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1º - Tu m’, de Marcel Duchamp, eé tido, por Rosalind Krauss, como uma espeé cie de auto-retrato
do artista - uma auto-biografia do autor, obtida mediante a representaçaã o de uma seé rie de obras
suasi:
Je sous-entendais que la question poseé e par Tu m’ deé passe celle des multiples
niveaux ouù l’indice apparaîît dans l’oeuvre, pour atteindre celle du statut particu-
lier du tableau comme autobiographie, comme autoportrait. Pour que ce lien fasse
sens, il est neé cessaire de reé fleé chire sur un autre aspect des embrayeurs. Ces
signes, en ce qu’ils eé tablissent une relaxion axiale dans le processus de la reé feé ren-
ce, indiquent, au fils du discours, l’action du point de vue. (KRAUSS, Rosalind,
«Marcel Duchamp ou le champ imaginaire», Le photographique – pour une
théorie des écarts, trad. de Marc Bloch e Jean Kempf, Paris, Macula, 1990, p.
81; sublinhado meu)

[Subentendia eu que a questaã o colocada por Tu m’ ultrapassa a dos mué ltiplos


nîéveis em que o îéndice aparece na obra, para alcançar a do estatuto particular do
quadro como autobiografia, como auto-retrato. Para que esse elo faça sentido eé
necessaé rio refletir sobre um outro aspeto dos embreadores. Estes signos, na
medida em que estabelecem uma relaçaã o axial no processo da refereî ncia,
indicam, no alinhamento do discurso, a acçaã o do ponto de vista].

Essa representaçaã o de trabalhos seus far-se-ia, por um lado, por projecçaã o «em sombra»
e fixaçaã o, sobre alguma emulsão sensível (disposta sobre a tela, o que lhe conferiria uma
natureza hîébrida, de superfîécie de inscriçaã o foto-quîémica e, ao mesmo tempo, pictoé rica), no caso
dos espectros dos ready-mades ali presentes: «On y trouve, un peu partout sur la surface du
tableau, une seé quence dindices ou de traces constitueé e par la fixation sur la toile d’ombres
projecteé es par un certain nombre des objets entreé s dans l’orbite de la carrieù re de Duchamp
pour avoir eé teé selectionneé s comme Readymades. [ali se encontram, um pouco por toda a parte
na superfîécie do quadro, uma sequeî ncia de îéndices ou de rastos constituîéda pela fixaçaã o sobre a
tela de sombras projectadas de um certo nué mero de objectos que entraram na oé rbita da carreira
de Duchamp por terem sido selecionados como Readymades] (ibidem).
Por outro lado, atraveé s do uso do stêncil ou do pochoir, no caso das trois stoppages
étalons transpostas do lado esquerdo para o lado direito do quadro e replicadas, do lado direito
da tela, em trompe l’oeil. Estas ué ltimas enquanto elementos que jaé de si mesmos teriam sido
obtidos, na sua ondulaçaã o ou sinuosidade, pela inscriçaã o da força de atrito do ar, durante a sua
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queda (cf. a literatura sobre esse trabalho de Duchamp). Em qualquer dos casos – projecçaã o em
sombra e fixaçaã o ou replicaçaã o por decalque – rastos. E, a acompanharmos a leitura de Rosalind
Krauss, rastos de rastos porque, tanto os ready-made quanto as trois stoppages seriam jaé , origi-
nariamente rastos (seria aqui interessante, a partir desta noçaã o de rasto originaé rio, retomar a
noçaã o derridiana de «arqui-rasto», ou de uma différance originaé ria, o que seria o mesmo que
dizer sem origem exterior a si). A primeira passagem em que os ready-mades saã o lidos como
rasto eé , no texto de Krauss, a seguinte:

La notion meî me d’un Readymade – article banal de la culture marchande que


Duchamp valorisait en le signant comme sa propre oeuvre d’art – nous est aussi
preé senteé e dans une dernieù re note sur le Grand Verre comme un autre
deé guisement de la photographie. Le titre de la note eé tait «Deé termination d’un
Readymade»:

[A proé pria noçaã o de Readymade – artigo banal da cultura mercantil que Duchamp
valorizava assinando-o como sua proé pria obra de arte – eé -nos tambeé m apresen-
tada numa ué ltima nota acerca do Grand Verre como um outro disfarce da fotogra-
fia. O tîétulo da nota era «Determinaçaã o de um readymade»:]

En projetant pour un moment aù venir (tel jour, tel date, telle


minute), «d’inscrire un readymade». Le readymade pourra ensuite
eî tre chercheé (avec tous deé lais). L’important alors est donc cet
horlogisme, cet instantaneé , comme un discours pronoceé aù l’occasion
de n’importe quoi mais aù telle heure. C’est une sorte de rendez-
vous.

[A projectar para um momento a vir (tal dia, tal data, tal minuto),
«inscrever um readymade». O readymade pode em seguida ser
procurado (com todos os atrasos). O importante eé portanto esse
relogismo, esses instantaî neo, como um discurso pronunciado por
ocasiaã o de naã o importa o queî mas a tal hora. EÉ uma espeé cie de
encontro.]

Le Readymade conçu comme instantaneé devient ainsi la trace d’un eé veé nement
particulier, et cet événement du passé de l’artiste apparaît à la surface de Tu m’
sous la forme de la trace d’une trace.

[O Readymade concebido como instantaî neo torna-se assim no rasto de um


acontecimento particular, e esse acontecimento particular, esse acontecimento do

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passado do artista surge à superfície de Tu m’ sob a forma do rasto de um rasto.


(ibidem, p. 79; sublinhado meu)

Rastos de rastos – sob a forma de sombra e do decalque - portanto, na terminologia de


Krauss (e de Derrida, naã o o esqueçamos). O aspeto interessante da passagem acima citada das
notas de Duchamp assenta na relaçaã o entre instantâneo e inscrição. O ready-made eé ambas as
coisas: a) uma inscrição na medida em que, tal como acontece com uma fotografia –
irredutivelmente aberta (na sua qualidade de îéndice resultante da emanaçaã o-impressaã o
fotoquîémica da luz a partir de um objeto) aos diversos recortes possîéveis do seu contínuo
referencial – ele pressupoã e o entalhe de uma percepçaã o, o deslocamento produzido por uma
certa relaçaã o estabelecida pelo olhar do sujeito no objeto, um certo encontro entre sujeito e, que
o dissocia ou suspende da sua banalidade funcional. O que aqui chamamos de «entalhe
perceptivo» joga-se jaé , suplementar-mente, a partir do seu interior: o ready-made eé , dirîéamos
entaã o, jaé «(al)ready-made-in», uma vez que nada eé preciso modificar nele, tomado enquanto
imagem ou objecto dissociado de si mesmo: o que haé eé uma inscriçaã o do que, nela existindo jaé ,
se traz aù luz pela sua dissociaçaã o, pelo seu isolamento; o chamado ready-made aided (o «ready-
made assistido») eé disso um testemunho evidente, na medida em que nele se torna visîével a
inscriçaã o. O mais conhecido eé L.H.O.O.Q. Outros haveria, como La pharmacie:

b) esse entalhe perceptivo «instantâneo» descola-o, assim, da sua anterior exclusiva


condiçaã o de sentido – a de um objeto produzido em seé rie... – e atrasa-o (eé o termo de Duchamp:
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«retard»...) em relaçaã o a «si-mesmo», desprende-o da sua funcionalidade, suspende-o do seu


significado/uso cultural mais imediato, abre entre ele, ou a sua forma, e a sua funçaã o, o interva-
lo de ruptura que o solta, que o «descarrila» da seé rie a que originariamente pertence. O exemplo
que imediatamente nos ocorre chega-nos, ainda, do mesmo texto, por intermeé dio do olhar de
Rosalind Krauss. Diz-nos ela, laé para o seu final, acerca de um outro seu ready-made, talvez o
mais conhecido – Fontaine. Que nos diz Rosalind Krauss, acerca dele?

