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Editora:
Selma Pereira
selmapereira@ext-minds.com
Comunicação:
Alberto Mendonça
media@ext-minds.com
Colaboradores:
Ana Sá
André Santos
Bruno Balegas
Gualter Franco
João Lamares
Isabel Mendes
Micael Santos
Miguel Silva
Mónia Camacho
Paula Lamares
Rafael Costa
Ricardo Branco
Rui Guimarães
Sandra Figueiredo
EDITORIAL
Marlita Deodata
Kit Criativo
“For the really bad days, for the days
when you want to quit, when you feel THE ARTIST´S
SURVIVAL KIT
like everything you do is shit..” E.U.A
LINK
http://www.ciac.pt/
POSSO APAGAR A LUZ SE
NÃO FIZER DIFERENÇA!?
PORTUGAL
VIDEO Conceito
Neste blogue podem ver várias es tórias acom-
panhadas por uma f orte ilustração. Estórias e
ilustrações criadas por diver sas pessoas que
vão par ticipando nes te espaço. O objectivo
final será a edição das 1 00 melhores es tórias
e respectivas ilus trações.
KOKI TANAKA LINK
JAPÃO
VIDEO
Em Grupo IMPROV EVERYWHERE
“Improv Everywhere E.U.A.
causes scenes of
chaos and joy in
public places.”
Descobre algumas
das missões deles.
LINK
DESIGN 15
ERIKA IRIS SIMMONS
Escultura - E.U.A
SHORTCUTS LINK
JENNIFER MAESTRE Obras exclusivas criadas a partir da fita das velhas cassetes de
música. Que melhor meio para representar fielmente os músicos?
Escultura - África do Sul
LINK
Muitos precisam de uma certa clandestinidade para se sentirem Embora seja ainda, como em tantas outras, uma coisa de homens,
“writers”. Andar nos limites, viver com a adrenalina a percorrer os as mulheres também têm deixado a sua marca. São bons
sentidos e pertencer a algo “underground”. O ambiente de um exemplos, LADY PINK e CLAW (www.infamythemovie.com). A
certo secretismo torna-os especiais. Claro que também existem reputação enquanto mulheres, os locais e horas a que
aqueles que o fazem pela arte em si, pela necessidade de criar normalmente se escreve, o facto de nem sempre serem aceites
imagens em espaços públicos. De ter uma montra gigante para dar pelas “crew” (grupos de “writers”) e o facto de, à partida, não
vida à sua sensibilidade criadora. Ser visto por todos e não apenas serem levadas a sério na realização da arte em si, são alguns dos
deixar uma mensagem, a qual só possa ser lida por outro “writer”. principais motivos que dissuadem os elementos femininos de
Porém, verdade seja dita, a maior parte não pensa nisto enquanto intervir e alterar a paisagem através dos graffiti.
cria. Naquele momento, são apenas eles, a parede e um mundo de
cor prestes a ser libertado.
Claw
21
Pink Lady
Mónia Camacho MY WALL IS YOUR WALL
Em Portugal existe também uma cultura graffiti bastante visível. Sendo uma realidade global, o graffiti, enquanto forma de expres-
Não faltam artistas talentosos e activos a produzir com qualidade. são, encontra cidades tolerantes e outras que mantêm a firme
São os casos de Odeith (www.odeith.com) e de MrDheo (www.mr- determinação de eliminá-los das ruas (Nova Iorque possui até
dheo.com), entre os muitos que preenchem as nossas paredes uma “Anti-Graffiti Task Force”). Estas duas reacções da sociedade
com inspiração e capacidade técnica, criando cenários e abrindo civil e das respectivas instituições geram dois fenómenos interes-
novos caminhos na arte. santes:
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Exemplo de um
mapa dos locais
onde se encontram
graffitis
Mónia Camacho MY WALL IS YOUR WALL
A Tate Modern, sempre na vanguarda, mostrou a sua fachada Este conceito mostra, entre outras
coberta por graffitis de artistas geniais como “BLUBLU” funcionalidades, como é possível
(www.blublu.org) que consegue uma admirável conjugação do seu criar graffitis no vazio, (sem o
imaginário com as estruturas urbanas, na mesma linha de outros suporte de uma parede) através da
artistas como “NUNCA” (www.lost.art.br) e “ERICAILCANE” captação, por três câmaras, dos
(www.ericailcane.org). movimentos do artista, tratados
por um software que os converte
em linhas e manchas de cor,
exibidos, então, nos óculos vídeo,
via bluetooth, em tempo real.
Next Wall
O autor dos graffitis pode determinar as cores, as espessuras e as
Ericailcane Blublu texturas, controlando toda a parte criativa do trabalho, através de
um comando. O resultado será um desenho 3D que pode ser
Outros museus mostraram interesse pelo Graffiti. São exemplos o gravado como ficheiro digital. Entramos assim na era da “lata
Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, no Brasil, que virtual”. E por falar em latas e em novidades, a marca Graffomat
incorporou no seu acervo este tipo de arte e o Museu de Arte criou a “Graffiti vending machine” que permitirá a qualquer
Moderna de Lille, em França, que convidou Mirko Reisser, artista “writer”- a quem falte a cor a meio da noite - resolver o seu
27 conhecido por “DAIM” para “fazer” uma parede. “DAIM” problema de expressão.
desempenhou um papel importante na criação da terceira
dimensão nos graffitis. (www.daimgallery.com). Uniu a tecnologia
à realização desta arte, com o projecto “tagged in motion” criando
a sua “next wall” (www.nextwall.net).
Para ambientes interiores e para Os artistas do Graffiti começam já a criar “merchandising”, sendo
aqueles que acham os aerossóis possível adquirir t-shirts e outros itens com a estampagem das
agressivos, existe a possibilidade de suas obras. As letras intricadas e de cores plenas, entram assim
recorrer a “marker pens”. Estas também no nosso quotidiano. Podemos por exemplo vestir
oferecem resultados igualmente “DAIM” (DAIMartwear), artista que inclusivamente se aliou à
apelativos em termos visuais, como Levi's na criação de algumas peças de roupa, com sucesso.
se pode ver neste mapa de “Anorak”.
E acreditem, os sentimentos de vertigem ou receio quanto às O maior inimigo destas imagens é a chuva. Pois é…Basta chover
cenas percepcionadas são bem reais. A sensação de podermos ser um pouco e as coisas complicam-se. Como diz Edgar Mueller: “se
engolidos pela terra a qualquer momento passa-nos pela cabeça. chover vou-me embora e pinto outra imagem amanhã”, já que
A trilogia Edgar Mueller (www.metanamorph.com), Julian Beever e umas meras gotas de água podem arruinar um trabalho de dias.
Kurt Wenner (www.kurtwenner.com) é incontornável quando se
fala de arte em pavimento em 3D. Estes são os mestres da
actualidade. E a história da pintura no chão irá sempre dividir-se,
em antes e depois destes artistas. É uma arte que permite uma
interacção notável com o observador, o qual passa a ser, também,
uma peça do puzzle, ao contribuir com as suas reacções. Kurt
Wenner defende uma arte que possa ser vivida. Conjuga o passado
com o presente numa reinvenção constante. As suas imagens
renascentistas moldam-se a conceitos da actualidade, numa
força capaz de perturbar o observador. Kurt Wenner cria visões.
Quando a arte é capaz de provocar sensações tão fortes, temos a Julien Beever Edgar Mueller
certeza de que o seu autor é especial. É extraordinária a forma
como apreende as percepções que lhe vão sendo comunicadas
pelo público e investe na criação, tendo em mente também esse
“feedback”.
Kurt Wenner
Kurt Wenner
Mónia Camacho MY WALL IS YOUR WALL
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DESIGN
ENTREVISTA A KURT WENNER
37
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KW - O giz sob pavimento começa a desaparecer imediatamente,
mesmo durante o processo de criação. Em algumas circunstân-
cias, os resíduos esbatidos do trabalho perduram imenso tempo,
por vezes até um ano. Tudo depende do meio ambiente.
ENTREVISTA A KURT WENNER
NO - Há algo de aleatório na sua arte ou tudo é previsto em detalhe NO - Cria ilusões. Essas ilusões alguma vez lhe saem da cabeça?
antes de começar?
