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O que venho fazer em loja?

Publicado em 19 de março de 2018

Minha iniciação foi uma explosão interna de alegrias, reflexões e surpresas. Meus cinco
sentidos trabalharam como nunca antes.
Ao ser me dada a luz fiquei ofuscado ao ver tanta gente. Fiquei assustado ao ver o local
onde estava, onde percorri tantos caminhos, onde passei tantas provas. Me senti honrado
de, enfim, poder entrar na fraternidade.
Tantos símbolos, tantas cores, tantas maravilhas. Colunas, velas, cordas, paramentos
suntuosos. O céu sobre minha cabeça; o pavimento de preto e branco; esse olho que fica
me olhando; as pedras curiosas, e tantos outros elementos!
No período em que estive na coluna do Norte aprendi e evolui. Eu mesmo não senti estar
diferente, mas meus próximos me observavam e o sentiram a mudança. Com a força da
juventude e ignorância oculta do adolescente, estudei e avancei para passar para a coluna
do Sul, indo do nível para o prumo, deixando o banco duro e frio para o banco mais
quente;
As instruções eram mais espirituais os temas mais filosóficos. Fiquei impaciente, desejo
de logo poder atingir o mestrado e acessar mistérios ainda mais profundos e elevados.
Os anos passaram, e a caminhada me trouxe muitos frutos, para o corpo e para a alma.
Não falo de benefícios financeiros, mas sim daqueles muito mais interessantes. Falo aqui
de benefícios espirituais e de como aprendi a observar, sabendo interpretar e ser mais
tolerante. Nunca poderei retribuir todo bem que me foi feito, dado e ensinado, mas
passando do banco para a cadeira senti que, apesar de uma caminhada fantástica e repleta
de todo tipo de conhecimentos que alteraram minha pessoa, eu estava estagnando.
Temos o dever de participar, de orientar e acompanhar os mais recentes iniciados e
também identificar candidatos interessantes para toda a fraternidade. Não sabemos tudo
e nunca o saberemos, e quanto mais aprendemos mais queremos saber e observamos que
o que sabemos é “um nada” frente ao universo de coisas que ainda estão para ser
descobertas. Essa sensação, essa certeza, é muito interessante.
Participei, participo e participarei de tudo que puder e do que acho justo participar. A loja
precisa da minha presença e eu preciso da loja. Tenho que ir às reuniões com alegria,
sempre buscando a verdade, conhecimento e sabedoria. Minha ausência tem de me
incomodar e se, por ventura, não posso participar das reuniões, terei de ser corajoso e
pedir para sair.
Com passar do tempo, observei que os interesses de cada um na fraternidade eram
diferentes uns dos outros. Vícios e virtudes se misturavam. Ao ver isso me veio a seguinte
reflexão:
“O que venho fazer em loja?”
E para essa pergunta, apresentam-se algumas respostas, de acordo como perfil de cada
maçom. Cito algumas:

▪ Criar um Network
Criar um network significa, montar uma rede de contatos ou conexões geralmente
profissionais.
Quando os pedreiros se reuniam no tempo da maçonaria operativa era para transmitirem
seus conhecimentos e os proteger, se ajudarem mutuamente nas dificuldades e assim
poderem crescer juntos.
Pela história escrita e conhecida as lojas inglesas iniciaram membros da realeza no século
XVIII para poderem se proteger, ganhar status e posições na hierarquia social.
Hoje em dia, e mais particularmente no Brasil, mesmo se a maioria pensa que pode criar
um network profissional eu acho que é uma verdade limitada. Conhecemos pessoas de
áreas diferentes, complementares ou idênticas às nossas e, tal como pode acontecer em
outros grupos, existe uma facilidade de comunicação que permite o auxílio, conselhos.
Mas não é para mim essa a prioridade da nossa instituição e o motivo de participar ou de
estar presente nas reuniões.
Penso ser errado trazer para a fraternidade um candidato não porque achamos que o seu
perfil está de acordo com os valores pregados pela Ordem, mas sim, porque posso tirar
partido de sua presença em benefício próprio. Os candidatos devem ser escolhidos com
pente fino, tem de ser escolhidos por suas atitudes e não por sua posição no mundo
profano.
Não entrei para a maçonaria em busca de privilégios nas relações fora das lojas. No
entanto, quando tenho uma dúvida, reconheço ter a vantagem de poder contar com
pessoas de diversos horizontes e áreas muito competentes e cheios de boa vontade (da
mesma forma que eu estou à disposição deles) para me ajudarem.
Tirar proveito de relações dentro de loja, passando dos limites do que é eticamente
aceitável, é definitivamente um vício.
▪ Cumprir um dever:
Dever de estar presente é o que todos os maçons se comprometem quando preenchem seu
questionário de ingresso na fraternidade, por isso sim devo cumprir meu dever.
Sim, vou cumprir um dever. Não um dever por obrigação, mas sim por compromisso e
prazer. Assim, mesmo se fico olhando o relógio quando a situação e ou o ambiente não
me agradam, ou se a reunião fica tardando muito, gosto de estar presente, e farei com que
outros também gostem, porque estamos todos em comunhão e todos temos o dever de
manter a harmonia. Muitas vezes deixar qualquer Irmão discursando durante muito tempo
quebra a harmonia mesmo se temos a obrigação de aceitar as diferenças e todas as
opiniões. Em várias lojas o tempo de palavra é limitado por pessoa a 2 ou 3 minutos. Essa
regra estando estabelecida é mais fácil poder deixar a reunião mais fluida.
Infelizmente com os compromissos profissionais, sociais e particulares, poucos cumprem
seu dever. A frequência é controlada e, de acordo com o regulamento, a falta é
injustificada é motivo de punição. Curiosamente é bom observar que quem tem menos
frequência também é quem menos visita outras lojas.
Se não posso cumprir meu dever, honrar minha palavra, prefiro sair da fraternidade.

