Análise de excerto de O ano da morte de Ricardo Reis
Aspetos essenciais:
Identificação do episódio – “bodo do jornal O Século” (cap. III)
Pertinência do episódio – contributo para a caracterização da cidade
(sinédoque do país) – espaço físico – cidade decadente, sombria, chuvosa, sem condições, sem alegria, que oprime os seus habitantes; espaço social – cidade habitada por uma população subserviente, marcadamente pobre, onde é evidente a distinção social, a humilhação dos mais pobres que, na verdade, sobrevivem numa condição miserável e indigna, a hipocrisia. O “bodo de O Século” é assim perspetivado e apresentado como um retrato da sociedade portuguesa – uma sociedade que enferma dos males provocados por uma gestão doentia e ditatorial, assente em pressupostos que acentuam dos males sociais e numa propaganda falsa e enganadora. O “bodo de O Século” corresponde, assim, a uma denúncia do Portugal da ditadura de Salazar, contexto histórico do romance.
Deste modo, a linguagem e o estilo literário saramaguiano contribuem
para o programa narrativo da obra, explorando, através de um registo coloquial e de uma linguagem expressiva os pontos disfóricos do contexto espacial, histórico e social evocado na obra. No excerto em concreto, o narrador adota o ritmo da deambulação do protagonista e através da focalização interna, da sua omnisciência e do discurso indireto livre, regista os diálogos, os espaços e o fundo humano que habita a cidade opressora e oprimida. Fá-lo contudo, recorrendo à descrição pormenorizada, povoada de comparações expressivas, caracterizando, por exemplo, a ação do polícia, que se dirige ao povo “como quem enxota galinhas”, ao apelo às sensações, quer visuais, quer olfativas, como é o caso dos elementos textuais “a multidão alarga-se” e “só agora Ricardo Reis compreendeu por que vinha a reter a respiração para não sentir o mau cheiro”. Todos os recursos se filiam no registo irónico do narrador e na sua função de comentador crítico e denunciante de uma sociedade sem esperança, aspetos que concretizam o essencial da sua mensagem e provocam no leitor o despertar para a perplexidade narrada. Composição do texto:
O episódio do “bodo de O Século” contribui para transmitir o quadro
histórico, social e humano da Lisboa salazarista dos anos 1935/36, constituindo um dos tópicos estruturantes do romance.
Lisboa, facilmente percecionada como sinédoque de Portugal, é descrita
fisicamente como decadente, sombria, chuvosa, sem condições, ou seja, uma cidade que oprime os seus habitantes. De idêntica forma, é uma cidade habitada por uma população subserviente, marcadamente pobre, onde é evidente a distinção social, a humilhação dos mais pobres que, na verdade, sobrevivem numa condição miserável e indigna. O “bodo de O Século” é, pois, perspetivado como um retrato da sociedade portuguesa, cujo governo assenta em pressupostos que acentuam os males sociais e numa propaganda enganadora. O “bodo de O Século” corresponde, assim, a uma denúncia do Portugal da ditadura de Salazar, contexto histórico do romance.
Também a linguagem e o estilo saramaguianos, através de um registo
coloquial e expressivo, sublinham os pontos disfóricos do contexto espacial, histórico e social evocado na obra. O narrador adota o ritmo da deambulação do protagonista e, recorrendo à focalização interna, à omnisciência e ao discurso direto e indireto livre, regista os diálogos, os espaços e o fundo humano que habita a cidade opressora e oprimida. Fá- lo explorando a descrição pormenorizada, povoada de comparações expressivas, caracterizando, por exemplo, a ação do polícia, que se dirige ao povo “como quem enxota galinhas”, ou o apelo às sensações, quer visuais, quer olfativas. Todos os recursos se filiam contudo no registo irónico do narrador e na sua função de comentador crítico e denunciante de uma sociedade sem esperança, provocando o leitor.
Concluindo, afirmamos que todos os elementos narrativos se conjugam
para uma ética que contempla a literatura como arma ao serviço da consciencialização do leitor. [287 palavras]