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EDUCAÇÃO E MOVIMENTO: SABERES DE ONTEM E VISÕES DE

HOJE EM TEMPOS DA PÓS MODERNIDADE


Ana Paula Rodrigues da Silva*
Resumo: O presente trabalho busca apresentar as interfaces assumidas pela
educação ao longo da história, configurando-se em uma importante estratégia de
modernização social, quando alicerçada em princípios democráticos e
metodologias ativas e participativas. Para tanto, demanda uma visão de mundo
contextualizada e histórica. O cunho pedagógico do inconformismo de
movimentos sociais, contribui para ressignificarmos sentidos culturais para além
de discursos. A lógica da existência social atual que dá voz aos coletivos, recria
identidades de grupos de indivíduos e reconfigura espaços e movimentos,
evidenciando a necessidade de tomarmos caminhos alternativos para o fazer
pedagógico de educadores. Há que se ter compromisso com uma formação
humanizada, emancipatória e libertadora, onde educadores se engajem para
entender fatos para além da sua sala de aula e que impactam diretamente os
conhecimentos que trabalham a formação almejada.
Palavras-chave: Educação. Pós modernidade. Movimento sócio-histórico.
A educação é fruto social, cunhada pelos sujeitos, por eles modificada e que
também os modifica. Diferentes formas de fazer educação tentam dar conta da
complexidade do que é educar, quem educa, para quê educar, quem se educa. Situar a
educação na história é compreender no curso do tempo os tantos predicativos que
acompanham seu nome, revelando tendências e correntes. Por meio da história dos
sujeitos percebemos a existência manifesta das condições reais de vida, a materialização
de suas atividades e as suas necessidades que constituirão sua própria história (MARX
& ENGELS, 1996).
A configuração das contingências socioculturais contemporâneas demanda que a
elaboração de práticas pedagógicas agregue novos predicativos à educação, que se
intitulam como a modernização desta. Além disso, tais predicativos embasam discursos
que pregam uma educação com vistas à cidadania, que se propõe a reconhecer o
educando no tempo e no espaço sem apartá-lo de sua condição histórica e social
(ESTEVÃO, 2013)
Ao longo dos anos, a educação, assim como as demais ciências humanas, foi
regida pelos eixos tempo e espaço, histórico e social. Desse modo, não há como ignorar
que fatos reais reflitam e influenciem a educação, o fazer pedagógico e os modos de ser
e pensar de seus agentes, nas suas diversas instâncias (SEVERINO, 2008).
Saviani (1984) considerou que a educação influencia e é influenciada pela sociedade
em que se situa. Nessa seara, nos perguntamos de que forma a educação pode estar a