O seu objeto parcial mais espectacular eé sem nenhuma dué vida a Fontaine, essa
reorientaçaã o estranha de um banal urinol que funciona de maneira a sugerir
simultaneamente a imagem de um receptaé culo uterino e a imagem do baixo ventre e do
falo do pequeno rapaz. [...] Pela sua ambivaleî ncia sexual que decompoã e a percepçaã o do
sujeito, ou do Eu, num campo que oscila entre conteué do e continente, entre macho e
feî mea, no domîénio da pura imediatez, o que equivale a dizer que a Fontaine se
transformou de urinol em imagem, de mué ltiplo em particular. Esse objeto saiu, portanto
do campo mais vasto da coé pia e da substituiçaã o para ser isolado na especificidade fîésica
do îéndice. No plano da realizaçaã o, a Fontaine proveé m de uma classe de objetos
manufaturados dos quais cada um eé reé plica do outro, e todos saã o concretizaçoã es dessa
classe, ou tipo, chamado «urinol». Todo o representante de um grupo de objetos
produzidos em seé rie eé ideî ntico aos seus semelhantes. Enquanto significante material
pode-se substituîé-lo por qualquer outro objeto da mesma classe, que ele pode tambeé m
substituir. Na medida em que estaé implicado nesta possibilidade de substituiçaã o, o
representante naã o-ué nico de uma classe eé , por sua estrutura, comparaé vel aos elementos
da lîéngua na qual as ocorreî ncias individuais de uma palavra particular se sustentam
sobre o estatuto abstrato dessa palavra, o facto de ela naã o ser mais que um elemento que
se pode usar e pronunciar indefinidamente. Mas ao produzir a Fontaine, e invocando a
estrateé gia do Readymade, Duchamp converte o urinol do seu estatuto de representante
de uma classe numa condiçaã o de quididade, que eé exclusiva deste objeto. Daîé em diante ele
naã o eé jaé o significante atraveé s do qual uma classe se exprime mas antes uma declaraçaã o
de unicidade que depende do eixo fîésico de um elo, a ligaçaã o entre esse objeto preciso e a
sua base, que eé em ué ltima instaî ncia, a ligaçaã o entre esse objeto especîéfico e o seu espaço
de exposiçaã o. Ele faz-nos lembrar que Duchamp chamou a esse processo, a essa
imediatez, o «efeito de instantaî neo», concebendo-o portanto uma vez mais como uma
funçaã o do fotograé fico, como pertencente ao domîénio do îéndice. Enfim, eé preciso
lembrarmo-nos do facto de que ele compara o efeito de instantaneidade a um outro
fenoé meno que eé o do descarrilamento do discurso ou a disfunçaã o no domîénio da
linguagem. Porque Duchamp diz que o efeito de instantaneidade eé «como um discurso
pronunciado por ocasiaã o de naã o importa o queî mas a tal hora». A imediatez do
Readymade liga-se logicamente naã o apenas ao desmoronamento das convenieî ncias
linguîésticas (ou parece implicaé -lo) mas ainda ao abandono desta ideia segundo a qual a
linguagem teria um sentido que lhe seria proé prio e que existiria independentemente da
vontade de um dado locutor. (ibidem, pp. 85-86)

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Antes de prosseguirmos na leitura do trecho citado, constatemos o seguinte: a definiçaã o


psicanalîética (lacaniana) de «objeto parcial» diz-nos que se trata de um «objeto do desejo que
se esquiva e que, ao mesmo tempo, remete para a proé pria causa do desejo»; esse objeto eé
sempre «uma falta de ser» (ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel, «Objecto parcial»,
Dicionário de Psicanálise, trad. de Isabel St Aubin, Porto, Editorial Inquérito, 2000, p.
543). EÉ uma definiçaã o que nos serve perfeitamente para falar da forma como a Fontaine eé posta
em perspectiva por Rosalind Krauss, na sua «ambivaleî ncia sexual». A Fontaine eé , com efeito, um
«objecto esquivo», marcado por uma «falta de ser», na medida em que nele se inscrevem as
formas aparentemente antagoé nicas (e, assim, sempre «parciais») do uterino e do faé lico sem
soluçaã o de continuidade ou partiçaã o estanque. O que a produçaã o do ready-made implica eé pois o
«transformar do objeto em imagem»: a conversaã o do objeto em rasto. E neste caso, uma imagem
ambivalente. Uma imagem a que chamarîéamos, para sermos coerentes com o que disse-mos ateé
agora, clivada ou espaçada.

Essa transformaçaã o do objeto em imagem implica, em termos duchampianos: «atrasaé -


lo», desviaé -lo ou descarrilá-lo (ver mençaã o a este deslocamento no texto anterior de Rosalind
Krauss) da seé rie funcional a que originariamente pertence (tambeé m nisso ele se «esquiva» a si
mesmo). Suspendeî -lo da sua funçaã o eé precisamente uma operaçaã o graças aù qual o ready-made
se produz na sua unicidade (dito de outro modo: na sua singularidade; que aqui se naã o deve
confundir com nenhuma forma de unidade). Assim se deslocaria ele da seé rie funcional, por
intermeé dio da dissociaçaã o do objeto em imagem, para a sua recolocaçaã o sobre a base em que
assenta, na galeria de exposiçoã es. O que nele se associa ao «instantaî neo» eé esse «descarrila-
mento», que implica a sua dissociaçaã o funcional ou disfuncionalizaçaã o: a sua transformaçaã o em
imagem... Por outro lado, o facto de esse entalhe percetivo que o instantaî neo pressupoã e nele poî r
a descoberto o que a univocidade funcional do objeto banal ocultava. Ora, em Tu m’ saã o as suas
respectivas sombras que se inscrevem. Sombras de sombras, rastos de rastos. Tal como no caso
das trois stoppages étalons.

