida do
partido. Além disso, o grupo conferia especial espaço aos escritores do partido, como Jobet,
Alejandro Chelén, Raul Ampuero, Salomon Corbalán, Eugenio Gonzalez, Oscar Waiss, cujos
textos, especialmente após a década de 1940, contribuíram diretamente para forjar uma
21
SARGET, op. cit., p. 79.
22
GROVE, Marmaduque. Manifiesto Socialista (1934). In: WITKER, op. cit., p. 221.
31
tinham importante influência nas deliberações do partido quanto às linhas e rumos a adotar. O
CC representava a organização nas suas relações com outros grupos, decidia os acordos a
e aplicava as decisões do Congresso Geral. Além de exercerem forte influência nas idéias a
enquanto que a segunda abarca desse momento até a divisão de 1979; sem, no entanto,
caracterizar-se como momentos estanques, ou seja, trata-se de momentos nos quais elementos
do poder serem elementos compartilhados por grupos internos com orientações diferentes.
São concebidas aqui essas duas fases na trajetória do socialismo chileno por entender-se que
movimento.
A etapa que compreende o período de 1933 a 1957 pode ser definida como o
para as classes populares e setores médios, apresentando características definidas por uma
23
Um projeto nacional-popular tem como características: a concepção da política como constituição da vontade
coletiva, como uma busca pelo consenso, e não como o aproveitamento das conjunturas em função de uma
mobilização manipulada de massas disponíveis; pensa cada um dos elementos da política em uma perspectiva
utópica, como realização de graus cada vez maiores de democracia, portanto, como processo que deve conduzir
ao socialismo, este concebido como sistema que permite a máxima liberdade de todos; e o consenso é encarado
como algo além da articulação de interesses econômicos e políticos, trata-se de um pacto social em função de
uma mudança concertada. Cf. MOULIAN, Tomás. Democracia y socialismo en Chile. Santiago: FLACSO,
1983.
32
do partido como popular e não exclusivamente operário. Além disso, a defesa, por parte das
Esse foi um período bastante conturbado na história do partido, que reunia diferentes
foram algumas das críticas internas dirigidas às lideranças do grupo. Começava a se delinear a
trabalho, identificada na mudança das suas lideranças. Esta pode se caracterizar por sua
as experiências de governo vivenciadas pelo país sob o comando das classes dominantes;
tendência alimentada por concepções que visualizavam uma crise total na sociedade, que
participaram do governo da Frente Popular, como Grove, Oscar Schnake e Salvador Allende,
33
esquerda no cenário político do Chile, a partir da formação de uma aliança entre o Partido
Radical e os partidos Comunista e Socialista, apesar das péssimas relações estabelecidas entre
ambos, como resultado basicamente de duas conjunturas específicas: uma crise econômica
marcada por agitações populares reprimidas pelo segundo governo de Arturo Alessandri
(Alianza Liberal) e uma estratégia política externa advinda da tática definida no VII
preciso destacar que a formação da coalizão foi favorecida por uma série de iniciativas
políticas graduais que propugnavam alianças entre forças políticas consideradas defensoras
repressor, os Radicais assumiram uma postura mais à esquerda. Outro fator que contribuiu
para a união dos diferentes segmentos foi a repressão do governo contra os sindicatos, que
atingiu seguidores dos partidos populares; bem como a represália a uma expressiva greve dos
medida que validou a posição dos dirigentes do Partido Radical a favor de uma aliança
candidatura de Marmaduque Grove, um dos principais líderes do grupo, e que passou a ser
ditadura no país comandada por Alessandri, a eleição de 1938 tornava-se decisiva para a
democracia do país. A necessidade de barrar o governo repressor por meio da unidade dos
24
AGGIO, op. cit., 1999, p. 102.
34
após a conquista do governo, a política conduzida pelo Partido Radical possibilitou relativo
como um dos principais valores, garantiu maior estabilidade ao sistema político do país,
quadro institucional e também uma ampliação das suas bases sociais. São fatores que,
contudo, foram concebidos negativamente por suas lideranças, a partir das décadas seguintes,
e que teve a complexidade da sua formação política e social negligenciada por Jobet e por
intelectuais, que, como ele, debruçaram-se sobre a formulação e difusão de idéias rupturais.
internacional, direcionando o debate e a condução política por parte da esquerda para uma
polarização.
conduzida pela Frente Popular, no entanto, não correspondeu integralmente às aspirações dos
25
AGGIO, op. cit., 1999, p. 22.
35
estrutura social e dos seus interesses, dentre elas o desafio à ordem senhorial no mundo rural.
Esta questão colocava para o setor o dilema de como evitar a formação de sindicatos nos
1938, no que concerne às dificuldades e restrições à organização sindical no campo pode ser
De acordo com Sofia e Consuelo, estas mudanças seriam sentidas nas décadas
seguintes, junto com a chegada de pautas culturais urbanas ao mundo rural, agora mais
Democracia Cristã, principal motor da política nacional da década de 1960, penetraram, pela
primeira vez, de forma exitosa no campo, tornando esse setor um espaço de disputa política
candidato presidencial da FP. 27 Além disso, a despeito da pressão da retórica ruptural exposta
pela esquerda, pautada em propostas nacionalistas e de amplo apelo popular, a esquerda não
foi capaz de ditar de maneira determinante os rumos da condução do governo. Estas são as
principais limitações que ficaram marcadas na participação socialista no governo, e que foram
criticadas por parte das suas lideranças, especialmente, a partir da década de 1950.
sido um elemento totalmente passivo no sistema político chileno, de maneira que o sistema
teria agido sobre ele, ameaçando a sua identidade; relação que se inverteria durante a década
26
CORREA; FIGUEROA, op. cit.., p. 223.
27
AGGIO, op. cit., 1999, p. 123.
36
desses interesses, ao mesmo tempo em que canalizou tais demandas para inseri-las nas pautas
do quadro institucional.
dos grupos populares, o período contribuiu para forjar a sua identidade, cuja delimitação se
deu em relação aos outros grupos políticos – como o Partido Radical, representante dos
para a política soviética –; identidade que assumiu novos contornos e veio a se impor como
Esta história foi marcada por embates entre os grupos de esquerda que conquistaram
configuração política chilena. A análise desta experiência e das idéias e perspectivas que
constituíram o socialismo chileno remete para uma história singular na América Latina.
consistindo, assim, a perspectiva adotada, numa análise das idéias que constituíram a cultura
política do socialismo e das conseqüências advindas da sua postura, a partir do aporte de uma
das suas principais referências intelectuais. Para tanto, a análise deve se centrar naquele que é
a 1973.
Nesse período, de acordo com Jocelyn Holt, o Chile começava a ser pensado em
época, a realidade vivida por aquela sociedade corroborava tal qualificação. Pode-se afirmar,
28
SARGET, op. cit., p. 214.
37
no entanto, que mais do que germinar essa concepção acerca da sociedade chilena, o período
apresentaram importantes nomes, como Aníbal Pinto, Julio César Jobet, Jorge Ahumada, que
conferiram à ação política de diversos grupos o conteúdo teórico e ideológico ao longo das
suas trajetórias na política nacional. Estas postulações contribuíram para a forte polarização
do século XIX, a questão social ocupou espaços no debate intelectual e político, de forma que
os setores populares passaram a ser solicitados como apoio eleitoral no discurso dos partidos
tradicionais, mas sem ser canalizados pelos mesmos. Esse contexto de ausência de um partido
que exercia forte pressão naquela sociedade determinou, em grande medida, a formação dos
partidos de esquerda.
operário − e, posteriormente, o Partido Socialista, com uma formação bastante eclética, que
reunia desde militares até operários, e conseguiu tornar-se um dos maiores representantes
populares do sistema político chileno.
Diferentemente dos seus similares na América Latina, os partidos de esquerda do
Chile não se isolaram da cultura e dos movimentos populares, ao contrário, constituíram-se
em seus principais representantes políticos. Nas palavras de Moulian:
[...] o marxismo representou no Chile algo mais que a ideologia de um conjunto de
partidos, com uma relação superficial e aparente com as massas, uma simples
referência ritual, importante para os intelectuais políticos, mas carente de sentido
para os “homens comuns”. É possível afirmar que constituiu um componente
importante da cultura política nacional, especialmente entre os setores populares.
Desenvolveu-se como um dos sistemas hegemônicos no âmbito das ideologias
38
políticas, cuja influência se podia sentir além dos partidos políticos de esquerda.29
[tradução nossa]
teoria política da esquerda chilena para além dos seus quadros, essa cultura política que reúne
partido, como uma entidade aglutinadora onde os intelectuais adquiriam sua organicidade,
sistema institucional e da introdução dos seus projetos políticos demarca o início da trajetória
construção desta experiência pode ser avaliada desde a atuação do seu movimento operário no
século XIX, até a posterior organização dos seus partidos de representação popular, não se
É possível afirmar que um dos fatores mais destacados da vida política chilena foi a
existência de uma esquerda muito forte e estruturada, no sentido da sua constante participação
29
MOULIAN, Tomás. La forja de ilusiones: el sistema de partidos (1932-1973). Santiago: FLACSO, 1993, p.
73.
39
país, porém com contornos pouco diferenciados no que se refere às abordagens adotadas. Em
com o seu desenvolvimento a partir das influências e relações entre os diferentes partidos que
apontar os limites e os desvios políticos de suas escolhas, visto que grande parte desses
identificar suas principais características, e, numa abordagem que abarca a sua trajetória desde
a sua fundação até o seu governo, em 1970, analisa a sua participação no sistema
institucional, numa avaliação que adquiriu poucas variações. Dentre elas, podemos destacar
prática política, especialmente no que se refere a sua atuação político-institucional, bem como
Ignácio Walker, cuja hipótese central sustenta que a ausência de uma concepção socialista
30
ALTAMIRANO, Carlos. Dialética de uma derrota: Chile 1970-1973. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979.
Neste trabalho, Altamirano tece duras críticas à UP por sua “inadequada percepção política da inevitabilidade do
conflito”; Alejandro Chelén, liderança intelectualmente próxima a Altamirano, publicou Trayectória del
Socialismo: apuntes para una historia critica del socialismo chileno. Trata-se de um trabalho que expressa
significativamente a posição “inconformista”, que se opôs às participações governamentais em coalizões
pluripartidárias do PS e cobrou uma posição confrontacional do partido.
31
Além das compilações utilizadas neste trabalho, podemos citar El socialismo y la unidad: (cartas del Partido
Socialista al Partido Comunista). Colección Documentos, n.1, Santiago, 1966, publicada pela Secretaria de
Educação Política do PS.
40
que o conduziu ao poder, o que teria contribuído para o fracasso da “via allendista” ao
socialismo.32
diferentes correntes e que evoluiu do populismo para o leninismo. O que se pode observar é
que estas análises estão condicionadas pelo desfecho da “experiência chilena”, cuja imagem
Para o autor, havia uma tensão entre a retórica (revolucionária) e a prática (populista)
que o fenômeno populista teria exercido sobre o socialismo chileno, assim como a concepção
que teve um papel central na política chilena ao longo do século XX, o autor,
grupo “cuja postura democrática havia sido marginal desde a sua formação”.33
fundamenta na análise do que o autor define como uma “relação instável do PS com o sistema
32
Cf. WALKER, Ignácio. Del populismo al leninismo y la “inevitabilidad del conflito”: el Partido Socialista
de Chile (1933-1973). Santiago: Cieplan, 1986. (Documento de Trabajo).
33
Ibidem, p. 113.
41
Para Drake, a participação do Partido Socialista na Frente Popular, bem como o seu
esforço para adaptar-se a sua realidade, às condições nacionais específicas, como a tradição
das suas interpretações fundamentais das metas marxistas, são elementos que demonstram a
definidores:
Dentro de seu partido, os socialistas chilenos mantinham técnicas de campanha,
propostas de programas e alianças sociais altamente populistas nos anos 30. Além
disso, formaram coalizões multipartidárias e pluriclassistas que aspiravam a
programas populistas de desenvolvimento nos anos 40. [tradução nossa]35
identificar o socialismo chileno como parte desse modelo político. Em especial, o autor utiliza
três aspectos: estilo de mobilização, liderança e campanha, enfoque que daria maior espaço ao
refere em geral à classe trabalhadora, mas que inclui setores significativos das classes médias;
redistributivas leves”.
especial a sua marca “anti statu quo”, a ênfase na classe trabalhadora e os objetivos socialistas
revolucionários. Tais características teriam sido acentuadas ao longo da sua trajetória devido
nas suas palavras, a decadência do partido, para retomar um rumo mais independente a partir
34
DRAKE, Paul. Socialismo y populismo – Chile 1936-1973. Valparaíso: Universidad Católica de Valparaíso,
1992.
35
Ibidem, p. 10.
42
da década de 1950. Ainda que o grupo tenha enfatizado a sua ideologia, como o conflito de
populista.
socialista ou na conciliação populista, tais como a questão da presença dos setores médios
como fator de moderação e flexibilidade para a formação de alianças com diferentes setores.
Ao mesmo tempo em que os intelectuais, que também são parte desses extratos médios do
grupo, são apontados como elementos que contribuíram para a radicalidade ideológica do
partido.
definir movimentos políticos e correntes ideológicas as mais diversas surgidas em regiões tão
que se deve notar, especialmente nesta abordagem, é a demasiada atenção voltada para o
papel carismático e manipulador exercido pelos líderes políticos que canalizam anseios
singularidade da história latino-americana, foi utilizado na maioria das vezes como forma de
política que emergia. Especialmente, o populismo serviria como salvaguarda contra eventuais
tendências revolucionárias das classes populares num momento em que essas passaram a
36
O objetivo do presente trabalho não é alongar-se na discussão acerca do conceito de populismo, mas de
apontar para a indevida utilização que é feita do termo para desqualificar a trajetória de diferentes movimentos
ou personagens políticos, neste caso, especialmente, do socialismo chileno, preferindo negligenciar as
especificidades que contribuíram para a composição da sua cultura política. Cf. ANDRADE, César Ricardo de.