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serviço da cidadania em nossos dias ao mesmo tempo em que se vive um momento de
instrucionismo para competitividade/oportunidade? Ou seja, compreender a educação
em nossos dias é reconhecer que sua essência é revestida de plasticidade, nasce do
dinamismo que a realidade remete e que para tanto o movimento de pensar e significar
certas premissas que norteiam a práxis educativa, isso sim, deverá ser uma característica
permanente. Do contrário, teremos um encadeamento de ações e procedimentos
educacionais desvinculados do mundo real vivido, descontextualizado.
1 Algumas considerações sobre a história da educação
Percorrer a história da educação e suas teorias numa trajetória histórica significa
compreender esse fenômeno para além de uma visão meramente cronológica, mas
situada na realidade em sua complexidade política e social. Nóvoa (2005) cita, pelo
menos, quatro ações que reforçam a importância de entender a história da educação. A
primeira delas, o cultivo de um ceticismo saudável, é prudente na medida em que
possibilita um exame mais crítico do presente, com suas pontes no passado por
vivermos em tempos de modismos. A segunda, trata da compreensão da lógica das
múltiplas identidades e abre espaço para o reconhecimento da referida multiplicidade de
costumes, crenças e tradições por ela evidenciados. A terceira, diz respeito ao
pensamento dos sujeitos como produtores de história, ou seja, “a inscrição do nosso
curso pessoal e profissional” na história, nas ideias que se passaram e revela quem
somos, é a terceira ação. Por fim, a quarta ação é “explicar que não há mudança sem
história.” (NÓVOA, 2005, p. 10 e 11).
A perspectiva histórica da educação levantada por Aranha (2006) permite
observar essa importância uma vez que esta se atrela a aspectos sociais, políticos e
econômicos:
Somos seres históricos, já que nossas ações e pensamentos mudam no tempo,
à medida que enfrentamos os problemas não só da vida pessoal, como
também da experiência coletiva. É assim que produzimos a nós mesmos e a
cultura a que pertencemos. Cada geração assimila a herança cultural dos
antepassados e estabelece projetos de mudança. Ou seja, estamos inseridos no
tempo; mas adquire sentido pelo passado e pelo futuro desejado. Pensar o
passado, porém, não é um exercício de saudosismo, curiosidade ou erudição:
o passado não está morto, porque nele se fundam as raízes do presente. Se
resultarmos desse devir, desse movimento incessante, é impossível pensar em
uma natureza humana com características universais e eternas. (ARANHA,
2006, p. 19)
Dos fundamentos históricos ontológicos levantados por Saviani (2007), ao
examinar a vinculação identitária entre educação e trabalho, nos indica que a existência
humana coincide com a produção de sua própria vida uma vez que seu existir não é algo
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garantido pela natureza. Nesse processo, o humano aprendeu a constituir-se humano no
trabalho. Sua formação foi talhada ao lidar, experimentar e transformar a natureza em
prol de atender as suas necessidades. Validada as aprendizagens pela experiência, essas
eram transmitidas às futuras gerações. No entanto, o sincronismo observado entre
trabalho e educação, correspondeu a um período de comunidades primitivas, de caráter
comunal, onde o aprendizado coletivo visava à existência de todo o grupo. No dizer de
Saviani, essa educação corresponde à máxima perseguida em nossos dias: “[...] a
educação identificava-se com a vida. [...] educação é vida, e não preparação para a vida”
(SAVIANI, 2007, p.155).

À medida que as sociedades se tornaram complexas, com divisões provenientes


do trabalho, determinando agrupamentos especializados, a educação se revelou
cumpridora da função de formar para os mais diversos ofícios. A divisão de classes
proveniente do trabalho, principalmente nas civilizações escravistas, reverberou também
na divisão da educação (SAVIANI, 2007).

Ao longo do tempo sempre se excluiu, coincidentemente quem tinha menos


posses. Como coloca Manacorda (1991):
[...] passando pelo período greco-romano até a Revolução
Industrial a separação entre cultura e aprendizado e a ausência
total de formação geral permanecerão intactas [...] e que dado ao
moderno processo de desenvolvimento, o que se reforça é que a
educação levada às classes subalternas é de toda degradada
acentuando a separação em nível metodológico – histórico entre
a escola do doutor e a escola do trabalhador. (MANACORDA,
1991, p.122)

Manacorda (1991) sugere que a disputa entre a teoria e prática de


educar suscita polêmica discussão e a necessidade de substituir alguns
processos educativos por outros. Do cenário internacional, filósofos como
Descartes e Locke, influenciaram modos de pensar e fazer ciência e educação,
das quais algumas reverberam até os nossos dias como: a busca da autonomia
do pensamento de Descartes; Locke, que mesmo sem defender a
universalização do ensino como Comenius e criticar o racionalismo de
Descartes, aprimora a “concepção da mente infantil”; Comenius com
“aspiração democrática do ensino” defendeu o saber geral, integrado aos
sentidos com a percepção sensível da natureza, assim como se verá mais
adiante, fez Rousseau. Para ambos, o conhecimento teria valor para além da
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escola e o ser pensante deixaria de apenas contemplar para participar
efetivamente deste processo.
A partir do que foi dito até aqui, podemos observar que as mudanças
ocorridas nas esferas políticas, econômica e social determinaram
transformações que ressoaram também na educação. As diferentes visões
sobre o ser humano e o mundo em que vive fomentaram lutas, disputas,
contradições, conflitos de interesses das mais diversas ordens. Assim,
entendemos que sendo a educação também um fenômeno social - por meio do
qual os sujeitos conhecem a si e o mundo que os cerca - engendrada no
movimento histórico, aflorou tendências que ecoam ainda hoje. O exemplo
disso são propostas de uma educação laica e pública, a democratização do
ensino, a atenção voltada para educação diferenciada de crianças em relação
aos adultos. Essas expressões eclodiram em períodos bem diversos do atual,
mas ainda são fortemente refletidas e discutidas. Nesse raciocínio, ideias
socialistas fomentaram panoramas diferentes no campo da educação.
Sobre isso, Ferreira e Bittar (2008) apresentam um estudo sobre a
dimensão humanista que a educação alcança nas obras de Marx e Gramsci.
Suscitam duas perspectivas importantes. Uma delas é a crítica marxista à
educação alienada a serviço dos modos de produção, típico de uma sociedade
dividida em classes que acentua a dicotomia entre formação intelectual e
formação profissional. Em decorrência da distinção dada à formação de quem
trabalha e de quem é servido por esse trabalho, restou o fomento de uma visão
unilateral de sujeito, em que uns recebiam formação intelectualista, e outros,
para o trabalho manual, recebiam somente a formação de ofício, em que pese
este último indivíduo não se reconhecer no que realizava.
Posteriormente, a outra perspectiva evidencia avanços de caráter
técnico-científico, intentos revolucionários da burguesia e também as
contradições próprias do cenário capitalista e industrial de exploração da
força de trabalho. Diante dessas condições que inviabilizavam o
desenvolvimento pleno dos indivíduos, trabalhadores reivindicavam, dentre
tantas coisas a redução da jornada de trabalho, tempo para uma educação
mais qualificada que não se restringisse àquela definida pela burguesia, que
os habilitava apenas a ler e escrever. Ferreira e Bittar (2008) desejam
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enfatizar, sob a luz da concepção marxista de educação, que a efetivação
omnilateral do ser humano, ainda utópica, não se dá com a divisão do
homem, nem com a divisão do trabalho e muito menos da educação, ou seja:

A omnilateralidade é, portanto, a chegada do homem a uma


totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma
totalidade de capacidades de consumos e prazeres, em que se
deve considerar, sobretudo, o gozo dos bens espirituais, além dos
materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excluído em
conseqüência da divisão do trabalho. (FERREIRA; BITTAR, M.
2008, p. 644).
No exame de Manacorda (1991), Marx e Engels, ao partirem da
concepção histórica e dialética do real, atribuíram aos pressupostos
econômicos, políticos e culturais no seio de uma sociedade capitalista a
responsabilidade pelas transformações que afetavam até a formação ou
ausência de consciência humana. Portanto, o processo educativo na esteira da
transformação social, na visão marxista importava a distinção entre Estado
custear e Estado orientar a escola estatal, ou seja, o ensino e a ciência
deveriam estar libertos da ingerência do Estado, da Igreja ou de qualquer
outra forma de dominação que prive o ser humano de desenvolver suas
potencialidades.
Do discurso de encerramento de Marx, Manacorda (1991) depreende
que, que na escola se ensine com objetividade as ciências naturais e a
gramática, de modo que se exclua dali a já conhecida “cultura desinteressada”
e priorize-se o “ensino intelectual”. Todas as outras noções viriam do contato
de cada sujeito com o mundo social externo. Com esse viés, a educação
assumida possibilitaria a práxis social, no qual o conhecimento elaborado se
tornará real quando efetivamente for aplicado à prática social. Isso é o
movimento histórico pensado por Marx e Engels. Desse modo, a escola
estaria para o desenvolvimento das capacidades humanas e todo o restante a
cargo da vida cotidiana (p. 104).
Assim, nas tentativas de mudanças metodológicas, Dewey (1979)
merece destaque, dado a significância de suas contribuições, que se
contrapunham à educação tradicional. Ele declarou, como pensamento
central, o conhecimento voltado para experiência, em que a escola é a própria
vida. Influenciado pela teoria darwinista e vivendo um período de mudanças

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profundas, defendeu uma concepção democrática de educação que visava,
além da unidade entre teoria e prática, redefinir o papel do professor enquanto
representante da comunidade, que tomaria como ponto de partida os
interesses das crianças (DEWYE, 1979). Considerou a função social da
educação própria das sociedades que miram mudanças, onde o contexto real e
social apontaria para uma aprendizagem conectada com o concreto e não se
perderia na abstração de ideias que reduzem a educação num fim em si
mesma.
Toda a educação ministrada por um grupo tende a socializar seus
membros, mas a qualidade e o valor da socialização dependem
dos hábitos e aspirações do grupo. [...] o ideal não pode limitar-
se apenas a reproduzir os traços que encontramos na realidade. O
problema consiste em extrair os traços desejáveis das formas de
vida social existentes e empregá-los para criticar os traços
indesejáveis e sugerir melhorias. (DEWYE, 1979, p.87)