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2º - Antes de se considerar, com mais detalhe, os elementos caraterîésticos destas duas formas de
reenvio que acabaé mos de mencionar – ambas de «conexaã o fîésica»: por sensibilização de emulsão
e por decalque... – ter-se-ia, ainda, de mencionar a seé rie alinhada e oblîéqua do que parecem ser
uma espeé cie de eé craã s, de telas coloridas que veî m do canto superior esquerdo do quadro Tu m’.
Despojados, na extensaã o da sua superfîécie, de qualquer integrante formal – assim como de
qualquer variaçaã o tonal ou disposiçaã o configuracional interna - esses «quadros» (quadro vem
do latim quadrum, vocaé bulo de que procede o verbo quadrare, de onde proveé m «quadrado»,
por um lado, e de onde se pode derivar «enquadrar», por outro lado; ora, ambos – quadrum e
quadrare - derivam de quattuor, com o sentido de «quatro» - lados, aî ngulos, etc; cf. A. Meillet;
A. Ernout, Dictionnaire étymologique de la langue latine – histoire des mots, 4ième ed.,
Paris, Klincksieck, 1967, pp. 553-554: «quattuor invar.: ‘quatre’. Quattuor se deé clinait aù
l’origine. [...] Les autres composeé s et deé riveù s de quattuor ont des formes en quadr- au lieu de
quatr- qu’on attendait; [...] quadrus, -a, -um: ‘carreé ’ [...]; de laù quadratus; subst. n. quadratum
‘carreé ’») avançam em direçaã o aù sua zona central-frontal, e ao inîécio da metade direita da tela.

Dir-se-ia entaã o tratar-se de «quadros» – telas, superfîécies de inscriçaã o, cartoã es de cores,


mosaicos, de paé ginas ou de eé craã s diversamente coloridos, mas todos eles vazios de qualquer
espécie de organização interna visível... «Telas» dispostas de uma maneira determinada: em
crescendo de tamanho e proximidade, em relaçaã o de aproximaçaã o ao plano de frente; telas que
avançam para a metade oposta do quadro, e o fazem no alinhamento monoé tono de uma
sucessaã o-justaposiçaã o regular, onde um mesmo padraã o de extensaã o, uma mesma loé gica de
intervalo se repetem. E essa sucessaã o-justaposiçaã o eé o campo, tambeé m, onde os tons das cores
progridem gradativamente: do mais escuro para o mais claro, do mais recoî ndito para o mais
proé ximo, de uma maior obscuridade para a luz, do mais remoto para o presente da relaçaã o
«direta». Variaçaã o tonal que colabora, por isso, jaé com a perspectiva. Os elementos dessa seé rie
(sucessiva) seriam assim mantidos numa certa constaî ncia de formato, de espaçamento e de
enquadramento em crescendo, numa perspectiva cromaticamente valorizada.

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3º - Para, a esses elementos quadrados – a esses «quadros» - os lermos coerentemente, isto eé ,


seguindo o mesmo princîépio de leitura acima usado para os dois elementos anteriores (as
sombras dos ready-mades e as linhas das trois stoppages étalons), que confere com a leitura
«autobiograé fica» da obra de Duchamp, ter-se-ia de poder ver neles, tambeé m, alguma relaçaã o
com o que se sabe da vida do seu autor. E, portanto, alguma alusaã o aù forma planar do suporte
pictoé rico, bem como aù s variaçoã es possîéveis com o recurso aos pigmentos de que os pintores se
servem, enquanto materiais proé prios a uma das praé ticas de trabalho visual pela qual o artista
tambeé m passou: a pintura. (Duchamp experimentou, por exemplo, o cubismo – para aleé m do
fauvismo – no inîécio da sua produçaã o como pintor, sensivelmente ateé 1911-1912, mas num
geé nero que se naã o prestava aù dispersaã o cubista: o do retrato – como nos recorda Rosalind
Krauss). Ora, o que esses quadr(ad)os figurariam seria, como se veî no quadro, por um lado, um
certo uso da cor coerente com o uso da perspectiva (o que a conota com a histoé ria da pintura no
Ocidente) e, por outro lado, um determinado uso regular do formato, que lhe esteve ligado
durante vaé rios seé culos.

A proé pria perspectiva, o crescendo inscrito na repetiçaã o em seé rie associado aù progressaã o tonal
do escuro para o claro ajudam aîé aù sugestaã o de um certo movimento de progressaã o, uma certa
aproximaçaã o ao espectador presente. Este tipo de ordenamento constituiu, como eé sabido,
durante muito tempo, uma maneira de figurar espacialmente a orientaçaã o vectorial do tempo
dito «histoé rico» como tempo do progresso, da origem e do desenvolvimento. Tempo «teoloé gi-
co» tambeé m: preé -determinado, teleologicamente orientado para um fim, para um certo desfe-
cho narrativo. Tempo narrativo, sem dué vida. Mas o que haé de verdadeiramente singular nesses
elementos quadrados naã o eé tanto o seu caraé cter abstrato (as sombras dos ready-mades, assim
como as linhas das trois stoppages étalons, saã o igualmente «abstratos») mas antes a circunstaî n-
cia de essa sua seé rie se interromper, a dada altura, por um espaçamento marcado, quer pela
presença de um rasgão e uma sutura da tela maior em que se inscrevem, quer pela inserçaã o de
um pequeno sîémbolo: o de uma pequena mão de indicador estendido, que ali figura, quase no
centro do quadro, emergindo por detraé s da sombra de um dos ready-mades – o saca-rolhas cuja
sombra, no seu alinhamento em relaçaã o ao eixo da roda de bicicleta, tambeé m ela em sombra,

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sugere um movimento de extracçaã o circular paralelo aù progressaã o em perspectiva das telas


coloridas. A sombra do bengaleiro (lembrar aqui a mençaã o de Jannis Kounellis ao benga-leiro de
Duchamp) induz, depois, aù sugestaã o de uma abertura divergente e tentacular, alguma coisa de
diferente da rotaçaã o circular, espiralada mas ainda centrada em torno de um eixo, sugerida
pelas duas primeiras sombras de ready-made. Como se alguma coisa dali em diante (da
esquerda para a direita, no sentido da leitura) escapasse jaé , divergindo, a esse ordenamento
linear anterior. Alguma coisa acontece, entaã o, nesse trecho do inîécio da metade direita do
quadro.

4º - O modo de relaçaã o que essa pequena maã o assinala eé precisamente o da indicação: o


movimento comum da extensaã o do dedo indicador na direçaã o do elemento do real exterior que
se pretende colocar sob o foco da atençaã o de algueé m. E o que ela consagra eé , pois, a simboliza-
ção de um gesto. Se quiseé ssemos classificaé -la com a terminologia de Peirce, verîéamos que ela
tem um pouco de «sîémbolo» (de signo convencional, pela sua forma esquemaé tica, repetida ou
estereotipada) e de «îécone» (visto que ela se caracteriza ainda por uma certa relaçaã o de seme-
lhança com aquilo que representa: uma mão). Trata-se da simbolização de um gesto que
consiste, precisamente, em prescindir dos «símbolos», em permanecer aparentemente por
fora do sistema transpessoal e codificado dos signos convencionais, dos «rastos instituí-
dos» – como lhes chama Jacques Derrida – que a linguagem humana pressupoã e. Como se sabe,
um gesto eé ainda um rasto, um indîécio, a forma de um reenvio, como a proé pria Rosalind Krauss
(e Jacques Derrida, em «Artes do visîével...») nos recorda. Em 1963 Duchamp produziria um
ready-made relativamente pouco conhecido cuja forma lembra exatamente a desse sîémbolo
convencional da indicaçaã o / da indicialidade: «eé
uma tabuleta do Hotel Green mostrando a imagem
de uma maã o, com o indicador a apontar, semelhante
ateé ao detalhe aù quela que Duchamp havia
encomendado a um pintor de cartazes para o ué ltimo
quadro executado pela sua proé pria maã o, Tu m’,
1918», como no-lo descreve o crîético de arte

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Thierry de Duve, no seu Kant after Duchamp (Cambridge / Massachusets / London, MIT
Press, 1996, p. 398).

