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48 HISTORIOGRAFIA CLASSICA DO CINEMA BRASILEIRO desenvolve em Sao Paulo, Neste sentido, 0 titulo original lio de Vicente de Paula Araujo é mais fie! & pesquisa que i @ 6m que Paulo Emilio se baseou para escrever sua histériag primeira década. A ampliagéo de carioca para brasileiro 0 pressa o prestigio cultural da capital e expressa fundamental a forga do regionais (por mais que a regido fosse a capital) endo alcar gasse um dmbito nacional Nao sejamos ingénuos. Néo substitiremos essa vi ‘so mitica da histéria por uma verdade. Ela alendia a uma ‘concepgdo de cinema brasileiro voltada com exclusividade pa: ‘a. produgao, para a consolidacéo dos cineastas contempora- 1ne0s a elaboragdo deste discurso histérico, diante de sua pro: dugao e diante da sociedade, e para a consolidagéo dos ci neastas como corporagdo, para opor-se ao mercado dominado pelo filme importado e valotizar as “coisas nossas",¢ foi ef ‘iente, Mas para compreender o que nos acontece hoje, pare |, tentar tragar perspectivas, precisamos de outros mitos, de uma | outra historia. _ Apés 0 empreendimento de Alex Viany, no bem-su- , de organizar a histéria do cinema brasileiro a partir da sléfora da vida do “rapazinho”,** Paulo Emilio Salles Gomes sistematizar essa histéria numa petlodizagéo proposta anorama do Cinema Brasileiro: 1896-1966. ‘A periodizagao parece manter uma relagéo necessé- com a proposta de histéria feita por Paulo Emilio ja ntada:!8 a Idade de Ouro @ a sua reposicéo utépica pre- m_ ser mediadas por etapas que leva de uma a outa, -se um “‘colapso tao radical quanto o de 1911 ou de 1921", sendo que 1921 é praticamente o encerramento da segunda poca, © 1934, a fronteira entre a terceira © a quarta. $6 a passagem da quarta para a quinta época néo estd marcada 44, Ver"Acceitam os basis nos sous mits? O cinema rasiero © uss organs © nassiment 45.-Ver'*Aeredian os brasiiosros seus mits? O cinema brasiire «suas oigng, A Bola Epoce". ¢ hurboricn ages dot vil 52 HISTORIOGRAFIA CLASSICA DO CINEMA BRASILEIRO por um colepso. Essa orgenizagéo historica parece alimenta- se da idéla de “queda”. E a queda que dé ritmo & histéria Embora Paulo Emilio prefiraoutras palavras, usa uma vez"“que- 4a", na frase: “da quase paralisagao dos anos 1912-14, che- _gamos a uma produgéo relatvamente abundante de dezesse's filmes em 1917, para haver uma brusca queda no ano seguin- te, com uma mediocre reagao até 1922" (grifo meu). Aidéia de degradagéo talvez permeie 0 texto em fiigrana. Por exempl, comentando fimes criminais localizads no segundo periodo, 0u seja, depois do fim da Bela Epoca, Paulo Emilio escreve: ‘Apesar do interesse documental,ressentian- $9 essas ftas da pressa nas fimagens de fistérias que néo podiem esperar para néo perder a oportunidad. Nao conhecemos esses filmes desaparecidos, mas ndo fore a probabilidade pensar que suas qualidades técnicas ou narrati- vas deixassem a desejar. Porém 0 que surpreende 6 que fi mes igualmente criminais,igualmentsfilmados na pressa dos acontecimentos, porém enquadrados na Bela Epoca, sejam apresentados sem ressalvas. Aparentemente néo ha muitos motivos para acreditar que os criminais anteriores a 1912 fos- sem melhores do quo os posteriores. O que me parece justi- car a ressalva 6 que estes titimos séo posteriores & queda, Portanto marcados por alguma negatividade, enquanto os pri- meiros pertencem & dade de Ouro. Pode se ver ai algo como Uma laténcia, © néo uma intengdo sistemética, que outros criminais periencentes a este mesmo segundo perfodo e ba- seadlos em crimes imagindrios