Igualmente, segundo Aranha (2006), George Snyders, filósofo e


educador, teve como base teórica ideias socialistas. No entanto, seguiu com
crítica à visão das teorias antiautoritárias – das quais Dewye era partidário-
pelo seu caráter ingênuo de crer no curso natural e espontâneo das coisas.
Snyders confronta esse espontaneísmo com a necessidade de integrar
conteúdos (característico da escola tradicional) e cultura, por entender que
essa vinculação poderia dinamizar o conhecimento escolar vivificando-o
socialmente. É nesse sentido que o professor ganha também importante papel
político, no momento que articula essas duas dimensões (ARANHA, 2006).
Em entrevista concedida à Profa. Maria Salonilde Ferreira, em julho
de 1989, em Paris, Snyders observou, na experiência educacional francesa,
que a proximidade entre a origem da classe social do educador com a do
educando pode se constituir em “mediação na ação educativa” (SNYDERS,
1989, p.260). Contudo, não estava a dizer que só haveria compreensão do
universo daquelas crianças se os educadores viessem da mesma classe; mas,
sem contrariar sua base socialista, estava a destacar o quão importante é não
estar distante daquela cultura. Já carregava em seu discurso um aspecto muito
proposto hoje em pautas suscitadas por grupos minoritários, que é da
alteridade. Essa dimensão de se colocar no lugar do outro também aparece
evidenciada quando, ainda nessa entrevista, ele sugeriu a possibilidade dos

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educadores se colocarem no lugar das crianças, os seres aprendentes que ali
estão, como mostra o trecho abaixo:
No que se refere, ainda, à formação dos mestres, há duas coisas
que gostaria de salientar. Primeiramente, que eles tentem se
lembrar dos tempos em que foram alunos, em que eram crianças.
Quantas vezes quiseram protestar contra o que o professor fazia,
e não ousaram, porque dizia, justamente, que não se devia
protestar. Que eles se ponham no lugar de seus alunos [...] Que
os mestres se lembrassem bem do tempo em que foram alunos e
de suas reivindicações naquele momento. Preciso que os mestres
não caiam no mesmo erro dos operários que se tornam patrões.
Dizem que os operários que conseguem ser patrão são,
geralmente, patrões difíceis, pouco compreensivos e muito
exigentes. Logo, nunca devem esquecer que foram alunos [...]
Preciso que conheçam, sobretudo, o modo de vida dos alunos, o
modo de cultura dos alunos, o modo de distração dos alunos,
seus próprios fazeres, seus diferentes modos de vida, que entrem
nestes modos de vida e tentem fazê-los avançar um pouco mais.
Pela formação dos professores que se deve começar. A formação
dos professores não deve ser somente no campo da Matemática
ou da Literatura. Ela deve considerar o modo de vida dos alunos,
inclusive daqueles que sentem mais dificuldade. (SNYDERS,
1989, p. 260)

2 Educação na pós modernidade

Para Estevão (2013) temos vivido em tempos de uma lógica de


desenvolvimento contraditória, em que a ideologia neoliberal desmonta
pilares sociais como emprego, universalização dos direitos sociais e piso
socioeconômico. Percebe-se que a perspectiva seguida é da ética capitalista
como reguladora social, enfraquecendo a proteção pública como direito
privativo do Estado e os atuais modelos de democracia. Um exemplo dessa
contradição se revela quando se pensa a ética nos dias de hoje.

Na visão de Goergen (2012), no período moderno, a ética regia uma


moral tradicional do dever absoluto, em que o sujeito se ajustava a um padrão
ditado externamente. Abandonada essa perspectiva, no fim daquele período, a
ética retorna à cena, fundada num comportamento responsável e solidário,
ancorado na vida concreta, em que o limite é dado pelos efeitos coletivos do
exercício dos princípios individuais adotados. Sobre esses efeitos, Gadotti
(2000) assinala que os mesmos impactam também a educação que passa a ter
um enfoque mais social e político–ideológico do que individual.

