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03/04/2018 O Raccord no Cinema (Julia Marques)

Aversão do Montador
ocura da invisibilidade

O Raccord no Cinema (Julia Marques)


dezembro 13, 2009

Aversão do Montador
FACULDADE DE ARTES DO PARANÁ
ESCOLA SUPERIOR SUL AMERICANA DE CINEMA E TV

TRABALHO DE MONTAGEM I:

CURITBA
2009

RESUMO

O presente trabalho busca explorar as concepções de diversos autores no que diz respeito
ao raccord. Deseja-se revelar a importância de seu papel em uma obra cinematográfica e
as suas características formais como elemento da montagem fílmica. Como também,
expressar de que maneira se deu e o porquê do seu surgimento dentro da história do
cinema.

1. INTRODUÇÃO

Esse artigo procura discorrer acerca do raccord, elemento da montagem fílmica que busca
produzir um efeito de continuação entre dois planos, simulando através de técnicas
específicas a sequencialidade de uma ação. Utilizar-se-á no desenvolvimento deste texto
ideias propostas por literatos do cinema quanto à elaboração de um raccord, seus
objetivos e suas desconstruções. Finalmente, apresenta-se como seu deu o surgimento do
raccord na história do cinema, e o seu valor para o desenvolvimento da linguagem clássica
como também das novas possibilidades de articulação de ideias utilizando a mesma
expressão artística.

2. O Raccord: sua constituição e história

Segundo Jacques Aumont, em “A Estética do Filme”, o raccord seria propriamente a


construção de uma ligação formal entre dois planos sucessivos. Ele afirma também que
ele reforçaria a ideia de continuidade representativa provocando um efeito de ligação ou
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ele reforçaria a ideia de continuidade representativa, provocando um efeito de ligação ou

até mesmo de disjunção. Esse último seria um caso particular, o falso raccord,
caracterizado quando essa ligação não transmite a noção de continuidade de uma ação
ou fato apresentado, e sim uma ruptura no tempo/espaço.
Jacques Aumont (1995), ao abordar o que chama de figuras concretas da montagem –
tomando o raccord como uma delas –, lembra que a busca por organizar regras estruturais
para a montagem fílmica é bastante antiga. Diz que essa organização tem base empírica,
e que encontra seus dados nas experiências de diversos realizadores ao longo da história
do cinema.
Cada escolha feita, ou seja, o modo como as figuras da montagem são postas no filme,
causará diversos efeitos distintos, como proposto em um de seus exemplos. Ele sugere “o
raccord sobre um gesto”, que se definiria como a articulação em dois planos de uma
mesma ação, estando o início dela em um quadro e o seu fechamento no quadro seguinte.
Esses dois deveriam apresentar ângulos diferentes dentro de um mesmo espaço, e
exatamente o ponto em que a ação estivesse no fim do primeiro plano teria sua
continuação no plano seguinte, como que compondo exatamente um mesmo movimento,
que escapasse de um quadro e entrasse no outro.
Aumont propõe, através desse exemplo, quatro possibilidades de efeito causado a partir
de sua elaboração. Seriam: o efeito sintático de ligação – definido por ele como o que
formalmente seria o raccord –, pela ilusão de continuidade de movimento; o efeito
semântico (narrativo), por produzir uma noção convincente de tempo dentro do filme, essa
que, por outro lado, é alheia à realidade temporal; a possibilidade de efeito conotativo, ou
seja, de constituição de um terceiro sentido além dos postos nos planos, a depender da
distância entre os enquadramentos ou da natureza do gesto; ou mesmo um possível efeito
rítmico correlacionado ao corte e o modo como esse se põe entre os planos.
Esse exemplo citado anteriormente enquadra-se em um tipo específico de raccord, que
seria o de movimento. A ideia de subdividir as possibilidades de raccords, através de
seções baseadas em características originou-se no que se chama de linguagem clássica
cinematográfica. Essa ordem objetivava formalizar as diversas possibilidades de se
conseguir efeito de continuidade e homogeneidade no discurso fílmico, alguns dos
objetivos primários desse perfil de cinema, e é por isso que a noção de raccord é uma das
figuras que mais o representa.
Além do raccord em um gesto, Aumont discorre sobre outros dos principais tipos,
propostos pelo cinema de linguagem clássica. Eles são:

O raccord sobre um olhar, que constitui o plano e o contraplano, por mostrar no


primeiro um personagem olhando em uma direção, e, respeitando o sentido de seu
olhar, apresenta-se outro personagem que olha para o primeiro, ou mesmo um
objeto, representando aquilo que o personagem do primeiro plano vê.

