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O objeto das ciências sociais ou humanas é o homem, suas práticas e relações sociais.
A distinção fundamental entre as ciências humanas e as demais reside em que nestas, o
homem é apenas sujeito do conhecimento, naquelas ele é simultaneamente sujeito e objeto.
Ora, o que está posto nos termos acima procura deixar claro que o pensamento sociológico
não é nem tem a pretensão de ser um pensamento exato; e mesmo que levantasse tal pretensão
jamais poderia alcança-la. Por outro lado, o pensar sociologicamente a realidade não é um modo de
pensamento natural, segundo as regras de estudo dos fenômenos naturais. O pensamento
sociológico se insere numa tradição, cujo início remonta ao discurso da filosofia clássica da Grécia, e
que consiste no propósito de elucidar questões relacionadas ao mundo humanamente criado. Este
mundo possui características próprias: é convencional e dinâmico.
A despeito de todos os setores das ciências humanas possuírem o mesmo objeto diferem,
porém no modo como o investigam. Exemplificando, a história e a sociologia poderão estudar o
mesmo objeto, mas o farão segundo sua própria metodologia; enquanto que a história procede uma
análise individualizada dos acontecimentos, a sociologia procede uma análise generalizadora.
Tomemos como exemplo um acontecimento social do tipo: A violação do painel eletrônico de
votação do Senado. A abordagem histórica situaria o acontecimento no tempo, descreveria seus
atores e reconstruiria os procedimentos que deram ocasião ao fato e tudo o que neles estivesse
envolvido. A abordagem sociológica, embora não abrindo mão de uma necessária descrição, poderia
analisar o fato sob a ótica dos interesses políticos e o abuso de poder no âmbito legislativo do Brasil.
Não é necessário reunir maiores argumentos para afirmar que o campo da sociologia é vasto
e diversificado. Daí, com o passar do tempo foram se configurando as especializações do estudo
sociológico: político, econômico, urbano, rural, do conhecimento, jurídica, da moral, das
organizações, do desenvolvimento, da religião, do trabalho, das relações de gênero, dos
movimentos sociais, da educação, etc (Florestan Fernandes).
Os estudiosos aceitam a idéia de que existem pelo menos três vias principais do pensamento
humano:
O senso-comum,
O pensamento ideológico e
O pensamento científico.
Não seria coerente analisar os três modos de conhecimento segundo uma lógica hierárquica.
Isto levaria a questões insolúveis. Se, por exemplo, considerássemos o senso comum inferior às
formas científicas de análise, como se poderia justificar o fato de que historicamente estas são
oriundas daquele?
Senso-comum
O senso comum acerca da sociedade consiste num tipo de conhecimento popular diretamente
ligado a uma tradição alimentada pelas crenças e pela rotina da vida cotidiana. Esse tipo de
conhecimento, ao qual Gramsci denominava de “mentalidade popular 1”, baseia-se na observação
direta da realidade, através de cujas observações se emitem juízos mediante os quais as causas
simples e imediatas dos fatos são identificadas. As formulações do senso-comum afastam-se das
fantasmagorias e obscuridades metafísicas, pseudo-profundas, pseudo-científicas. A natureza do
senso-comum é a experimentação empírica e limitada 2.
Ideologia
Embora esse conceito seja freqüentemente relacionado a Karl Marx, sua origem são os
enciclopedistas do século XVII3. No entanto é com Marx que o termo adquire novo sentido e
conquista publicidade.
Segundo Marx, a ideologia representava uma “inversão dos objetos na retina”, ou seja a
ideologia consiste em construções mentais ilusórias mediante as quais a realidade é pensada de
forma deturpada4. Noutros termos, a ideologia seria uma maneira falsa interpretar a realidade.
Karl Mannheim entende que o termo ideologia é inerente ao campo das lutas políticas, no qual
os grupos dominantes procuram obscurecer a condição real da sociedade tanto para si como para os
demais estabilizando-a, com o propósito de manter a ordem estabelecida 5.
Para Louis Dumont, a ideologia é um sistema de idéias e valores que tem curso num dado
meio social6.
Significa empreender um esforço acadêmico para encontrar a realidade total e concreta, ainda
que tal não seja plenamente possível a não ser duma maneira parcial e limitada, integrando ao
estudo dos fatos sociais a história das teorias desses fatos, ligando o estudo destes à sua localização
histórica e à sua infraestrutura econômica e social. O estudo científico da sociedade requer a busca
da significação objetiva dos fatos sociais e da compreensão das ações dos homens, os móveis que
os moveram, os fins que perseguiram e a significação que para eles tinham seus comportamentos e
suas ações8.
Uma questão complexa que ainda requer elucidação, a despeito de vir sendo tratada desde a
emergência da modernidade, e que é brilhantemente recolocada por Gramsci é: “A ciência pode
1
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história, 1986, p.36.