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A nova ética moral da contemporaneidade tem por base o
comportamento coletivo, onde o que importa são os entendimentos
dialogicamente construídos. Mas, se por um lado, é o coletivo que ajusta essa
ética, ao menos no discurso, a ética capitalista excludente e avassaladora
ainda regula o social (ESTEVÃO, 2013).
Na mesma seara, Viola (2007) ponderou:

Com uma sociabilidade controlada pelos interesses do mercado,


a contemporaneidade tem produzido uma cultura individualista e
conformista. Tem produzido o acirramento da competição, a
indiferença e, consequentemente, ampliado à exclusão e a
violência social. (2007, p. 129).

Segundo Estevão (2013, p.29), em nosso tempo vive-se “[...] grande


vulnerabilidade social, em que noções como precariedade e desemprego,
emprego temporário, diferenciação, debilidade do movimento social,
individualização das relações sociais, desigualdades, insegurança,
feminização da pobreza, desqualificação e atomização social [...]” e essas
contingências nos tornam vulneráveis como seres de direitos e enfraquecem a
democracia. As políticas sociais não propiciam necessariamente direitos
sociais, mas alimentam a lógica da globalização de acúmulo de capital,
favorecendo um bem-estar fantasioso para o indivíduo, ou seja, não o
reconhece de fato como sujeito de direitos, mas o inebria com oportunidades
de ser explorado pelo capital; nega o reconhecimento de sujeitos coletivos ao
violá-los estruturalmente em nome do desenvolvimento nacional (ESTEVÃO,
2013).
Diz, ainda, Estevão (2013) que, nas democracias mais evoluídas, o
foco não é a igualdade, mas maximização da eficiência mercantil, sem
preocupação com impactos da exploração, competição e desigualdade,
guerreando aspectos econômicos e sociais. Em uma realidade cada vez mais
digitalizada, ser bem-sucedido em nossas democracias é estar-se
permanentemente conectado, em rede, ser competente; quem não consegue,
torna-se o novo excluído, exclusão que se soma a outras categorias já
existentes de desigualdade. Novos tempos, novas categorias de exclusão.
Como pontua Gadotti (2000), vivemos na era do conhecimento, na era
da Revolução da Informação que se assemelha, em magnitude, às Revoluções
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Industriais. No entanto, observa o autor, muitas informações vão e vêm com a
facilidade de um processo informatizado e globalizado, que potencialmente
poderiam resultar em novos espaços de formação e aprendizagem, mas ainda
não garante conhecimento, muito menos a construção deste. Esse fato reforça
a ideia já citada de que vivemos tempos de ambiguidades, com discursos
conflitantes que ora reforçam desigualdades, ora impulsionam processos
transformadores com potencialidade de regenerar a democracia.
Ainda na senda de Estevão (2013) a democracia comunicativa através
do diálogo intercultural, modificaria espaços públicos, estando como direito
humano, onde a regulação do espaço público seria feita a nível local,
evidenciando as vozes dos sujeitos com relação aos regimes globalitários.
Como já afirmavam Freire (1983) e Saviani (1999), politizar os processos de
educação dos cidadãos por meio de processos democráticos é ampliar a visão
e alcançar a consciência crítica de realidades sociais e dar força à comunidade
para que se autorregule e não fique à mercê da regulação daqueles regimes.
Gadotti (2000), a exemplo disso, destacou que as categorias
organização e conscientização reapresentam o paradigma da educação
popular inspirado em Paulo Freire, reconceituando essa educação enquanto
modelo teórico, que se revelou importante mecanismo democrático ao
preceituar valores como solidariedade e reciprocidade nas práticas de uma
educação popular comunitária. Desse modo, novas formas de consumo e
produção voluntários vão dando novo tom ao “poder local e economia
popular” (p.6). Em outras palavras, o legado deixado a partir de uma
conquista local, no interior de um estado brasileiro, alcança âmbito
internacional, iluminando uma prática educativa crítica, transformadora e
politizada, que não apenas reconhece e valoriza os conhecimentos de seus
sujeitos, mas é a partir deles que se firma.