sao tidos como possivelmente ( ‘tmuito mais elaborados", As épocas da periodizagao, predo- 4, minantemente construfdas por colapsos,e a idéia de queda se ( coadunam com a idade de Ouro ¢ a utopia. © A periodizagéo da hist6ria do cinema brasileiro esta- er {a por Paulo Emilio divide-se em cinco épocas: 1896-1912, bop, 1923-1933, 1993-1949, 1950-1968. “A patiocizagao & um dos métodos cldssicos de escre- Hist6ia do cinema, mas em autores como Sadoul e ou- filica-se por vezes um certo paralelismo entre a hstéria fora, quer mundial, quer nacional, © grandes datas da fa getal do século XX, ou perlodos da histéria nacional. fh 0 teroeiro tomo da Histoire générale du Cinéma, de 14° 6 divcido em dois volumes: I, “L'Avant-querr”, 1, emiére guerre mondiale”; 0 primeiro e nico volume da Mo tomo inttula-se "Le cinéma pondant la guerce”. Um de capitulo interessante é som divide 0 23 de Histoire art: le cinéma:*” “O cinema falado americano, 1928-1941", a data iniial 6 uma referéncia nitidamente cinemato- a (0 adyento do som), e a final remete tanto ao Cidadéo ‘como a Pearl Harbour. A periodizagdo da Histoire ou 1 de Bardéche e Brasillact® mescla referéncias cinoma- icas com outras oriundas da histéria social: O cinema ido 6 dvidido em quetro capituos: “Os primeiros passos do ema, 1895-1908", "0 cinema de antes da guerra”, "“O cine- durante a guerra” e ‘Nascimento do cinema come arte, {919-1944”; ¢ os quatro captulos do cinema falado sao: “Os Ihlcios do cinema falado (1829-1994)", “O segundo antes da Wuerra (1994-1940)", “A Segunda Guerra Mundial” e “O fim do {alad” (si), Paulo Emilio ndo recore a est eitéro e desvi Gila tolaimente a sua periodizagdo de uma prévia ordenacéo fa historia brasileira no século XX, procurando ne. exclusiva patria cinematogrétioa os arranjos temporais do cinema bra- 46, Georges Sadoul. Histoire générale du cinéma. Pati, ‘Denod, nico de pubicagéo: 1947 47. Georges Sadoul. Histore fun at:fecinéma, des rgines 4 nos jours. Pari, Flammarlon, 1948. 48, Maurice Bardache, Robert Braslach Histoire cinéma, Paris, André Martel, 195, 54 MSTORIOGHAFIA GLASSICA D0 GINEUA BRASISIRO ja renionizngho a sileito, Ndo passa de uma coincidéncia o eparecimento do {ais afirmagées podem ser aceitéveis para a produgao ) datas célebres na estruturagso temporal: 1922 nao 6 justtia- §¢a, do forma alguma para a paulista. Em Séo Paulo, @ do pela Semana de Arte Modema ou pelo Centendtio da Inde- ra década ndo se revesti de bho especfico, enquanto pendéncia, nem 1950 pela eleipéo do Getilio Vargas. Ao mes inda, a partir de 1916 pelo menos, conheceu um surto ‘mo tempo em que esta atitude revelaindependéncia do histo: mentors, grag sobrotuo as tvs ds | viador, podemos nos perguntar so ndo seria também a expres: | De modo que a data de 1912 nfo & relevante para a séo de um distanciamento entre a histéria cinematogritica © @ Wugdo paulista, e tampouco a de 1922, ) histria social. Tanto mais que ereio que Paulo Emilio teria a primelta época, 1898-1912, constam momentos i- apreciado maior proximidade entre cinema e sociedade. E com leads que ndo parecom dar uma unidade de signiicagao’ alguma melencolia que escrove: @ Conjunto de anos: 1896 & o inicio da exibigéo cinemato- dj 1808, jd saborios, 60 “nascimento”; seguem dez anos gia da exibigdo da produgdo; a partir de 1907-1906, iioa-se uma consolidagéo do crcuito de exibigaoe inicia-se fa Epoca e sua “singular vitalidade”; finalmente, a inter~ Uppo da produgéo om 1912. E diff! ver alguma forma de Unidade, de signiticagao dominante para o periodo. Os anos 4907 © 1908-1911 formariam, i, momentos postos. Durante 0 periodo que estamos focaizando [1963-1949], f0' a vide nacional sacudide por episéalos polices draméticas: golpe comu- nista,golpeintegralists, golpe de Geto Ve gas, golpe contra Getdlfo Vargas, nossa par- ticipagdo na Segunda Guerra Mundial... Mas 86 esse itimo acontecimento insprou nossa fiegdo cinematogrfic (..). 