KW - Porque esta forma de arte é tão nova, as possibilidades para
KW - No princípio, improvisava os trabalhos directamente na a sua criação são infinitas. Estou constantemente a pensar em
estrada. Agora trabalho quase sempre com apresentações. Isto projectos novos. E neste sentido, o trabalho não me sai da cabeça.
requer a criação de um desenho antes de o executar. Os desenhos
tonais que crio para os projectos são a minha expressão artística
favorita, por isso não me importo com este aspecto. Ainda assim, NO - Quais as cidades que melhor aceitaram a sua arte?
eu acrescento elementos no local que não estavam no desenho.
KW - Já trabalhei por todo o mundo. Penso que a característica
mais interessante da arte 3D em pavimento é que possui um apelo
universal. Não consigo lembrar-me de um único país que não me
tenha enviado um pedido para um trabalho.
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Art Mango
Uma vez criado o conceito, este torna-se multiplicável, Para aqueles que apreciam citações e frases profundas, Fernando
transformando, através de autocolantes, a imagem de variados Pessoa, um dos nossos mais interessantes poetas, pode invadir o
objectos quotidianos: se o seu portátil está riscado e o aspecto já seu espaço e segredar-lhe ao ouvido: “O melhor tempo que
não é o do primeiro dia, experimente dar-lhe uma nova cara. E gastamos é o que investimos nas pessoas”.
porque não cara de gato? Com esta 'brincadeira' gastará apenas
14 euros.
Casa D´Art
Ter um Fórmula 1 na garagem por 169 euros é o que propõe a A publicidade, vanguardista nestas
empresa “Style your garage”. Pensava que o paraíso não tinha coisas das imagens apelativas,
preço? Pois tem: 146 euros (mais barato que a Fórmula 1, quem recorre também ao autocolante co-
diria…). Adeus às portas deprimentes! (Esperando que esta mo forma de promoção dos produ-
magnífica intervenção não seja considerada uma alteração de tos oriundos dos seus clientes,
fachada e não venha o condomínio dar-lhe cabo da ideia…) Bom captando a atenção do público de
mesmo é morar no campo, não é? Dê uma olhadela em www.style- uma forma simples e económi-
your-garage.com. ca,contribuindo até para decorar a
paisagem urbana.
Publicidade
Às veze
53 o mun s bast a um
a
cliché do. Pelo m ideia para
, mas
faz sent enos o seu. mudar
ido. É um
WHERE TO FIND
GOOD MUSIC
Indie Shuffle
“We shuffle through piles of independent
music — old and new — so you don't have
to.”
3.AARON » LILI
FRANÇA 8.SCOUT NIBLETT » KISS
INGLATERRA
Não sendo uma temática virgem, já muitos tentaram descobrir o MÚSICA COM VERDADE
cupido deste enamoramento. Filósofos, psicólogos, musicólogos,
biólogos, sociólogos, antropólogos e muitos “ólogos” mais debru- “Não, não acho isso de todo. Há muit as canções sobre emoções
çaram-se sobre ele mas pouco descobriram. A única conclusão a que me parecem muito vazias de conteúdo... Acho que tem muito a
que todos chegaram foi a de que esta é uma ligação complexa mas ver com o intérprete/autor conseguir fazer passar alguma
muito, muito cúmplice. Mas será a música sentimental mais verdade, de acreditares nas coisas que estás a ouvir”. A resposta é
verdadeira do que outra que aborde uma temática divergente? de Paulo Furtado, o senhor que, em Portugal, se move no rock e
nos blues como ninguém, mais conhecido por Legendar y
Tigerman. Habituado a compor sobre sentimentos, admite ser
raro lançar-se sobre um tema “específico ou mais racional”, e
justifica: “talvez funcione como uma válvula de escape”. Com
maior ou menor verdade, é sabido que muitos ouvintes e
apreciadores procuram espelhar-se na letra de uma canção,
quase que num acto de egoísmo, como se esta fosse endereçada a
si e mais, tivesse sido escrita propositadamente para retratar o
que lhe vai na alma. Intencional ou não, este é um comportamento
que pouca gente se pode gabar de não ter tido.
André Santos CANÇÕES PARA O CORAÇÃO
No entanto, a música pode também servir como despertador de Numa entrevista recente ao “Ípsi-
emoções, independentemente do seu conteúdo. Liliana Nunes lon”, suplemento semanal do jor-
tem 21 anos, é estudante de contabilidade, e canta nas horas nal Público, o ex-Toranja Tiago
vagas com um amigo Dj. Para ela “é uma prioridade na escolha das Bettencourt foi claro: “ Nos meus
músicas [que ouve], o despertar de sentimentos. Algumas delas afectos musicais tudo remete para
basta a melodia para nos transmitir qualquer coisa” revela que emoções”. Influenciado pelo que
não considera as canções “não sentimentais” mais vazias, mas ouve, e pelos artistas cujo trabalho
que se sente mais tentada pelas que apelam ao coração. admira, acaba por ver repercutir-se
na sua música a propensão emo-
Ora, a música pode ser uma forma de expressão, mais metafórica cional. O seu trabalho, com ou sem
está claro, que é levada a cabo pelo seu criador, pelo intérprete, e Toranja, conta com letras que,
pelo público, que depois a usa para também ele transmitir as suas ainda que não sejam todas reais,
emoções. Mas não será cobardia da nossa parte, que mais ganham vida nos seus discos e são
facilmente consigamos transmitir o que sentimos através da capazes de tocar o coração do mais
música, do que por palavras, frontalmente? Liliana nega, céptico ouvinte. Quem as ouve,
convictamente: “cobardia seria se não o disséssemos. Chame- facilmente se identifica com as
mos-lhe uma forma mais suave de sermos verdadeiros”. Do outro histórias que contam, e a possibi-
lado da muralha, Tigerman concorda. Além disso, confessa que lidade de não prestar atenção às
primeiro compõe para si, como forma de respeito pelo seu palavras que vão sendo cantadas é
trabalho e pelo público que (tão religiosamente) o segue, muito remota. O cantor deixou
63 ignorando se é pelo caminho do apelo e do uso de sentimen- também escapar que, aliado a todo
talismo que se obtêm mais fãs: “não faço a mínima ideia”, este sentimentalismo, o seu objec-
assume. tivo é evidente: “vou fazer música,
vou fazer bem às pessoas, vou fazê-
-las todas felizes”.
André Santos CANÇÕES PARA O CORAÇÃO
HINOS E SENTIMENTOS Mas se hoje, o mais usual é vermos o nosso rádio (ou o ipod nos
Na história das grandes músicas, daquelas que se tornam hinos de casos mais evoluídos e modernos) inundados de canções que
gerações, e que ficam gravadas para sempre na memória dos escorrem comoção a cada verso, se regressarmos poucas décadas
ouvintes, é recorrente que existam canções com letras tão atrás, apercebemo-nos que a realidade não é assim tão
emotivas, que passam a ser uma espécie de lema de vida dos que semelhante.
as ouvem. Olhemos, por exemplo, para o tema ”Creep” dos OUTROS TEMPOS, OUTRAS MÚSICAS
Radiohead, que na década de 90 se tornou um hit indissociável de
qualquer adolescente da época, e foi alvo de versões de artistas Noutros tempos, a música era uma arma e as canções de inter-
como Prince ou Jeff Buckley. Supostamente inspirada numa venção, tão “socialmente activas”, eram uma moda urgente e
rapariga por quem Tom York (vocalista da banda) se apaixonara, o muito necessária. Muitas delas, ainda que repletas de disfarces e
tema colou-se à pele de ouvintes do mundo inteiro, que a recursos estilísticos, procuravam denunciar injustiças e promover
aproveitaram para espelhar o seu amor. novos caminhos; outras, mais cruas e destemidas queriam
demonstrar descontentamento e opor-se a normas vigentes. A
Mas este não é um fenómeno apenas mundial. Usando alguns dos música não era só um divertimento, era também uma necessidade
muitos exemplos que podemos encontrar na música nacional, e um recurso. Com a chegada da liberdade, e o fim da urgência de
“Circo de Feras” (1987), do álbum homónimo dos Xutos e disfarçar seja o que for, ou usar eufemismos para evitar
Pontapés, ou “Amor” (1982) dos Heróis do Mar perduram até hoje represálias, não há mais o “aperto” de outros tempos, e a canção
como emblemas do amor, capazes de unir qualquer casal de acabou por perder o condão interventivo, tempestuoso e activista,
pombinhos em plena fase de paixão. E quantas vezes o verso e deu lugar a um caminho de crescente expressão sensitiva.
