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CONTRIBUTO DAS EXPERIÊNCIAS IMAGINADAS DE GALILEU NO


DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO

Conference Paper · October 2011

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Jorge Fonseca e Trindade


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CONTRIBUTO DAS EXPERIÊNCIAS IMAGINADAS DE GALILEU NO
DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO

FONSECA E TRINDADE, JORGE

Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico da Guarda


Centro de Física Computacional da Universidade de Coimbra
jtrindade@ipg.pt

Resumo
Em 1592 Galileu encetou a sua atividade académica na Universidade de Pádua, em Itália,
ensinando Geometria, Mecânica e Astronomia. Os dezoito anos que aqui passou foram
talvez os mais criativos da sua vida, fazendo importantes descobertas quer no campo das
ciências puras (cinemática e astronomia, por exemplo), quer no domínio da ciência
aplicada (resistência de materiais e melhoria do telescópio, por exemplo). Foi neste
período que emergiram os seus brilhantes resultados sobre a queda dos graves,
baseados no pressuposto assaz contraintuitivo de que os corpos no vácuo caem todos
com a mesma aceleração, apesar da diferença de peso. Para tal contribuíram de forma
significativa as suas “experiências pensadas” para derrubar o ponto de vista intuitivo,
aristotélico, da queda dos graves.
Em pouco mais de três séculos as ciências físicas conheceram um desenvolvimento
expressivo, catalisadas pelo recurso àquelas “experiências pensadas”, nas quais os
cientistas se abstraiam de situações reais, indo além das perceções transmitidas pelos
sentidos. Com efeito, o recurso àquelas “experiências” podem conduzir a teorias
científicas, formando a base para uma nova intuição da natureza, tal como fez Einstein,
no início do séc. XX, acerca da invariância da velocidade da luz.
Neste artigo abordaremos algumas transformações na história do pensamento científico
baseadas nas “experiências pensadas” de Galileu como base para a teoria de Newton da
queda dos corpos na Terra e o movimento dos cometas nos céus, ambos oferecendo um
novo conceito de senso comum e uma nova base para a intuição científica.

Introdução
Na Grécia antiga os filósofos clássicos tinham uma atividade costumeira praticamente
desprovida da prática experimental, sendo amiúde substituída por “experiências”
idealizadas na mente. Tais "experiências pensadas” permitiram, por exemplo, a
Aristóteles, filósofo grego que viveu no século IV a.C., fundar um edifício filosófico de
explicação da Natureza cujos alicerces e envergadura se mostraram tão robustos que
persistiram até ao período de Galileu. Valorizando o uso da razão para tentar
compreender as leis da Natureza, Aristóteles logrou alcançar muitos êxitos, porém
algumas falhas também, como é o seu postulado que os objetos mais pesados caiem
mais rapidamente que os objetos leves.
Galileu Galilei, físico e matemático italiano e incomparável defensor das práticas
experimentais, no século XVII demonstrou que Aristóteles não estava certo a respeito da
queda livre dos graves. Galileu comprovou empiricamente que os objetos caiem com a
mesma aceleração independente da massa, a não ser que uma força externa, como por
exemplo a resistência do ar, atue sobre eles. Ele predisse que, se não existisse ar, uma
pena e um martelo largados da mesma altura chegariam juntos ao solo, feito
comprovado séculos mais tarde pela missão da Apollo 15, em 26 de Julho de 1971, à Lua,
onde não existe atmosfera.
Não obstante a importância histórica, epistemológica e metodológica da experimentação
no trabalho de Galileu, não foi exclusivamente na prática experimental que o pensador
italiano encontrou argumentos que o auxiliaram a defender as suas ideias sobre as de
Aristóteles. No domínio da imagética ele encontrou um campo extraordinariamente fértil
para a condução de algumas experiências controladas e, em muitos delas, conclusivas.
Elaboradas e conduzidas apenas no “laboratório” da mente, estas "experiências
pensadas” contribuíram fortemente para ressaltar os paradoxos de uma ciência física
milenar e buscar novas fronteiras no entendimento do Universo. Galileu era um mestre
neste processo. Através de “experiências imaginárias” ele percebeu que o movimento
dos corpos não deve ser imposto sobre a Natureza, pelo contrário, deve ser obtido da
Natureza através da matemática e da experiência.
Na história da ciência, mais recentemente, encontramos esta modalidade de explicação
da Natureza como, por exemplo, no início do desenvolvimento da mecânica quântica e
da teoria da relatividade no início do séc. XX. Atualmente, as “experiências pensadas”
têm merecido um crescente interesse traduzido pelo número cada vez maior de estudos
e publicações, mostrando que o processo de “experimentar em pensamento” cada vez
mais ganha significado e constitui, essencialmente, uma estratégia que tem como um de
seus principais efeitos a possibilidade de familiarização com o sentido histórico da
ciência e seus métodos. Nessa perspetiva, os aspetos epistemológicos e práticos
desempenham um papel estratégico nas conexões com as diferentes áreas do
conhecimento (Georgiou, 2005).