▪ Procurar “Status”
Quem nunca ouviu dizer que é “ser maçom” ou “estar maçom”? Como nos explica um
grande Irmão: “Estar maçom é usar o avental e mais nada,” – “Ser maçom é fazer com
que as pessoas a sua volta vejam uma pessoa boa, justa, que respeita o próximo e é
exemplo de conduta”.
Muitas pessoas pensam, equivocadamente, que todo o maçom é poderoso e muito rico.
Alguns associam a fraternidade a uma rede de negócios e acham que ali se fazem coisas
diabólicas. Infelizmente muitos são os que se aproveitam dessa concepção distorcida do
que é a maçonaria para poderem vender livros, cooptar seguidores, etc.
Para o verdadeiro iniciado na maçonaria é um orgulho ‘ter sido escolhido”. Mas se o seu
objetivo ao ingressar na Sublime Ordem foi apenas ter status, a experiência será muito
ruim e sem amanhã. Na seleção do candidato a análise de sua motivação deve ser
profunda e se houver indícios que ele procura isso é melhor descartá-lo para evitar futuros
constrangimentos.
Em busca apenas desse suposto status é que muitos gostariam de entrar na fraternidade e,
quando entram, por terem sido mal orientados ou informados, acabam saindo insatisfeitos
com os ensinamentos que não conseguem compreender, justamente porque sua motivação
era outra apenas de ganho pessoal.
Na iniciação juramos defender e proteger nossos Irmãos em tudo que for possível,
necessário e justo, nos comprometendo a sermos cidadãos honestos, dignos e submissos
às leis. Procurar status dentro de uma loja é vaidade, não estou aqui para isso.

▪ Participar de obras de caridade


Sim, com certeza esse é um dos nossos principais deveres: ajudar nosso próximo. Nos
comprometemos com isso. Não esqueço minha angústia e vergonha quando o hospitaleiro
veio até mim e que eu não pude colaborar porque estava despojada de todos os metais.
No entanto, logo assumi um compromisso: “nada tenho, mas quando tiver, saberei
cumprir meu dever”.
Cada demanda deve ser bem estudada e avaliada. Todos gostamos de ser ajudados, todos
gostam de um “grátis”, o ser humano é de natureza preguiçosa. Por isso a análise tem de
ser criteriosa e nunca esquecer que é preferível ensinar uma pessoa a plantar que a ensinar
a colher.

▪ Estar com pessoas amigas


É muito bom! Se assim não fosse em nosso regulamento não está escrito que se houver
na loja “um Irmão contra o qual tenhais animosidade ou com o qual estejais em
desarmonia. Deveis antes e nobremente, restabelecer vossas relações fraternas e cordial
amizade… mas se desgraçadamente não puderes restabelecer as vossas relações, melhor
será que vos retireis, antes que a paz e a harmonia da loja sejam perturbadas…”.
Mas também podemos nos encontrar em outros locais agradáveis e propícios a
confraternização: bares, restaurantes ou parques. A vantagem de nos reunirmos em loja é
que tudo é nivelado, todos somos iguais, as regras do ritual nos orientam quanto às formas
de ser e de estar, naturalmente.
A harmonia guia nossas relações e reflexões, Em comunhão com a natureza, transmitimos
e recebemos energias. Saímos, aliviados e revigorados se respeitarmos as regras e rituais.
Se desejarmos somente encontrar amigos existem outras fraternidades e ou grupos onde
a pessoa poderá encontrar sua felicidade sem participar de uma Loja.
▪ Organizarmos eventos
Eventos, em sia maioria, são muito agradáveis desde que procedamos com cordialidade,
educação e respeito aos demais. Mas se a loja tem como único objetivo a organização de
eventos de qualquer tipo que seja, perde a razão de ser. Não se deve passar horas
discutindo sobre esses assuntos. Para isso existem comissões que devem de forma clara e
objetiva expor aos Irmãos seus trabalhos a fim que a definição de como se proceder seja
tomada sem longas discussões sobre pequenos detalhes
É preciso ter alguns cuidados. Se as conversas (mesmo que acharem boas e construtivas)
durarem muito tempo é porque a Harmonia se foi, e que o assunto deve ser encerado
imediatamente.
Se o assunto das organizações for muito repetido o foco das reuniões estará fora dos
princípios da fraternidade. Eu não gostaria de participar de essas reuniões.