O conceito de populismo nas ciências sociais latino-americanas. Estudos de História, Franca, v. 7, n. 2, p. 69-
84, 2000.
43
ordem, bem como uma nova orientação para o desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que
promover integração social no momento de emergência das massas. De acordo com Aggio:
Num país da periferia do mundo como o Chile e numa época em que os supostos do
liberalismo, que haviam florescido e fulgurado no século XIX, encontravam-se
inteiramente questionados, a reestruturação do papel do Estado assumia, sem
dúvida, o lugar central como elemento definidor das ações políticas. Em relação a
isso, não seria incorreto observar que um pano de fundo único estruturava os
projetos políticos, dando um sentido propositivo ao final da década de 1930. Cada
ator político, à sua maneira, realçava o papel do Estado no sentido de estimular,
intervir ou nacionalizar a economia, regular e proteger o social, afirmar e
incrementar a autoridade dos governos [...]37
modernidade na América Latina não se deu por meio de revoluções, a recorrente utilização do
conceito denota sobretudo o seu contrário, isto é, o antipopulismo.38 Nota-se nesse caso
específico que a utilização do conceito denota o rechaço à opção política do grupo que atuou
Partido Socialista. Entendemos, no entanto, que é preciso ver a história da América Latina e
socialismo científico.
37
AGGIO, op. cit., 1999, p. 89.
38
ANDRADE, op. cit., p. 80.
44
Deve-se observar que o PS foi importante para colocar questões urgentes na pauta
setores sociais emergentes que requeriam o seu espaço; características que Drake insere no
É possível afirmar que o PS exerceu desde o início da sua atuação funções sociais
múltiplas, assim como grande parte dos movimentos sociais e políticos, tais como a mediação
contribuição para a formação de uma certa estruturação da opinião pela difusão da sua
ideologia, exercendo pressão sobre as autoridades em nome das categorias que ele defendeu,
1930, no Chile, se deu, principalmente, no plano político, pautado numa nova dinâmica
assegurar o seu papel de representantes dos trabalhadores, como também puderam aumentar
suas bases e seu prestígio para atuarem como forças proeminentes do processo político
nacional. Isso lhes permitiu assegurar a autonomia política e organizativa das classes
A definição do partido como socialista é tratada como retórica para obter vantagens
39
AGGIO, op. cit., 1999, p. 20-21.
45
mais populares dos anos 30 e quase todos os candidatos tratavam de ter vantagem às
custas desse sentimento. Os líderes do Partido Socialista lutavam para superar a seus
concorrentes comunistas, falangistas [Falange Nacional] e nazistas para reclamar os
símbolos populistas do socialismo e do nacionalismo.40
quais os atores políticos dão sentido às suas ações para colocar em seu lugar “a essência
destilada do analista” (a radiografia que “revela” os interesses reais que ocultaria a retórica)
dessa concepção, é possível afirmar que abordagens, como a realizada por Drake, não foram
socialismo.
períodos de maior ou menor cunho revolucionário, condizente ou não com as teses da teoria
denominação de populista.
político chileno, entre 1932 e 1973, a partir da participação dos partidos marxistas no centro
como as abordagens anteriores, ainda se pautam pelas mesmas categorias com que estes
Ainda que o livro de Faúndez descreva passagens importantes de toda a história dos
dois partidos, com uma minuciosa relação com o movimento comunista internacional, a
abordagem comparativa das suas atuações não permite adentrar com maior profundidade nas
40
DRAKE, op. cit., p. 128.
41
MOULIAN, op. cit., 1983, p. 243.
42
FAÚNDEZ, Julio. Izquierdas y democracia en Chile, 1932-1973. Santiago: Ed. BAT, 1992, p. 88.
46
suas teses acerca da revolução socialista. No entanto, “ambos aceitaram a tese de uma
estes problemas não são devidamente relacionados a uma questão teórico-ideológica mais
política parece estar na raiz de um modo de reflexão que se pergunta por funcionamento e
político”.
realizada por Alberto Aggio. O autor tem como preocupação entender o projeto da via chilena
43
FAÚNDEZ, op. cit., p. 286-287.
44
O autor defende a tese de que, no período em questão, o socialismo se caracterizava por um vazio teórico-
ideológico, que, grosso modo, significa a ausência de uma teorização do caráter concreto e específico da fase
histórica da revolução chilena, e um recurso permanente a um conjunto de categorias que obscureceram a
compreensão daquele processo. No entanto, acreditamos que, ao contrário de um vazio, houve uma importante
formulação teórica e ideológica, carregada de diversos elementos que compunham uma dada leitura daquela
realidade, e que acarretou na formação e predominância de uma determinada cultura política que teve as suas
conseqüências conhecidas. GARRETÓN, Manuel A. Continuidad y ruptura y vacío teórico ideológico. Dos
hipótesis sobre el proceso político chileno. 1970-1973. Revista Mexicana de Sociologia, [s.l], v. 39, n.4, p.
1292, oct./dic. 1977.
47
lugar ocupado pelo projeto da via chilena ao socialismo no seio da esquerda articulada na
Unidade Popular, a partir da compreensão dessa tendência política desde o início da sua
trajetória.
convencionais e consensuais que formavam a sua cultura política. Elementos indicativos das
dificuldades e das limitações da esquerda para consubstanciar a via chilena em uma via
democrática, uma vez que se encontravam assentados muito mais numa visão já cristalizada
do socialismo do que em subsídios fundadores de uma via nova e original para a construção
socialista. E, mais importante, demonstra por meio das discrepâncias internas da UP, os
seguinte excerto:
O socialismo era concebido pela Unidade Popular como uma construção histórica da
classe operária em luta antagônica contra a burguesia, o que implicava, como
solução deste antagonismo, a conquista pela classe operária do poder de Estado para,
em seguida, transformar o seu caráter de classe. Tornando-se classe dominante, a
classe operária procederia à socialização dos meios de produção que, ao lado do
poder operário, criariam as condições para a extinção tanto do Estado como da
sociedade de classes [...]45
Ainda que o objeto central do seu estudo seja o governo da coalizão, a discussão tem
que permitiu à esquerda ocupar o seu espaço na política nacional de forma determinante, bem
do contexto em que estavam inseridas, especialmente, por elegerem como objeto de estudo o
esquerda e com isso, as frustrações daí geradas. Este país vivencia, principalmente, o trauma
45
AGGIO, op. cit., 2002, p. 154.
48
militares.
socialismo. Entender que esta cultura política, a partir de uma determinada concepção acerca
carrega esse “capital histórico acumulado”, desenrolado pelas posturas de sujeitos históricos
marcada pelo encontro de elementos diversos que conformavam a sua cultura política, por
divergências e dissidências que deram origem a outros grupos socialistas. Característica que
marcou a dupla dimensão das suas relações com o sistema político, definida, por vezes, pela
mais presentes no grupo. Esta mudança ocorreu na medida em que ele se distanciava de
muitos pontos das suas teses iniciais, endurecendo em todos os domínios a sua posição,
46
LETELIER, Alfredo J H. El Chile perplejo: del avanzar sin transar al transar sin parar. Santiago: Planeta/
Ariel, 1998, p. 115.
49
sobretudo a partir de 1957, quando se dá a união do Partido Socialista Popular com o Partido
Socialista do Chile, sob a tese da Frente dos Trabalhadores. Este é, sobretudo, um momento
de renovação das suas lideranças, no qual nota-se um gradual predomínio das concepções
confrontacionais.
serve para orientar a ação e para mobilizar vontades. Assim, destaca o autor, entender a
esquerda desse período requer recriar o campo cultural existente, entender os conflitos e
que foi pautada na sua efetiva participação nos rumos políticos do país por meio de alianças e
político chileno, e que, consequentemente, muito contribuíram para uma melhor compreensão
trazer novas elucidações para esta temática que carrega grande significado para a história
Essa nova literatura acerca do período da Unidade Popular, que tem a sua maior
expressão nos trabalhos de Tomás Moulian e Manuel A. Garretón, apresenta uma análise
47
MOULIAN, op. cit., 1993, p. 233-234.
50
periodizada de forma mais ampla e suscita problemas até então não discutidos para refletir
político do país por meio da sua evolução democrática, tendo como centro de análise o
período caracterizado pelo “aprofundamento democrático”. Nesta linha analítica o autor busca
Numa abordagem que abarca o período de 1947 a 1973, Moulian fornece uma rica
análise da estruturação de forças políticas e sociais a partir da hipótese de que a crise estatal
que estoura em 1973 teve uma lenta configuração durante o período de fortalecimento
democrático, inserido entre os anos de 1958 a 1973. Isso se daria devido a desajustes que se
organização do campo das forças políticas.48 Essa bibliografia confere o suporte teórico para
desenvolver com maior clareza o momento que se entende ser o de uma grande polarização
socialista do país.
de uma pauta de representação política das classes dominantes através de partidos do tipo
adquirida pela esquerda através da sua unificação política, em 1956, pautada num forte
transformações políticas e sociais do país, bem como mudanças internas que marcam a
48
MOULIAN, Tomás. Desarrollo político y estado de compromiso. Desajustes y crisis estatal en Chile.
Colección Estudios Cieplan, v. 8, n. 64, p. 105-158, jul. 1982.
51
cristalização de uma cultura política caracterizada pelo anseio de ruptura com uma trajetória
na qual a esquerda havia apostado, desde 1938. Entendemos que a inserção da esquerda no
sistema político institucional é o ponto de partida para a delimitação das disputas entre os
velhos e os novos atores no campo da esquerda, definindo e redefinindo os papéis que esta
acerca das suas origens, bem como do significado dos processos que marcam a sua atuação na
política institucional até o alcance do poder. Este contexto é caracterizado pelo desenlace da
estes trabalhos permitem captar os múltiplos elementos que configuraram a sua identidade,
campo cultural existente, entender esses conflitos e idéias que permitiram germinar no Chile
aquele clima ideológico. Para tanto, o contexto político que conforma o cenário histórico da
nossa pesquisa será abordado no segundo capítulo, que traça um panorama do período que
Para esta abordagem será destacado o novo panorama político, com os novos atores
destacando o espaço ocupado pelo socialismo, bem como os elementos da cultura política
socialista envolvidos nesse contexto. São subsídios que permitem obter uma melhor
Partido Socialista empregadas por seus dirigentes e intelectuais no sentido de conferir uma
preceitos. Após aproximadamente duas décadas de história, numa trajetória construída por
especialmente na sua participação na Frente Popular, permite afirmar que o PS foi uma força
política que contribuiu decisivamente para que a esquerda chilena adentrasse ao sistema
político. Mas é correto afirmar também que esse foi um dos principais motivos das suas crises
tendo como pano de fundo a questão da sua identidade originária e das perspectivas quanto às
identificadas a cada década, pelo impacto que os processos políticos e sociais e as suas
1
XXII Congresso Geral Ordinário de 1967. In: JOBET, Julio César. Historia del Partido Socialista de Chile.
2.ed., Santiago: Ediciones Documentas, 1987, p. 313.
54
a sua germinação num momento de mudança das suas lideranças, que trouxeram consigo a
obsessão pela idéia do atraso, da decadência, de uma crise total daquela sociedade que seria
resolvida somente com a revolução socialista; horizonte que inicialmente se mostra distante,
mas que foi se afirmando de acordo com as conjunturas. É possível identificar a raiz desta
inflexão na década de 1940, a qual se iniciou com a saída de dois dos principais nomes da
intensos debates acerca dos rumos e, especialmente, da identidade do partido, retirou-se para
fundar o Partido Socialista Autêntico (PSA); além de Oscar Schnake, que se tornou
embaixador no México e não retornou mais para a política partidária. Tinha início no PS uma
revisão profunda da sua prática política no intuito de conformar uma nova e determinada
identidade.
partir de um intenso debate estabelecido entre Jobet e Grove, em 1942. Jobet, como um dos
críticas de Jobet seguem o mesmo tom da obra de Mendoza, afirmando que a participação do
burguês”.2
de Juan Antonio Rios, no qual a direção partidária era favorável e enfrentava forte oposição
2
JOBET, op. cit., 1987, p. 162-164.
55
interna, a publicação deste livro com a participação de um representante socialista, além dos
diversos periódicos críticos publicados no período, Grove acentuou ainda mais as disputas
internas. Expulsou alguns dirigentes, proibiu a circulação dos periódicos do partido e, por
momento por sua “obediência” à cultura e às tradições chilenas, e por seus desvios em relação
centrista que, consagrado cada vez mais por um modelo de desenvolvimento, teria “afirmado
partido, que contou ainda com a saída dos denominados “inconformistas” para formar o
Podemos afirmar que começava a se delinear no PS uma postura ruptural que seria
predominante nas décadas seguintes, a partir da afirmação de uma determinada leitura daquela
realidade com elementos que passaram a compor aquela cultura política. Trata-se de uma
postura que visava romper com a trajetória de inserção de projetos reformadores na política
colaboração oficial do partido e, a partir da vitória desta nova liderança, o partido adquiriria
Eugenio Matte e Oscar Schnake, era substituída por uma nova composição liderada por
do partido foi convocada uma Conferência Nacional de Programas, para 1947, cujo programa
foi redigido por Eugenio González, considerado um dos principais intelectuais do PS. O
tema mais controverso no interior do socialismo chileno que vai percorrer toda a sua
trajetória: o tema da democracia. Ainda que fiel à postura classista e à temática da revolução
chileno que concebia a democracia apenas como um “instrumento temporário e útil”, e toda a
González foi um dos poucos dirigentes socialistas a expressar uma visão não-
González, era revolucionário por seus objetivos, por ser anticapitalista e antitotalitário; e seus
meios deveriam ser adequados aos fins perseguidos. Nas palavras de González:
O socialismo é revolucionário. A condição revolucionária do socialismo radica na
natureza mesma do impulso histórico que ele apresenta. Não depende, portanto, dos
meios que ele emprega para conseguir seus fins. Sejam estes quais forem o
socialismo é sempre revolucionário porque se propõe a mudar fundamentalmente as
relações de propriedade e de trabalho, como princípio de uma reconstrução completa
da ordem social. As condições objetivas e subjetivas determinarão em cada país as
características para que se desenvolva o processo revolucionário.3 [tradução nossa]
política que estará presente na ação de Salvador Allende através do projeto da via chilena ao
socialismo. E, ainda que esta linha preconizada por González não tenha sido hegemônica no
interior do socialismo, pode-se afirmar que nos programas posteriores do PS e nas disputas
eleitorais das quais o partido participou, a recorrência a algumas das idéias desta formulação
foi freqüente, especialmente no que se refere aos meios empregados para a revolução
características dessa cultura política que começava a se afirmar. Não obstante a democracia
ter sido para a esquerda chilena o espaço vital para o seu desenvolvimento, na concepção
3
GONZÁLEZ, Eugenio. La Conferencia Nacional de Programas de 1947. In: JOBET, op. cit., 1987, p. 198.