O que interrompe a seé rie de «telas» diversamente coloridas em Tu m’ eé , portanto, o elemento de


uma simbolização da relação indicial. Naã o a indicaçaã o do sîémbolo, mas, bem pelo contraé rio, a
simboliza-ção de um «index», um índice e um indicador. Essa simbolizaçaã o entra em Tu m’
como um outro ready-made, posteriormente produzido mas jaé relevante, uma vez considerado
na sua inscriçaã o suplementar, na tela de 1918... E com ela entra tambeé m a sugestão do
mutismo que toda a imagem fotográfica, por exemplo, envolve, naquela mesma «contra-
corrente» que afasta todo o índice (fotograé fico ou outro) da possibilidade da sua
simbolização plena. Eis algumas das distinçoã es de Peirce (muitas delas reformuladas ao longo
da sua obra):
Índice: «This is a real thing or fact which is a sign of its object by virtue of being connected
with it as a matter of fact and by also forcibly intruding upon the mind, quite regardless of its
being interpreted as a sign. It may simply serve to identify its object and assure us of its
existence and presence. But very often the nature of the factual connexion of the index with its
object is such as to excite in consciousness an image of some features of the object, and in that
way affords evidence from which positive assurance as to truth of fact may be drawn. A
photograph, for example, not only excites an image, has an appearance, but, owing to its
optical connexion with the object, is evidence that that appearance corresponds to
a reality» (1903 (c.) Logical Tracts. No. 2. On Existential Graphs, Euler's Diagrams, and
Logical Algebra, citado em Digital Companion to C. S. Peirce; do mesmo texto seguido por
Rosalind Krauss)

Index (in exact logic). A sign, or representation, which refers to its object not so much
because of any similarity or analogy with it, nor because it is associated with general
characters which that object happens to possess, as because it is in dynamical (including
spatial) connection both with the individual object, on the one hand, and with the senses or
memory of the person for whom it serves as a sign, on the other hand. [—] Indices may be
distinguished from other signs, or representations, by three characteristic marks: first, that
they have no significant resemblance to their objects; second, that they refer to individuals,
single units, single collections of units, or single continua; third, that they direct the
attention to their objects by blind compulsion. But it would be difficult if not impossible,
to instance an absolutely pure index, or to find any sign absolutely devoid of the
indexical quality. Psychologically, the action of indices depends upon association by
contiguity, and not upon association by resemblance or upon intellectual operations. (ibidem,
1901, «Index (in exact logic)», DPP1, 531-2; CP 2.305; sublinhados meus)

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Símbolo: «… I had observed that the most frequently useful division of signs is by trichotomy
into firstly Likenesses, or, as I prefer to say, Icons, which serve to represent their objects only
in so far as they resemble them in themselves; secondly, Indices, which represent their objects
independently of any resemblance to them, only by virtue of real connections with them, and
thirdly Symbols, which represent their objects, independently alike of any resemblance or any
real connection, because dispositions or factitious habits of their interpreters insure their being
so understood» (ibidem, 1909, A Sketch of Logical Critics, EP 2:460-461)

5º - Essa maã o eé mais «executada» que desenhada, esquematicamente fixada, reé plica de um
modelo preé -existente. Ela fornece-nos um sîémbolo do que, no processo da indicação, na relaçaã o
de conexaã o fîésica que o îéndice pressupoã e, se naã o reduz nem ao sîémbolo nem aù convençaã o. A maã o
eé , portanto, sîémbolo do que passa pelo mutismo da correlação indicativa, no que ela supoã e de
sileî ncio, de «relaçaã o ininterrupta com o real» em jogo nessa conexaã o fîésica (visual, sensîével)
implicada no apontar. O que, assim, figura aproximadamente no centro do quadro de Duchamp eé
jaé aquilo que vem de fora do campo de uma arte – um certo letrismo, por exemplo, uma certa
praé tica de exploraçaã o graé fica de letras de imprensa foi tambeé m um procedimento Dada... Essa
exterioridade eé tambeé m o que se verifica no caso dos ready-made em geral.... – ainda concebida
como «autónoma». Mas eé tambeé m o que vem de fora da linguagem, e transgride a sua
organizaçaã o simboé lica interna, no sentido da inscriçaã o da dimensaã o da indicialidade...

Naã o apenas literalmente de fora da tela, portanto, como no caso do piaçaba ou escovaã o que
atravessa o seu rasgaã o, mas tambeé m de fora do registo iconograé fico tradicional de organizaçaã o
simboé lica que a pintura consagrou, se nessa maã o ou simbolizaçaã o do îéndice se vir uma alusaã o
negativa, uma espeé cie de acusaçaã o aù pretensa autonomia da «pintura-pintura», como Krauss
começa por salientar. A pequena maã o inscreve ali, pois, no seu funcionamento simboé lico, em
primeiro lugar, uma certa transgressaã o da fronteira esteé tica e soé cio-simboé lica entre o objeto
artîéstico e o artefacto. Em segundo lugar, uma mordaz chamada de atençaã o para a indicialidade
que deve interpelar essa mesma arte autoé noma – essa «pintura-pintura», a que Duchamp quis
contrapor, como nos diz o Otaé vio Paz citado por Rosalind Krauss, uma certa maneira de «pintu-
ra-ideia».

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Essa «pintura-ideia» ter-se-ia querido desprendida, naã o apenas do tradicional funcionamento


«retiniano» atribuîédo aù «pintura-pintura» (lembremo-nos da definiçaã o que Duchamp nos daé de
«retina»: «a porta que nos permite ir mais longe»), assim como da sua materialidade empîérica
dita «olfativa» (e da ironia resultante da correlaçaã o entre ambas), mas tambeé m de qualquer
confinamento empîérico a meé todos e suportes jaé usados ou tradicionalmente considerados
proé prios ou exclusivos da «pintura-pintura». Ora, se o gesto de apontar eé aquele em que se
inscreve o mutismo da relação de conexão física, a verdade eé que ele eé tambeé m o veîéculo de um
certo visar pelo qual passa, em simultaî neo, um certo registo da acusação. O que interrompe a
seé rie das telas eé o que, do intervalo da sua proé pria sequenciaçaã o emerge como simultaneamen-
te indicial e antagónico, separador e contínuo, interruptor e suspensivo, imediato e, ao mesmo
tempo, descontínuo e conflitual, em convocação e em demarcação.