0 periodo encerra-se com a interrupgéo da produ Wio; aparentemente so critérios de produpéo que decidem prinolpio @ do fim das épocas. No entanto, esta primeira laborada por Paulo Emilio. Por exemplo, a primelra época, @poca, embora fechada com um oritério de produgao, é aberta 1896-1912, que integra a Bela Epoca, 6 seguida por oulra, por um oritério de exibigo, sendo que tal critério nao serd 1912-1922, considerada bastante negativa so comparada com fefomado em nenhum outro momento da periodizagao. E se ee ste fosse um critério a ser seguido, a época néo se encerra- fia em 1912, que representa a0 contrério um momento. de jonsolidagao da exibigao — do Time importado, certo, mas 6 ‘Algumas objeges podem ser feitas & periogizagao O fato de termas facilmente enumerado cerca de vinte noves cineastas pode levar a orer listamento a exbIgao do filme importado que a inaugurou. A {que 10) grande a florescéncia de filmes de " opedo pela data de 1896 s6 pode ter outra origem que néo a ficga0 no periodo do cinema brasileiro que ore " sistemética do texto. O Panorama deve ter sido encomendado focalizamos (..) Esta segunda épaca do cine- pela editora Expresso e Cultura, para integrar, juntamente ima brasileiro esté ber longe da importéncia com fotografias, um élbum a ser distibuldo como brinde @ do brilho da primeira, Vendido em livrarias. Isso em 1966, a jusiicativa seria entéo 10s setenta anos do “cinema brasileiro”, nfo se podia festejar 56 _HISTORIOGRAFIA CLASSIGA 00 CINEMA BRASILEIRO sessenta e oito anos. Mais tarde, os oitenta anos seriam ca- Jebrados em 1988, O destino do texto explica também que o autor no se tenha detido em finuras metodolégicas: um texto relativamente curto, de leitura fluente, devia seduzir 0 leitor -Io da existéncia e interesse do cinema bra- leigo e convent silo, [A questo dos citrios, da adequagao da periodize 40 & produgao carioca e paulista, assim como outros proble mas foram discutidos com Paulo Emilio, que concordou com abjegées que Ihe foram fetas, No entanto, nfo so essas as ‘questées, no fundo de ordem técnica, que quero aborder aqui De fato, as questées téonicas apontam para imperfeigées do sistema — no caso, a periotizagéo — mas no questionam o préprio sistema. Gostaria, aqui, de discutir a prépriaviabilde- de de uma periodizagao do cinema brasileifo. = Guardemos ofato de que as produg6es carioca e pau- lista no seguem um ritmo paralelo nas duas primeiras déca- das do séoulo. Consideremos também o seguinte: “Outra ca: racteristica da pujanga deste terelro pafiodo [1828-1933] sto focos de criagdo em pontos dversificados do trritéro além de Rio de Janeiro e So Paulo”, a saber, os “ciclos regionals”. So citados Pouso Alegre, Guaranésia, Cataguases, Campi- nas, Recife etc, Que os tenham relevéncia nestes anos isolados por Paulo Emilio, no resta dovida. A divide & 0 tai ciclos caracterizam apenas este perfodo, De fato, na época anterior, Paulo Emilio dere destaque ao surto de produ ¢40 de Pelotas e ce relerira a um fle realizado em Peto: lis, Alm disso, coneuitando a “Fiimografa Brasileira", cons: tatamnos a existéncla de flmagens, entre 1912 © 1922, em Barbacena, Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Juiz de Fora, For ciclos” 49, Gula de flmes productos no Brasil