57
classe dominante – era associado ao reconhecimento de virtudes nos agentes sociais que se
4
Cf. SCHILLING, Marcelo. Hacia una crítica de la interpretación histórica de izquierda en Chile. Santiago
de Chile: Vector. Centro de Estúdios Económicos y Sociales, 1984. (Temas Socialistas, n. 2).
5
Devido ao apoio declarado a Carlos Ibáñez, o PSP sofreu uma cisão, da qual o grupo egresso formou o
Movimento de Recuperação Socialista, que, em seguida, uniu-se ao Partido Socialista do Chile. Salvador
Allende também deixou o grupo e concorreu às eleições presidenciais como representante da aliança socialista-
comunista, denominada Frente do Povo, constituída pelo Partido Socialista do Chile, pelo Partido do Trabalho e
pelo Partido Comunista que ainda estava na ilegalidade, e obteve 5,45% dos votos. O ingresso de Allende no
PSCH significou uma modificação da linha política desse grupo, até então fortemente anticomunista.
58
política do socialismo chileno e, especialmente, o forte tom crítico de Ibáñez dirigido aos
partidos políticos se constituíram em elementos atrativos para este setor socialista. É possível
consequentemente, do modelo de alianças empreendido por este grupo até então, e as divisões
Carlos Ibáñez, que já havia governado ditatorialmente o Chile entre os anos de 1927 e 1931.
Para firmar o apoio a Ibáñez, o PSP fez uma série de exigências a serem atendidas no
oposição do partido a toda manifestação de tipo “peronista ou fascista”. Este apoio se desfez
já em 1953 por entenderem os socialistas que a postura do governo não era condizente com as
suas posições através de novos debates internos de textos de seus dirigentes, de análises
movimento operário. Neste início da década de 1950 haveria uma reorganização da política da
Única dos Trabalhadores (CUT), sob controle dos comunistas e socialistas, e os dois partidos
passaram a estruturar uma nova política de alianças, tendo como central o eixo socialista-
comunista; política pautada numa leitura negativa da experiência dos governos de coalizão de
centro-esquerda.
6
AMPUERO, Raul. XVI Congreso General Ordinario. In: JOBET, op. cit., 1987, p. 209.
59
daquela sociedade. É possível indicar que neste contexto começa a se afirmar a sobreposição
da lógica de confronto entre classes sobre a lógica presente nos anos iniciais do partido,
7
JOBET, op. cit., 1987, p. 217.
60
Este passou a ser o ponto central da discussão no interior da esquerda, o caráter das
alianças a serem formadas, numa disputa que envolvia a proposta da Frente dos
Comunista. Para os socialistas, a proposta de uma aliança mais ampla utilizava-se do pretexto
de “não isolar a classe operária”, e passava por cima das fronteiras de classe para beneficiar
aos partidos burgueses. Crítica que era, no entanto, equivocada, já que os comunistas
Estas idéias presentes nos textos de González, Jobet, Ampuero e Oscar Waiss, com
as suas variações, sustentavam que a “tese da revolução por etapas” só era aplicável aos
países capitalistas avançados, que contavam com uma burguesia autônoma e capaz de realizar
América Latina, contavam com burguesias que eram aliadas das oligarquias e do
ampliar a soberania popular e criar as condições para o socialismo. Em 1956, com uma
8
A FRAP era constituída pelos grupos: Partido Socialista Popular, Partido Socialista do Chile e Partido
Democrático Popular, além do, ainda proscrito, Partido Comunista.
61
através da união deste com o Partido Socialista do Chile, sob esta última sigla. O documento
De acordo com Aggio, este processo solidificou o início da nova fase do movimento
da esquerda chilena, bem como do momento que vivia o movimento operário, desde o início
da década. As mudanças na esquerda, ocorridas através da crítica aos rumos adotados nas
com a reunificação do movimento sindical, lutas de massas (greves gerais de 1954, 1955 e
buscar uma composição eleitoral forte para a disputa de 1958.10 Seguindo os pressupostos da
tese da Frente dos Trabalhadores, a FRAP lançou como candidato à Presidência da República,
Salvador Allende, sob a consigna “un camino nuevo, un candidato popular y un programa de
lucha”.11
Trotski concebia a revolução permanente como a única solução possível para realizar
9
JOBET, op. cit., 1987, p. 226-227.
10
AGGIO, op.cit., 2002, p. 89.
11
JOBET, op. cit., 1987, p. 240.
62
avançadas, cujo impacto é traumático, e obriga a sociedade atrasada a adotar novas formas de
produção econômica.
Nesta teoria da revolução permanente, Trotski entendia que deveria se transitar dos
falar das perspectivas, a longo prazo, numa revolução que deve ser definida por seus fins
massas em uma ação política através da qual fosse criada uma estrutura institucional que
correta do Chile, não mostrou avanços nas suas avaliações e projetos políticos. Suas teses
ficaram marcadas por modelos que, ao destacar as especificidades locais, buscou mais
projetos genuínos. Com uma limitada interpretação das particularidades chilenas, suas
difundir essa linha, considerada como um saber teórico já constituído e provado, e absorver as
modificações que, ao ritmo das mudanças históricas, deviam realizar os centros dirigentes do
movimento. Para o autor, esse pode ser apontado como um dos fatores para a primazia
12
Estas idéias estão presentes no seu estudo voltado à compreensão das particularidades da sociedade russa e foi
destinado a pensar também uma teoria da revolução socialista que fosse aplicável às sociedades atrasadas.
Cf. HOBSBAWM, Eric J. (Org.). História do marxismo: o marxismo na época da III Internacional: problemas
da cultura e da ideologia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
63
sociedade e sua fraqueza diante do veto socialista, o que o obrigava a contemporizar com a
visão esquerdista desse grupo, e o seu apego à tradição das análises do PCUS, visão que o
rompimento com o “Estado burguês”, o mais novo elemento da sua cultura política.
Podemos afirmar que estas novas características assumidas pelo PS, nas quais a
importância da ideologia na sua ação adquire contornos cada vez mais decisivos, agiram tanto
como uma força de atração e de mobilização, como acabou se revelando como a fonte da
Esta inflexão política e ideológica do Partido Socialista neste período deriva também da sua
13
MOULIAN, op. cit., 1983, p. 36-38.
64
como em apoio às lutas de libertação nacional, ao longo das décadas de 1950 e 1960, como da
A Iugoslávia se apresentava como o caso ideal para os socialistas, não só por sua
tensões com o Partido Comunista chileno, especialmente depois que a URSS rompeu relações
americano, demonstrava que era possível saltar etapas, questionava a tese da “via pacífica” ao
socialistas, a partir das quais podemos apreender a crescente radicalização do seu discurso
cubana legitimava pressupostos defendidos por dirigentes do grupo, tais como o rompimento
Nas palavras desses membros, esta revolução rompia os “esquemas de unidade nacional, de
14
WALKER, op. cit., p. 48-49.
15
Como resultado dos registros da viagem, além da publicação de diversos artigos sobre o tema, Oscar Waiss
publicou, em 1956, o ensaio Amanecer en Belgrado, pela Prensa Latinoamericana, editorial socialista dedicada
a uma série de produções sobre as questões do subcontinente.
16
CORBALÁN, Salomón. Perspectivas de la Revolución Cubana. Arauco, Santiago, n. 19, p. 5-8, ago. 1961.
65
Ainda que a estratégia da luta armada não tenha sido de fato recorrida no PS e não
tenha sido pensada concretamente como uma via de acesso ao poder por suas lideranças,
tendo impacto sobre uma minoria castrista, a referência ao processo foi utilizada até como
fortalecer a idéia da necessidade de uma revolução socialista para superar o imperialismo, esta
início do impulso de democratização que marcaria a década de 1960 e o início dos anos
setenta. No final da década de 1950, em virtude das dificuldades econômicas pelas quais
passava o país, derivadas da política econômica adotada pelo governo Ibáñez, gerou-se um
Democrático, com exceção da direita, que, dentre outras coisas, revogou a lei que excluía os
comunistas do sistema político. Este período que se abre com reformas políticas foi
extremamente significativo para a esquerda que se mostrou com uma força considerável no
plano parlamentar.
socialistas.
apresentou bastante fragmentado, com quatro candidaturas com potencial de vitória. A direita,
representada por Jorge Alessandri, venceu as eleições com uma proposta de modernização
bastante diversa daquela empreendida pela FP. Visando um “governo próprio”, no qual se
17
AGGIO, op. cit., 2002, p. 91-92.
66
democracia pluralista que se acendia novamente, um momento que abriu espaço para
ciclo dos governos Radicais e da fase de “democracia restrita”, o Chile conheceu, na década
de 1960, processos que afetariam fortemente o sistema político. Observa-se uma imensa
partidário que havia se iniciado na década anterior, assim como a chamada fase das
fortalecimento da esquerda.
converterá numa alternativa real de mudança do país, a partir da expansão da sua ideologia
revolução, para apresentar-se como a única alternativa que, por sua radicalidade, podia
superar o capitalismo, mas que se mostraria incapaz de propor uma alternativa política viável
dentro daquelas condições políticas e sociais. Suas postulações se prenderam mais à busca
pela fórmula para aplicar a revolução do que com a análise teórica da história e das condições
um padrão de institucionalização dos conflitos, e que teve, além dos setores populares, as
classes médias como atores centrais nos processos decisórios da política nacional. Este,
portanto, é o socialismo que devemos ter em mente para compreender a dinâmica política
67
desenhada nos anos sessenta, marcada pela forte polarização, que além do fortalecimento da
esquerda nacional, assistirá a emergência de uma nova e forte opção política centrista.
político chileno que iria prevalecer, em linhas gerais, até a quebra do regime democrático, em
sistema partidário é o que se denomina como uma forte polarização tripartida configurada
com a esquerda unificada, a direita e um novo centro político com grande capacidade
afirmar que o acontecimento político de maior importância desse período foi a emergência
desta força de centro ideologizado, que modificaria o caráter do sistema político prevalecente
desde o final dos anos trinta, cujo funcionamento se dava com um centro mais pragmático e
1960 estava profundamente caracterizada pelo auge das tendências de “alternativas globais”
Revolução Cubana.
No âmbito interno, pela aposta no fim dos compromissos característicos das décadas
com mudanças estruturais, propiciada pelo centro ligado à proposta da Aliança para o
18
MOULIAN, op. cit., 1993, p. 183.
68
politicamente forte, após as vitórias no plano parlamentar. Por outro lado, este período
centro político, bem como a vitória da direita nas eleições presidenciais, conquistada,
antiimperialistas, e do momento político do país, em que o centro ainda não aparecia como a
principal força de disputa com a esquerda, como se apresentaria no pleito seguinte, e das
Os socialistas, por sua vez, negavam-se a participar de alianças estáveis com forças
partido vivia um momento de completa afirmação dos novos princípios que o regiam. Mesmo
esquerda se intensificou, através de discussões acerca da sua identidade, lideradas por nomes
especialmente na esquerda, mas também no centro emergente. E não era somente no Chile
daquele modelo capitalista na América Latina, tanto mais quando começou a impor-se um
“socialismo ou fascismo”.19
19
CORREA; FIGUEROA, op. cit., p.210.
69
linha de alianças para o poder, o que era impulsionado pelas expectativas de vencer as
eleições de 1964, devido aos bons resultados obtidos no último pleito, no qual Allende obteve
partir da dura política econômica aplicada no governo Alessandri, devido a qual contava com
Mas, ao mesmo tempo, foi essa expectativa de vitória que permitiu a manutenção da aliança
entre comunistas e socialistas, e a redução das crises que esses partidos enfrentaram durante a
Socialista, ocorrida entre 1965 e 1970. Mantém-se, desde 1958, o debate ideológico acerca do
“trânsito não violento” ou sobre a transição institucional, realizada pelos comunistas. O outro
Por outro lado, o novo grupo do centro político, o Partido Democrata Cristão,
liderança, Eduardo Frei. Ele se mostrou um tipo de político com capacidade de formular
projetos que pareciam realizáveis, que abarcavam idéias concretas, capazes de atingir
mudanças profundas nas estruturas do país, com uma orientação moderada e democrática.