“Quero-te tanto” terá sido usado em modo de declaração entre um
65 qualquer casal enfeitiçado pelo amor… Mas terão estes temas
icónicos que deixar arrepiados quem os ouve, por conter tanta
emotividade? Para Paulo Furtado “talvez não no conteúdo, mas de
certeza na entrega”.
André Santos CANÇÕES PARA O CORAÇÃO
Mas estando eles tão presentes na música, será que sobram ENTREVISTA COM GOMO
sentimentos para o nosso dia-a-dia, para a vida real? A Humani-
dade precisa deles, a avaliar pelo gosto de quem faz e consome
música… E ela continua, e há-de continuar a alimentar os cora-
ções. Até porque, usando as sábias palavras do Tigerman, “Se não
tiveres emoção na tua vida dificilmente a poderás ter na tua arte.”
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MUSIC
ENTREVISTA GOMO NO - Chega-se mais facilmente ao público através deste caminho?
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G - Eu acho que, acima de tudo, as pessoas tendem a rever-se nas
músicas que ouvem. Procuram nas letras ou em algumas
NEW OPTIMISM - É mais fácil cantar/compor temas que falem de sonoridades, algo que as faça sentir que também elas passaram
emoções? por algo semelhante. É mais rápida a ligação de um artista com o
seu público, se ele lhes transmitir algo que seja facilmente
GOMO - Para mim, como compositor, não cantar emoções é como reconhecível, em termos emocionais, por parte dos outros. Se te
não sentir o que canto ou componho. São elas que me movem. Não revês numa música, terás sempre tendência a achar que, de
é por acaso que costumo dizer que não vale a pena compor se, na alguma forma, a pessoa que a compôs, sentia, na altura, o mesmo
altura, o que sinto não é algo de extraordinário. A monotonia, para que tu e isso cria uma ligação, uma proximidade, muito maior
mim, é inimiga da composição. As emoções têm de estar no seu entre o ouvinte e o compositor. Mas, atenção, se estas emoções
auge, para que possa sentir a música que componho de uma forma não forem verdadeiras, rapidamente tudo pode ter um resultado
excepcional. Fazer música é como amar. Ou sofremos, ou negativo, porque o público pode ser desatento, mas não é parvo. E
"rebentamos" de alegria, e isso é que valoriza a nossa música e se não sentir que as emoções são verdadeiras, rapidamente parte
faz com que as pessoas se revejam nas nossas composições. para outra. Essa é a parte negativa de quem escreve com a
Afinal de contas, essas emoções são comuns a todos nós e é intenção de angariar fãs, através de músicas que falam de
nessas alturas que nos revemos nas músicas e composições dos emoções reais, mas que não são sinceras.
outros.
NO - Serão mais vazias as canções que não o façam? NO - Uma grande canção, daquelas que acabam por se tornar
hinos/símbolos de uma geração, tem sempre de ter emoções no
G - Não sei se serão mais vazias, mas se não cantamos o que seu conteúdo?
sentimos, que significado podem ter as músicas que compomos?
Que mensagens pretendemos transmitir, senão as nossas? É G- Como respondi anteriormente, para mim, todas têm de ter. Se
difícil para mim falar sobre isso, porque nunca compus nada que não sentir uma proximidade com as emoções que me são
não sentisse fervorosamente, mas talvez isso seja possível. Eu, transmitidas, então a música não me diz nada. Mas isto é a minha
não sei como fazê-lo...
André Santos CANÇÕES PARA O CORAÇÃO/ GOMO
NO - É difícil falar-se de emoções em temas menos calmos, que NO - Por lidar tanto com este mundo emocional, enquanto músico
não sejam baladas? e intérprete, sente-se mais conhecedor dos sentimentos dos
outros? Ajuda-o na sua vida emocional?
G - Não me parece. Falo por mim, quando compus o "Feeling
Alive" que acredito ser uma música menos calma, aquilo que G - Não me sinto mais conhecedor dos sentimentos dos outros
sentia tinha a mesma força que o "I Wonder" que era um tema quando componho, mas acho que entendo melhor outros compo-
mais calmo. As emoções eram igualmente verdadeiras e a sitores, quando ouço as suas músicas. O facto de falares do que
mensagem igualmente forte, mas a composição reflectia, acima sentes, nas tuas músicas, não expõe mais os sentimentos dos
de tudo, a diferença de emoções. Uma, reflectia a alegria que outros, mas, sem dúvida, expõe-te mais a ti e ajuda os outros a
sentia na altura e a outra um enorme desespero, reflexo de uma conhecerem-te bem melhor.
fase menos boa.
NO - Vê como um acto de cobardia que as canções transmitam NO - Faltarão emoções no nosso dia-a-dia? Existirão elas apenas
aquilo que podemos não conseguir dizer a alguém cara a cara? na arte?
G - Não diria cobardia, que me parece demasiado forte, mas é G - Acredito que as pessoas estão cada vez mais desligadas do seu
desigual, sem dúvida. Afinal de contas, existem pessoas que não mundo interior, mas não acho que faltem emoções no nosso dia-a-
têm a oportunidade, ou capacidade, de captar a atenção de tantas -dia. Quem não sente, esse sim, é cobarde. Sentir, é assumir a sua
pessoas, para dizer o que sentem, em relação a determinadas própria existência. Nós não somos robôs, somos seres inteli-
pessoas. E isso é, no mínimo injusto e digo isto com a maior das gentes, que sentem e transmitem emoções, quem não o faz não
71 sinceridades, porque já o fiz, com temas como o "I Wonder". Não merece existir e muito menos compor. E não me parece que, para
que pretendesse dizer algo que nunca consegui dizer cara a cara, transmitir emoções, seja necessário ser artista. Para transmitir
mas porque fala de emoções que senti e que expõem outras
pessoas, sem que lhes tenha pedido autorização para o fazer, e
realmente, não me parece justo.
MUSIC
MORPHEY - SÉBASTIEN PERRIER
73
34 MO
RP
HE
Y
PLAY IT
ENTREVISTA - MORPHEY - SÉBASTIEN PERRIER
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ENTREVISTA - MORPHEY - SÉBASTIEN PERRIER
NO - Observas ou fazes?
SP - Diria “Sortez vous les doigts du cul!" que significa “São todos
tão bonitos!” : )
DEPENDÊNCIA
Substantivo Feminino: necessidade física ou
psicológica de algo.
Drogas como o “ecstasy” e o LSD simulam alguns dos efeitos da Agora é a altura em que se pergunta se também é dependente da
serotonina. Outras acções como o sexo, apanhar sol e ouvir música música e até que nível o é. É daquelas pessoas que passa duas ou
fazem libertar serotonina. Ouvimos música no metro, autocarro, três noites a bolachas de água e sal em frente às bilheteiras para
comboio, avião, carro e até mesmo quando andamos a pé. conseguir ingressos? E depois ainda passa mais duas noites às
Ouvimos música quando o telemóvel toca e enquanto esperamos portas do recinto para conseguir ficar no melhor lugar possível?
que atendam lá do outro lado. Ouvimos música para esquecer o Ou é daqueles que não lava o braço por ter o autógrafo do seu
pior e recordar o melhor. artista favorito? Ou é como Roger Tullgren? Passo a explicar:
segundo o jornal espanhol El Mundo, este sueco de 42 anos
Faz-nos companhia na monotonia e nem pergunta porquê. conseguiu uma pensão de 400€ por alegar dependência do estilo
Ouvimos música porque gostamos e porque podemos. Porque musical heavy metal. O juíz considerou Roger incapaz de
apreciamos o seu ritmo, melodia, voz, letra ou simplesmente desempenhar o seu trabalho sem intensivas sessões de metal, o
porque soa orgasmicamente bem aos nossos ouvidos. Se não que o impede de realizar as tarefas que lhe são encomendadas.
ouvimos música cantamos, cantarolamos, trauteamos ou porque Em 2006,o cidadão sueco assistiu a mais de 300 concertos heavy
estamos alegres, no duche ou simplesmente por que quem canta e foi despedido pelo patrão por faltar demasiado ao emprego. E
seus males espanta. agora eu pergunto...E clínicas? E o grupo dos Músicodependentes
Anónimos, não? É que assim também vou reclamar a minha
pensão.
Nietzsche dizia que sem música a vida seria um erro e até o pároco
da minha freguesia diz que cantar é rezar duas vezes.
89 E quem sou eu para duvidar?! Sou apenas mais um músicode-
pendente...