Galileu: artesão e matemático


Galileu Galilei nasceu em Pisa, na Itália, em fevereiro de 1564. Em 1581 matriculou-se na
Universidade de Pisa para estudar medicina, sob influência de seu pai, empreitada que
não viria a concluir pelo seu maior interesse pela matemática. Galileu acabou por
abandonou a universidade em I583, dedicando-se aos estudos de matemática, mecânica
e hidrostática. Neste período escreveu o seu primeiro tratado científico original sobre a
balança hidrostática, La bilancetta, sendo notória a influência de Arquimedes. Foi, aliás,
com Arquimedes que nasceu a ciência da hidrostática, tendo escrito o tratado “Sobre os
Corpos Flutuantes”, em que Galileu se inspirou para relacionar a velocidade de queda ou
de subida de um corpo num dado meio com o peso específico do corpo e do meio por
onde ele se desloca.
Em 1590, Galileu produziu um manuscrito intitulado De motu onde dá conta dos seus
estudos sobre o movimento. Neste tratado, Galileu propôs uma teoria do movimento
natural, de acordo com a qual se supõe que um corpo em queda livre se desloca com
uma velocidade uniforme característica. Neste caso, a velocidade uniforme deve-se à
resistência do meio (é a velocidade uniforme que, de facto, o corpo exibiria de modo
mais perfeito no vácuo) e a sua magnitude para um certo corpo é determinada pelo seu
peso específico ao qual é diretamente proporcional. Apesar do estudo ter sido feito
numa perspetiva aristotélica, Galileu não se coibiu, nalguns capítulos, de lançar várias
críticas à doutrina de Aristóteles. Situa-se nesta época a célebre lenda do estudo da
queda dos corpos com base em lançamentos que o sábio pisano teria feito do alto da
torre inclinada de Pisa, uma lenda posta a circular por um discípulo seu após a sua
morte. O próprio Galileu diz no seu De motu que, se dispuséssemos de uma torre
suficientemente alta, veríamos o movimento acelerado transformar-se em uniforme.
Esta obra pode ser considerada como a primeira reflexão sobre um tema a que retornará
em diversos momentos da sua vida e que terminará por ser uma das suas contribuições
mais importante na Física: a obra publicada em 1638, quatro anos antes da sua morte,
sob o título Discorsi e Dimostrazioni Matematiche, intorno à due nuove scienze attenenti
alla Mecanica ed i Movimenti Localli e que constitui o primeiro tratado moderno sobre
cinemática.
Em 1592 Galileu conseguiu a cátedra de matemática da universidade de Pádua, onde
viria a realizar um trabalho profícuo. É nesta altura que se inicia o que, na biografia de
Galileu, é comum designar como o período paduano, a fase de amadurecimento dos dois
grandes projetos científicos galilaicos: a ciência geometrizada do movimento e a
sustentação pela observação do sistema coperniciano. É a partir de 1602-1604 que
retoma o estudo da geometrização do movimento e, apesar de não ter publicado nada
neste período, há documentos epistolares que provam que Galileu, já entre 1602 e 1610,
elaborara o essencial daquilo que, após a sua condenação em 1633 pelo Santo Ofício,
viria a expor nos Discorsi.
Em Pádua, a atividade de Galileu foi sobretudo ocupada com a solução de problemas
técnicos da mecânica, bem como com as suas aplicações práticas: em 1593, inventou
uma bomba para elevar a água e escreveu um trabalho sobre fortificações; em 1597
construiu um compasso geométrico e militar, editando um folheto em italiano para
explicar o seu uso e utilidade. Galileu montou uma oficina na sua casa onde, com o
auxílio de um operário, fabricou instrumentos variados: o dito compasso, quadrantes,
bússolas e, mais tarde, lentes e as famosas lunetas.
Esta faceta de artesão de Galileu é reveladora de um dos aspetos mais importantes da
revolução científica do séc. XVII, uma característica marcante da praxis anti aristotélica.
Aristóteles e os filósofos gregos em geral, nada tinham contra o conhecimento prático, a
que chamava techne. Só não o consideravam do mesmo tipo do conhecimento científico
a que chamavam episteme. Para os gregos, a diferença entre estes dois tipos de
conhecimento não estava na diferença entre teoria e prática, mas, sim, na distinção
entre as origens e os objetivos do conhecimento. Para o primeiro, a prática, interessava
saber o «como fazer», um processo sujeito à descoberta pelo uso, enquanto o segundo,
a teoria, dizia respeito exclusivamente à razão ou à compreensão das coisas, sugeridas
pela observação, através do conhecimento das suas causas, ou seja o entendimento dos
«porquês». Um dos aspetos bastante inovador em relação ao legado da observação
grega, uma observação que assentava na ação direta e despojada dos órgãos dos
sentidos, residia, agora, no facto de ultrapassar o observar, passando-se a
“experimentar”, o que significava interrogar a Natureza de um modo diferente. E este
modo de inquirição implicava a utilização de instrumentos de medida que,
contrariamente ao que até aí acontecia, prolongavam a capacidade do homem em medir
para lá do que era permitido pelos seus órgãos dos sentidos. Quem respondia ao
observado não eram os órgãos dos sentidos, mas os aparelhos de registo. O perscrutar
para lá da perceção sensorial da Natureza, permitia compor novos quadros mentais
sobre o comportamento da Natureza. Experimentar é também confiar na imaginação e,
de uma forma unicamente mental, produzir resultados à custa de experiências
imaginadas tal como Galileu proporá nos seus Diálogos.
A revolução científica no séc. XVII vai recorrer a este novo processo de interrogar a
Natureza para encontrar as leis que governam os fenómenos sem se preocupar com as
“causas”. Galileu preocupar-se-á com a queda dos graves e não com a causa da queda e,
neste processo, intervém o artesão, concebendo novos modos de medir o tempo, e o
matemático, que exprime os resultados por relações numericamente rigorosas.