Todos esses elementos são considerados decisivos na ascensão política da DC. A origem
deste grupo localiza-se essencialmente a partir da Falange Nacional, partido que participou de
diversos governos, bem como de uma geração do catolicismo chileno integrada à política20
Este partido utilizou-se das novas tendências de análise elaboradas pela CEPAL e
pelos intelectuais que partilhavam das suas idéias. A DC tornou-se porta-voz dos enfoques
20
A Falange Nacional originou-se de um grupo dissidente do Partido Conservador, no final da década de 1930, e
veio a compor a base do Partido Democrata Cristão nos anos cinqüenta. Cf. AGGIO, op. cit, 2002, p. 98
70
dos aspectos rupturais no programa da Democracia Cristã demonstrou que seu projeto
fixados pelos interesses das classes dominantes. A DC mostrava-se como uma força
autônoma, diferente da postura pragmática e flexível para migrar para um ou outro extremo
do sistema político da principal força de centro até aquele momento, o Partido Radical.21
uma maior promoção popular, destinadas a impulsionar a organização dos setores populares e
principalmente pelo enfrentamento com interesses das classes dominantes, como a reforma
bancária e urbana.
O contexto político mundial também teria sido um dos fatores importantes para a
ascensão desse novo centro político. Tratava-se de um contexto marcado pela ânsia da
classes dominantes, pela necessidade de políticas de integração que evitassem que as classes
“filosofia política” que estabelecia o ideal de uma “nova cristandade”, a partir da qual
começou a ser aplicado em alguns setores uma nova pastoral de aproximação dos operários,
marxismo.22
Além disso, a expectativa criada em torno da ascensão de John Kennedy, nos EUA,
em 1961, com a sua nova política para a América Latina, pautada no auxílio ao
uma resposta ao desafio cubano, foi igualmente favorável à projeção da imagem progressista,
21
MOULIAN, op. cit., 1982, p. 136.
22
MOULIAN, op. cit., 1993, p. 128.
71
imagem alternativista ao se apresentar como uma força autônoma, isolada, e com a pretensão
política, o seu programa propunha grandes transformações como uma etapa na construção do
características do projeto alternativo: uma que propunha um projeto sem filiação com nenhum
diferente dos socialismos históricos, mas que também buscava substituir a propriedade
privada dos meios de produção, denominado socialismo comunitário. A disputa entre os dois
partir de 1967.23
Outra característica importante deste centro político emergente diz respeito a sua
setores médios, caracterizou-se como um partido policlassista, num leque que abarcava desde
capacidade de articular setores operários ficou evidente com a sua forte presença na CUT,
onde obteve a primeira maioria entre os partidos (considerados individualmente) nas eleições
gerais.
e de pequenos proprietários. De acordo com Moulian, esta penetração nos setores populares
23
MOULIAN, op. cit., 1982, p. 138.
72
pela Democracia Cristã, que impedia a unificação destes em torno da esquerda, pode ser
compreendida, entre outros fatores, por consistir numa organização do campo católico, por
antimarxistas, por ideologia ou por experiências negativas em suas relações com os partidos
divulgar suas concepções, com a utilização de aparatos culturais que, segundo o autor, podia
comparar-se com a dos partidos marxistas, o que foi um elemento primordial no seu êxito
político.24
esquerda, como se anunciou na eleição anterior. Mesmo ciente de que a Democracia Cristã
não cederia espaços decisórios no seu programa, nem num possível governo, defensivamente,
a direita renunciou à candidatura própria, entendendo que o quadro político tripartido daria a
possibilidade de vitória à esquerda, como ocorreu numa eleição complementar para deputado
na província de Curicó, ao sul do Chile. Dessa forma, a Democracia Cristã se mostrava como
inteiramente compatível com o clima cultural da época, combinando mudanças sociais com
modernização e democracia política, pode-se afirmar que o declínio da direita teve estreita
relação com as suas debilidades ideológicas para captar os anseios de uma época,
24
Exemplo desse empreendimento foi a fundação, em 1944, pela Falange Nacional, da Editorial do Pacífico,
complementada por uma livraria, através das quais publicou e difundiu livros doutrinários e políticos de autores
nacionais e da vanguarda católica francesa da época. Além da publicação, desde 1945, da Revista Política y
Espiritu. MOULIAN, op. cit., 1982, p. 139.
73
conseguir pactos com a esquerda, mas sim para canalizar o voto popular sem renunciar a sua
posição policlassista; tratava-se de um centro que visava substituir aquela esquerda, sendo
popular. Além disso, não havia mais condições ideológicas, especialmente do lado socialista,
que permitissem acordos entre centro e esquerda. Essas táticas da Democracia Cristã podem
ser encaradas como importantes fatores para gerar a dinâmica de radicalização e os efeitos
sobre o sistema político chileno que viriam a se aprofundar ao longo do governo da Unidade
Popular.
A esquerda, por sua vez, via-se ameaçada pelo discurso revolucionário da DC, antes
e depois da conquista do governo pelo centro. Buscou assim, mobilizar-se para reafirmar a
ainda mais às referências ao processo cubano. Esse processo de radicalização com as suas
referências a elementos externos pode ser claramente identificado em um dos principais meios
de comunicação do PS, a revista Arauco, que começou a ser editada exatamente em 1959.
afirmou: “aparece esta revista em um momento em que o eco da revolução cubana agita e
induzir o eleitor a escolher entre uma opção democrática e outra totalitária; era dirigida
especialmente às mulheres, com forte apelo emocional, evocando aos perigos que poderia
25
WALKER, op. cit., p. 51.
74
destacou a sua convicção de que o socialismo era uma intensificação da democracia e não
uma alternativa à mesma. Allende acrescentou que a revolução chilena não seria como a
cubana, que não havia a pretensão de levar a cabo a instauração de um regime marxista, mas
tese defendida por Allende conseguiu impor-se. O encontro, portanto, descartava a via
insurrecional e foi, posteriormente, criticado pelo partido, especialmente por Jobet, para quem
este foi um período de refluxo da luta socialista. Esse momento também registrou a saída de
democracia do país:
Ao povo do Chile: o socialismo, usando as regras do jogo de uma democracia
formalista e tradicional, busca fazer as mudanças reais que abram a perspectiva para
a construção de uma sociedade mais justa. Um caminho legal, mas revolucionário,
porque alterará as estruturas básicas em que se cimentam nossas relações de
produção. Sabemos que o socialismo é um processo. Queremos chegar ao
socialismo, mas não buscando o caminho brusco e violento.29 [tradução nossa]
Nesta eleição, com amplo apoio da população, da Igreja, da direita, e dos EUA,
Eduardo Frei venceu as eleições com 56% dos votos, contra 39% de Allende. Essa ascensão
principalmente, do Partido Socialista. Podemos destacar três razões principais para esta
progressista, fazia parte dos planos dos Estados Unidos para a América Latina, e a outra cara
26
CORREA; FIGUEROA, op. cit., p. 242-243.
27
WALKER, op. cit., p. 56-57.
28
O MIR foi o grupo que mais expressou a defesa da ruptura revolucionária, e atuou constantemente fora do
sistema institucional, recorrendo à violência política como forma de atuação, principalmente, durante o governo
da UP.
29
PARTIDO SOCIALISTA DE CHILE. XX Congreso General. Arauco, n. 52, maio, 1964.
75
do imperialismo; o fato de a DC ter arrebatado da esquerda boa parte das suas bandeiras de
luta; e a DC ter ocupado o centro político de modo excludente, o que contribuiu para uma
em 1965:
[...] temos que enfrentar, pela primeira vez, um governo que, com objetivos distintos
dos nossos, mobiliza o povo com um programa que em muitos aspectos é o nosso
programa. [...] A resposta à impotência da burguesia para resolver as contradições da
nossa estrutura econômica e de dependência do imperialismo é a transformação
revolucionária do regime atual pela classe operária convertida em classe governante
[...] Dentro dessa perspectiva, as tarefas presentes dos partidos de vanguarda são,
por um lado, a reconquista das massas, enfrentando o partido do governo com
soluções revolucionárias que estabeleçam a alternativa: Democracia Cristã Burguesa
ou Socialismo; e por outro, impulsionar a luta do povo de seu nível atual – de
relativa confiança no governo –, até uma saída revolucionária que culmine com a
tomada do poder.30
acentuar ainda mais as suas posições e diferenciar seu perfil “revolucionário” da característica
“reformista” da Democracia Cristã. Naquele momento, para o PS, havia que se demonstrar
que o Partido Democrata Cristão representava uma linha de continuidade com o passado e
com interesses de classe não distintos da direita. Além de retornar com força o debate acerca
A derrota nas eleições foi encarada de distintas maneiras entre os grupos que
socialista não foi capaz de captar amplos setores da classe trabalhadora, e propunham ampliar
sua base popular, atraindo os setores progressistas e as bases políticas do centro. Para os
comunistas, a aliança não deveria se restringir aos dois partidos da esquerda. Diferentemente
demonstrava ser uma ilusão esperar que os trabalhadores chegassem ao poder através do voto.
30
XXI Congreso General do PSCH. In: JOBET, op. cit., 1987, p. 295-296.
31
Esta proposição do PC se aproximava da tese do PCUS de que na América Latina a transição ao socialismo
implicava a construção de um Estado Nacional Democrático, sendo que a sua conquista não dependia do papel
de vanguarda dos PCs, mas sim das forças progressistas da nação. Ver: AGGIO, op. cit., 2002, p. 106.
76
No entanto, após intensos debates internos, a direção do PS concluiu que todas as formas de
luta seriam adotadas com objetivos revolucionários, e que era um “falso dilema estabelecer a
acerca da democracia. Em texto redigido pelo dirigente Adonis Sepúlveda, aprovou-se o texto
socialismo no Chile, linha que foi confirmada nos Congressos de Linares, em 1965, e de
Chillán, em 1967, como efeito da ameaça democrata cristã sentida pelos socialistas. O
estavam dadas, e que o problema residia nas “condições subjetivas”. Era necessário preparar o
ideológico socialista como algo fixo e acabado, como um conjunto de leis universais, numa
A forte liderança política de Salvador Allende seria decisiva nos rumos do partido
nos anos seguintes. De acordo com Aggio, Allende não ocupava nenhum cargo expressivo na
direção partidária naquele momento, sendo-lhe negado até mesmo a sua inclusão no Comitê
32
JOBET, op. cit., 1987, p. 297.
33
Em 1969, Raul Ampuero, um dos defensores da tese insurrecional, teceu duras críticas aos comunistas e a
Allende, denominando-os de eleitoreiros; além de acusar o Comitê Central de abolir a democracia interna. O
dirigente havia sido expulso do partido, em 1967, possivelmente, por disputas pela liderança. Suas críticas estão
no seu livro La izquierda en punto muerto de 1969.
77
Central do partido no congresso de 1967, já que se posicionava contra as teses do seu partido.
No entanto, seu nome foi indicado novamente como candidato à Presidência em 1970.
Esta resolução se deu numa reunião plenária ocorrida em junho de 1969, na qual a
temática principal era a eleição presidencial, e se destacaram nos debates as figuras de Carlos
outro, Salvador Allende, defensor de uma nova política popular e de ampliação da aliança. Os
“Frente Revolucionária”.
indicação do candidato pelo PS, em agosto de 1969, Allende obteve 31 dos 34 votos
e do caráter das alianças políticas; aprovando-se o rechaço à “via pacífica”, uma conduta
Nesse contexto, o PC preferiu apoiar o candidato do Partido Radical, Alberto Baltra, já que o
choque entre as concepções da Frente de Libertação Nacional com a Frente dos Trabalhadores
não cessava.
para a constituição da Unidade Popular, que incluiu, além dos partidos Socialista e
Comunista, o Partido Radical, que vivia uma viragem à esquerda, e o Movimento de Ação
Popular Unitário (MAPU), grupo egresso da Democracia Cristã, em 1969. Mas, se houve uma
mais além”, foi imposto pelos socialistas com a idéia de que o futuro do governo da UP
deveria ter como tarefa o início da construção do socialismo. Essa radicalização do discurso
socialista se inseriu num quadro político-eleitoral que evidenciava a divisão do país em três
78
alternativas globais.34
cristão. Ainda que tenha conseguido manter um terço do eleitorado, o partido já dava sinais de
queda nas eleições parlamentares de 1969. Isto se deve também a cisões internas decorrentes
governo.
impulso à industrialização, mas que, de acordo com Aggio, mostrou-se bastante tímida em
relação à adoção de novas formas de gestão e de propriedade. Nota-se, portanto, um eco dos
No aspecto político, o resultado desse governo foi uma fragmentação partidária que
resultou na citada polarização, especialmente devido a uma nova dinâmica adotada pela
Democracia Cristã, com ênfase no tom ruptural e alternativo que contraditava com o padrão
de convivência política construído pelo radicalismo nos anos quarenta, não conseguindo
impor-se como um modelo político estável. Se, por um lado, essa postura impossibilitava uma
aproximação com a esquerda, a qual visava substituir no campo popular, por outro, os
desdobramentos políticos da reforma agrária frente a direita ficaram insustentáveis para a DC,
visto que este tema afetava o núcleo político histórico da classe dominante.
Ação Nacional, uma pequena organização que passaria a ter grande influência no discurso da
direita. Com essa nova formação, operou-se tanto uma renovação da elite política de direita
no Chile como uma mudança no seu modo de fazer política, que passaria de uma estrutura
34
Cf. AGGIO, op. cit., 2002.
35
Ibidem, p. 102.
79
típica dos partidos de notáveis da direita tradicional, para um partido de militantes, com forte
representada por Jorge Alessandri, que evidenciava a “alternativa global” da direita, numa
36
AGGIO, op. cit., 2002, p. 102.
37
O número de trabalhadores sindicalizados teria chegado a 550.000, em 1970, representando aproximadamente
20% da força de trabalho; organizou-se ainda cerca de 20.000 núcleos de base. Ver: FAÚNDEZ, op. cit., p. 158.
38
Ibidem, p. 160
80
No entanto, entendemos que neste período havia uma crise parcial naquela
sociedade, pois o regime político não se encontrava em crise e mantinha a sua legitimidade.
Este era um espaço considerado pelas forças e classes em disputa como um âmbito que
permitia a concorrência pelo poder para a realização dos seus projetos.