Rui Plee
Actividade: ilustração
Idade: 34 anos
Localização: Vila Nova de Gaia
http://rui-plee.deviantart.com/gallery/
Rui Plee WHO´S THERE SMILING
Rui Plee - Acho que a minha mão tem vida própria...é estranho...Já
pensei muito nisso, mas cheguei a poucas conclusões. Por vezes
não acredito que fui eu que fiz determinadas coisas. Quando estou
por exemplo num café e distraidamente estou a rabiscar e a
pensar que no que vou jantar à noite, quando dou por mim acabei
de desenhar uma personagem interessante. É como se fosse um AUTO-RETRATO
portal de personagens que existe algures numa outra dimensão e
saltam pela folha fora.
NO - Tens ideia de quantos rascunhos fazes por dia?
NO - Tu já te inspiraste em pessoas reais para criar personagens?
RP - Não, mas posso dizer que todos os dias crio algo, só se estiver
RP - Sim já, muitas vezes uso fotografias de pessoas em revistas, doente, de cama, é que não o faço.
93 algo que dê inspiração.
NO - São um vício, portanto...
RP - Doentio...
Rui Plee WHO´S THERE SMILING
Percurso Profissional
Pintura de motos e capacetes personalizados.
Pintura de quadros artísticos a óleo.
Restauração de antiguidades. Especialidade em talha dourada.
Design gráfico.
Colaboração com a empresa Farol de Ideias (RTP), fazendo
Grafismo 2D nos programas Biosfera (RTP2) e Radar de
Negócios (RTPN).
Freelancer nas áreas de webdesign e ilustração.
RP - Não sei...deve ter algo bem vincado em tudo isso, mas tam-
bém há muita coisa de mim que não vejo nas minhas criações…
ÓDIO
NO - O teu sonho desde criança foi a ilustração ou foi algo que
nasceu mais tarde?
NO - Preferes ver o que crias sob a forma de rascunho ou desenho
já concluído? RP - Em criança não tinha bem consciência do que queria: polícia,
bombeiro e astronauta eram as minhas ambições. Mas desde
95 RP - Em rascunho, isto porque o rascunho tem uma essência bruta. cedo, desde que me lembro tive necessidade de rabiscar o que
Consigo através dele visualizar como ele ficará quando estiver observava. Via um filme na TV de Índios e Cowboys e lá ía eu
concluído. desenhar com um marcador num jornal velho…
NO - Acreditas em ti?
RP - Claro...
Rui Plee WHO´S THERE SMILING
NO - E nos outros?
RP - Também.
RP - Já fiz vários trabalhos desde personalizar um barco de NO - Além da ilustração, a tua criatividade estende-se a mais
Fórmula 1 até fazer grafismo 2d para programas de televisão, mas áreas?
99 acho que o mais enriquecedor é participar em concursos e fóruns
onde se podem trocar ideias e dicas com outros artistas. Isso sim, RP - A música e a escultura. Acho que tenho alguma sensibilidade
é o que entendo por aliciante. nestas áreas.
Rui Plee WHO´S THERE SMILING
E-mail:novostalentos@ext-minds.com
101
SM
IMI
FIM PT IN
W O TA
NE OUN
M
WHO´S THERE SMILING
EM DISCURSO DIRECTO
103
Já procurei essa ajuda mas até à data penso que seja uma carta
fora do baralho. Tem surgido mais apoio vindo do estrangeiro a
nível da divulgação do que do nosso próprio país. Tenho recebido
convites para ir ao estrangeiro expor mas neste momento não me é
possível devido a não ter esse apoio. Talvez um dia.
Não consigo fazer tudo de uma vez. Por vezes largo um trabalho e
pego noutro ou então vou começar outro que veio à ideia. Não há
tempo matemático. Por vezes pedem para fazer uma imagem e
querem um orçamento mas é muito difícil dar esse mesmo orça-
mento. Porque por vezes é complicado parar até eu achar que a
peça esteja pronta e isso passa largamente o orçamento dado.
Saio sempre a perder no tempo.
NO - Já realizou exposições?
FIM
WHO´S THERE SMILING
EM DISCURSO DIRECTO
115 COLECÇÃO INVERNO 2010
Hugo Costa
Actividade: designer de moda
Idade: 27 anos Fotografia:
Localização: São João da Madeira Ricardo Mateus
http://hugocworks.blogspot.com/
Hugo Costa WHO´S THERE SMILING
New Optimism - Podes descrever-nos o teu processo criativo? NO - E a tua relação com a indústria? Fala-nos dela.
Hugo Costa - Quando projecto algo, visualizo sempre o objecto HC - Como designer, a minha formação preparou-me para dar
final, ou colecção, terminado e vestido em alguém que faça parte resposta às necessidades de um cliente. Como criador de moda
do projecto. isso cria um certo conflito uma vez que, ao trabalhar com indústria,
Mas, normalmente, tudo começa com pesquisa e desenho, muito sentimo-nos limitados e temos necessidade de dar uma resposta
desenho. A partir de algo que surge do nada ou das formas de rápida. Muitas vezes não é o design ou a criação o factor impor-
inspiração que falei atrás, desenho silhuetas que, depois, são tante do projecto.
complementadas com pormenores obtidos da investigação sobre
os temas/conceitos. Depois vem a fase mais complicada:
escolher peças ou coordenados e sincronizar todos os elementos
com os materiais mais adequados, que façam sentido na HUGO COSTA
colecção. NO - Qual o teu criador favorito?
Posteriormente, temos a parte técnica da modelagem e da
confecção. É nesta fase que todos os erros, desde a escolha de HC - Criador…Yves Saint Laurent,
materiais e pormenores das peças à modelagem, se manifestam. quer pela sua história, quer pela
Precisamos de estar mais atentos e de ter tempo para refazer, de forma como o seu legado ainda
forma a que a peça fique mais valorizada e que faça mais sentido influencia a moda contemporânea.
na colecção. Ilustrador... sem dúvida Russ Mills:
A preparação dos acessórios é muito importante para mim, tanta expressão, tanto under-
117 principalmente os sapatos. É algo que me dá um gozo enorme ver a ground, tanta pesquisa de rua! E
nascer... tudo reunido numa ilustração...
Fotografia:
Carmo Amorim
Hugo Costa WHO´S THERE SMILING
NO - Descreve-nos um pouco o teu trabalho como ilustrador de NO - Fala-nos da tua paixão por sapatos.Que importância adquire
moda. o calçado na construção de coordenados?
HC - Neste momento, dedico-me à ilustração digital, tendo como HC - Os sapatos são a única ligação com a indústria que quero
suporte uma mesa digital, mas também ao desenho manual, de manter a longo prazo.
forma a que as minhas ilustrações possuam as expressões típicas É uma paixão de infância uma vez que, praticamente, nasci no
de um desenho em papel, embora realizadas com um detalhe que calçado. Já fiz muita coisa dentro de uma fábrica, desde o corte ao
só com resoluções elevadas (do meio digital) conseguimos obter. acabamento.
Penso que em todas as minhas ilustrações se consegue retirar um Tudo me fascina desde o processo de criação e desenvolvimento,
contraste entre a austeridade das expressões faciais e dos movi- até à articulação da produção.
mentos e a expressividade e valorização do vestuário. Como criador... são complemento da imagem. Não me imagino a
fazer uma colecção e expor com algo que não seja criação minha,
principalmente sapatos que, para mim, são tão importantes como
qualquer outra peça da colecção.
Hugo At Janela Urbana Live PS Playground
Homem Mulher
Hugo Costa WHO´S THERE SMILING
KATE CUSACK
Zipper Jewllery - EUA
LINK
JACLYN MAYER
Orly Gender - EUA
LINK
TINA KALIVAS
Collection 2010 - Grécia
LINK
Será o cool um pouco como a moda? Os “fashionistas” decidem e Definitivamente, qualquer semelhança entre uma pessoa cool e
escolhem, por eles próprios, o que consideram estar na moda, de um verdadeiro “fashionista” é perfeita coincidência. Cool é muito
acordo com o grupo a que pertencem, a sua cultura, a sua faixa mais que não seguir as normas: é ser diferente e único, é usar
etária e o seu nível sócio-económico. Contudo, alguém, em algum aquilo que não é acessível a toda a gente e de uma maneira
lugar, deu o mote inicial a partir do qual se decide o que está in ou pessoal e intransmissível. Uma pessoa cool não segue as
out. A publicidade e o marketing, assim como os media, veiculam tendências, faz as tendências e, geralmente, tem uma legião de
a toda a hora qual o tipo de ténis, a marca de jeans ou de mala que seguidores, seja na sua rua, no seu local de trabalho, no grupo a
está na moda, fazendo parecer que a escolha é de cada um, a qual, que pertence ou, a um nível mais geral, tem fãs e seguidores a uma
na verdade, não é: tudo é decidido de acordo com estudos de mer- escala planetária.
cado e, mais recentemente, pelas dicas dos “trend hunters”
(caçadores de tendências), profissão que se tornou muito rentá-
vel. As celebridades do mundo do cinema, música e televisão são
também veículos apropriados para promoveram o que é consi-
derado tendência, estimulando o desejo de o comum dos mortais
ser como eles, só pelo facto de usar o mesmo par de jeans ou
sapatos da mesma marca. Mas será que seguir a moda é uma
atitude cool?