7º - O que ali se poã e em jogo? Talvez, precisamente, a dimensaã o do indicial no interior de uma
praé tica que, tal como na pintura-pintura, se quis ainda simbolicamente regida pela sua própria
organização formal interna. O que a maã ozinha-sîémbolo ali assinala eé , portanto, na sua pretensa e
contrastante literalidade, a dimensaã o irredutîével de uma indicialidade que deveria tornar a
«pintura-pintura» ciente da sua proé pria relaçaã o de conexaã o fîésica com o real, chamaé -la aù razaã o
da relaçaã o que faz dela, sem que ela o saiba ou assuma, aos olhos de Duchamp, uma praé tica
simultaneamente «olfativa» e «retiniana». Gesto de denué ncia, de interpelaçaã o e de inscriçaã o da
irredutibilidade da relaçaã o de conexaã o com o real - cuja margem de inominaé vel se manteé m na
irrestituibilidade do sentido pleno do rasto. Gesto ali transposto pelo uso inequîévoco de um
sîémbolo ou de um signo convencional destinado a ser lido aù maneira de uma espeé cie de tabuleta
indicativa, de inscriçaã o de um princîépio de leitura, uma recomendaçaã o, uma instruçaã o de leitura.
Essa maã o naã o eé , todavia, apenas um «sîémbolo». Ela eé , tambeé m, portanto, simultanea-mente, um
embreador, um shifter: tambeé m um «signo vazio», pelo qual se faz, no quadro, a articulaçaã o
concreta da posiçaã o enunciativa do sujeito leitor, no discurso que ele profere...

8º - Pois se, por um lado, eé certo que a maã o eé um «sîémbolo» (cujo conteué do diz o funcionamento
indicial inscrito numa relaçaã o que interrompe a seé rie das telas que ali se alonga), por outro, ela

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fornece o ponto a partir do qual se entra no quadro para o ler de uma determinada maneira. O
que ela faz eé , pois, interrogar a distinção estrita entre «signo vazio» e signo pleno. O contraste da
forma e do registo formal dessa maã o-sîémbolo, em relaçaã o aos restantes elementos do quadro
confere-lhe, de resto, uma posiçaã o de destaque e de eminente visibilidade. Ela diz visivelmente:
«isto» e visa, na sua orientaçaã o digital, a pequena tela que surge, entaã o, significativamente
«vazia», em branco, aù sua frente. A ué ltima «tela-eé craã » dessa seé rie. O que o seu dedo estendido
repete, simbolicamente (representativamente), eé precisamente o valor performativo, naã o
apenas do rasgão (e da sustentaçaã o precaé ria da tela por sutura) – que abre a tela ao seu
trespassamento pelo real – mas tambeé m o seu atravessamento pelo piaçaba ou escovaã o que,
perpendicularmente, avança, na direçaã o do espectador, no espaço em que se situa tambeé m o seu
horizonte de significaçaã o.

9º - O que, no entanto, acompanha esse indicador visual eé , no tîétulo do quadro – Tu m’ – uma


outra coisa, que aqui deverîéamos tentar examinar: a ausência de verbo. A traduçaã o brasileira do
texto de Krauss diz o seguinte, a seu respeito: «ao terminar o seu trabalho sobre o Grand Verre,
Duchamp pintou um ué ltimo oé leo, que considero o seu canto do cisne no campo do olfativo. Esta
obra, Tu m’... (Vá à m...) funciona como um formidaé vel contrapeso para a Mariée...» (KRAUSS,
Rosalind, trad. cit., p. 84). Trata-se de uma traduçaã o abusiva. Por um lado, porque a sua
comparaçaã o com a traduçaã o francesa nos mostra o que se poderia confirmar em qualquer
leitura das muitas reflexoã es disponîéveis sobre este quadro: que a seguir ao título do quadro não
há reticência nenhuma. As citaçoã es do quadro de Duchamp colhidas de muitos outros textos
confirmam-nos, de facto, que a reticeî ncia naã o faz parte do seu tîétulo. A versaã o francesa diz, por
exemplo:
Vers la fin de son travail sur le Grand Verre, Duchamp peignit sa dernieù re huile qui fut son
chant du cygne dans le domaine de l’olfactif. Cette oeuvre (Tu m’, 1918) fonctione comme
un formidable pendant aù La Mariée... (KRAUSS, Rosa-lind, «Marcel Duchamp ou le
champ de l’imaginaire», Le photographique – pour une théorie des écarts, trad. de
Marc Bloch et Jean Kempf, Paris, Macula, 1990, p. 79)

Em segundo lugar, o que na traduçaã o brasileira figura entre pareî ntesis eé uma precisaã o
que se encontra, tambeé m, em alguns dicionaé rios de franceî s, com a respetiva abonaçaã o. Um

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acesso ao site do CNRTL (Centre Nationale de Ressources Textuels et Lexicographiques) facultar-


nos-ia uma elucidativa definiçaã o de «emmerder» e uma abonaçaã o curiosa: «Avec un souci de
décence, le verbe et ses dér. sont parfois écrits : emm... Le nom seul de mon roman [Salammbô]
m'emm... jusqu'au fond de l'âme (Flaub., Corresp., 1862, p. 22) [com uma preocupação de decência,
o verbo [emmerder] e os seus derivados escrevem-se por vezes: emm… Só o título do meu romance
(Salammbô) m’ab[orrece]… até ao fundo da minha alma (Flaubert, Correspondance, 1862, p. 22)]».
A tradução para português é-nos dificultada pelo facto de não possuirmos nenhum termo vulgar e
pejorativo equivalente, na nossa língua… A definição que corresponde ao verbo emmerder é, no
entanto, ali: «importunar, perturbar, contrariar fortemente…». Ora, o tradutor do texto para português
do Brasil acrescenta uma reticência ao título Tu m’. Porquê? Porque parte do princípio de que se trata
justamente de um procedimento que se alinharia pela tradição em que se enquadra o gesto de
Flaubert, que abrevia o verbo por «uma questão de decência»... O procedimento extremo dessa
decência seria então o da elipse, o da completa omissão do verbo emmerder – Tu m’emmerdes diria,
assim, entrementes (e «indecentemente») o título do quadro de Duchamp, caso o seu autor não
mantivesse na reserva necessária a um certo decoro…