entre 191% 1920: segundo fasofculo da série Flmografia Brasiaia, Rlo de Janeiro, Embratiime, 1985, DA PERIODIZAGAO a7 i Maceié, Manaus, Porto Alegre, Pouso Alegre, Recife, , So Lufs do Maranhdo, Uruguaiana. Trata-so as ve- le um pequeno documentério apenas, outras, de uma pro- fo um pouco mais encorpada. A isso, pademos acrescen- Ue, apesar de a concentragao carioca e paulista ter domi- produgdo brasileira, a existéncia de produgao fora des- io ter sido uma constante, com momentos mais ov mo- intenses. Que tenha havido momentos intensos entre 1922 993, € certo, como houve antes (Pelotas), como haverd pols: basta pensar no surto baiano na virada dos anos 50-60 5 oi um dos pontos de partida do Cinema Novo, no surio de lugao em Super 8 em Porto Alegre nos anos 70 ou, nos 10s 60, em Porto Alegre ainda, a intensidade da produgao de mes de curta-metragem de fog. Essa expanséo da produ- elo toto om nada facia aperioaizagdo.Eentao vem | (~ ja primeira pergunta: é possivel uma periodizagao do “cine- “Tha brasileiro” com abrangéncia nacional? Voltaremos a questo. f __Vesrifiquemos outro problema levantado pela periodi- “Zapho de Paulo Emilio, Na abertura de sua segunda época, ele {86 fofere a trés filmes criminais que datam de 1913: O caso os caixotes, O crime de Paula Matos e O crime dos banhades, ‘Sendo os dois primeiros cariocas © 0 terceito de Pelotas. A sles litulos poderiamos acrescentar, dentro desta segunda p0ca, Um crime misterioso(1919), 0 crimede Cravinhas(1918), Um crime no parque Paulista (1921), sendo o primeiro de Pe- Totas, 0s outros de S40 Paulo. Tanto os filmes citados por Paulo Emilio como outros basearam-se em crimes ocorrides [PoUco antes da realizagao dos filmes. De O caso dgs caixates, Paulo Emilio comenta que o filme focaliza oassassinatodo industrial Adolfo Frel- 12 por Augusto Henriques, nomes que encon- travam muito eco na imaginagao popular; 188 HISTORIOGRAFIA CLASSICA DO CINEMA BRASILEIRO dle 0 crime dos banhados, diz tratar-se de uma ficgao, :mas néo podia se iludir o ptiblice com esses ‘outros distarces dlante de um episédio que Ihe ora extremamente familiar; fi, sem dvi- da, devido a tal reconhecimento que o filme feve assegurada uma longa carrira Esses comentarios (semethantes aos feitos aos filmes erin: nais da Bela Epoca), acrescidos do fato que estes filmes ence- ham crimes reais, marcam uma continuidade em relago aos ctiminais do per 3. Com que critérios eolocar alguns) “filmes criminals na primeira época o outros na segunda, se. todes obedecem a uma modalidade de produgao semethante {inspirago em crimes reais) ¢ propéem uma idéntica relagio com os espectadores, a julgar pelo que esté escrito no texto de Paulo Emilio. Se deslocarmos o fim da primeira 6poca para, digamos, 1913, com a finalidade de nela inclur os eximinais posteriores a 1910, a data de 1912 perderé sua fungdo do fronteira entre as duas épocas. © que se verifica aqui € que ‘um género ou este género néo se enquacra em tal periodize- ‘940, e talvez precise de uma periodizagdo propria. Ainda mals 'se considerarmos que, nesta mesma segunda época, Paulo Emilio se refer a outros flmes criminais, desta vez néo mais baseados em crimes reais, mas imagindrios: A quadrilha do esqueloto e Rasa que se desfolha. Ainda mais se considerar mos que o filme criminal, quer apresentando crimes imaging rigs ou se constituindo como uma mera variagao dentro do género (como Na senda do crime), quer baseados em falos © pessoas existentes (Lucio Flavio, opassageiro de agonia) pros- ‘segue até praticamente a atualidade. Outro exomplo: Paulo Emilio assinala que, na