As urgências pelas transformações globais suscitadas na década de 1960 foram
resultado das propostas impulsionadas no mundo político, institucional e intelectual, mas
também como uma resposta, dentro daquele campo cultural, às mudanças sociais que vinham
se produzindo desde meados do século. Mudanças, como o grande crescimento demográfico
sustentado numa progressiva migração do mundo rural para as cidades, com o conseqüente
surgimento de uma nova marginalidade urbana, além da incorporação de sujeitos até então
excluídos da participação, como os camponeses e as mulheres, massa que passou a constituir
um novo elemento de pressão.
Além desse quadro social, a tripartição de forças foi um fator decisivo para a vitória
eleitoral de Allende, que obteve 36,2% dos votos, contra 34,9% do Partido Nacional,
representado por Jorge Alessandri, e 27,8% de Radomiro Tomic, da Democracia Cristã. É
39
CORREA; FIGUEROA, op. cit, p.256.
81
importante considerar que, ainda que a UP tenha vencido por uma margem pequena, mais de
dois terços do eleitorado optaram por representantes de projetos de reformas profundas.
Ainda que o presente trabalho não vise tratar detalhadamente o governo da esquerda,
representada na Unidade Popular, é necessário discutir, ainda que de maneira geral, as
características desse governo, suas propostas e, principalmente, a dinâmica política do
período, de maneira a captar os resultados dos debates empreendidos pelos principais sujeitos
políticos.
O programa da UP visava a construção do socialismo nos marcos da
institucionalidade, por meio de amplas transformações estruturais naquela sociedade, e se
baseava numa forte crítica às experiências reformistas do país, especialmente da Democracia
Cristã, reclamando um plano de ação mais profundo, para substituir a estrutura econômica
dominante. Era um pressuposto que esse processo requeria uma etapa de transição, na qual o
Estado, intervindo de forma direta na economia iria realizar as transformações destinadas à
socialização dos meios de produção.
Neste âmbito o programa visava separar setores da economia em áreas de gestão
diferenciada em Área de Propriedade Social (APS), que seria controlada pelo Estado, incluiria
setores da grande mineração, os monopólios industriais estratégicos, o comércio exterior, os
bancos e as grandes empresas dos setores-chave de distribuição, energia e transporte; Área de
Propriedade Privada, constituída por empresas médias e pequenas; e a Área de Propriedade
Mista, estabelecida em alguns setores tecnologicamente avançados de produção, na qual o
Estado e o capital privado formariam empresas conjuntas. A aceleração da reforma agrária e a
ampliação do seu alcance, com o fim de integrar completamente os trabalhadores agrícolas,
bem como o setor agrícola ao restante da economia, também constituía um dos principais
pontos do programa.
Para conseguir aplicar seus projetos, a UP se apoiaria na força e na flexibilidade das
instituições políticas existentes. Dessa forma, as mudanças estruturais se realizariam mediante
reformas constitucionais e legais e, em último caso, através de plebiscito. No seu programa,
um dos temas que era consenso dizia respeito à participação popular, mas que não apresentava
um projeto definido que apresentasse a maneira como se daria essa participação. Esse tema se
inseria nas questões que envolviam a etapa de transição, como o seu caráter, a sua duração e o
82
40
As concepções acerca da “inevitabilidade do conflito”, do dirigente socialista Carlos Altamirano, secretário
geral do partido durante o governo da UP, estão expostas no seu livro: Dialética de uma derrota: Chile 1970-
1973. São Paulo: Brasiliense, 1979.
41
JOBET, Julio César; ROJAS, Alejandro Chelén. Pensamiento teórico y político del Partido Socialista de
Chile. Santiago: Ed. Quimantu, 1972, p. 7.
83
42
GARRETÓN, op. cit., 1983, p. 1301.
43
ALTAMIRANO, Carlos. El Partido Socialista y la Revolución Chilena. In: JOBET; ROJAS, op. cit., 1972, p.
337.
84
então, refletiam seu opressor regime social. Segundo Allende, as normas jurídicas e as
técnicas ordenadoras das relações sociais entre os chilenos respondiam às exigências do
sistema capitalista. Assim, no regime de transição ao socialismo as normas jurídicas iriam
responder às necessidades do povo para a edificação da nova sociedade. A conquista do poder
popular é traçada como uma meta:
Legalidade haverá. Que à legalidade capitalista suceda a legalidade socialista
conforme as transformações socioeconômicas que estamos implantando, sem que
uma fratura violenta da juridicidade abra as portas a arbitrariedades e excessos que,
responsavelmente, queremos evitar. [...] a construção do novo regime social
encontra na base, no povo, seu ator e seu juiz. Ao Estado corresponde orientar,
organizar e dirigir, mas de nenhuma maneira substituir a vontade o povo. Tanto no
econômico como no político os próprios trabalhadores devem deter o poder de
decidir. Consegui-lo será o triunfo da revolução.44 [tradução nossa]
44
ALLENDE, Salvador. La via chilena hacia el socialismo. In: JOBET; ROJAS, op. cit., 1972, p. 498.
45
JOBET, Julio César. Principios de ordens politico del Partido Socialista de Chile (1964). In: JOBET; ROJAS,
op. cit., 1972, p. 476.
85
à política seguida pelo governo central através da instituição de um duplo poder. Essa
Assembléia teve sérias repercussões políticas para o governo, já que Concepción era a terceira
maior cidade industrial do país, e agrupava uma quantidade importante de operários que
apoiavam tradicionalmente aos partidos Comunista e Socialista. A cidade que também
abrigava a sede regional do MIR consistia, desde a década anterior, no foco de uma atividade
extremista levada a cabo por camponeses, operários e estudantes.
Allende e o PC condenaram a ação. O presidente enviou uma carta aos partidos da
coalizão, exigindo apoio ao governo e, recordando-lhes que o poder popular não seria
alcançado mediante táticas divisionistas baseadas em uma “visão romântica e pouco realista
da situação”. O PS se comprometeu a apoiar o governo, mas negou-se a condenar os membros
da regional de Concepción, sugerindo que não estava em total desacordo com as idéias
colocadas na Assembléia.46
Allende não conseguia encontrar respaldo para a via chilena no próprio partido e nos
círculos intelectuais da esquerda, para os quais o problema residia em saber como se passaria
do governo popular para o poder popular. Ainda que não possamos apontar os socialistas
como oposicionistas ao governo, esta ambígua posição não só contribuiu para dar
credibilidade às acusações dos opositores, de que o governo estava comprometido com
posições extremistas para levar a cabo a ditadura do proletariado, mas contribuiu também para
debilitar a eficácia da ação governativa.
O constante embate no seio do Partido Socialista entre as propostas de transformação
atravessou a sua história e veio a permear o governo da Unidade Popular (1970-1973), que
viveu o desacerto entre um programa de transformações implementado e o radicalismo da sua
esquerda, orientado em grande parte pelos supostos ideológicos da sua intelectualidade,
disposta a ver o período como a ante-sala do socialismo; dificultando a manutenção de uma
direção única por parte do governo.47
A esquerda chilena de 1969 era diferente daquela de 1938 que fez parte da coalizão
com o centro. Ao contrário, parte dessa esquerda tinha como principal característica a
obsessão pela idéia da necessidade de “superação do reformismo”, rechaçando assim, a
46
FAÚNDEZ, op. cit., p. 240.
47
AGGIO, op. cit., 2002, p. 24-25.
86
concepção acerca do socialismo que não fosse insurrecional. Além disso, o movimento
mostrou-se incapaz de apreender novas expressões democráticas nas mobilizações de parte
daquela sociedade, uma vez que seus membros estavam pautados em concepções do
vanguardismo leninista e do socialismo como tomada do poder. Esta última é uma expressão
das contradições vividas no interior da UP: “tornar-se governo e continuar perseguindo a
construção socialista como uma ruptura revolucionária”.48
Durante o governo da UP a pressão para uma aceleração do processo revolucionário
se tornou o ponto crucial do debate político da esquerda, como podemos observar no excerto
seguinte que explicita as colocações dessa tendência dos dirigentes socialistas:
A contradição entre as forças crescentes das massas e o poder da burguesia define
esta etapa como um período essencialmente transitório. Nosso objetivo, portanto,
deve ser de afirmar o governo, dinamizar a ação das massas, afastar a resistência dos
inimigos e converter o processo atual em uma marcha irreversível para o
socialismo.49 [tradução nossa]
48
Cf. AGGIO, Alberto. Experiência chilena e via chilena ao socialismo: um estudo crítico da cultura política da
Unidade Popular no Chile (1970-1973). Revista de História, São Paulo, n.11, p. 57-76, 1992.
49
Resolución política Congreso de La Serena. (jan. 1971). In: JOBET, Julio César. El Partido Socialista de
Chile. Santiago: PLA, 1971, p. 183.
87
mais força as divisões internas da UP, encobertas enquanto o governo deteve a iniciativa
política, e entre algumas forças internas e o governo, evidenciava-se um desacerto.50
No ano de 1972, o cenário era de confrontação ceda vez mais aberta no país. As
situações de explosão da violência multiplicavam-se, afetando seriamente o padrão de
institucionalização dos conflitos, que havia sido uma tônica do desenvolvimento político
chileno e que tinha permitido a posse de Allende e uma relativa estabilidade no primeiro ano
de governo. A chamada crise de outubro é a maior expressão da ofensiva da oposição. O país
viveu uma paralisia quase total das suas atividades, demonstrando um alto grau de
organização e mobilização das organizações patronais e da classe média, em contestação
aberta ao governo.51
Este foi um dos poucos momentos em que a esquerda conseguiu superar suas
divisões, apelando à iniciativa das massas e a sua organização em apoio ao governo, no
sentido de assegurar-lhe legitimidade. Nesse contexto, os Cordões Industriais, Comandos
Comunais e outras organizações populares, além da CUT, converteram-se no centro de apoio
ao governo, que confiou neles para manter a produção e assegurar o abastecimento regular.
Ao final de 1972, restavam poucas alternativas para Allende dar continuidade a sua
estratégia, especialmente diante da impossibilidade de acordo com o centro político. Os
encaminhamentos da UP, visando aprofundar a implementação do seu programa como forma
de garantir a sua unidade orgânica, mantiveram o clima de polarização.52
A organização e a mobilização da classe média demonstraram que as sucessivas
ações da esquerda e dos setores populares através de ocupações, as intervenções diretas do
governo em diversas áreas da economia, os problemas de desabastecimento, bem como as
freqüentes greves e conflitos violentos geraram uma grande insegurança em setores daquela
sociedade. Insatisfação que foi canalizada pela direita como um fator de afirmação da sua
estratégia.
O papel que havia sido desempenhado pela classe média nas políticas pendulares dos
Radicais encontrava cada vez menos espaço, sendo que as ações da UP eram dirigidas no
50
AGGIO, op. cit., 2002, p. 128.
51
Ibidem, p. 137.
52
Ibidem, p. 141.
88
sentido de rejeitar a sua continuidade. Além disso, o elemento popular afirmado pela UP
afrontava a identidade desse setor, como destacam Garretón e Moulian:
O elemento obrerista do discurso da Unidade Popular, sua reivindicação do povo
como sujeito da política não era compatível nem com o elitismo das camadas médias
[...] nem com a sua luta permanente para defender as fronteiras que deviam separar
as camadas médias dos operários e do povo; nem com a sua ideologia meritocrática
e a sua convicção de que a condição social de cada um refletia sua capacidade, sua
disciplina ou sua laboriosidade.53 [grifos do autor] [tradução nossa]
53
GARRETÓN, M. Antonio; MOULIAN, Tomás. La unidad popular y el conflito político en Chile. Santiago:
Ediciones Minga, 1983, p. 100.
89
na formulação de projetos políticos para seus países ou para o subcontinente como um todo.
partir das suas perspectivas teóricas. A atuação intelectual e política de Julio César Jobet se
estabilidade política e a questão social do país. Foram debates que se ampliaram de acordo
esquerda pós-1917.
como um dos seus principais fatores a atuação dos seus intelectuais na realização de uma
quarenta.
O Chile é um país que se destaca pela constante atuação dos seus teóricos na esfera
política e, principalmente, no movimento socialista, que conferia especial espaço aos seus
intelectuais na organização e difusão das idéias e debates políticos. Como afirma Jocelyn-
Holt, a este protagonismo se deve, dentre outras questões, o diagnóstico crítico da sociedade
1
RICUPERO, Bernardo. Caio Prado Jr. e a nacionalização do marxismo no Brasil. São Paulo: Editora 34,
2000.p. 26.
92
ideológica, a crítica às instituições públicas, que passaram a ser vistas como obstáculos
Buscamos indicar até aqui, em meio às inflexões ideológicas que marcaram a política
chilena, as atuações dos principais intelectuais socialistas representantes dessa nova fase do
socialismo chileno. Nomes como o de Oscar Waiss, Alejandro Chelén, Raul Ampuero e Julio
César Jobet, bem como as orientações que buscaram imprimir nas ações do Partido Socialista,
no intuito de demonstrar que a sua participação teve influência direta nessa mudança de
seus trabalhos nas diversas comissões internas tinham forte peso. Além disso, esses
CEPAL e a Universidade do Chile, bem como em grupos de pressão daquela sociedade, como
partido, dividido em núcleos, cujo objetivo era o de formação política das suas bases. As
Dentre esses intelectuais, Julio César Jobet merece destaque devido a sua vasta
produção, tanto historiográfica, como política. Não por acaso, Jobet é reconhecidamente uma
2
LETELIER, Alfredo J H. Os intelectuais-políticos chilenos: um caso equivocado de protagonismo contínuo: os
intelectuais e a política na América Latina. Cadernos Adenauer, Rio de Janeiro, ano 4, n. 5, p. 65-97, 2003, p.
66.
3
GIL, Federico. El sistema político de Chile. Santiago: Ed. Andrés Bello, 1969, p. 310.