Algumas características do período Moderno se mantiveram, como a


vivência de um modelo de racionalidade hegemônico, onde o humano, com
sua capacidade de saber sem mais limites, parte de uma racionalidade que
trabalha segundo os ditames econômicos e administrativos, mirando o quão
útil o conhecimento poderá ser para dominar a natureza e a si mesmo. Com

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isso, coloca em segundo plano as dimensões práticas, morais e estéticas, em
que o desenvolvimento social torna-se algo impessoal, abdicando-se do
pensamento e reduzindo-o à instrumentalização, a um pensamento não
autônomo (GOERGEN, 2012).
Para Gadotti (2000), discutir o presente é revisitar também o passado.
Para o autor, isso significa que temos refletida, na prática educativa atual, a
essência de uma educação tradicional e da chamada educação nova.
Perspectivas teóricas que nortearam esses modelos e que se consolidaram de
alguma forma no tempo estão presentes até hoje no cenário educativo. A
partir dessas ideias, podemos imaginar que tanto perspectivas teóricas como
modelos de educação não vigem de maneira marcadamente linear, mas são
fomentados mais ou menos pelo real vivido, sentido, desejado e que por
vezes, se enraízam em um ethos.
Para Demo (1999), mesmo tendo a ONU reconhecido que a educação
é importante estratégia para o desenvolvimento humano permanente e
autônomo enriquecido de valores culturais e morais, ainda estamos envoltos e
reduzidos ao instrucionismo neoliberal que visa transformação social. A
educação, segundo o autor, é vista setorialmente, em que o manejo do
conhecimento serve para fins de competitividade entre as diferentes camadas
sociais. Onde se deveria atrelar crescimento (evolução econômica) e
desenvolvimento (interdisciplinar), buscando desenvolvimento humano,
prioriza-se crescimento econômico, o que diverge da acepção da ONU, que
entende desenvolvimento como oportunidade, ou seja, a educação quando
assumida com face política torna-se elemento estratégico para geração de
oportunidade e do realce da cidadania. Adverte, em sua análise, que o aspecto
econômico deveria assumir o seu devido lugar onde crescimento econômico é
parte apenas instrumental.
Demo (1999) apontou que é a pobreza política que mais nos assola e
nos compromete em termos de oportunidade de desenvolvimento do que
propriamente a pobreza material. Com a pobreza política, o que temos são
sujeitos incapazes de escreverem suas próprias histórias. Esse sociólogo
ressalta, ainda, que a interdisciplinariedade do desenvolvimento humano
requer o saber pensar e a inovação na capacidade de conhecer para além da
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cognição, resultando em aprendizagem com teor construtivo e promotora de
um sujeito capaz de produzir história própria.
Ao discutir a pós - modernidade dos diferentes fenômenos sociais, a
exemplo da educação, Mello (s/d) ressaltou que, com a expansão da cultura
no domínio social, fossem reproblematizadas velhas realidades limitadoras do
conhecimento e visões de mundo acabadas. Em outras palavras, ao atualizar a
educação, que leve para essa seara a discussão cultural com implosão de
olhares e organizações, numa tentativa alternativa de dar conta da formação
do ser humano deste século. O autor sugere, também, que há emergência de
transmudar visões constantemente, devido aos matizes de conhecimentos
produzirem formas de organização social que enfraquecem antigos hábitos,
vínculos e práticas sociais.
Segato (2006) com essa ideia afirma que é a pulsão ética que nos
favorece estranhamento quanto à inculcação da cultura moral - tomado pela
autora como segunda natureza - e das leis. Não somos seres programados por
lei e nem pela moral da sociedade que nascemos, mas nos fazemos na
socialização com os outros, em práticas concretas, historicamente. Nessa
existência mais legítima, o desejo ético ancorado a um trabalho reflexivo,
segundo a autora, redirecionaria a vida para transformação do que não é
aceitável:
A ética, definida nesse contexto, resulta da aspiração ou do
desejo de mais bem, de melhor vida, de maior verdade, e se
encontra, portanto, em constante movimento: se a moral e a lei
são substantivas, a ética é pulsional, um impulso vital; se a moral
e a lei são estáveis, a ética é inquieta. (SEGATO, 2006, p. 223)

Nesse sentido, é fundamental que a escola reconheça no seu interior os


diversos mundos ali presentes (Mello, s/d). Talvez, ao ter como foco a
aprendizagem que visa ordem, disciplina e saber-fazer normalizado para
forças de trabalho, não se atinja a cidadania. Aponta como alternativa, que na
escola enxerguemos o ser aprendente como sujeitos de direitos, que se
empoderarão à medida que se vir como pessoa com existência social,
reconhecendo no outro, essa mesma capacidade.
O exame do processo educativo do passado com vistas ao presente
pressupõe entender que as transformações educacionais são provenientes de