“Experiências pensadas”
Foi em 1897 que o físico austríaco Ernst Mach cunhou pela primeira vez o
termo gedankenexperiment (consolidada como thought experiment em inglês) para
denotar uma conduta imaginária de investigação científica análoga aos procedimentos
que deveriam ser utilizados pelos seus estudantes para realizar uma experiência
laboratorial. No século seguinte à sua descrição, como método específico de
questionamento, o termo gedankenexperiment aparecia esporadicamente na literatura
inglesa em questões envolvendo a filosofia da ciência, notadamente na obra de Popper
(2005), sobre o uso das “experiências imaginárias”, especialmente no desenvolvimento
da teoria quântica (Brown, 1991). Passou-se, desde então, a serem denominados certos
tipos de abordagens para a realização de experiências como uma nova classe,
de “experiências pensadas”, “experiências de pensamento” ou ainda “experiências
mentais”, além de outros termos utilizados por diferentes autores.
De acordo com Brown (1991), as “experiências mentais” são as realizadas no
"laboratório” da mente e, portanto, envolvem manipulações mentais que são
frequentemente impossíveis de serem desenvolvidas como experiências laboratoriais.
Tais “experiências” são utilizadas de forma imaginária pela impossibilidade de serem
conduzidas por processos empíricos ou pela limitação tecnológica momentânea, como
foi o caso da experiência da dupla fenda com eletrões (a difração de eletrões por duas
fendas usada por Feynman para ilustrar os princípios da mecânica quântica), ou ainda
porque são, em princípio, impossíveis. Um exemplo destas é a experiência designada
por “balde de Newton”, que é descrita por Isaac Newton na sua obra de
1687, Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, com a qual pretendia Newton
demonstrar a existência do espaço absoluto.
Ainda de acordo com Brown, a classificação de “experiências mentais” implica em saber
quais são as suas características e verificar se há propriedades ou regularidades que
possam ser consideradas como fundamentais para sua taxonomia. Nessa perspetiva,
Brown (1991) compila uma classificação que envolve algumas considerações filosóficas e
de alguma forma privilegia as considerações operacionais, abordando os exemplos
tradicionalmente tratados na literatura sobre “experiências mentais”, tais como o gato
de Schrödinger, a experiencia de Einstein, Podolski e Rosen (EPR), o demônio de
Maxwell, o balde de Newton e o estudo de Galileu sobre a queda de corpos.
Segundo Gendler (1998) as “experiências mentais” envolvem uma participação
construtiva e requerem um tipo de ação dos que as experimentam. Levando em conta as
considerações da autora, elaborar uma conclusão com base numa “experiência mental”
é fazer um julgamento sobre o que aconteceria se o caso particular da situação descrita
nalgum cenário imaginário fosse, na verdade, obtido. No artigo intitulado Galileo and the
Indispensability of Scientific Thought Experiment, Gendler (1998) examina
cuidadosamente a “experiência mental” de Galileu sobre a queda de corpos, desafiando
a visão defendida por Norton (1996) de que as “experiências de pensamento” podem ser
demonstradas por argumentos explícitos que não fazem referência a particularidades
imaginárias. Segundo Gendler (1998), alguma coisa além do argumento pode justificar o
raciocínio sobre a “experiência mental” e buscar referências a algumas particularidades,
fornecendo e garantindo apoio para a reorganização dos conceitos. Para Gendler (2000),
o argumento não nos dará acesso a um determinado conhecimento, uma vez que não o
encontramos propositalmente disponível. Elaborado de forma apropriada, uma
“experiência mental” pode levar a uma conexão vantajosa com o conhecimento
permitir-nos fazer uso da informação sobre o mundo, se apenas tivéssemos condições de
sistematizá-lo em padrões para os quais somos capazes de dar sentido.
Naturalmente que, do ponto de vista metodológico e epistemológico, qualquer
experiência prática é uma “experiência mental”, pelo facto do cientista precisar planear
a sua atividade, o que exige uma elaboração mental de natureza antecipatória. É preciso
refletir sobre a metodologia, o tempo necessário, a minimização dos erros, a
instrumentação necessária para a montagem, operação e obtenção de dados, na sua
interpretação e na teoria que vai dar suporte a essa interpretação. Além desses aspetos,
é fundamental lembrar que o cientista ainda “prevê” ou, pelo menos, já busca
determinado resultado experimental, pelo menos no sentido de “resolução de quebra-
cabeças”, conceito apresentado inicialmente por Kuhn (1964). Tais estratégias
evidenciam-se fortemente no investigador, na medida em que planeia cuidadosamente
as experiências que pretende realizar em laboratório, sejam os de investigação, sejam os
de caráter didático.