4
SARGET, op. cit., p. 94.
93
seus trabalhos os princípios e categorias que orientaram este processo de busca de uma nova
contexto do final dos anos cinqüenta. A historiografia identifica nesse período, em setores da
possibilidades de mudança no tipo de dinâmica política baseada nos pactos e na sua real
A década de 1950 marcaria o colapso do modelo político que governou o país desde
os anos trinta, caracterizada por políticas de coalizão durante os governos radicais (Partido
Radical), que favoreciam acordos entre as diferentes tendências políticas. Tratava-se então de
desenvolvimento com pautas integradoras no plano social, no qual o Estado assumia o seu
papel central; elementos que constituíam o que havia de essencial na particularidade chilena.5
Conforme indicamos no capítulo anterior, a década de 1950 foi marcada pela nova
configuração que passou a adquirir o sistema político chileno, na qual o sistema institucional
sofreu alterações devido à nova postura assumida pelos partidos políticos e, ao mesmo tempo,
pela busca de novas alternativas distintas da prática de acordos políticos, vivenciada desde a
década de 1930.
aceitação da idéia de que a sociedade chilena necessitava passar por mudanças profundas.
Nesse sentido, a esquerda assumia uma oposição aberta ao governo e ao seu “reformismo”,
5
AGGIO, op. cit., 2002, p. 155.
94
chileno. 6
debates e das formulações teóricas e políticas que viriam a animar os grupos de esquerda nos
próximos anos. As obras do economista Aníbal Pinto, Chile, un caso de desarrollo frustrado,
publicada em 1960, são trabalhos que se tornaram referência para a esquerda e para os
seria interpretada pela esquerda como uma manifestação antiimperialista e pelo centro como
superestrutura havia se tornado insustentável no contexto de crise social que vivia o país, o
del desarrollo económico social de Chile, de Jobet, publicada em 1951. Esta publicação teve
grande repercussão porque além de resgatar temas da denominada “questão social” e seus
principais autores e momentos das lutas operárias, o trabalho teceu duras críticas à ordem
colonizada e dependente, como herança da sua formação histórica é reforçada e dá o tom das
Nacional e Continental.
estruturas daquele país e ao alcance da democracia, sem propor um novo tipo de compromisso
sociedade. O que veremos adiante é que Jobet propôs um projeto político de legitimação de
esquerda mundial, abstraindo-se da realidade política do seu país e das exigências que aquela
Como um historiador marxista vinculado a um partido político, uma das questões que
Como historiador, Jobet concebeu os fatos do passado e buscou as origens das questões que o
proposta para o projeto socialista que se tornou uma das linhas de maior expressividade nesse
análise, esses novos intelectuais assimilaram o marxismo como concepção de mundo e forma
movimento socialista. Seu trabalho veio representar uma proposta de ruptura com a
historiografia predominante.
não é uma tarefa muito difícil, já que o historiador, como um marxista e dirigente partidário,
evidenciou em seus escritos que o trabalho teórico serve de ferramenta para a atividade
política e social. Entendia que o historiador é um homem de uma época e de uma classe social
determinada, portanto, influenciado pelas paixões e anseios de classe.8 Cabe destacar que
8
JOBET, op. cit., 1951, p. 14.
96
trabalho anterior9, visando discutir mais o seu protagonismo político. Dessa forma,
período da colonização até o momento vivido pelo historiador. É possível observar que seu
caráter da colonização do país realizada pela Espanha e que delineou a estrutura política,
Espanha e Portugal viviam uma transição para o sistema capitalista no âmbito econômico,
mas permaneciam com traços feudais nas relações políticas e sociais. O mais importante para
o presente trabalho é que Jobet realiza uma análise das questões do seu tempo buscando
estabelecer sua relação com a formação histórica nacional, realizada a partir da análise do
nexo colônia-nação.
naquela sociedade. Podemos afirmar que Jobet não foi capaz de transcender idéias que já se
mostravam questionáveis por outros intelectuais, como Caio Prado Jr e André Gunder Frank.
como um modo de produção específico, Caio Prado Jr indicou como aspecto fundamental da
colonização o peso dos fatores externos na formação da sociedade. Dessa forma, ele superou
intuito de demonstrar autonomia, como afirmou o próprio autor, e realizou uma miscelânea
9
CURY, Márcia Carolina de O. Entre o passado e o futuro: a análise da história chilena e o projeto
socialista de Julio César Jobet. Trabalho de Conclusão de Curso (História). Franca: UNESP, 2004.
97
motivação idealista de estender a civilização cristã. Historiadores como Diego Barros Arana,
Francisco A Encina, Alberto Edwards e Jose Toribio Medina são alguns dos principais nomes
da superioridade branca. Para eles, o sangue espanhol teria se concentrado nas altas classes
sociais, o que justificava o combate à mestiçagem, encarada como a responsável pela origem
das classes populares e pelo “atraso na evolução” do povo chileno. A principal advertência do
historiador marxista se deu no sentido da ausência dos setores populares como sujeitos
volta de 1860. O caráter dual que assumiu esse processo, que teve, de um lado, o ataque às
instituições conservadoras do país e, por outro, a aliança burguesa com a oligarquia local no
um “falso liberalismo”, à medida que foi importado das nações européias e era alheio à
realidade econômica e social do país. Assim, o novo sistema teria servido para fortalecer os
grupos que detinham a riqueza e para intensificar a exploração de uma classe sobre a outra.
desenvolvimento correlativo da sua consolidação política. Assim, somente quando essa classe
apresentar-se a conjuntura favorável, surgiu com força para conquistar o poder político,
Esta análise norteia uma das principais características do seu trabalho, e que
democracia chilena, na medida em que Jobet visualiza neste setor a classe inimiga dos
antagônicas, a conquista do poder político se apresenta como objetivo das classes novas ou
em formação. Por essa razão, a ação da burguesia nacional buscou ocupar o governo e
nascimento dessa burguesia foi marcado pelo desenvolvimento das ferrovias, maior
mineração, com destaque para a exploração do cobre. Para o autor, esse foi o momento de
desarmonia com seu verdadeiro caráter econômico e social, ou seja, sem uma conexão com os
manutenção dessa situação ao longo de um século por favorecer a determinados setores que
controlavam a economia e o Estado, mas que resultava negativa para o país no seu conjunto e
diferentes períodos: ouro na colônia, prata no segundo terço do século XIX (denominada
república conservadora), cobre até a Guerra do Pacífico (república liberal), salitre desde fins
questão nacional” para empreender uma ampla reforma agrária, grande industrialização, a
formação de uma classe dirigente de domínio político e econômico trouxe consigo um perigo
para a autonomia nacional: o capital imperialista favorecido pela adesão daquela classe aos
da classe dirigente ao não utilizar a riqueza nacional para o desenvolvimento interno. A sua
desse processo que, tanto poderia destinar-se ao desenvolvimento nacional, quanto aos
10
JOBET, op. cit., 1951, p. 52.
11
Ibidem, p. 77.
100
Não obstante a oposição à idéia da revolução por etapas, Jobet não fugiu à regra da
progresso e desenvolvimento nacional revela mais uma perspectiva que Jobet compartilhou
Por outro lado, assim como Mariátegui e Caio Prado Jr., o historiador chileno
afirmava buscar compreender sua realidade concreta para elaborar projetos de ação
não seguiram a “via clássica” de ruptura; ao mesmo tempo em que não proporcionaram um
burguesia e ao capital, como veremos adiante, o princípio organizativo e diretivo dos partidos
para Jobet, os partidos políticos do período não teriam contribuído para a superação do atraso
do país devido à falta de uma concepção técnica e de um sentido orgânico e construtivo por
abarcar setores antes desconsiderados e tecer críticas à estrutura econômica nacional. Jobet
visava, assim, elaborar uma nova visão a respeito da sociedade chilena, resultante dos
conflitos entre as classes e do papel desses grupos nos diferentes aspectos do devir histórico.
A sua proposta visava expor a contradição notada entre “o que era escrito e exaltado
pela historiografia”, que caracterizava a história chilena como uma evolução, e a “condição
em que se encontrava o país”; superar uma historiografia limitada à crônica política, que
12
RICUPERO, op. cit., p. 67-69.
101
esta não havia tido seus próprios historiadores. E, em determinada fase do seu pensamento,
Sujeito histórico engajado, Jobet foi influenciado pelos diferentes processos políticos
e debates intelectuais ao longo da sua trajetória. Na constante busca de vias para a superação
forte, gerenciador, que utilizasse o caráter liberal das instituições políticas do país. Um Estado
técnico, auxiliado pela burguesia liberal, deveria superar a fase semifeudal do Chile e garantir
o bem-estar à população. Nessa etapa, conforme indicou Zemelman, houve uma profunda
radicalização do seu discurso marcou uma grande mudança de enfoque, que passou a ser
Nesse contexto, forjou-se a crítica mais significativa no seu trabalho e que foi
recorrente na historiografia a partir dos anos cinqüenta, referente ao regime político vigente
no Chile. O sistema democrático chileno, caracterizado como limitado pelo historiador, foi
teóricos no Partido Socialista. Sob essa perspectiva, Jobet apontou como uma das causas do
13
ZEMELMAN, Hugo. Prólogo. In. JOBET, op. cit., 1982, p. XIV.
102
política de amplos setores do povo e de uma verdadeira organização da vontade popular por
Esta crítica está presente na sua obra de 1951, na qual o autor expõe ainda uma
da figura de Jobet. A oposição se deu devido à publicação do seu ensaio no período, que foi
anais das universidades para discutir os trabalhos de Jobet de maneira a destacar os eixos que
permearam a sua interpretação histórica; debate que ficou evidentemente marcado pelas
importância e do papel de Jobet, as atribuições que mais se destacam são o seu pioneirismo na
análise da história nacional a partir de uma abordagem marxista, que também lhe rendeu
muitas críticas, mas também o reconhecimento por abordar temas até então negligenciados
injustiças sociais e que criticou a presença imperialista no Chile, Jobet é sempre identificado
divulgação dos princípios do socialismo científico, como um autor que buscou relacionar a
14
Entre os artigos publicados destacam-se: ROBNOVITCH, Rosa. Un ensaysta quimicamente puro. La Nación,
Santiago, 12 sep. 1971, Suplemento, p. 15; GARCÍA, Pablo. Una Nueva Obra de Julio César Jobet. La Nación,
Santiago, 12 nov. 1973, Suplemento, p. 3; GUERRERO, Victor P. La producción ensaystica de Julio César
Jobet. Occidente, Santiago, n. 279, nov. 1978, p. 39-42; DURÁN, Germán S. História: Julio César Jobet y el
Ensayo Crítico del desarrollo económico social. Occidente, Santiago, n. 350, ene./feb./mar. 1994, p. 48-50.
103
acordo com a idéia de que, na América Latina, a luta de classes assumiu condições distintas
das nações altamente industrializadas, definindo, dessa forma, um papel diferente para suas
classes sociais, em especial, à burguesia local, que, na sua concepção, não teria um papel
revolucionário.
Comunista, com o qual travou debates e disputas ao longo da sua trajetória, Jobet procurou
finalidades assinaladas por seus fundadores. Reproduzindo muitas das críticas da III
contexto de forte difusão de uma postura anticomunista, fez muitos críticos não associarem a
relacionarem a sua imagem à postura mais flexível que marcou a trajetória inicial do Partido
demonstra até certo desconhecimento dos seus últimos trabalhos panfletários e a apreensão
somente dos seus discursos expostos nas suas primeiras publicações, bem como das
Conforme indicamos, outro tema bastante discutido por Jobet foi o das organizações
15
JOBET, op. cit., 1987, p. 24.
16
GUERRERO, op. cit., p. 42, GARCÍA, op. cit., p. 3.
104
nas suas primeiras agremiações e organizações políticas. Suas análises relacionaram as lutas
tendências socialistas do país como uma continuação legítima das tentativas organizativas, de
aspirações democráticas e de lutas sociais dos trabalhadores iniciadas no século XIX. Sob
esse aspecto, sua obra chegou a ser identificada como um “catalisador na criação de uma nova
movimento operário nacional estaria, em sua primeira etapa, “débil e com escassa consciência
de classe”.18 Sob essa perspectiva, Jobet diferenciou o movimento dos trabalhadores numa
chileno, Jobet observou, com especial interesse, o trabalho ideológico dos pensadores
políticos liberais e socialistas dos dois últimos séculos. Entre eles, destacou como a principal
ponte entre as lutas do passado e do seu tempo a figura de Luís Emílio Recabarren.
17
JIMENEZ, Michael F. apud. JOBET, Julio César. Despedida Melancólica. Occidente, Santiago, n.263,
oct./nov. 1975, p. 60.
18
JOBET, op. cit., 1987, p. 54-55.
105
também marcou essa nova fase do seu pensamento. Na sua visão, a democracia, ainda que
tenha permitido algumas mudanças no quadro social do país, não teria passado de uma
expressão do capitalismo em uma fase do seu desenvolvimento, o que não poderia garantir a
Caberia, portanto, ao proletariado guiado pela teoria socialista dos partidos, o papel
de agentes revolucionários. Nesse quadro, Jobet incluiu a chamada pequena burguesia que, na
sua visão, também era explorada e prejudicada pelas ações do Estado e do imperialismo.
burguês.
Sua formação [do Partido Socialista] significava a soldadura da contradição
existente [...] entre o incremento da classe trabalhadora e sua consciência de classe, e
a profunda crise de direção e organização que sofria o movimento operário
chileno.20[tradução nossa]
Considerando o papel de vanguarda a ser assumido pelo PS, a coesão interna tornava-se uma
organização socialista chilena, o que nos indica a sua posição antialiancista que marcaria a sua
atuação até os anos setenta. Na sua concepção era necessário formar-se uma organização
19
JOBET, op. cit., 1987, p. 20.