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fatos reais que interferem na teoria e na prática da educação (GOERGEN,
2012). O autor assinala que, na ruptura com o moderno, importa hoje a
valorização do que é histórico, imprevisível, dos discursos locais e
particulares, da não crença em um único caminho salvador por reconhecer as
inúmeras partículas de linguagem, incredulidades, incongruências e
heterogeneidades. A compreensão de como se faz educação hoje,
compreender quais conceitos alicerçam o conhecimento e a moral que estão
introjetados no contexto contemporâneo.
Pontos nevrálgicos, levantados por Goergen (2012), são os discursos
teórico e prático. Na verdade, o que legitima a prática não são tanto os
modelos teóricos a serem seguidos, mas os discursos que o fundamentam. Se
há alguma clareza na teoria educacional, a prática pedagógica ainda está
longe de se livrar das metarrativas conservadoras. Mesmo reconhecendo a
versatilidade e o modismo que acompanham esse novo paradigma da pós-
modernidade, a prática educativa está em crise, uma vez que ainda se apoia
em princípios que se fundam em tradições epistemológicas e na história
enquanto processo unidirecional.

Muñoz (2013) assinala reflexões que podem contribuir para


compreendermos a crise vivida pela prática educativa. A fissura alojada entre
a teoria que enfatiza o que deve ser na escola e a prática que, sem a luz da
teoria, se perde na complexidade do cotidiano, decorreria da adoção de
critérios. Critérios simples para servir de orientação a um processo que é por
si só complexo, imbuídos de sentido, coerência, onde fosse permitido a
improvisação pedagógica. Salienta nossa propensão, nossa tendência
inevitável de aprendermos, nos definindo enquanto seres de aprendizagem,
mas que devido ao excessivo controle artificial e normativo exercido na
prática, toma a desordem como algo ruim. Daí resta um tratamento da
aprendizagem planificado e linearmente ajustado àqueles critérios (MUÑOZ,
2013).

Ainda sobre esse aspecto Muñoz (2013) sublinha que sucumbir a


improvisação exteriorizada em nossos ambientes educacionais, tanto de
nossas práticas como àquelas advindas dos educandos significa cercearmos o
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novo, significa a negação cultural e da propensão a aprender, a tendência a ser
algo. A aprendizagem não decorre da linearidade de critérios teóricos e
normativos adotados. Decorre do movimento de avanço e retrocesso nas
aprendizagens até que nossos corpos processem e estes sim, controlem a
experiência. O controle está nas mãos, diríamos que, no corpo de quem opera
uma nova experiência. A experiência de cada ordem é única e inédita a cada
indivíduo que a vive pela primeira vez, pois estamos sempre aprendendo e
sempre ignorando. Dessa forma, segundo o autor, resta refletir em que
medida critérios atrapalham ou favorecem os processos de ensino e
aprendizagem (MUÑOZ, 2013).

A crise presenciada na prática educativa carregada de ranços


conservadores e pensamento unidirecional resultam de um ambiente viciado
em passividade e aceite. O caminho para rompermos com esse ambiente de
privação cultural, conforme Muñoz (2013) é manejar conhecimentos em
contextos ativos e desafiadores estabelecendo relações diversificadas com a
realidade.

Considerações Finais

O intento até aqui não foi de esgotar um amplo apanhado histórico da


educação, mas perceber a diversidade de influências, correntes e
contribuições de teóricos para o campo educacional. Ao refazer esses
caminhos, segundo Saviani (2012), o olhar do presente se ressignifica, não no
sentido de apontar o que se herdou de bom ou ruim, mas compreender que a
educação é uma atividade fundamental do ser humano, sua necessidade de
aprender para agir, transformar a natureza e a si mesmo.

O curso da educação coincide, assim, com a vida, com a existência do


ser humano, sem se reduzir ao reflexo desta, mas servindo de instrumento de
transformação por meio da consciência, como a própria história afirma
(FREIRE, 1996). Sendo assim, ao historicizar a educação, podemos enxergar
o movimento que lhe é intrínseco, engendrada no contexto real e vivido pelos
sujeitos individual e coletivamente.

*Universidade de Brasília – UnB


Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares – CEAM
Programa de Pós – Graduação em Direitos Humanos - PPGDH
anapaularsias@gmail.com
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