2
GRAMSCI, ibid, p.35
3
LÖWY, Michael. Ideologias e ciência social, 1985, 11.
4
MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã, 1989, p.21.
5
MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia, 1986, p.66.
6
DUMONT, Louis, O individualismo, uma perspectiva antropológica da ideologia moderna, 1993, p.20.
7
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico, 1989, p.13.
8
GOLDMANN, Lucien. Ciências humanas e filosofia, 1979, pp.25,28.
dar, e de que maneira, a certeza da existência objetiva da chamada realidade exterior? ” 9 A este
dilema o próprio autor busca dar uma resposta ao afirmar que nem tudo aquilo que a ciência afirma
é objetivamente verdadeiro e que não existe uma ciência definitiva:
Se as verdades científicas fossem definitivas, a ciência teria deixado de existir como tal,
como investigação, como novas experiências, reduzindo-se a atividade científica à
repetição do que já foi descoberto. O que não é verdadeiro para a felicidade da
ciência.10
...nenhuma construção humana pode, a rigor, ser chamada de fenômeno a não ser que
tenha atingido aquele grau de objetividade que obriga o indivíduo a reconhecê-lo como real 11.
A exteriorização pode ser definida com o ato antropológico contínuo por meio do qual os seres
humanos buscam imprimir no mundo natural que os rodeia novos sentidos humanamente
9
GRAMSCI, Antônio. ibid, p.68.
10
GRAMSCI, Antônio. ibid, p.70.
11
BERGER, Peter ibid p.25
12
BERGER, Peter. L. O dossel sagrado, 1985, p.15.
13
Convém lembrar a influência que o pensamento tríade da dialética hegeliana exerce sobre esses
conceitos de Berger. Hegel buscava o conhecimento total da realidade por meio da interação entre a
tese, a antítese e a síntese, onde a tese era o ser humano, a antítese, a natureza e a síntese, o espírito
(o pensamento)
atribuídos – uma contínua efusão de si mesmo sobre o mundo em que ele se encontra 14. Essa ação
do seres humanos na construção de um mundo social se manifesta na criatividade, mediante a qual
eles se criam e ao criarem instituem mudanças no mundo apontam para a natureza peculiar da
humanidade. O resultado dos atos criativos da humanidade denominamos cultura, cujo pressuposto
seria fornecer à vida humana as estruturas firmes que lhe faltam biologicamente 15
O primeiro conceito de cultura foi formulado por Edward Tylor (1871:5): “é o complexo
unitário que inclui o conhecimento, a crença, a arte, a moral, as leis e todas as outras capacidades e
hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” . Como se pode ver trata-se de
um conceito amplo que inclui todo o comportamento humano, considerando-o segundo as
categorias: unitário e integralidade, ou seja, pressupondo sua complexidade harmônica.
O ser humano é a mais avançada forma de vida que existe no planeta; transcende a tudo o
que tem vida, porque só aos humanos foi dada a vida inteligente. Isto distingue as criaturas
humanas das demais. A capacidade de raciocínio as torna ao mesmo tempo dependentes e
autônomas em relação a natureza. Enquanto os demais seres já surgem no mundo, determinados
por leis naturais inalteráveis (de modo que um macaco e um girassol já nascem sendo o que
deverão ser), o ser humano não nasce humano, faz-se humano através de conquistas graduais e
sucessivas no nível do pensamento e da prática. Os seres humanos desfrutam o privilégio de lhes
ser dado, segundo as leis da criação, o poder de decidir o que serão.
O homem surge no mundo como uma criação incompleta. As outras criaturas foram
concluídas pela inteligência da natureza – por isso nem os vegetais nem os animais possuem
consciência de si. Ao passo que o homem e a mulher foram providos de consciência e com ela a
capacidade de determinarem o destino de suas vidas.
Quando tocamos na questão da busca por um sentido para a vida das pessoas estamos,
noutros termos, reconhecendo que nós humanos nascemos sem este sentido – nos falta um
significado pleno para a existência, uma razão maior pela qual viver.
Essa questão (o sentido da vida humana) tem sido abordada amplamente pela filosofia, pela
teologia e pelas ciências humanas. Estas formas de saberes parecem apontar para uma mesma
origem: que o ponto de partida da vida humana é o nada.
A filosofia e as ciências dizem que a criatura humana veio do caos e a revelação bíblica afirma
que ela veio do pó. Duas maneiras semelhantes de exprimir a ausência de sentido.
A natureza humana é singular e sua singularidade explica nossa consciência, nossos conflitos,
nossas insatisfações, nossas ansiedades, nossas rejeições e nossas buscas.