129
Paula Lamares DITADURA DO COOL
Uma marca para ser considerada cool tem que estimular o desejo
de exclusividade: os seus produtos não podem ser acessíveis a
todos, pois, caso contrário, o mercado fica saturado com os
mesmos e, logo, deixa de ser cool. Ocasionalmente, uma marca
consegue manter-se cool por muito tempo e acaba por se tornar
um clássico: Apple, Absolut Vodka, os óculos Rayban ou o carro
Mini são alguns dos exemplos. Uma das características comuns
destes clássicos é que, mantendo as suas características iniciais,
estão em permanente evolução e modernização para acompanhar
as inovações tecnológicas, nunca perdendo a identidade como
marca e a originalidade ou exclusividade que as definem como
cool, estendendo esse mesmo factor (cool) a quem as usa. Assim,
uma coisa cool pode ser fashion ou não e, inclusive, ser démodé
ou vintage, um clássico, …
O que parece certo é que, actualmente, as revistas, a televisão ou a
publicidade não podem mais controlar o que é ser cool. Os
técnicos de marketing já não detêm a exclusividade de decidir o
que é cool, o que é tendência ou o que está dentro ou fora de moda
(in/out). Hoje há uma incontrolável explosão de mensagens,
opiniões e informações para a qual a Internet (com os seus sites
131
sociais e blogues) muito contribui e cuja rede se estende
globalmente. Os consumidores estão fartos de marketing massi-
ficado e do facto de todas as marcas apresentarem produtos
semelhantes. O novo consumidor está cada vez mais exigente:
quer ser constantemente surpreendido e deliciado por algo
autêntico, diferente e fora do mainstream. É aí que o factor cool
entra e impera.
Paula Lamares DITADURA DO COOL
Em resumo, a definição de cool é o perfeito exemplo daquilo que Afinal, isto de ser cool tem muito mais a ver com atitude do
ninguém consegue definir e, ao mesmo tempo, todos podem e que com modas descartáveis a cada estação. Hoje em dia,
gostam de definir. Estaremos nós a perseguir uma imagem estéril ser cool pode muito bem passar mais por ter uma atitude
no deserto de novas ideias ou conceitos? Será o factor cool algo ecológica, ser optimista e contra-corrente, defender causas
que já pertence ao passado? Terá já sido inserido na categoria de humanitárias e ser solidário do que por vestir a marca X ou ter
out of fashion? Ou, pelo contrário, será um verdadeiro clássico o carro Z.
categorizado como estilo e alheio às modas?
135
FASHION
COOK YOUR DRESS A relação com a comida foi sofrendo alterações à medida que a
Miguel Silva sociedade foi evoluindo: remonta aos primórdios essa ligação do
137 ser humano com a alimentação, a qual se foi desenvolvendo,
acabando por oscilar entre o nutrir e o saborear. Desde a simples
sobrevivência, até ao mundo dos grandes críticos de culinária,
fomos apurando um sentido inerente a ambas as áreas: o gosto;
The Brooklyn Bal e The New Museum Gala: uma festa nova-iorqui- assim encontramos citado no site da “Revista Espresso”. O
na badalada pelas estrelas, designers de moda e... Mario Batali, o mesmo refere, ainda, que esta interligação está de tal forma
famoso chef que deixou a advocacia por amor ao prazer da vigorosamente borbulhante que surgiu um novo conceito, o qual
cozinha. Apresenta, por exemplo, uma série de aperitivos e pratos activa o prazer dos sentidos que funcionam em ambos os mundos:
rústicos empilhados de modo bruto, com perús e frangos, entre o food design.
outros, e uma enorme cabeça suspensa construída com queijos
Fontina.
É neste cruzamento, entre áreas diferenciadas, que especialistas
da área como chefs, cozinheiros, designers e cientistas inter-
Que relação poderá existir entre a culinária e a moda e, até mesmo, sectam as suas experiências e tentam elevar ao clímax das sensa-
entre o design em geral? Como designer, nunca pensei numa ções a noção de alimento e alimentação, dissecando estes
simbiose real, nem sequer profunda, entre ambas as coisas. No conceitos e satisfazendo as novas exigências aromáticas ou,
fundo, quando se pensa em passar horas a cozinhar em frente ao simplesmente, reescrevendo as tradicionais. Actualmente fala-se
fogão, quem pode imaginar vestidos enquanto descama peixe ou muito, também, de pôr em conexão a ideia da dependência
faz bagna càuda? No entanto, a minha recente neurose demencial afectiva pela comida caseira com a alimentação industrializada,
quer por cozinhar, quer por comida, flambeada pela influência através das propostas que o design nos pode oferecer.
inspiradora da chef autodidacta Nigella Lawson, foi o mote de
arranque para perceber que estes dois pólos estavam mais coesos
do que eu poderia imaginar.
Miguel Silva COOK YOUR DRESS
O food design tornou-se de tal modo numa magnum opus da Pensei, seriamente, estar perante uma perturbação obsessiva por
vida moderna, que já existem diversos eventos que celebram e culinária quando fui capaz de chegar à confecção da escola e dizer
apresentam as novidades desta área. Um dos mais conhecidos a uma colega que o trabalho dela, no manequim “sabia a
denomina-se mesmo “FoodDesign” e realiza-se anualmente na framboesa acabada de regar com calda de açúcar”. No entanto,
cidade de Turim (Itália), desde há cinco anos. Na última edição, esta inspiração há muito que saltou dos pratos e dos menus para o
foram seccionadas categorias a partir do conceito (food design) vestuário, pois assistimos a um número cada vez maior de
e foi neste ponto que me ocorreram as possibilidades da aliança referências a fast food, bolinhos e outro tipo de alimentos nos
da moda com a culinária. Uma das categorias dá-se pelo nome de trabalhos dos designers de moda.
food couture. "A moda reinterpretada de forma gulosa", assim
se encontra referido no mesmo site da “Revista Espresso”.
139
Para a estação estival em que já nos encontramos, Nicolas Quem sabe se, associando o prazer da fast food à alegoria relativa
Ghésquiére serve-nos “Balenciaga High-Tech”, onde embalagens a gorduras - logo, aumento de peso associado - não foi assim que
de comida e biscoitos fazem parte do ADN dos 36 coordenados o designer Joy Kampia O´Shell produziu o seu “vestido - hambur-
apresentados. Vestidos com desenhos perfurados à máquina. Na ger” em croché, “feito para caber através da sua flexibilidade”,
colecção, são aquilo a que Ghésquiére chamou de “biscoitos como cita o blogue Walyou. Podemos então começar a ver, de
franceses”. Impressionante e inimaginável, se pensarmos no novo, a moda como um dos epicentros da crítica aos hábitos
núcleo futurista e tecnológico das linhas de Balenciaga, mas não alimentares? Segundo Karl Lagerfield, é errado, pelas piores
impossível. razões, pensar que esta relação entre indústria da moda e cozinha
pode ser discutível. Frequentemente contestada pelos sacrifícios
que obriga muitas mulheres a fazer, de modo gritante, para caber
dentro de um 38 ou 36, Lagerfield contrapõe, afirmando que “a
moda é a mais saudável motivação para se perder peso.”
O site “The Pop Couture” brinca e utiliza esta ideia para mostrar a
clutch em forma de feijão, da marca Emilio Pucci, com
acabamentos metálicos para “dar confiança e não desconforto
gastrointestinal”. Talvez tenha sido nessa linha de pensamento
que Jeremy Scott presenteou os convidados com um desfile
repleto de pizzas, cachorros-quentes, hamburgers, batatas fritas
e sorvetes: um desfile calórico capaz de fazer tonturas às pessoas
mais sensíveis.