terceira 4época, “nasce a companhia Cinédia”. Ora, alguns dos maior sucessos da Cinédia, Ald, Al6, Brasil! e Ald, Al6, Carn DAPERODIAGO Yerboi, 88 JTacados no porfodo seguinte. Isto porque escolheu-se im da terceira Epoca a data de 1933, 0 que possibilita rdo_os “cléssicos” do cinema mudo, jé Inga Bruta 6 de 1993. Também 6 de 1933, a primeira ligdo de sucesso da Cinécia, A vor do carnaval, que dé a linha das comédias musicais que a produtora viia a logo depois. Com este corte tamporl, A vaz do carnaval ‘um periodo © as comédias musicals sequintes, num ou- Desta época, a quarta, constam a fundagio da Atlantida & primelios sucessos, sendo que grande parte de sua pro- i de sucesso encontra-se na quinta 6poca, que congrega bém a Vera Cruz, 0 cinema “independente” das anos 50 € inema Novo, pela inadequagao desta periodizagdo, quer aos rit- diforonciados dos varios pontos de produgdo espalhados jlo teritério, quer @ um género, quer @ uma forma de produ- io (as “grandes” companhias), levanta-se a questéo de sa- |ber £0 6 possivel uma periodizagdo geral para o cinema brasi- ‘eto, tomado como uma totalidade, que dé conta de todos os jementos que ela integra E possival elencar, numa linha de ¢ontinuidade eronolégiea, todos os elementos julgados neces- trios para constituir quer @ periodizagdo quor a “histéria do Cinema brasileiro", e seccionar essa linha em fatias tomporais que tenham uma significagao dominant intrinseca bem como Una significagéo para os diversos elementos que a compdem? (Ou a0 contrério, ndo deveriamos rechagaro corte cro- [nol6gico vertical, ¢ trabalhar horizontalmente com files que ‘apresentariam ritmos diferenciados e tentar estabelecer entre les rolagbes, sem querer encaix unidades temporais ‘consideradas validas para todos os fildes? O rechago de uma porlodizagio baseada numa ina erondlégica com cortes tem porais vertcais j tinha sido proposto no Brasil antes de Paulo Emilio escrever o Panorama. Tal atid fore tomada por um tensaista que néo era (nem um pouco) historiador e nao soube 60 HISTORIOGRAFIA CLASSICA D0 CINEMA BRASILEIRO ‘ou nao se inleressou em explorar aida: Glauber Rocha on Reviséo ortica de cinema brasieio. Cito: "Adotando-se 0'mé:_ todo do autor’ (.), a histéria do cinema ndo pode ser mais Aividida em ‘perfodo mudo @ sonoro, iel que cataloga os o neastas em ‘os que falavam pelas imagens puras’ e os que ‘falam polas imagens sonoras’. A histria do cinema, moderna: mente, tem de ser vista, de Lumiére a Jean Rouch, como ‘ci nema comercial e ‘cinema de autor’ Nao ha limitagdes de som (u de cor para autores como Mélids, Eisenstein, Dreyer, Vigo, Flaherty, Rosselni, Bergman, Visconti, Antonioni, Resnais, Go- dard ou Truffaut (..). No hd, na permanéncia de filmes como Acossado ou Potemkin, liitagdes temporais: seria a mesma coisa que dividir a histria da literatura em antes e depois de Gutemberg”.®° Embora este texto esteja sujeito a contesia- G6es, inclusive a referéncia a Gutemberg, um elemento meto- doligico a destacar 6 que o tradicional einfalivel corte vertical do advento do som, presente em praticamente todas as hist6- vias do cinema, 6 aqui eliminado, e a organizago da matéria histévica basela-se em outros critérios “cinema de autor’ / “cinema comercial”, Como hé cinema que pode ser considera- do “de autor” ou “comercial” no decorrer de toda a histéria do cinema, o principio basico da proposta de Glauber é a constru- G40 de filbes que correm simultaneamente, esses fldes so es nec il fe feo pin ANT que se thes atribui. Essa idéia nunca foi explorada pela histo- fiografia cinematogratica brasileira. A