O contributo da Imagética de galileu


A queda livre de corpos no vácuo era um assunto caro a Galileo. Para rebater a inferência
aristotélica, do senso comum, de que objetos mais pesados caem mais rapidamente do
que os mais leves, há uma história apócrifa em que Galileu refutou esta hipótese,
largando bolas de canhão da torre inclinada de Pisa e registando o seu tempo de
queda. Considerando a ineficácia dos dispositivos medidores de tempo da altura, ele
sabia que seria preferível utilizar uma “experiência pensada” em vez de certamente
largar as bolas de canhão. Galileu refere uma dessas experiências na sua obra de
1632, Diálogo sobre os Dois Sistemas do Mundo, assim descrita: considere uma pedra
grande (pedra 2) que cai, digamos, a oito unidades de velocidade e uma menor (pedra 1)
que cai a quatro unidades de velocidade (Figura 1). Esta diferença de velocidades é
esperada, de acordo com a física aristotélica, devido à diferença de peso das duas
pedras. Ligando as duas pedras o que se espera que aconteça? Segundo Aristóteles, a
combinação vai originar uma velocidade compreendida entre quatro e oito unidades de
velocidade, porque o corpo mais leve irá retardar a queda do mais pesado. Mas como é
que as pedras sabem que estão ligadas? Por que não é possível que o conjunto caia com
um valor superior a oito unidades de velocidade? Esta é uma das várias “experiências de
pensamento” com base nas quais Galileu demonstrou que a física de Aristóteles está
repleta de inconsistências internas.