O raccord de movimento, que pressupõe entre dois planos a manutenção da


velocidade aparente e direção da ação, devendo obedecer, portanto, à regra dos
180°, que obriga que a câmera se mantenha dentro desse limite máximo de
angulação, colocando-se em torno do objeto filmado.
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O raccord no eixo, que põe dois momentos que se sucedem – que podem ter entre si
uma leve elipse temporal – em dois planos distintos, diferenciados somente pelo
distanciamento entre a câmera e o objeto. Lembrando-se que é essencial para a
manutenção da ilusão de continuidade e ocultamento do corte, a utilização da regra
dos 30°, que obriga que essa distância angular mínima se ponha entre o primeiro e o
segundo posicionamento de câmera, evitando-se, assim, o efeito conhecido como
“salto”.

André Bazin, crítico e teórico do cinema na década de 40 e 50 e co-fundador da revista


Cahiers du Cinèma, defendeu a ideia de recusa da montagem com raccord. Ele acreditava
que era o raccord que forçava o filme a ter um discurso, o que reduzia a natural
ambiguidade do real. Por conta disso, valorizava a montagem que tão somente passasse
de um plano para o outro, a utilização de profundidade de campo e de planos sequenciais.
Bazin afirmava que com essa configuração o filme estaria mais próximo da realidade e
nele dar-se-ia o mesmo valor a tudo aquilo que fosse mostrado. Sobrepunha a decupagem
em profundidade à analítica, pois para ele essa última criaria um exagero no realismo, pela
construção de impressão do real através da forma, e constituição de um discurso.
Segundo ele, isso seria uma ilusão do real, bastante distante da realidade múltipla e livre
para diversas análises.
Gilles Deleuze, em seu texto “Cinema: a imagem-movimento”, discorre sobre a ideia da
constituição da imagem-movimento, que para ele seria a imagem que se movimenta
independente do movimento de alguém ou de algo. Segundo ele, essa constituição se deu
a partir de duas formas: da mobilidade que a câmera ganhou, o que tornou possível a
feitura de planos móveis, como também através da montagem, utilizando raccord de
planos. Deleuze põe que a presença do raccord poderia tranquilamente se dar também
entre planos fixos; localiza-o, assim, acima de inovações tecnológicas como as que
possibilitaram o surgimento de câmeras menores e mais leves.
Em “Dicionário Teórico e Crítico do Cinema”, também de Jacques Aumont, agora em
parceria com Michel Marie, afirma-se que o surgimento de sentido em uma linguagem vem
da articulação de suas partes “discretas”, da mudança de um para outro fragmento, e que
entre eles deve haver uma diferença, é necessário que provoquem o efeito de
descontinuidade. Embora o cinema, por trabalhar com o tempo intrínseco a ele, tenha em
si inevitavelmente a presença do contínuo, a descontinuidade, por outro lado, é essencial e
essa pode se dar entre fotogramas, dentro de um mesmo plano, ou entre planos, na
montagem.
A transferência de um plano a outro, buscando a continuidade, pode ocorrer através do
uso do raccord, porém, se o efeito procurado for o da quebra temporal ou espacial, utilizar-
se-á, nas palavras de Aumont, o intervalo. Ele exemplifica esse discurso através dos
planos longos – mantendo expressamente a continuidade – em Sleepou Empire, ambos
do Andy Warhol, e utilizando os filmes feitos com diversos fotogramas de Sharits ou
Kubelka, provocando intensa descontinuidade. Todos esses cineastas, realizadores
experimentais.
Mais adiante ainda no mesmo livro Aumont e Marie discorrem sobre falso-raccord a
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Mais adiante, ainda no mesmo livro, Aumont e Marie discorrem sobre falso raccord, a