Revisdo 6, por varios motives, um livro de histéria bastante contestével, mas ex- ‘raordinatio pela quantidade de problemas que coloca ao his- toriador. Décadas mais tarde, outro cineasta, Carlos Diegues, fard proposta sem dUvida diferente da de Glauber Rocha, mas 50. Glauber Rocha. Revisdo eitca do cinema brasileiro. Rio de Janeiro, Civlizapdo Brasileira, 1963 ‘DA PERIODIZAGAO presenta certo parentesco com ela, por negar os cortes is temporais e proferir o trabalho sobre flbes, que se sivolvem simultaneamente e que Diegues chama de “l- de coeréncia”. Podernos tragar ““linhas de coeréncia’ ‘Vio, por exemplo, da fundagao da Ginédia no final dos 8 20 at6 a nova Vera Cruz dos irméos Khoury nos anos 60, indo pela velha empresa de Zampari, pela Maristela, So- limes etc; ou uma outra que vai do projeto original da Atla (0 de Moacir Fenelon) em 1941 até a fundagéo da Difim 1965 ou da Cooperativa Brasileira de Cineastas no final ‘anos 70; ou mais uma, que sai do projeto trazido por to Cavalcanti depois da Guerra, passa pelo Instituto Na- nal do Cinema @ termina na Embrafiime de hoje em dia”.5* ota de Diegues, nesta proposta motivada por uma reflexo fe & Introdugao ao cinema brasileiro de Alex Viany, néo é priamente crticar uma periodizagao com cortes verticals mporais. 0 que critica é a nogdo de ‘ciclo’. Embora esse Tonceito signifique geralmente ‘ciclo regional’, em oposigéo & “produgo carioca e paulista, existe uma certa tendéncia em jensar o cinoma brasileiro sob forma de cicos, isto 6, nas jalavras de Diegues, como “uma sucesséo de esperancas e acassos fechados sobre si mesmos”. Tal estruturagéo torna 1 produgao cinematogrética brasileira um eterno recomegar @ bloqucia, 20 limite, qualquer possibiidade de continuidade e, dai, qualquer possibilidade de tradigdo, Parece-me valido es- Tender a proposta de Diegues para o campo da metodologia ar itelet eater eather telecetdetia! como! ima [pOsi¢ao nao s6 & nogdo de ciclos, mas igualmente @ uma Periodizagao de cortes verticals. H4, entretanto, no texto de Paulo Emilio, indicios de 51. Carlos Digues. “Ciclos ou crises". In: Cinema brsilio. dias imagens. Porto Alogre, Editora da Universidade, 1988, 2 _ HISTORIOGRAFIA CLASSICA DO CINENA BRASILEIRO, que outres formas de periodizagao seriam possiveis, Por exer plo, apés ter conclufdo sua primeita época com “o colapso assinalado em 1911-12”, ele abre a época seguinte afirmando que "a continuidade do cinema brasileiro repousouinicialmery te na alivdade de alguns cinegrafistas”, enquanto fechara @ 4poca anterior flando de cinegrafistas que viiam “a assegu rar um minimo de contnuidade one a época que se encerra. fem 1912 © a seguinte”. O que pode se depreender dessas frases 6 que o corte de 1012 aver soja menos raccal do que afima a perodizagio, que outra ordenagao do material é pon sdvel. Por um lado, tomos uma continudade construida po | meio do prossequimento das atividades de alguns cinegrats- tas 6, principaimente, dos Wes cminals de 1973; por out, cia ptr vez eo 80 marcada pela nerupeéo da. po pee oe daria eeaandinde orto ‘oncontra acesso cada vez mals dificil ao mercado, O mesmo material, dependendo dos fatores que se privilegia, ¢ suscet vel de peiocizagdes diferentes — se periodizagdo queremos. Anda neste mesmo sentido, encontramos na tercera época tum comentéio curioso a respeito do time Rosas de Nessa Senhora: 6 uma “ta religiosa—outra constantenahistria do cinema brasileiro". Podemos nos perguntar se essa “constan- te ndo viria de alguma forma questionar em algum nivel os cories da periodizagéo. O mals surpreendente néo ¢ tanto @ “constante”, quanto o fato de ser uma “outa” constante, Em- bora o texto ndo mencione as outras, essa frase deixa enrever rmatéras istricas que padem ndo se encexar adequadamen- te entre os cortes da periodizapéo. Encontramos também, dessa vez em relago a Hun- berto Mauro, reeréncias sugestvas. Fala-sana “fas de Ca- iaguases”,e @ seguir cz-se que “a proxima etapa de Humber- to Mauro serd no Rio de Janeiro”. Tanto a fase de Cataguases como a ida 20 Rio de Janeiro estéo integrados na segunda época, 0 que deixa entrever que, além das grandes épocas ladas pela periodizacao, hd outros movimentos susceti jeter sua propria periodizagéo, nao necessariamente coin} com a petiodizago geral. Convém notar que os ter- fase” © “etapa” no so exclusivos de Mauro; embora as i femporais sejam designadas como “épocas” nos subif- | Paulo Emilio usa “periodo” como sindnimo, mas tam- “fase”, quando se refere & época de 1896-1912 como imeira fase". Essas breves referéncias a uma “continuida- Por minima que seja mas que vaza de uma época para fa, 2 uma “constante” e “outras”, a fases da carreira de Uo, bem como a aplicagdo diversificada dos termos “épo- P, “periodo”, “fase” e “etapa”, permitem pensar que, além perlodizacdo geral, outros ritmos, outras periodizacées po- jem ser construfdos, Essas poucas indicagdes sugerem uma 82a © sullidade de construgéo, que foram abafadas pela ‘Poriodizagzo maior, geral, do cinema brasileiro como uma to- Aalidade, ‘O que me parece compreensivel, porque néo estéreal- mente claro o que a periodizaco periodiza, Tal alirmagao po- de parecer capciosa, pois o titulo anuncia um panorama do cinema brasileiro”, ¢ no desenvolver do texto encontramos ‘expressées tais como “época do cinema brasileiro”, “periodo do cinema nacional” ou “periodo do cinema brasileiro”. Por- Tanto 6 0 “cinema brasileiro” que se periodiza. No entanto, pode haver dividas. Quando passa da primeira para a segun- de 6poca, marcando 0 corte provocado pelo “colapso” e assi- nalando uma “minima continuidade”, Paulo Emilio afirma: “Nao “foi, entretanto, realizando filmes de enredo que esses profis- sionals [os cinegratistas que asseguraram uma minima cont- nuidade] conseguiram ganar a vida: tanto Ant6nio Leal (..) ‘como Paulino ¢ Alberto Botelho dedicaram-se sobretudo aos documentérios © jornais cinematogréticos". Um pouco mais tarde, encontramos referéncia & “tercelra época do filme bra- sileiro de enredo”. Essa titima referéncia me soa quase como “ ISTORIOGRAFIA CLASSICA DO CINEMA BRASILEIRO ‘um lapso. Embora se afitme que a periodizagéo é do “cinema brasileiro", 0 que norteia o trabalho 6 basicamente o filme 4 fiogdo, Mas ésse recore, subjacent o atvante, no podia ser explicilado. Reconhecer tal recorte destruiria a periodizagao Uinica, deixaria aberturas para outros recortes e, portanto, ou- tras periodizagées, e prejudicaria a unidade “cinema bras 10, que se decomporia om varios flées. A inspirago naciona- lista do texto levava & busca de uma tolalidade, e portanto s6 podia se opor a uma fragmentagéo da unidade “cinema brasi- leiro”, por um lado. Por outro, o texto visa justamente a que leitores leigos @ desinformados venam a se convencer da existéncia deste “cinema brasileiro”. De modo que me parece que 0 Panorama do cinema brasileiro acaba se construindo com uma estrutura forte e dominants, composta por “cinema brasileiro” e a periodizagdo inica, @ laténcias por melo das quais pode-se questionar a estrutura principal, e apontam para uma diversiticagao da metodologia. DE RECORTES E DE CONTEXTOS

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