O ser humano não é um ser acabado: é um ente em permanente construção de si; não pode
ser definido em termos do que foi e nem do que é. Ninguém pode afirmar absolutamente o que o
ser humano é, porque é uma transição, é um “sendo” (ser em movimento)
Poder-se-ia dizer que à vida humana foi atribuído o privilégio da sensação de infinito. A
medida da satisfação humana nunca é plenamente preenchida (embora que no homem se efetive a
possibilidade de plenitude do ser). Por isto o gênero humano é criativo em duplo sentido: as
pessoas criam coisas, instituições e realidades materiais e imateriais e simultaneamente encetam
ininterruptamente a criação de si mesmas.
Ora, essa criação incessante exposta aos olhos, evidente na cultura, nas relações, nos ciclos
históricos, nas ideologias, na ciência, nos conceitos, na moda, na arte, na produção, no lazer, nada
14
BERGER, Peter ibid p.17
15
BERGER, Peter ibid p.19
mais representam senão a busca de um sentido. A criatividade que é uma prerrogativa da própria
natureza humana é, na verdade, o debater-se humano com vistas a dar uma ordem a existência. A
busca de significado para a vida e nada mais justifica o empenho criativo e o intenso exercício de
produtividade. As pessoas e as sociedades se movimentam incessantemente em busca de um
sentido total – pleno.
Tomando como apoio as reflexões existentes sobre a busca de sentido da vida, há uma certa
compreensão de modo mais ou menos unânime acerca de que essa procura continuada por sentido
desvenda uma realidade insofismável do caos como realidade inata a existência. Entendendo-se por
caos a ausência de um sentido pleno – ou seja, uma satisfação não plenificada ao mais elevado grau
possível.
A objetivação
Para Gramsci a objetividade se exprime no fato de que aquilo que se reconhece como objeto,
realidade objetiva é uma dada realidade que é verificada por todos os homens, que é independente
de todo ponto de vista que seja puramente particular ou de grupo 16.
A objetividade como característica das instituições sociais adquirem dois formatos: o de uma
cultura material e o de uma cultura imaterial. Os exemplos citados por Berger são bem ilustrativos:
a ferramenta, como integrante do conjunto dos produtos materiais da cultura , possui um ser
próprio que impõe uma lógica de uso que não pode ser modificada de imediato pelos que dela se
utilizam. A mesma objetividade pode ser atribuída aos os produtos imateriais da cultura, como pôr
exemplo a língua falada pôr um povo e os seus valores éticos e morais.
Como produto da atividade humana que alcançou o grau de realidade objetiva ela é exterior
e coercitiva. A sociedade não está apenas lá fora, como algo dado, mas exerce função controladora,
na medida em que impõe padrões pré-estabelecidos em nível individual e coletivo.
16
GRAMSCI, Antônio. ibid, p.69.
17
BERGER, Peter ibid p.22.
18
BERGER, Peter ibid p.23
A interiorização
Nada mais poderia ser tão ilustrativo acerca da interiorização do que a metáfora do cão que
entorna o seu próprio vômito. A ilustração pode parecer grosseira, mas desenha apropriadamente o
percurso de retorno por meio do qual a cultura exteriorizada retorna aos próprios indivíduos, em
forma de matéria de consumo, por meio do processo de enculturação.
Através deste processo de reabsorção exercido pela sociedade sobre os indivíduos que a
integram se pretende a formação das conciências individuais. Ou seja, a realidade objetiva do
mundo torna-se realidade subjetivada19.
Mediante a ação que a geração anterior exerce sobre a nova, segundo procedimentos
institucionais, através dos quais os padrões da vida social são ensinados.
Bibliografia
BERGER, Peter. L. O dossel sagrado, SP, Paulinas, 1985.
BOURDIEU, Pierre, O Poder Simbólico, Lisboa, Difel, RJ, Ed. Bertrand, 1989.
DURKHEIM, Émile, As Regras do Método Sociológico, São Paulo, Ed. Nacional, 1990.
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história, RJ, Civilização Brasileira, 1986.
FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber, RJ, Forense Universitária, 1980.
19
BERGER, Peter ibid p.30.
20
BERGER, Peter ibid p.28.
21
BERGER, Peter ibid p.28.
FERNANDES, Florestan. Sociologia da educação como sociologia especial, in: Educação
e sociedade, Luiz Pereira e marialice Foracchi (org.), SP, Cia Editora Nacional, 1976.
GOLDMANN, Lucien. Ciências humanas e filosofia, SP / RJ, Difel, 1979.
LÖWY, Michael. Ideologias e ciência social, SP, Cortez, 1985.
MACHADO NETO, A.L. Sociologia básica, SP, Saraiva, 1975.
MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia, RJ, Guanabara S/A, 1986.
MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã, SP, martins Fontes, 1989.
TYLOR, Edward B. Primitive culture, London, 1871.
WEBER, Max. Conceitos básicos de sociologia. SP, Editora Moraes, 1987.