princípio definindo-o como uma articulação entre planos, mal realizada no que diz respeito
à lógica da transparência. Utilizam exemplos como Roberto Rossellini, Eisenstein e
Godard, como realizadores que fizeram, destacadamente, o uso de falsos-raccords.
Afirmam também que, mesmo sendo uma escolha de ruptura, o falso-raccord é um tipo de
raccord, pois em nada impede a compreensão da estória narrada, somente se faz visível,
em contrapartida ao raccord tradicional, clássico.
Quanto ao desenvolvimento e aperfeiçoamento do uso do raccord na história do cinema,
contam que até 1910, a montagem de um filme se dava basicamente com a colagem de
um plano a outro, esses postos como quadros praticamente independentes entre si e com
valor individual completo. Posteriormente, com o aperfeiçoamento da linguagem
cinematográfica e a busca pela fluidez do discurso, começaram a ser explorados os
efeitos de continuidade entre planos, trabalhando-se o raccord, como também explorando
os princípios de alternância, e a montagem em paralelo.
Foi em Hollywood, com a produção em escala industrial e o desenvolvimento da
linguagem chamada atualmente de clássica, que isso se deu, e de modo bastante
empírico. O objetivo era remover os anteparos de descontinuidade entre os planos que
pudessem impedir o espectador de se envolver com a estória contada, permitindo que ele
concentrasse sua atenção totalmente na continuidade da narrativa visual, abstraindo o
universo exterior àquele discurso, como também a própria construção desse.

3. CONCLUSÃO

O valor representativo que o raccord tem dentro da elaboração de um discurso é enorme,


isso é indiscutível. Não somente se tratando do artifício técnico que é, mas também pelo
que ele significa dentro da história do cinema. Pensar a desconstrução de algo só é
possível a partir da sua elaboração. A concepção de um código específico, dentro de
padrões montados a partir de objetivos definidos arbitrariamente por aqueles que
decidiram qual seria o papel e o modo de leitura do cinema, foi o primeiro grande passo
para as construções de grande relevância que desenvolveram o cinema como linguagem.
A utilização da descontinuidade na apresentação de uma ação ou a colocação de uma
quebra temporal, sem estar preocupado em disfarçá-la, era impensável antes da
concepção de cinema elaborada por Hollywood. Antes das tentativas com base empírica,
empreendida pelos produtores e cineastas do início do século XX nos EUA, nem mesmo se
sabia que tipo de efeito cada escolha estética traria.
Desenvolveu-se, posteriormente, a ideia de que os efeitos de continuidade e simulação de
sequencialidade das ações transmitiam aos espectadores a impressão de realidade de
modo nítido, como também envolvia e provocava a identificação deles com os
protagonistas do filme – efeito potencializado pelo desenvolvimento de roteiros
envolventes –, de modo a fazer dessa uma arte hipnótica e cativante.
A partir da consolidação da linguagem clássica do cinema, os elementos definidos dentro
de suas regras puderam ser relidos e retrabalhos através de novos objetivos e concepções
daqueles que buscaram e ainda buscam outro modo de se expressar dentro dessa arte.
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Eles se mantêm em contato com o movimento do mundo ao passar do tempo e com as

expectativas do público, porém procuram uma linguagem mais original, influenciada pela
clássica, mas a trabalhando e não simplesmente a deglutindo. Em se tratando de arte, o
estudo e a busca pela superação do passado se fazem necessárias à evolução de todo e
qualquer processo artístico.
Finalmente, e acima de qualquer concepção individual – e até mesmo da análise de
teóricos dos mais diversos –, no cinema, antes mesmo de se definir que tipo de escola
seguir, referenciar ou desconstruir, é importante se saber os objetivos finais, qual o
argumento da realização e qual o público que se deseja alcançar. A partir dessas
definições, o passo seguinte é saber em qual estética a abordagem escolhida se
enquadra. Não existe regra, a homogeneidade é o objetivo final, porém, ainda como no
período do desenvolvimento da linguagem clássica, dá-se estritamente de maneira
intuitiva e empírica.

BIBLIOGRAFIA:

AUMONT, Jacques. A Estética do Filme. Campinas: Papirus, 1995.


DELEUZE, Gilles. Cinema 1: a imagem-movimento. Tradução de Stella Senra. São Paulo:
Brasiliense, 1985.
AUMONT, Jacques e MARIE, Michel: Dicionário teórico e crítico de cinema, Campinas:
Papirus Editora, 2003.

lucialeiro 6 de novembro de 2011 04:40

Fiquei na dúvida. O texto é de Júlia ou de Alfredo. Tive a impressão de que


Júlia escreveu e Alf postou. É isso mesmo? É que vou usar este texto em
uma oficina e gostaria de dar os devidos créditos.
Abraço
RESPONDER

Julia Marques 15 de maio de 2016 16:49

O texto é de Julia Marques.


O blog é de Alfredo Barros.
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