Mc Fancy Hermes's Frites 2010
Esta relação, entre moda e culinária, deixou de ser exclusiva de um
ou outro acontecimento, evento ou trabalho de designer e, devido
143 ao espaço que actualmente existe na blogosfera dedicado à
moda, a cozinha passou a ser descrita e discutida, combinando os
dois mundos com crescente interesse. De facto, não me espanta.
Penso que a culinária mudou a minha visão enquanto pessoa e
enquanto designer, mas não de uma forma nítida. Julgo que se
trata de ter alterado a minha experiência na moda num nível
transcendente. Subjectivo. Espiritual. Costumo associar que uma
coisa é outra e vice-versa como se fosse uma metáfora.
Miguel Silva COOK YOUR DRESS
Este fenómeno repetiu-se de passerelle em passerelle: vimos Aga- O blogue “Capturing the Sun” revela trabalhos do fotógrafo Fulvio
tha Ruiz de la Prada com as suas baguetes e ovos estrelados e, Bonavia, onde as malas estão cravadas com framboesas,
novamente, uma colecção humorística sobre alimentação de sardinhas que se alinham como encaixes de pulseiras, um cinto de
Bernhard Willhelm, entre outros. tagliatelle e um saco de bróculos. “Eu acho que se fosse fazer
compras todos os dias, e se tenho fome, uma dentada numa mala
não seria mau de todo, certo?”, refere-se no blogue.
Fulvio Bonavia
FRANÇOIS ROBERT
Stop/Faces- Suiça
LINK
STOP DE VIOLENCE
149
ELEANOR HARDWICK
Secret Places - Inglaterra
LINK
Historicamente, a fotografia “Fine Art” surge como uma forma distinta, Enquanto fotógrafo não tenho dúvidas de que a fotograf ia é uma forma
quer da fotografia comercial, quer da fotojornalística: tem o papel de de arte tão legítima quanto a pintura ou escultura. As regras que segui-
criar um espaço para a visão artística do fotógrafo e é, muitas vezes, mos para compor ou decompor uma imagem são, basicamente, as
utilizada com uma função importante na defesa de algumas causas mesmas que os grandes pintores seguiram, as técnicas e os meios é que
(entre outros, podemos aqui referir o trabalho de Sebastião Salgado em diferem. Todos sabemos (enquanto fotógrafos) que uma fotografia não
prol do “Movimento dos Sem-Terra”, no Brasil). Nos Estados Unidos, está terminada no acto de carregar no disparador. Esse será, quando
podemos mencionar os fotógrafos Alfred Stieglitz, Edward Weston, John muito, o momento em que ela nasce fisicamente, pois, muitas vezes, ela
Szarkowski, Edward Steichen e F. Holland Day como grandes defensores já existe na mente do fotógrafo. Após esse momento, a imagem que
da fotografia como “Fine Art”. captamos ainda tem um longo caminho a percorrer, o qual passa pela
revelação (digital ou analógica - há sempre um processo de revelação),
Inicialmente, este tipo de fotografia teve uma linha que se veio a pós-produção e finalização (que, em meu entender, na “Fine Art”,
denominar de 'pictórica', onde se procurava imitar os estilos da pintura corresponde ao processo de impressão). Raramente, para não dizer
e que usava frequentemente o “soft focus”, no intuito de criar ambientes nunca, a imagem final corresponde à original, captada no momento do
mais românticos. Mais tarde, e pela objectiva de Edward Weston e Ansel disparo.
Adams, entre outros, formou-se o grupo conhecido como F/64, o qual
advogava que a fotografia valia por si própria e não como imitação de
qualquer outra forma de expressão. Nesta corrente, a fotografia surgia
como perfeitamente focada e com longas profundidades de campo (daí
o nome). Na verdade, a fotografia como “Fine Art” ainda gera alguma
discussão em certos círculos artísticos que a vêem como uma forma
mecânica de reprodução de uma imagem.
153
Ansel Adams
Cathedral Peak And Lake - 1938
Ansel Adams
Moon And Half Dome - 1960
Lanny Da Costa
BW Study
João Lamares FINE ART
Mas o que é que distingue uma fotografia “Fine Art” de uma fotografia Se R. Barthes defende que o punctum de uma imagem é algo de pessoal
não “Fine Art”? Clive Bell defende que apenas uma 'significant form' que ela transmite ao observador e lhe desperta uma reacção emotiva, a
pode distinguir a arte da não arte. Há uma certa característica que, 'significant form' de Clive Bell tem de despertar uma emoção estética.
sendo diferente de obra de arte para obra de arte, é compartilhada por Se o fazemos através de um nu como Lany da Costa, através de uma
um Cézane, Picasso, Michelangelo, Rodin ou Paula Rêgo. A 'significant paisagem como Ansel Adams, através da cor ou apenas do preto e
form' será uma espécie de 'punctum artístico' ou 'estético' que nos branco ou se se recorre ao surrealismo ou ao realismo de uma fotografia
prende a uma imagem. de rua, pouco importa. O resultado final tem que ser concebido na mira
de uma 'significant form' que desperte uma emoção estética no
espectador.
Termino este artigo com a minha própria interpretação, em fotografia, de
Fine Art:
155
SHORTCUTS
LINK
WRITTER´S ROOMS
LINK
DISCURSOS E SENSUALIDADES
A dificuldade em aceitar moralmente a expressão (num grau me- Desde a época clássica a escrita erótica perpassa a literatura,
nos licencioso) dos comportamentos sexuais, aliados às paixões especialmente em formato poético. Os autores clássicos, aliás,
menos platónicas, motivou, na Idade Média, que vários escritores ascendiam mais virtuosamente neste tipo de escrita, ao
de quem hoje não se tem memória, fossem, de um modo tipica- desvendar sabores e prazeres e ao deixar uma deliciosa sinestesia
mente inquisidor, encarcerados e executados. Na verdade, a Épo- aos seus leitores. Por outro lado, as sátiras clássicas não
ca Medieval constituiu o interregno temporal onde se assistiram conheceram sucessores de qualidade. É, de facto, nessa época
às condutas sociais mais severas em várias áreas, numa análise remota, mas sublime e erudita, que encontramos as sátiras e os
comparativa às práticas observadas nas épocas Clássica e escárnios mais subtis possíveis em relação à sexualidade
Moderna nas quais, com maior ênfase na Modernidade, o aspecto masculina e feminina, onde as obscenidades abundam.
mais repressor apenas era liderado pela maledicência e pela
censura.
Efectivamente, os grandes escritores da No século XIX, na obra “Minha Vida Secreta”, Henry Spencer
antiguidade (Safo, por exemplo, poetisa Ashbee, um comerciante britânico burguês, viajante e conhecedor
grega da ilha de Lesbos, conhecida pela de vários continentes, apresenta um relato, em forma de crónica
sua arte literária mas também pelas de costumes, sobre as suas experiências sexuais com mais de
suas práticas homossexuais conside- 2500 mulheres, de vários cantos do mundo. E, repare-se, assim,
radas lascivas) não se livravam da sua confrontados com este tipo de legados, de que nem sempre temos
vida privada sob um escrutínio quase conhecimento enquanto leitores, insurge-se o desejo de lermos
devasso e perturbador. este e outros livros semelhantes.
E hoje, será que os nossos escritores, na área em questão, É muito interessante observar, por exemplo, as leitoras num salão
combatem a maledicência? A pergunta instaura-se quase de de cabeleireiro que às escondidas lêem, com imensa atenção,
forma retórica. Prejudicando a expressão e a interpretação, aquela história erótica que surge numa ou noutra revista cor-de-
165
muitas vezes leviana, que se faz de um escrito de pureza erótica, -rosa. É um tipo de leitura que ainda hoje conforta as ansiedades
castra a estética que este tipo de textos pretende divulgar. do leitor mas perturba o seu à-vontade social, o que faz com que
Frequentemente a liberdade de expressão não é problema, vire a página como se não manifestasse interesse por aquele tipo
sobretudo no caso de escrita erótica, mas a liberdade de de textos.
“recepção” e de resposta literária torna-se impiedosa nos tempos
actuais. Esta “resposta” advém quer da falta de letramento, quer
da falta de experiência cívica em relação a este tipo de género.