10º - Ora, o texto de Rosalind Krauss não contém nenhuma destas indicações ou sugestões, dadas na
tradução brasileira, como resulta claro do cotejo com a versão francesa e com outros textos de
Rosalind Krauss. Mesmo que seguindo uma prática bastante comum em Duchamp – que seria a de ler
as letras pela palavra que as designa: /tu m’/ = /tu ème/ = > /tu aimes/… – o que daria uma leitura
dupla do título: Tu m’… : 1) tu m’[emmerdes]; 2) tu aimes (/tu ème/) – há, entre as duas leituras,
ainda a considerar uma mesma presença-ausência do verbo que nunca aí se enuncia como tal. Porque
não seria outro, então, o verbo? Como podemos sabê-lo, uma vez elidido? Será possível? Porque não?
Ora, o que o título de Duchamp consagra, independentemente de qualquer leitura de omissão, é
precisamente a ausência do verbo: a Tu m’ falta o verbo que articularia o sujeito – «Tu» – ao
complemento indireto – «m’». É precisamente essa ausência do verbo que nos parece necessário
ponderar para ler a proposta que nos faz Rosalind Krauss. Que nos diz ela, mais concretamente?
Vejamos, primeiro, a tradução brasileira:
Ora, em Tu m’..., Duchamp naã o diz ‘eu’. Ele diz ‘tu, para mim’. O fato de ele
identificar aqui uma perspectiva mutante [shifting] eé ainda mais acentuado pelas

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propriedades visuais dos objetos que compoã em o quadro, por seu alongamento e
dilataçaã o extremos, sugerindo que o mundo a que pertencem naã o eé controlado
pelo sistema da perspectiva monocular e sim de anamorfose, um sistema de
perspectiva dupla em que dois pontos de vista concorrenciais, um de frente e
outro de lado, representam reciprocamente a tela. «Tu m’...» designa portanto
uma experieî ncia do embreante e do indicial no momento em que a expressaã o
unîévoca do Eu se veî novamente questionada por uma espeé cie de duplicaçaã o, um
tipo de indecisaã o quanto aù localizaçaã o do sujeito. Tu m’... assinala uma disfunçaã o
no modo de operaçaã o dos embreantes, que encontramos correntemente em
determinados estados patoloé gicos da linguagem, como a afasia e o autismo
(pensamos aqui na apresentaçaã o feita por Bruno Bettelheim, de Joey pedindo aù
sua enfermeira: «quero srta. M. te balançar»), ou quando a aquisiçaã o da lingua-
gem na criança normal ainda naã o se completou e o manejo dos embreantes ainda
naã o foi completamente dominado. [...]

O proé prio estatuto da imagem fotograé fica (ou do îéndice) eé algo que Duchamp
entende como preé -simboé lico e que, enquanto tal, define para ele um tipo muito
particular de organizaçaã o do eu. Este Eu, bloqueado em estado preé -simboé lico ou
naã o simboé lico, se expressa e vive de maneira assombrosamente similar ao que
Jacques Lacan define como campo preé -edipiano e preé -verbal do Imaginaé rio.
Investido de uma imediatez corporal muito forte, o sujeito se projecta ao mesmo
tempo no exterior, em imagens especulares. Entretanto, essas imagens, que saã o
distintas do corpo e existem fora dele em um espaço visual, permanecem
identificadas com ele apesar de tudo. Por causa desta confusaã o, o habitante do
imaginaé rio naã o tem ‘identidade’ unîévoca ou orientada em torno de um ponto focal
ué nico, pois sua identidade se constitui simultaneamente dele mesmo e do outro.
Daé -se assim livre curso a esta perspectiva dupla muito particular que eé o transiti-
vismo, quer dizer uma localizaçaã o incerta do «eu», que poderîéamos chamar de
anamorfose de quem olha. Esse jogo de perspectivas eé precisamente o que chega
para nos impedir de falar do «Eu» no campo Imaginaé rio. (ibidem, pp. 86; 88-89)

De uma forma resumida, o título do quadro supõe, por um lado, para Krauss, uma
espécie de inversão ou reversão. Em «Notes on the Index» (uma espeé cie de versaã o alternativa
do mesmo texto que acabaé mos de citar, mas integrada em The Originality of the Avant-Garde
and Other Modernist Myths), Krauss refere-se de novo, explicitamente, a Bruno Bettelheim,
dele citando a seguinte passagem, sobre os pronomes: «Describing the case of Joey, one of the
patients in his Chicago clinic, Bruno Bettelheim writes: ‘He used personal pronouns in
reverse, as do most autistic children. He refered to himself as you and to the adult he was
speaking as I. A year later he called this therapist by name, though still not addressing

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her as “you”, but saying “Want Miss M. to swing you”’» (KRAUSS, The Originality of the
Avant-Garde and Other Modernist Myths, Cambridge / Massachusetts / London, 1986, p.
199). O que supoã e que a relaçaã o aqui pressuposta assenta naquilo a que outros autores
chamariam transitivismo infantil. O exemplo tradicionalmente referido eé o apresentado por
Charlotte Buü hler. Diz-nos Lacan, referindo-se ao imaginaé rio e, nele, aù relaçaã o pressuposta pelo
transitivismo:
This moment in which the mirror-stage comes to an end inaugurates, by the identifi-
cation with the imago of the counterpart and the drama of primordial jealousy (so well
brought out by the school of Charlotte Buü hler in the phenomenon of infantile transiti-
vism), the dialectic that will henceforth link the I to socially elaborated situations.
(LACAN, Jacques, «The Mirror Stage As Formative of the Function of the I as
Revealed in Psychoanalytic Experience», Écrits – a Selection, trad. de Alan Sheridan,
London / New York, Routledge, 1977, p. 4)

During the whole of this period, one will record the emotional reactions and the
articulated evidences of a normal transitivism. The child who strikes another says that he
has been struck; the child who sees another fall, cries. Similarly, it is by means of an
identification with the other than he sees the whole gamut of reactions of bearing and
display, whose structural ambivalence is clearly revealed in his behaviour, the slave being
identified with the despot, the actor with the spectator, the seduced with the seducer.
(LACAN, Jacques, «Agressivity in Psychoanalysis», op. cit., p. 15)

Para seguirmos os proé prios termos de Rosalind Krauss, acerca da experieî ncia daquele
«habitante do Imaginaé rio» a que se assemelha a experieî ncia pressuposta pelo tîétulo do quadro,
dirîéamos entaã o que «investido de uma imediatez corporal muito forte, o sujeito se projeta ao
mesmo tempo no exterior, em imagens especulares», tal como acontece com Joey, segundo a
descriçaã o de Bruno Bettelheim, em relaçaã o a «Miss M». Transpondo esta observaçaã o para a
leitura do tîétulo terîéamos entaã o que Tu – no tîétulo do quadro – se deveria já dar como espaço de
m’, na medida em que este ué ltimo corresponde aù instaî ncia de um eu cuja alteridade o desloca da
possibilidade da sua univocidade, e o faz precisamente numa projecçaã o especular: «o habitante
do Imaginaé rio naã o tem ‘identidade’ unîévoca ou orientada em torno de um ponto focal ué nico, pois
sua identidade se constitui simultaneamente dele mesmo e do outro», acrescenta Rosalind
Krauss, no seu desdobramento da teoria lacaniana. Ora: a ausência do verbo no título é
consistente com este dado – o da despossessão de uma identidade unívoca, que aqui se refere aù
relação imaginária. Naã o se trata de uma omissaã o «por deceî ncia», portanto, como para o caso de

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Flaubert se leî , no dicionaé rio. E naã o se trata, portanto, apenas de uma alusaã o velada ao verbo
emmerder. De facto, em se tratando de uma perspectiva dupla – uma vez que nos referimos aù
experieî ncia de uma «anamorfose do olhar», que implica a incerteza posicional do sujeito, como
condiçaã o correspondente aù sua relaçaã o de transitividade / alteridade – essa ausência do verbo
obriga-nos a uma certa leitura do quadro que nos deveria levar a repensar a possibilidade da
proé pria distinçaã o entre actividade e passividade.