(a) (b)

Figura 1: “Experiência pensada” de Galileu sobre a queda livre de corpos: (a) como a pedra 1 é
mais leve que a pedra 2, de acordo com Aristóteles deve cair com menor velocidade; (b) ligando as
duas pedras com que velocidades devem ambas cair? (adaptado de Miller, 2000).

Para melhor percebermos as “experiências mentais” realizadas por Galileu sobre a queda
livre dos corpos, devemos levar em consideração os seus estudos sobre a regularidade
do movimento pendular ao comparar o movimento de oscilação de uma lâmpada
dependurada por um fio no teto da catedral de Pisa com as batidas de seu coração. Uma
placa na catedral informa que a observação do movimento vai-e-vem da lâmpada pode
ter despertado o fascínio de Galileu para os movimentos periódicos, levando-o a abstrair
do caso da queda dos corpos através de um vácuo. As experiências por ele realizadas
com pêndulos envolveram materiais de pesos não muito diferentes. Ele descobriu que o
tempo decorrido para um movimento completo - o período do pêndulo - depende
apenas da raiz quadrada do comprimento do braço do pêndulo e não da massa na sua
extremidade, como aconteceria no caso da queda livre através do vácuo.
Durante a década de 1620, quando Galileu trabalhou no Diálogo, recordou este
resultado a partir de Pisa e analisou isto de uma maneira ímpar. Galileo viu que o
pêndulo caía e depois subia novamente e que o peso das diferentes massas não afetava
significativamente o tempo de ascensão e queda do pêndulo. Apoiou a sua conclusão
com “experiências de pensamento”, que incluíam esferas perfeitamente redondas
rolando em planos inclinados perfeitamente lisos.
Alargar esta conclusão para abranger o movimento de todos os corpos,
independentemente do seu peso, exigiu de Galileo um elevado nível de abstração a um
ambiente com vácuo. Desta forma, ele poderia propor a hipótese surpreendente que
todos os objetos caem através do vácuo com a mesma aceleração independentemente
do seu peso. Durante muito tempo não existiram meios laboratoriais adequados para
demonstrar essa ideia. Hoje, essa demonstração é tarefa habitual em muitos museus de
ciência, fazendo uso de colunas a vácuo em que objetos de pesos diferentes são lançadas
no mesmo instante e caem ao mesmo tempo. Estas experiências são generalizações das
realizadas por Galileo com planos inclinados, que ele usou com o intuito de diminuir o
que teria sido a descida do objeto em queda livre.
Para entendermos os resultados contraintuitivos obtidos por Galileu sobre corpos em
queda livre, considere-se a representação da Figura 2 assim descrita: peguemos em duas
pedras de diferentes tamanhos e pesos. Segure-se uma ao lado de uma mesa e a outra
apenas no limite do tampo da mesa. Simultaneamente deixe-se cair uma e empurre-se a
outra para fora da mesa. Qual deles chega ao chão primeiro? Atingem o solo ao mesmo
tempo. Por quê? Ambas são atuadas pela força da vertical da gravidade (peso) enquanto
a componente horizontal do movimento pedra 2 permanece inalterada. Assim, apesar
dos seus pesos diferentes fazerem as pedras a cair, elas atingem o chão ao mesmo
tempo.

Figura 2: A pedra 1 é largada ao mesmo tempo que a pedra 2 é empurrada na direção indicada.
Qual das duas pedras atingirá o solo em primeiro lugar? (adaptado de Miller, 2000).