Sandra Figueiredo ESCRITA ERÓTICA
A sexualidade constitui-se como uma prática discursiva por A literatura erótica constata-se frequente-
excelência do homem e da mulher, daí que ler sobre práticas de mente em diversos tipos de textos e, embora
cariz erótico é descobrir-se a si mesmo e perceber-se enquanto ser nem autores, nem leitores o admitam, a verda-
social e privado. O Kama Sutra, por exemplo, escrito por de é que se expande sem fronteira genológica.
Vatsyayana (Índia, século IV D.C.), é considerado um manual
consensual e “devoto” do erotismo, embora no seu aspecto mais Porém, no mercado nacional, a aposta na
licencioso, pois apresenta-se explícito nas imagens e nos textos produção e venda de literatura erótica não é
que exibe, controlado, no entanto, por um estilo de “didactismo”. promissora. A indústria do audiovisual impera,
mas apenas no domínio da pornografia, com
A escrita erótica, sob forma mais frequente de carta ou conto, é uma adesão inquestionável. Em querela conti-
concebida para todo o público jovem e adulto, sem elitismos, pois nua a recepção de livros de teor erótico que
não há medidas sociais para ouvir falar, literariamente, do prazer e nem sempre são bem compreendidos por
mesmo de actos de luxúria, no seu sentido mais puro. As pessoas, vendedores e compradores, pois a fronteira
por vezes, tornam alvo de chacota o tipo de textos aqui referidos entre livro pornográfico e erótico é muito ténue
mas, na verdade, acolhem-nos como cartilhas sábias que e, por isso, compromete o valor social do ero-
expõem, sem grande pudor, as receitas da sensualidade. tismo literário.
Hoje em dia já não se organizam serões nas cortes elitistas, onde Por outro lado, os autores têm de procurar que o erotismo evite a
trovadores ou aspirantes a poetas exibiam os seus textos de cunho ridicularização de si próprio, assim como o excesso de similari-
verdadeiramente erótico, assaltando a libido socialmente bem dade com o pornográfico. O problema está, consideravelmente,
comportada dos senhores e senhoras que perdiam a distinção de no tipo de apelo feito (a começar pelo nosso limitado léxico na
idade na imaginação flutuante. No entanto, a imprensa mais área do erotismo) e mesmo na experiência que autores e leitores
“comercial” insere sempre este tipo de textos (embora imperem as possam ter em relação à sua intimidade e ao tipo de resolução que
imagens que se bastam a si mesmas) nos seus conteúdos gerais. mantêm com o seu id. Outro tipo de dificuldade prende-se na
nossa própria cultura.
Cada vez mais a escrita erótica opta por se exprimir em platafor-
mas Web (os blogues) e, daqui, emergem diferentes géneros
mesmo dentro do tipo de erotismo literário, até porque o “literário”
esfuma-se na necessidade íntima e social de se exprimir, em arte e
em humanidade. O suporte “livro” cada vez menos se torna um
recurso, não só pelo apelo das novas tecnologias, mas também
pela limitação de expressão que o livro apresenta, quando são
muito mais os “utilizadores” do que os “leitores”.
169
No contexto internacional, são abundantes os livros que surgem A escrita erótica depende seriamente da sensibilidade do escritor
nas prateleiras, com títulos simples ("Contos Suavemente que, para se distanciar da pornografia, deve fazer uma escolha
Eróticos" de Tito Ryff e "Contos de Fadas Eróticos" de Nancy atenta de vocabulário, apelando às suas experiências pessoais.
Madore) e repetidos em diferentes autores, sendo as descrições Sem as suas moratórias, de que modo o autor de escrita erótica
breves e suficientes. enalteceria o amor e o sexo?
É interessante, também, observar que começam a proliferar Daqui deriva uma questão: o erotismo admite que se aborde a
manuais de sexo (”The Multi-Orgasmic Man: Sexual Secrets Every sexualidade sem os sentimentos? De facto, na minha opinião, é
Man Should Know” ou “Taoist Secrets of Love: Cultivating Male um dos principais baluartes distintivos da escrita erótica e da
Sexual Energy”, entre outros de Mantak Chia et al.) sobretudo pornográfica. Quando refiro sentimentos, não os limito ao amor no
como compra recomendada via Internet, para evitar os seu sentido mais “aceitável”, mas a todos os impulsos humanos
constrangimentos da venda directa ao público. Um best-seller que aproximam as pessoas e justificam a sua união, sem que esta
encontra-se num livro de Sonia Florens (2004), “The Mammoth se reduza à busca de uma satisfação quase individual de pulsões
Book of Women's Erotic Fantasies”,que aborda a sensualidade da latentes. O erotismo é um hino às sensações e partilha de
mulher do século XXI, numa distância sôfrega desde as práticas e emoções, físicas e psicológicas, travadas pelos seres humanos,
fantasias da mulher dos anos 60. não definindo números nem géneros.
173
LITERATURE
DESASSOSSEGADOS
175 Gualter Franco
Na MITOLOGIA romana, Saturno, equivalente ao grego Cronos, Quem não conhece a letra e a sua canção? Que estado é este tão
está ligado a este “humor sombrio”. É ele que, mórbido e sem fim? Onde nasce esse sentimento? No cérebro? No coração?
desesperado, castra o seu pai (Urano) e devora os seus filhos a
No livro, Luto e melancolia, Freud aproxima o termo “luto” ao
pedido da mãe (Geia, a Terra). Os melancólicos eram, então,
“pesar por alguma coisa perdida”. Nele refere que, durante o luto,
designados de “saturninos”, mas a caracterização da sua doença
o sujeito desliga-se lentamente do “objecto perdido”, ao passo
foi variando consoante a época.
que, na melancolia, sente-se de alguma forma culpado por essa
morte, ao mesmo tempo que a nega e se sente possuído de forma
doente, num desespero infinito. Esse “temperamento
ETIMOLOGICAMENTE, vem do “fígado”, pois do grego, melancólico”, sem fim à vista, assume, nos místicos, a ameaça de
melacholia , forma-se de melas (negro) e kholé (bílis), ou seja se afastarem de Deus; nos revolucionários, a procura de um ideal
“bílis negra”, uma forma de loucura, que pode ser “pesada”, que se escapa e, nos criadores, a procura da auto-superação.
“sombria”, “nostálgica”, “insuportável”, “agonizante”,
“decadente”, “abatida” e, ainda, “extinguindo o desejo e a fala”.
Gualter Franco DESASSOSSEGADOS
“Os erros e a fortuna sobejaram Outro gigante da nossa língua é Fernando Pessoa, que se auto-
Que para mim bastava o amor somente” -intitulou um “drama em gente”. O seu “Livro do Desassossego” é
uma obra que compreende uma profunda “catarse”: é depressivo,
Ou descritivo, circular, desconstrutivo, sensível, de auto-ajuda e onde
descarrega a dor em fragmentos. Nele diz: “A solidão desola-
“Com que voz chorarei este meu triste fado me; a companhia oprime-me.”, “A minha vida é como
[…] se me batessem com ela”, “A minha alegria é tão
De tanto mal a causa é amor puro”. dolorosa como a minha dor.”…
179
A doença bipolar tem a característica de apresentar episódios de Já a esquizofrenia é apresentada como um transtorno psíquico
euforia e depressão. As pessoas que sofrem estes transtornos têm que pode ter como sintomas: alterações de pensamento,
uma vida mais agitada, temperamental e intensa, o que os pode alucinações, delírio e perda de contacto com a realidade. Esses
predispor para variadas manifestações artísticas, pois essas traços podem provocar uma maior abertura a novas possibili-
variações de humor podem ser canalizadas para a arte, de forma a dades: pensamentos divergentes, ideias estranhas e respostas
reparar esse equilíbrio perdido. Estas variações têm repercussões indesejáveis socialmente, sobressaindo as suas habilidades
nas sensações, emoções, ideias e no seu comportamento. Virginia artísticas. Está ligada à excentricidade, experiências incomuns,
Wolf, Ernest Hemingway e Antero de Quental são alguns dos génios pensamentos intuitivos e mágicos, descobrindo novas
literários associados a esta doença. perspectivas. Associados a esta doença, temos Tolstoy e Lord
Byron.
183
Gualter Franco DESASSOSSEGADOS
185
LITERATURE
O DIÁLOGO E O SEU PAPEL NO TEXTO LITERÁRIO
187 Ricardo Branco
Um dos erros que surge com frequência nos escritores No entanto, este diálogo poderia ser de outra forma:
inexperientes é o facto de colocarem as suas personagens a
repetirem aquilo que ambas já sabem: Elisabete aproximou-se, pesadamente.