11º - A segunda consideraçaã o importante, quanto ao tîétulo do quadro, tem ainda que ver com a
traduçaã o brasileira, por comparaçaã o com a sua correspondente francesa. A versaã o francesa naã o
diz «tu, para mim». Diz «Tu, à moi» - o que significa jaé , em certa medida, «tu, a/em mim». E a
diferença entre para e a/em eé a que vai do (juîézo acerca de algueé m) exterior aù impossibilidade
do juîézo acerca de quem estaé jaé (junto a/) em nós, algueé m cujo contacto nos afecta e jaé
franqueou, assim, o limite separador do nosso «interior», em relaçaã o ao mundo que nos cerca.
«Tu, à moi» implica, pois, a ideia do fluxo ininterrupto de um real que me afecta antes que eu
possa pensar-me (imaginar-me, poî r-me na imagem una que consagraria a minha diferença
estanque, impossîével no campo do imaginaé rio) exclusivamente no seu exterior. Um fluxo
ininterrupto do real – que me condiciona no proé prio acto pelo qual eu me distingo, me separo
dele para o designar, apontando – corre assim jaé por dentro de mim. Ora, eé precisamente este
«tu, à moi» - este tu em mim; este tu comigo... - que marca a singularidade do «habitante do
imaginaé rio», no sentido lacaniano de que Rosalind Krauss aqui nos fala. E eé tambeé m esta a ideia
que corresponde aù descriçaã o peirceana de îéndice como signo de conexão física, como se viu. Se
procurarmos agora projectar isto na leitura auto-biograé fica do quadro tentada por Krauss
teremos de acompanhar determinadas relaçoã es e procurar articular-lhes o sentido.

12º - A interrupção da seé rie dessas «telas-eé craã s» vazias-coloridas, mediante o uso do sîémbolo
graé fico da maã o, entra, assim, em correspondeî ncia com o rasgão da tela «Tu m’...», sobre a qual
elas se inscrevem como que en abîme. Tal como o dedo estendido da maã o-que-aponta entra em
correlaçaã o de isotopia formal e funcional com o piaçaba ou o escovaã o que vara, atraveé s desse
rasgaã o, a espessura do tecido da tela de um lado ao outro, como outro dedo apontado que

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avançasse, agora, na direçaã o do espetador. Dedo tambeé m e simultaneamente convocador: naã o


apenas indicador e acusador... Esse duplo noé , representativo-performativo, aqui inscrito na
interrupçaã o dessa seé rie de «telas», deve ligar-se, ainda, aù reinscriçaã o das trois stoppages étalons
em trompe l’oeil, do lado direito do quadro. O trompe l’oeil inscreve, aliaé s, esse mesmo efeito de
ressonaî ncia formal. Pois, entaã o, naã o eé apenas o piaçaba ou escovaã o que avança, atravessando a
tela, na direçaã o do espectador. Saã o tambeé m essas trois stoppages étalons que do plano de
representaçaã o se desprendem para vir (imaginariamente) ao nosso encontro, atraveé s do efeito
de trompe l’oeil. E naã o eé , entaã o, apenas a seé rie de «telas-eé craã s» que ali se intervala, se
interrompe e auto-suspende, mas tambeé m as trois stoppages étalons que se redobram,
deslocando-se, assim, do lado esquerdo do quadro para virem, por sua vez, a repetir-se do lado
direito do quadro. Essa transposiçaã o conota aîé uma certa persisteî ncia, se nos lembrarmos que a
leitura corre, no plano da relaçaã o auto-biograé fica em que o quadro se assume como auto-retrato
de um autor construîédo a partir das suas obras, da esquerda para a direita, no alinhamento do
index e da correlaçaã o entre as duas seé ries: a dos quadros e a das sombras dos ready-mades.

13º - O que elas assinalam eé , lembremo-lo, a indissociabilidade entre o normativamente


estabelecido como universal – de que o metro padraã o seria sîémbolo - e a irredutîével contingeî n-
cia que decorre da sua materialidade. Como se deste quadro resultasse esta espeé cie de dedo
apontado a tudo o que na cultura (e na arte) se pretendesse internamente regido pela mesma
ficçaã o: a ficçaã o do seu valor intrîénseco, autoé nomo, distintamente dissociado, na sua pretensa e
tradicional «nobreza». Dedo acusador e naã o apenas dedo indicador. Gesto de designaçaã o, de
inscriçaã o da indicialidade, e gesto de indiciaçaã o-acusaçaã o do processo simboé lico pela sua
exclusaã o, na «pintura-pintura». Nesse sentido, o «auto-retrato» ou a «auto-biografia» de
Duchamp seriam jaé , em Tu m’ uma forma de questionar o estatuto dos valores assegurados por
uma distinçaã o e uma distribuiçaã o herdados jaé da Idade Meé dia e da Renascença: a «pintura-
pintura» supunha, tal como entaã o, a sua distinçaã o estanque da escultura, etc., etc. Ora, ver-se-aé
que todo esse paradigma – que o modernismo vanguardista manteé m (cf. Clement Greenberg) –
tenderaé a entrar em crise, na segunda metade da deé cada de sessenta. A designaçaã o «objectos
específicos», aqui usada por Rosalind Krauss, a respeito dos trabalhos de Duchamp, naã o eé jaé

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inocente, evidentemente. Ela retoma a terminologia de uma das principais figuras do


minimalismo, a de Donald Judd, que escreve uma espeé cie de manifesto com esse tîétulo. E serve-
se, tambeé m, por seu intermeé dio, da ideia da impossibilidade de prosseguir com a tradicional
distinçaã o entre pintura e escultura, etc. (Um mesmo tipo de afirmaçaã o se poderia juntar,
tambeé m, a outros exemplos, como os «combined paintings» ou «combines» de Robert
Rauschenberg. Assim como a uma posterior infinidade de trabalhos de outros artistas,
vindouros...).