▪ Exibir-se
Muitos irmãos gostam de se exibir perante os profanos colocando adesivos de nosso
símbolo mais famoso no seu veículo, roupa etc. Maçonaria não é exibição. Não somos
um time de futebol. Nossos antepassados eram discretos e essa discrição fez seu sucesso.
É de bom tom manter essa discrição.
No meu caso faço questão de estar presente, a união faz a força, mas pessoalmente corro
um sério risco de perder meu emprego se meus superiores que são de outro país souberem
que entrei na fraternidade.
Presenciamos algumas vezes a exibição em loja de vaidades e vícios. Tudo aquilo que
devíamos combater! Precisamos sempre estar atentos ao que nos avilta. Devemos ser
justos e objetivos. Devemos antes pensar se o que queremos fazer, apresentar e ou opinar
vai enriquecer a loja. Se temos nada a acrescentar à loja, o silencio de é de ouro. Minha
liberdade termina onde começa a do meu próximo, em loja tudo é nivelado. Não devemos
ficar acima do nível ou fora do prumo.

▪ Escutar reflexões, trabalhos e observações


Será que há algo mais agradável que ouvir um bom trabalho apresentado por um
Irmão? Saber que estudou, que pesquisou e que fruto de todo esse trabalho ele colocou
na ponta do lápis ou que saiu da sua mente, de sua inteligência e coração ?
Qualquer que seja o nível de estudos, a origem (e quando falo origem penso em todo o
tipo de origem) sempre é gratificante e enriquecedor escutar, apreciar o que é apresentado;
Somos tolerantes e devemos sempre procurar o lado ou aspecto positivo, a análise é nossa,
devemos compartilhá-la com os Irmãos, temos o dever de ensinar, orientar e influenciar.
Ele compartilha com a assembleia um momento tão íntimo de sua pessoa que devemos
beber, aceitar, mas analisando o oferecido.
Estamos presente para nos enriquecer uns aos outros com fatos verídicos, confirmados e
comprovados. Os termos “ouvi dizer que” – “me falaram que“ – “parece que” devem ser
abolidos; caso venha a falar de lendas ou fatos não confirmados tenho de deixar isso muito
claro antes de expor.
Não podemos esquecer que mesmo achando que nossa opinião, reflexão ou interpretação
é um assunto do interesse de todos a nossa narrativa deve ser limitada no tempo; nossa
exposição tem de ser por tempo limitado vários estudos demonstram que um aluno
somente fica atente por 20 minutos (Educadora TraceyTokuhama-Espinosa), e a cada dia
que passa com a informática cada vez mais predominante, as informações chegando nos
celulares, os lembretes nos celulares, as mídias presentes até nos elevadores a tendência
é que esse tempo de atenção diminua, o cérebro procurando receber informações mais
curtas e objetivas (verdadeiras ou falsas);
No entanto eu considero que a exposição de nossos trabalhos não pode superar um tempo
limite, não podemos aproveitar esse momento para no exibir – exibição é vicio – temos
de ser discretos nossa ordem é assim, e é assim que também iremos nos reconhecer no
mundo profano, diretos, claros e objetivos.
Estamos em loja para falar de temas de atualidade ? Desde que a harmonia não seja
comprometida não há motivas para não abordar os assuntos de interesse de todos, sendo
que analise tem de ser feita de acordo com nossos princípios e regras, no entanto acho
que seria bom previamente verificar com às luzes de loja se permitem ou não entrar nesse
caminho que pode ser tortuoso.

▪ Participar de um ritual teatral:


Sim, mas participar e procurar e entender o ritual:
O porquê dos movimentos, dos símbolos e paramentos,
Temos de assistir e participar; estudar os deslocamentos, movimentos, até a circulação da
palavra é interessante,
As posições dos símbolos e das pessoas; se sentir no templo, sentir o local, saborear o
fluxo, ressentir as forças, a sinergia e a correlação criada,
Observar, ver e entender o decorrer do ritual; vislumbrar, analisar e aprofundar o visível
e o invisível; ficar na claridade e observar o escuro.
Não posso falar por todos e com certeza não citei todas as razões e motivos da vinda em
Loja. O intuito deste trabalho é que cada faça uma análise e uma reflexão sobre a
importância de sua presença nas nossas reuniões, para si e para os todos nossos Irmãos.
Lembremo-nos que trazemos conosco “amizade, paz e votos de prosperidade a todos os
irmãos”.
Lembremo-nos que em loja trabalhamos para “vencer nossas paixões, submeter nossa
vontade e fazer novos progressos na maçonaria, estreitando os laços de fraternidade que
os unem como verdadeiros Irmãos”.
Finalmente, “Por que nos reunimos aqui?” pergunta o Venerável Mestre ao
Primeiro Vigilante:
“Para combater a tirania, a ignorância, os preconceitos e os erros, glorificar o Direito
a Justiça e a Verdade, para promover o bem-estar da pátria e da Humanidade,
levantando Templos a Virtude e cavando masmorras ao vício.”

Autor: Rui Esteves


Mestre Maçom da ARLS Obreiros da Verdade, n° 52 – GLMMG
Oriente de Belo Horizonte

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