20
JOBET, op. cit., 1951, p. 197.
106
socialistas, dos fracassos eleitorais, da crise interna que abalou o socialismo no início da
experimentadas pelas análises intelectuais dos anos sessenta. Estas novas interpretações
crise da sociedade chilena requeria uma rápida transformação socialista. Estas análises,
influência exercida pela teoria organizativa leninista, a partir da qual Jobet concebeu o partido
Para Jobet:
[...] a vanguarda do processo revolucionário chileno deve estar constituída pelos
partidos da classe operária como força motriz da luta social. É responsabilidade
destes partidos reencontrar-se com as lutas das massas, ajudar a superar o caráter
economicista que, todavia predomina em muitos setores e orientá-la em seu sentido
político revolucionário.22[tradução nossa]
Nas obras analisadas, podemos observar claramente sua visão teleológica acerca do
movimento operário, na qual o historiador utiliza como elemento definidor da evolução das
operária teria, primeiramente, uma escassa consciência de classe e seria imatura; junto ao
21
GARRETÓN; MOULIAN, op. cit., 1983, p. 143.
22
JOBET, op. cit., 1987, p. 351.
107
luta consciente”.
maneira a criar um clima de unidade e superar a “greve pela greve”. As formulações leninistas
também estão presentes na concepção de que a consciência política de classe só pode ser
levada ao operário do exterior da luta econômica e da esfera das relações entre operários e
operária:
[...] sem dúvida, todo partido de massas, com consciência de sua responsabilidade
histórica no desenvolvimento do movimento operário, está obrigado a manter
estreitas relações com os sindicatos e a exercer algumas funções específicas em seu
seio; e o partido de massas pode ser o condutor da ação sindical [...]24[tradução
nossa]
O seu trabalho teórico pode ser comparado à controvérsia do seu projeto político.
Suas análises da história nacional superaram proposições comuns ao seu contexto, referentes à
abordagem de cunho mais conservador da historiografia chilena. No entanto, seu projeto foi
limitado ao pensamento de sua época e ambiente, pautado numa perspectiva presa a teses
apreender o que havia de essencial das particularidades da sociedade chilena, que permitiu um
da esquerda chilena, até 1973, que mesclaram diversos elementos na sua cultura política,
combinando subsídios da cultura operária com aspectos das concepções das classes médias, e
23
JOBET, op. cit., 1987, p. 62.
24
Ibidem, p. 47.
108
história política do país, principalmente, como porta-voz de uma cultura política de ruptura.
articulava as discussões das questões do seu tempo com o debate histórico, no intuito de
socialismo científico para interpretar a realidade chilena, cuja complexidade Jobet não foi
capaz de apreender.
movimento operário atribui aos trabalhadores não atrelados ao movimento partidário uma
principalmente, o papel do seu grupo político. Para manter sua pretensão hegemônica, Jobet
podemos observar nas análises e propostas dos intelectuais socialistas, como Jobet, é a
25
HAUPT, Georges. Por que a história do movimento operário? Revista Brasileira de História, São Paulo, v.5,
n.10, p. 208-231, mar./ago. 1985.
109
sentido de construir uma nova ótica de reflexão da história que desse corpo teórico ao Partido
Socialista e que legitimasse uma nova proposta política para as questões nacionais.
Alternativa que era identificada no partido no qual militou e contribuiu ativamente para a
bem como a sua perspectiva anti-reformista, com idéias pautadas nas concepções do
discurso que opunha reforma e revolução, além da idéia da necessidade de pensar o governo
popular como uma preparação da ruptura revolucionária. Mesmo assim, de acordo com
Moulian, a esquerda foi capaz de exercer uma forte influência político-cultural na sociedade
chilena. Essa eficácia ideológica não proviria do marxismo como sistema teórico, mas,
reformista dentro do setor mais radicalizado da esfera popular. Nas palavras de Moulian:
Dentro de uma sociedade com forte heterogeneidade estrutural e bastante dividida,
este discurso operava como princípio de identidade, fixava os limites que
singularizavam e diferenciavam a uma parte dos setores populares. O discurso
marxista em uso serviu para separar o popular-revolucionário-operário do popular-
reformista-pequeno-burguês, para delimitar e, por isso, para cristalizar a existência
de cada universo [...] A influência cultural da esquerda repousa nesta capacidade de
criar identidade. Sua força expansiva residia na capacidade de gerar idéias-força e
símbolos que o colocavam em relação com certos núcleos básicos da cultura popular
radicalizada.26 [tradução nossa]
26
MOULIAN, op. cit., 1983, p. 97.
110
expressaram também na produção artística, criando uma épica popular que favoreceu essa
capacidade de apropriação, criando-se uma memória coletiva que associava as lutas populares
com a esquerda. No âmbito da literatura, entre os anos trinta e cinqüenta também se observa
pelos eventos políticos de sua época, como a Guerra Civil Espanhola e a sua incorporação ao
Partido Comunista, distanciou-se dos temas mais subjetivos da poesia e aderiu às questões da
poesia militante, cujos versos se propunham “a expressar a causa do povo e ativar as forças
contrárias ao avanço do imperialismo”, temática cuja expressão mais forte se encontra na obra
também teve destaque com a sua inserção no movimento internacional de canções de protesto.
Nas obras dos criadores da Nova Canção se observa uma inclinação a resgatar e reivindicar
interesse por musicalizar poemas com ressonância militante de autores como Neruda e
Bertold Brecht.
De acordo com Sofia e Consuelo, se a Nova Canção funda suas raízes musicais no
destino das classes populares, com a sua condição presente e com a sua projeção futura,
radicalização das forças políticas, de aceleração das demandas sociais e políticas e exigências
27
CORREA; FIGUEROA, op. cit., p. 232.
111
tom de humor, como Clarín e Puro Chile. Por outro lado, com a vitória da Unidade Popular
surgiram, na direita, meios que também recorreram a este tom periodístico, como o diário
dança e no teatro.
cujo maior exemplo representa a editorial estatal Quimantú, estabelecida pelo governo da
textos clássicos em edições mais econômicas vendidas em quiosques. Aspirava também criar
doutrina marxista. Um dos trabalhos publicados nesta linha de formação política foi o de
A editora lançou ainda coleções como Nosotros los chilenos, que buscava destacar o
papel protagonista que o governo da UP atribuía aos setores populares, apresentando textos
com ilustrações que remetiam ao mundo do trabalho, aos costumes e aos episódios históricos
do país; criou-se revistas voltadas para o entretenimento e formação, como a revista Paloma,
que se dirigia às mulheres, mas também aos homens para difundir a idéia de um novo
Rueda.28
ampla discussão acerca dos problemas que afetavam aos países subdesenvolvidos; debate
incentivado pela frustração que provocava a percepção dos limites a que estava submetido o
produção política de Jobet se insere no amplo debate que se desenhou com a chegada dos
anos sessenta entre diferentes bandeiras de luta que colocaram no centro da discussão a
28
CORREA; FIGUEROA, op. cit., p. 234.
112
impulsionadas pelos governos da década de 1950, que originou novos projetos de cunho
economista chileno Jorge Ahumada, de forte influência sobre a proposta centrista, era acerca
eram apontadas como as causas da “crise integral”. Ele destacava, dessa maneira, a existência
revolução, somente como um processo insurrecional que substituiria o “Estado burguês” pelo
poder popular exercido pela classe operária. Como podemos notar, a disputa entre os dois
popular. Enquanto que a DC se apresentava com uma proposta progressista, também voltada
social que rechaçava a luta de classes como princípio explicativo da história. Dessa maneira, o
debate se acentuava especialmente sob esse aspecto, já que contra a leitura do marxismo
marginalização”, centrando a sua política na temática da integração social; esta criticada pela
do capitalismo.30
29
CORREA; FIGUEROA, op. cit., p. 239.
30
AGGIO, op. cit., 2002, p. 100.
113
posicionamento assumido pelo socialismo neste período, marcado pelo forte anti-reformismo
e pela postura classista. Esta relação de Jobet com o socialismo chileno é uma relação
recorrente na política chilena entre a produção intelectual e uma cultura política determinada.
Relação que diz respeito, portanto, à interseção entre a produção teórica e os comportamentos
apreender nas proposições de Jobet e dos dirigentes vinculados a ele. São elas as dimensões
através dela, o necessário se tornava possível. Essa forma de projetar o socialismo recorria a
uma tradição para a qual a transformação da sociedade se coroava com a revolução estatal.
apontadas como o principal eixo da proposta socialista de Jobet e dos dirigentes próximos a
defendida em grande parte da sua trajetória no intuito de construir uma linha programática
dentro do seu grupo e que exerceria grande influência no choque com o conteúdo democrático
31
MOULIAN, op. cit., 1983, p. 171.
114
também como o início desta fase classista do socialismo, Jobet, como representante do
Frente de Ação Popular. Jobet e Raul Ampuero orientaram a introdução da tese no programa
do partido, que estava baseada na concepção de que a tarefa da sua geração consistia em
um governo popular. Em suas próprias palavras, não se tratava de realizar a “última etapa das
nas demais publicações oficiais, defendendo a união dos partidos representantes da classe
afirmando que as divergências ideológicas dos dois partidos seriam superadas. Dessa forma, a
sua postura de historiador e teórico oficial do partido fica evidente, na medida em que o
intelectual suprimiu posturas mais pessoais para defender a tese do partido e se mostrar como
imprensa. O que chama a atenção neste episódio é que na reunião do Congresso da Unidade
Socialista, em Santiago, Jobet alcançou a votação necessária para ocupar um posto no Comitê
da Cultura, entendida, na época, como uma represália ao posicionamento assumido por Jobet,
de crítica à união com os comunistas. Dessa forma, Jobet acatou às ordens do partido e
condução da FRAP, que era concebida “como uma tática de classes e revolucionária,
32
JOBET, op. cit, 1987, p. 240.
115
questionar o caráter desta transformação no quadro institucional e revelando mais uma vez a
1958, sofreu um grande desgaste devido à debilidade dos partidos que a compunha e,
principalmente, pelas fraudes eleitorais. Mas, ainda que a coalizão tenha se fragilizado, a
experiência teria garantido uma maior coesão dos grupos socialistas até a eleição de Salvador
Revolução Cubana (1959) sobre parte da esquerda chilena. O paradigma insurrecional, que
não se apresentava como alternativa concreta até a formação da aliança, ganhou força e
assumiu posição importante nas discussões dos socialistas que combinavam formas de luta
Jobet e os dirigentes próximos a ele entendiam que a postura a ser adotada deveria
ser de oposição ao modelo da Frente Popular, para adotar uma “nova política revolucionária”,
baseadas nas concepções difundidas por seus intelectuais, como Jobet, Waiss e Chelén, que
passaram a adquirir cada vez mais importância nos debates internos à medida que o partido
dos seus textos, especialmente na Revista Arauco e no periódico Occidente. A revista mensal
Arauco foi dirigida na prática por Jobet, que, segundo Sarget, sofreu permanentemente com a
33
JOBET, op. cit, 1987, p. 240-241.
34
MOULIAN, op. cit., 1991, p. 69.
116
redigido sozinho números inteiros da revista, atribuindo assinaturas variadas a seus próprios
artigos.35
Com esse amplo espaço ocupado pelos intelectuais socialistas, a cobrança pela
adoção de uma postura ruptural pelos partidos da esquerda passou a ser o eixo central destas
publicações. Dentre estes dirigentes, destaca-se Jobet, para quem o processo revolucionário de
Cuba representou uma nova dimensão na luta de classes da América Latina ao demonstrar a
de classes”, como a vivenciada na Frente Popular. Não por acaso, Jobet é apontado como o
conteúdo politicamente democrático do projeto da Unidade Popular. Ainda que Jobet tenha
política do Chile, a “via pacífica”, conforme sua denominação, colocava-se novamente como
problema constante para atingir o socialismo que se tratava de substituir o Estado capitalista,
moderno significava uma autoridade política exclusiva da burguesia para gerenciar seus
35
SARGET, op. cit., p. 327.
36
JOBET, op. cit.,1987, p. 317.
37
ELGUETA, op. cit., p. 127.
117
imediata do socialismo, a partir de uma lógica estrutural. Esse discurso veio se contrapor às
teses etapistas e buscava demonstrar que na América Latina não havia condições de
Esta abordagem dos “dependentistas” mais radicais, como André Gunder Frank,
Teothônio dos Santos e Rui Mauro Marini se enquadra numa revisão da historiografia que
apoiava a tese gradualista, para defender a idéia de que o subdesenvolvimento era a forma de
ser do capitalismo atrasado, e não uma etapa superável. Esta idéia é formulada numa nova
atualidade do socialismo. Pode-se afirmar então que esta constitui a chave de leitura da época,
e que foi absorvida e representada também no socialismo chileno através dos seus
38
JOBET, Julio César. Teoría, Programa y Política del PSCH. Arauco, Santiago, v. 4, n. 27, p. 65, 1962.
39
Além desta influência, um nome bastante recorrente no período é o de Regis Debray. Seus textos políticos
influenciados pelo castrismo representavam a concepção da necessidade imediata do socialismo e da luta
armada. Para ele, a “história havia dado o seu veredicto”, os problemas em torno do caráter da revolução já
estavam resolvidos pela prática da revolução cubana. A premissa de Debray era que “Cuba havia feito passar
bruscamente a luta de classes latino-americana a um nível superior”. MOULIAN, op. cit., 1993, p. 250-251.
118
especialmente sobre dois aspectos: “um novo tipo de democracia, baseada na autogestão” e a
pelas idéias vanguardistas de Lênin, essa proposta aparece obscurecida no seu pensamento.