14º - Como ler entaã o o quadro naquela sua dimensaã o auto-biograé fica, tal como nos propoã e
Rosalind Krauss? Entre as duas seé ries distintas que no quadro se inscrevem, da esquerda para a
direita, a das projeçoã es em sombra dos ready-mades e a das telas coloridas dir-se-ia que haé , num
movimento de extensaã o e progressaã o em direçaã o a esse espaço «descosido», aberto e conflitivo,
simultaneamente de indiciaçaã o e de convocaçaã o – espaço de ruptura do simboé lico pelo indicial,
por um indicial que ali vem interromper a seé rie dos «quadros» que, no entanto, se daã o jaé como
espaços de um certo vazio... - seria entaã o preciso estabelecer uma correlaçaã o. Se do lado da seé rie
dos quadros eé a proé pria perspectiva a figurar a linha do tempo histoé rico, na das projeçoã es em
sombra dos ready-mades eé a asserçaã o iroé nica da circularidade (na roda de bicicleta posta sobre
o banco que lhe serve de pedestal) e a torçaã o espiralada do saca-rolhas (signo de uma extracçaã o
forçada do que permanece inserido na origem) que ali se conjugam, na afirmaçaã o de um certo
sentido de uma Histoé ria que, a partir de certo momento, se interrompe e diverge. Histoé ria da
arte do Ocidente e naã o apenas histoé ria auto-biograé fica da arte de Duchamp, cujo gesto eé hoje
tido como ponto de ruptura ou de viragem que a abriraé aù arte contemporaî nea. Aquilo para que o
dedo estendido daquela pequena maã o aponta eé jaé um «quadro vazio», nisso semelhante ao
modo de operaçaã o dos pronomes, cujo funcionamento de embreantes supoã e, como nos diz
Rosalind Krauss, naã o apenas a articulaçaã o do sistema transpessoal dos signos da lîéngua com o
real concreto da situaçaã o de enunciaçaã o, mas tambeé m o aparecimento do ponto de vista do
sujeito enunciador. E a questaã o do ponto de vista seraé aîé preponderante, como se poderia
constatar pelo que Rosalind Krauss nos diz, por exemplo, em «Uma visaã o do modernismo»,
numa passagem em que a escultura de Richard Serra eé abordada em paralelo com os

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pressupostos da construçaã o e da mutaçaã o do ponto de vista, na narraçaã o proé pria do nouveau


roman dos anos 50. Ela se afirmaraé , de resto, no horizonte da mesma crise da Histoé ria.

15º - Aqui, no quadro de Duchamp, tudo se passa como se essa inter(ir)rupção da Histoé ria (da
arte), de que a sua obra eé protagonista ou parte activa, fosse de par com uma ruptura em
relaçaã o, quer aù noçaã o de «pintura-pintura», quer aù noçaã o de diferença específica, aplicada a
cada uma das artes em particular. A ruptura instaurada na praé tica do simboé lico pelo
reconhecimento da dimensaã o irredutîével da indicialidade deve afectar todas as artes
particulares. Aquilo com que se rompe naã o eé apenas a organizaçaã o configuracional interna do
quadro, formal e iconograficamente regida pelos criteé rios de um certo simboé lico, mas a
exclusividade do uso dos suportes e dos materiais inerentes a essas praé ticas artîésticas, anterior-
mente consagradas pela divisaã o corporativa entre as artes. Como nos diria Rosalind Krauss, em
Under Blue Cup:

It was the medieval system of the guilds that presided over the arts as so many
separate crafts: carvers in charge of stone or wood; casters respponsible for
bronze, either statues or doors; painters at work on stained glass wooden panel
or plaster wall; weavers on grand ceremonial tapestries. Separate skills were also
maintained by the Schools of Fine Arts begun in France under Colbert. Ateliers
divided painters from sculptors as students learned by copying the virtuosity of
their masters. [...] In prompting the question «what makes this thing (urinal,
bottle rack, coat hanger, curry comb) art?», the readyade has thus shifted
from the specific to the general. In a quest for the basis of art-as-a-whole, it
has ditched the medium along with the recursive structures that make
possible to state «who you are» (KRAUSS, Rosalind, «Chessboard – The
medium is the support»; «Joust – Art after the medium», Under Blue Cup, MIT
Press, 2011, pp. 3; 32)

[Foi o sistema medieval das guildas [corporaçoã es de artesaã os] que presidiram aù s
artes como a outros tantos ofîécios separados: os entalhadores, encarregues de
pedra e madeira; os que moldavam [metal fundido] responsaé veis pelo bronze,
quer estaé tuas ou portas; pintores a trabalhar em vitral, painel de madeira ou
parede de estuque; os teceloã es em grandes tapeçarias cerimoniais. Competeî ncias
distintas, tambeé m mantidas nas Escolas de Belas Artes, começaram em França
sob o regime de Colbert. Os ateliers separavam pintores de escultores, enquanto
os estudantes aprendiam copiando a virtuosidade dos seus mestres. [...]
Colocando a questão «o que converte esta coisa (urinol, secador de garrafas,
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bengaleiro, pente) em arte?» o ready-made deslocou-se do particular para o


geral. Na busca de uma base para a arte-como-um-todo, destituiu o medium
juntamente com as estruturas recursivas que tornam possível [com
referência a cada um desses «mediums» [lembrar que eé Rosalind Krauss quem
propoã e este falso plural] afirmar «quem você é»]

Em Tu m’ o olhar anamoé rfico do sujeito que habita o «campo imaginaé rio» supoã e, assim, por um
lado, a transitividade entre as artes (esteé ticas e de oficina) e, por outro lado, o reenvio a uma
alteridade que permanece irredutîével, mesmo se outrora tendencialmente ocultada pelo que
cada sistema simboé lico pressupoã e de regulador. Seria, pois, um quadro prenunciador – em 1918
– tanto prenunciador quanto a sua (auto-)biografia (e quanto a relaçaã o que nela se marca naã o
apenas com a fotografia, estritamente, mas sobretudo com «o fotograé fico», noçaã o bem mais
abrangente, no livro de Rosalind Krauss, que atravessa, por exemplo, como se viu, a proé pria
concepçaã o do ready-made) em relaçaã o ao que viria depois, na histoé ria da expressaã o da subjetivi-
dade (a teoria do lacaniana do Imaginaé rio eé de formulaçaã o posterior, embora os termos em que
ela assenta fossem jaé rastreaé veis de observaçoã es antecedentes; sobretudo quanto ao que diz
respeito ao trabalho, quer dos psicoé logos do desenvolvimento, quer aos trabalhos de Roger
Caillois, sobre O Mimetismo Animal e a Psicastenia Lendária, onde se falava jaé de uma certa
teleplastia, a propoé sito desse mimetismo e das suas formas disfuncionais de relaçaã o e
localizaçaã o espacial, nos quais Lacan explicitamente se inspira...), bem como na histoé ria cultu-
ral e artîéstica do Ocidente...

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i
A ediçaã o do texto de Krauss que aqui se segue eé a da sua traduçaã o por Jean Kempf, para
publicaçaã o na revista Degrés, nºs 26-27 (Primavera de 1981), New York. Trata-se, ao que tudo
indica, de uma adaptaçaã o exclusivamente pensada para a sua publicaçaã o em franceî s. Uma
outra versaã o deste texto – mas mais curta e com algumas diferenças significativas - foi
republicada em 1986, em The Originality of Avant-Garde and Other Modernist Myths, a partir de
«Notes on the Index I, II», que tinham aparecido na revista October, nºs 3 e 4 (Spring and Fall,
1977).

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