-Então, o que se passa desta vez?
-Qual é o problema?, pergunta a Elisabete. -Não te via tão Pedro entreolhou-a. Claro que ele no último ano, sem o pai,
deprimido desde o ano passado, altura em que o pai foi-se não foi o Sr. Felicidade mas Elisabete agiu como a sua
embora a meio da noite e tivemos que descobrir uma atitude fosse um amuar passageiro de uma criança.
maneira de sobrevivermos com o pouco rendimento da -Nada.
mãe. -A sério? disse ela. -Isto não tem nada a ver com a nódoa
-Sim, disse o Pedro pensativo enquanto ia relembrando negra no teu queixo, pois não?
esses penosos dias questionando a razão da partida do pai. Pedro colocou as mãos na cara.
O pai dele nunca gostou do seu interesse por livros e -Nota-se muito? A mãe vai-se passar.
desenho em detrimento do desporto. -Quando a mãe chegar ela vai estar muito cansada para
-Mas isto é ainda pior. Há na escola um colega meu que reparar, quanto mais para se passar.
anda a meter-se comigo. Tu sabes como eu sou mais Talvez, mas o Pedro não quer correr o risco.
pequeno do que todos os outros rapazes e que não consigo
ganhar peso por mais que coma. A mãe diz que sou tão Neste exemplo o diálogo cobre a maior parte do assunto do
magricelas como uma galinha depenada. Como é que eu anterior mas de uma forma mais subtil e natural deixando espaço
lido com um gajo com o dobro do tamanho? ao leitor para as suas interpretações.
189
Mas, a mais importante de todas as regras é mesmo não dar ao
leitor todas as pistas colocando-o numa posição em que possa ler
nas entrelinhas. É aí que está o verdadeiro prazer da leitura.
Tomemos este exemplo do conto “As Colinas como Elefantes
Brancos” de Ernest Hemingway:
-É uma operação muito simples Jig, disse o homem. - Na DIÁLOGO EM CONJUGAÇÃO COM A NARRATIVA E ACÇÃO
realidade nem é bem uma operação.
A rapariga olhou em direcção às pernas da mesa e De acordo com Gloria Kempton no seu livro “Dialogue: Techniques
descansou. and Exercises for Crafting Effective Dialogue” há escritores com
-Eu sei que não te vais importar de o fazer, Jig. Não é nada. É medo de escrever diálogos ao ponto das personagens soarem de
só deixar o ar entrar. forma irreal ou, até, de criarem textos sem qualquer tipo de
A rapariga não disse nada. diálogo. Toda a ficção precisa de diálogo - refere - bem balanceado
-Eu vou contigo e estarei o tempo todo contigo. É só deixar o com a narrativa e acção para obter-se a natureza das personagens
ar entrar e depois é tudo perfeitamente natural. e da história. “O diálogo deve captar a essência da realidade”,
-E depois, o que vamos fazer? Dean Koontz.
-Nós vamos ficar bem, como já estávamos antes.
Assim, tal como o diálogo traz a história e as personagens para a
-O que te faz pensar assim?
página, a acção cria o movimento e a narrativa dá a profundidade e
-Isso é a única coisa que nos está a incomodar. É a única coisa
a substância. Com estes três elementos, refere Gloria Kempton, o
nos faz infelizes. escritor provoca uma sensação de três dimensões ao leitor.
Percebe-se neste diálogo que o assunto é o abor to e que, apesar Qual dos três deve ter mais preponderância? Não existe uma
de não ser mencionado abertamente, sente-se o desconforto que resposta evidente para a questão. Devem estar, sobretudo,
causa nas personagens. Um escritor menos capacitado não seria entrelaçados e surgir de forma natural e instintiva. Existem
capaz de confiar no leitor e transcreveria a conversa de uma forma excelentes obras baseadas apenas na narrativa ignorando quase
191
mais explícita. por completo os outros dois elementos, como também existe o
contrário.
Ricardo Branco O DIÁLOGO
Em “O Amor nos Tempos de Cólera”, de Gabriel Garcia Márquez, A venda realçou-lhe a pureza dos lábios entre a barba
podemos encontrar um exemplo onde diálogo, narrativa e acção redonda e negra e os bigodes de pontas afiadas, e ela sentiu-
conjugam na perfeição. -se sacudida por uma chicotada de pânico. Olhou para
Fermina e, desta vez, não a viu furiosa mas aterrorizada com
- Nada mais fácil, disse o doutor Urbino. - Vamos lá ver a ideia de que ela fosse capaz de tirar a saia. Hildebanda
quem acaba primeiro. pôs-se séria e perguntou-lhe em letras feitas com as mãos:
Começou a desatar os atacadores das botas e Hildebranda -Que fazemos?
aceitou o desafio. Não lhe foi fácil porque aquele estorvo do Fermina Daza respondeu-lhe no mesmo código que se não
corpete de varetas não a deixava inclinar-se, mas o doutor fossem directamente para casa se atiraria da carruagem em
Urbino demorou-se propositadamente até ela tirar os botins andamento.
debaixo das saias como uma gargalhada de triunfo, como se -Estou à espera, disse o médico.
acabasse de os pescar num tanque. Olharam então os dois -Já pode olhar, disse Hildebranda.
para Fermina e viram-lhe o magnífico perfil de verdilhão
mais aprumado do que nunca de encontro ao incêndio do Entretanto, há alturas no texto literário em que temos mais de um
entardecer. Estava três vezes furiosa: pela situação elemento do que de outro, principalmente quando é necessário
imerecida em que se encontrava, pela conduta libertina de relevar uma determinada situação como neste excerto da obra de
Hildebranda, e pela certeza de que o carro dava voltas sem W. Somerset Maugham, “Servidão Humana”, onde praticamente
sentido para retardar a chegada. Mas Hildebranda estava só utiliza o diálogo:
sem freio.
- Agora me dou conta que o que me estorvava não eram os -Sinto muitíssimo. Amanhã estou comprometido.
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sapatos mas esta gaiola de arame. Sabia que isto ía provocar uma cena que daria tudo para
O doutor Urbino compreendeu que se referia às anquinhas e evitar. A cor das faces de Norah avivou-se.
respondeu à letra. “Nada mais fácil”, disse. “Tire-a.” Com um -Mas convidei os Gordon para almoçar (era um casal de
movimento rápido de prestidigitador tirou o lenço do bolso e actores que andava em tournée pelas províncias e passaria
vendou os olhos. o domingo em Londres).
- Eu não olho, disse. -Preveni-te a semana passada.
Ricardo Branco O DIÁLOGO
-Desculpa, esqueci-me…- Philip hesitou. -Temo que não me Em suma, uma relação harmoniosa entre diálogo, narrativa e
seja possível vir. Não há mais alguém que possas convidar? acção dependerá sempre da habilidade e técnica do escritor e do
-Que vais fazer amanhã, então? objectivo e público-alvo da sua obra.
-Preferia que não me submetesses a um interrogatório.
-Não queres dizer-me? Provavelmente, nos dias que correm, numa sociedade com cada
-Não tem a mínima importância, mas é um pouco vez mais apetência por informação rápida, fácil e concisa, os livros
desagradável ser forçado a dar conta de tudo quanto faço… sustentados pelo diálogo, na generalidade, têm mais sucesso que
Norah mudou de repente. Conseguiu dominar a cólera e veio os restantes, sobretudo em detrimento dos clássicos. Páginas
tomar as mãos do rapaz. com bastantes espaços em branco sempre são mais apelativas do
-Não me desapontes amanhã, Philip. Contava passar o dia que longos blocos de texto.
junto de ti. Os Gordon querem conhecer-te e vamos divertir-
A qualidade de um livro obviamente - vale pelo seu todo e o uso do
-nos tanto…
diálogo representa apenas uma parte não devendo, por isso, ser
-Se pudesse, viria da melhor vontade.
sobrevalorizado nem subvalorizado, ficando o critério e a exigên-
-Não sou muito exigente. Nem te peço muitas vezes que cia ao encargo de cada um.
faças uma coisa que te desagrade. Não poderás faltar a esse
teu compromisso… só uma vez? Mas, parafraseando Stephen King, em “On Writing”, “Escrever
-Sinto muito, não vejo maneira… replicou, carrancuda- (Ler) é mágico, é como a água para a vida como em qualquer outra
mente. arte criativa. A água é grátis. Por isso bebam. Bebam e encham-
-Diz-me o que é, pediu ela. se.”
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smiling everywhere...