Altamirano e Chelén, Jobet compôs esse quadro de intelectuais que impôs uma dinâmica mais
movimento. Esse novo sentido conferido pelos intelectuais do socialismo visava reconstruir a
aliança do comunismo com forças políticas concebidas como burguesas e com programas
mostra constante:
A aliança radical-comunista anulou a independência da classe trabalhadora e de seus
partidos e entregou a direção do movimento democrático à pequena burguesia, mais
desorientada e perigosa por sua limitação e demagogia [...] A posição justa [do PS]
era a de criar uma frente classista, polarizando o descontentamento crescente das
massas trabalhadoras, porque somente assim se conseguiria a independência do PS e
uma posição de ataque não subordinada a outros partidos.40 [tradução nossa]
40
JOBET, Julio César. El Partido Socialista y el Frente Popular en Chile. Arauco, Santiago, n. 85, p. 27-28,
1967.
119
A influência exercida por Jobet pode ser caracterizada como indireta, mas ativa, visto
formação teórica dos seus quadros, e principalmente, na afirmação da sua proposta socialista a
partir da fundamentação científica e dos debates teóricos internos. Nesse sentido, Jobet pode
discurso ao longo da sua trajetória, a radicalização da proposta socialista foi o nexo que
predominou na sua ação política e que esteve entre as linhas de maior expressividade no
partido, a partir da década de 1950. A sua atuação na proposta da FRAP e ao longo da década
O que buscamos demonstrar aqui é que teses elaboradas e difundidas por intelectuais
processo revolucionário de confronto entre classes. Esta tese não foi capaz de apreender a
caracterizou pelo entendimento ente as forças sociais e políticas do Chile e pela congregação
político e de novas relações sociais no interior da sociedade projetada, que não fosse
apreender é o discurso que orientava as ações daquela nova direção do PS, e que buscava
legitimar-se naquele momento político. O intelectual que era referência naquele grupo tinha o
120
libertadora. Como afirma Moulian41, a proposta socialista era apontada como o único modelo
de boa ordem, principalmente, por sua consonância com certas características culturais da
época, que (dialeticamente) a esquerda contribuiu para formar. Instaurou-se como a única
políticas nos permite apreender o sentido que os sujeitos históricos davam às suas ações por
imprimiam na forma de fazer política é uma maneira de não nos prendermos em análises que
buscam “revelar” os interesses reais que ocultaria a retórica. Parte da esquerda de 1969 se
agregação de reformas.
também exerceu fortes efeitos sobre a esquerda ao realizar profundas mudanças de corte
Por outro lado, a linha proposta pela esquerda da UP deve ser encarada como uma
41
MOULIAN, op. cit., 1993, p. 241.
121
leninista. O período anterior, compreendido entre 1961 e 1964, é caracterizado por Jobet
como a verdadeira expressão revolucionária daquele movimento. Dessa forma, Jobet chamava
para a transformação revolucionária do regime vigente pela classe operária, afirmando que
Como afirma Aggio, quando a esquerda chilena atuou como força política que
postulava a transformação social a partir de fora do aparelho de Estado, ela havia conseguido
maneira, não tomava para si a necessidade de ordem e unidade do Estado, apostando até
mesmo na sua ruptura. Esse discurso, somado aos elementos ideológicos da esquerda, teria
garantido a ela a sua legitimidade revolucionária. O desafio posto à UP como ator político era,
para uma conquista “efetiva” do poder e para iniciar a construção do socialismo no país.
controle sobre parte do aparato governamental. Nesse sentido, coloca-se um dos pontos mais
42
AGGIO, op. cit., 1992, p. 64.
122
governo popular que, para parte dos socialistas, deveria se fortalecer e superar o controle da
no Partido Nacional.
exercício do poder por meio do manejo das instituições. Para tanto, o fortalecimento dos
programáticas como a nacionalização das empresas imperialistas, dos bancos; uma reforma
Quanto às perspectivas para o governo da UP, Jobet estabeleceu que, ainda que esse
processo tenha sido muito significativo e de início de um novo ciclo na história social e
política do país, não era viável ratificar a disputa eleitoral. Nas suas próprias palavras, não
43
Resolución política Congreso de La Serena. (jan. 1971). In: JOBET, Julio César. El Partido Socialista de
Chile. Santiago: PLA, 1971, p. 183.
123
seguinte excerto:
A UP ao desatar um conjunto de profundas mudanças estruturais intensificará,
fatalmente, o conflito entre detentores e proletários, camponeses e pobladores [...]
dia a dia irá rompendo a institucionalidade burguesa e abrindo caminho para um
novo sistema socialista. O êxito da UP aumentará na medida em que dirigir um
ataque ao regime capitalista e à situação dependente e subdesenvolvida do Chile e
propague seu programa claro e realista de uma alternativa socialista verdadeiramente
revolucionária. Ao mesmo tempo deve consolidar-se a unidade dos partidos
operários e de todos os elementos verdadeiramente revolucionários no seio da UP
[...]44[tradução nossa]
revolução, sempre enfatizado pelo PS, apresentava-se como elemento importante nesse
transformações:
Necessitamos um PS vigorado pela aplicação estrita do centralismo democrático;
que se desenvolva em primeiro lugar entre a classe operária: que reconheça a
legitimidade e necessidade da luta ideológica, que eduque sua militância nela [...] Só
cumprindo estas premissas o PS poderá preparar-se a si mesmo e às massas para o
decisivo enfrentamento com a burguesia e o imperialismo.45 [Grifos nossos]
[tradução nossa]
O que podemos notar é que estes intelectuais ligados ao socialismo foram incapazes
somente com categorias abstratas, como “Estado burguês” e “burguesia inimiga da classe
44
JOBET, op. cit., 1971, p. 187.
45
Ibidem, p. 184.
124
operária em luta contra a burguesia, para conquistar o poder do Estado e transformar o seu
caráter de classe.
convencional frente à teoria socialista, e não como algo novo para aquela realidade social. As
assumidas mais como retórica do que como um imperativo para a elaboração de uma nova
leninização do partido tem maior relação com uma reação contra a ameaça da DC, e que
permitiria uma adaptação da organização, dos seus métodos de ação e de trabalho. Além da
revolucionária.47
contribuir com elementos válidos para uma estratégia revolucionária eficiente na complexa
qual o mundo da teoria e o da política real tendia a uma dissociação. Essas novas
considerações teóricas serviriam apenas como sistema simbólico, como mecanismo de uma
No entanto, entendemos que estas orientações acabaram por gerar ações extremas
46
AGGIO, op. cit., 1992, p. 63.
47
SARGET, op. cit., p. 168.
48
MOULIAN, op. cit., 1983, p. 89.
125
pautado na história e na realidade daquele país, com as suas instituições políticas, as suas
composições social, econômica e cultural; caracterizando-se, portanto, como uma ação efetiva
cultura política nacional e que se desenvolveu como um dos sistemas hegemônicos no âmbito
das ideologias políticas, cuja influência podia ser sentida para além dos partidos de esquerda,
certamente se deve à atuação de homens que, como Jobet, dedicaram-se a difundir concepções
a respeito da sua realidade. Nessa tarefa, transplantaram conceitos e concepções teóricas para
conseqüências diversas.
Ainda que não possa ser identificado como um dirigente político, Jobet pode ser
que publicou e difundiu posições doutrinárias. Jobet foi porta-voz de uma posição
determinada daquele movimento político que gerou ações e conseqüências conhecidas para
aquela experiência de governo da esquerda que deveria ter se apresentado como uma
Jobet pode ser caracterizado como o intelectual da ruptura. Seu pensamento dirigiu a
esquerda política do Chile para um caminho oposto ao seguido até a década de 1940,
representando uma cultura política que passou a ser predominante. Trata-se de um intelectual
que negava a sua realidade e fazia uma leitura a partir de um imaginário que legitimava,
Dessa forma, entendemos que a teoria socialista intensamente desenvolvida por Jobet
intelectualmente para dar sentido teórico à ação dos diferentes setores sociais e, ao mesmo
para a construção e cristalização de uma cultura política que se mostrou bastante convencional
CONSIDERAÇÕES FINAIS
partidários, enquanto teorizadores podem ser apontados como meros aclimatadores de uma
produção elaborada segundo cânones externos. Mas enquanto organizadores da vida política
partir de concepções elaboradas acerca da realidade chilena. O que poderíamos pensar num
primeiro momento é que a palavra de um intelectual pode ser só mais uma em meio a tantas
ocupado por Jobet, como uma referência intelectual, como um formulador e difusor das idéias
de um grupo determinado da esquerda, permite afirmar que a sua prática mostrou-se bastante
caracterizado pela busca da fundamentação científica para as suas propostas, com base no
debate político com os demais grupos nacionais e internacionais. Esta intervenção dos
Este é um contexto no qual se inicia o choque entre diretrizes internas, bem como a
emergência de uma cultura política de ruptura, que afetaria diretamente os rumos da esquerda
de ruptura no socialismo chileno, bem como a sua influência nas orientações do partido,
optamos por entendê-la inserida num processo mais amplo da trajetória desse segmento
político, apreendendo quais eram as suas características e com quais elementos daquele
tradição histórica que remonta, desde as lutas operárias do século XIX, até concepções
portanto, que o governo da Unidade Popular, uma das maiores experiências da história da
que a segunda abarca desse momento até a divisão de 1979; sem, no entanto, caracterizar-se
como momentos estanques. Em outras palavras, são momentos nos quais elementos diversos,
constituíam a sua base de apoio. Essa característica, nós entendemos ser um dos principais
crucial para a compreensão das interpretações realizadas acerca desse segmento político, bem
expectativa em torno de qual deveria ser a atuação dos socialistas. Da mesma maneira,
buscamos nos contrapor a uma interpretação que entendemos ser teleológica, na medida em
129
que ela identifica na história de cisões e conflitos entre as correntes internas do socialismo o
contestadores da ordem e com novas propostas para o desenvolvimento. Além disso, que os
resultados políticos do processo no qual a esquerda estava inserida não se aproxima em nada
compunham a cultura política do socialismo chileno. Não buscamos, dessa forma, comprovar
um determinado tipo de ação política, ou fazer a leitura desse objeto com uma expectativa
determinada quanto ao seu comportamento e quanto aos resultados daquele processo. O nosso
intuito foi apreender as tensões presentes na base do projeto político do socialismo chileno, a
partir do desenvolvimento de uma cultura política de ruptura que veio a predominar e alterar,
da influência de uma das suas principais referências intelectuais. Esta análise foi realizada sob
começaram a se delinear na década anterior, quando parte significativa dos seus dirigentes e
podemos notar é que estes questionamentos e a cobrança por uma atuação de corte mais
radical começaram a desenhar uma nova cultura política, que adquiriu tons mais definidos
experiência da Frente Popular e dos governos radicais, ou seja, um modelo a ser negado pelo
“socialismo revolucionário”.
infraestrutura econômica apresentou-se como uma das idéias centrais das formulações que
projetos políticos.
caracterizou pelo auge das denominadas “alternativas globais”, através das quais se identifica
institucional e intelectual, mas também como resposta às mudanças sociais que vinham
ocorrendo desde meados do século e que adquiriram variados contornos, dentro da lógica de
cada segmento político. A expectativa de mudança expressa em diferentes facetas dos projetos
cultural que envolvia intelectuais nacionais com grande repercussão, como Pablo Neruda. A
produção artística engajada da Nova Canção Chilena também foi um grande destaque, bem
como os debates no âmbito político e econômico entre nomes das mais variadas tendências,
como a produção da CEPAL, que orientou o projeto da Democracia Cristã; todos anunciando
revolução, apresentava-se como a única alternativa capaz de transformar a sociedade. Sob esta
131
perspectiva anti-reformista, pautada nas concepções do marxismo que eram difundidas pelos
intelectuais que o conformava. Este discurso atravessou a década de 1960 e o seu governo −
revolucionária.
atuação dos seus intelectuais teve um papel decisivo para a formulação das orientações
internas, na medida em que eles buscavam imprimir categorias analíticas e políticas que se
projeto de socialismo.
apresentação de projetos genuínos. Nesse contexto, Jobet foi reconhecidamente uma das suas
princípios e categorias que orientaram essa busca por uma “identidade revolucionária” para o
esquerda que buscava romper com a trajetória inicial do partido, e que constituía a sua direção
pautada em projetos de transformação que combinavam mudança e gradualismo; uma vez que
a democracia era encarada por estes socialistas como o espaço de defesa dos interesses
132
capitalismo no Chile. Romper com a democracia, tomar o poder do Estado e afirmar o poder
popular, nesse sentido, garantiria o caráter revolucionário e não reformista daquele processo.
cunho conservador da história chilena. No entanto, seu projeto político mostrou-se bastante
limitado ao seu ambiente e a sua época, mostrando-se pautado numa perspectiva presa a teses
reivindicações políticas e sociais dos setores populares na pauta política do país, que resultou
iugoslava e cubana foram exaustivamente citadas pelos líderes partidários responsáveis pela
projeção e condução do governo popular, mas que se mostraram incapazes de pensar a “via
chilena” como um processo revolucionário inovador tanto para a esquerda como para o país.
uma história de projetos modernizadores que também privilegiaram a integração social como
pautas reformadoras para aquela sociedade, e que, além dos setores populares, teve como um
dos protagonistas os setores médios. Além disso, a base que combinava mudança e
gradualismo não se assentava nessa proposta que tinha como perspectiva a tomada do poder,
133
quebrando assim a lógica dos compromissos políticos pautados num consenso entre os
diversos componentes políticos e sociais. Estes foram elementos que caracterizaram este
projeto de socialismo baseado numa idéia que identificava a emancipação nacional com a
produção teórica e os acontecimentos concretos, que foi a relação de Jobet com o socialismo
chileno. Visamos demonstrar que ele foi o intelectual da ruptura, que realizou uma leitura da
socialismo e, assim, compreender a lógica que esta imprimia na sua forma de fazer política.
Longe de negarmos o papel dos diversos segmentos políticos e sociais do Chile no trágico
os limites da cultura política de uma esquerda que tinha a possibilidade histórica de construir
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