Por trás do resultado contraintuitivo desta experiência está a hipótese de Galileu da


independência do peso na queda livre no vácuo, o que se reflete na matemática básica
da mecânica de Galileu-Newton: o resultado final do cálculo do tempo de queda para
qualquer pedra não contém o seu peso. Em situações onde os efeitos da resistência do
ar são importantes, como nas tabelas de balística de longo alcance da artilharia, ou em
queda de objetos através de meios viscosos (como a água, petróleo ou outros meios), o
peso do objeto em queda deve ser considerado. Mas tudo isso é apenas aritmética que
não poderia ter sido produzida sem Galileu primeiro ter abstraído para o caso em que os
objetos caem através do vácuo.

Conclusão
A representação de fenómenos significa, literalmente, uma re-apresentação como texto
ou imagem visual (ou a combinação dos dois). Mas o que exatamente estamos a re-
apresentar? Que tipo de imagem visual devemos usar para representar fenómenos? Não
se tornou a imagética visual da ciência aristotélica enganosa? Um bom exemplo disso
está na Figura 3, que mostra como é a trajetória de uma bala de canhão descrita pela
física aristotélica. Por outro lado, Galileu percebeu que movimentos específicos não
devem ser impostos sobre a Natureza. Pelo contrário, devem emergir da teoria
matemática.

Figura 3: representação aristotélica da trajetória de balas de canhão ilustrando que a trajetória


consiste em dois movimentos distintos: não natural (afastado do solo) e natural (em direção ao
solo). A transição entre os dois movimentos é representada através de um arco circular.

A Figura 4 é uma representação de Galileu da queda parabólica de um objeto


horizontalmente empurrado fora de uma mesa. Tanto Aristóteles como Galileu viram a
mesma coisa: uma pedra a cair. Mas a forma como interpretaram esse fenómeno, ou
seja, como “lemos” a Natureza, depende de uma estrutura conceitual: para Aristóteles,
os dados foram, eventualmente, que os objetos caem para o chão a fim de que eles
busquem o seu lugar natural. Para Galileu, os dados foram medidas de tempos de queda
pra determinadas distâncias. Enquanto a Figura 3 é o que Aristóteles imaginou, a Figura
4 é o que nós imaginamos como resultado do conhecimento da ciência de Galileu.
Figura 4: Desenho de Galileu de 1608 ilustrando a constância do movimento horizontal do projétil
e as componentes horizontal e vertical do movimento que compõem a trajetória parabólica do
corpo lançado horizontalmente.

A nova ciência de Galileu (baseada em pressupostos aceites como válidos mas sem a
prova experimental) propagou-se pelo mundo, servindo de base a uma teoria que
abrangia tanto fenómenos terrestres como extraterrestres.
Cientistas da laia de Galileu (e posteriormente Newton, Einstein, Niels Bohr, Werner
Heisenberg, entre muitos outros) tiveram a habilidade de eliminar os aspetos não
essenciais da problemática e centrarem-se no cerne do problema concentrando-se em
perguntas do tipo e se e porquê. Tal, permitiu a Galileu perceber que o problema-chave
na compreensão da matéria em movimento não era como os objetos são levados pelo
vento ou caem em meios viscosos, consistindo o ponto essencial em descobrir como os
objetos caem através do vácuo. O resto é aritmética.

Referências
KUHN, Thomas. 1964. A Estrutura das Revoluções Científicas. S. Paulo. Perspectiva.
POPPER, Karl. 2005. The Logic of Scientific Discovery. New York. Taylor & Francis e-
Library.
GEORGIOU, Andreas. 2005. Thought Experiments in Physics Problem Solving: On Intuition
and Imagistic Simulation. University of Cambridge. PhD Thesis in Education Research.
BROWN, James. 1991. The Laboratory of the Mind: Thought Experiments in the Natural
Sciences. London. Routledge.
GENDLER, Tamar. 1998. Galileo and the indispensability of scientific thought experiment.
Science 49, 397.
NORTON, John. 1996. Are thought experiments just what you thought?. Canadian
Journal of Philosophy 26, 333.
GENDLER, Tamar. 2000. Thought Experiment. on the Powers and Limits of Imaginary
Cases. New York. Garland Publishing.
MILLER, Arthur. 2000. Insights of Genius. London. MIT Press.

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