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A FUNÇÃO SOCIAL DO ENSINO E A CONCEPÇÃO SOBRE OS

PROCESSOS DE APRENDIZAGEM: INSTRUMENTOS DE


ANÁLISE – Antoni Zabala

Antoni Zabala. FONTE: http://www.e-consulta.com/nota/2014-08-


20/educacion/zabala-educacion-debe-generar-ciudadanos-competentes
Tendo como base o ensino público espanhol, Zabala (2010) considera que
a sociedade espanhola atribui à educação a função fundamental
deselecionar os melhores em relação à sua capacidade para seguir uma
carreira universitária ou para obter qualquer outro título de prestígio
reconhecido (pg 27). Sendo esse um objetivo educacional, o autor tenta
encontrar uma síntese entre todos os outros.
1- O papel dos objetivos educacionais
Um modo de determinar os objetivos ou finalidades da educação consiste
em fazê-lo em relação às capacidades que se pretende desenvolver no
aluno. Até hoje, o papel atribuído ao ensino tem priorizado as
capacidades cognitivas, mas nem todas, e sim aquelas que se tem
considerado mais relevantes e que, como sabemos, correspondem à
aprendizagem das disciplinas ou matérias tradicionais. Zabala (2010)
milita pela promoção da formação integraldos meninos e meninas.
2- Os conteúdos de aprendizagem: instrumentos de explicitação das
intenções educativas

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Tradução Ernani F.


da F. Rosa – Porto Alegre: Artmed, 2010.
O termo conteúdos, normalmente foi utilizado para expressar aquilo que
deve se aprender, mas em relação quase exclusiva aos conhecimentos das
matérias ou disciplinas clássicas e, habitualmente, para aludir àqueles que
se expressam no conhecimento de nomes, conceitos, princípios, enunciados
e teoremas. O pesquisador alerta que devemos nos desprender destaleitura
restrita do termo “conteúdo” e entendê-lo como tudo quanto se tem de
aprender para alcançar determinados objetivos que não apenas
abrangem as capacidades cognitivas, como também incluem as demais
capacidades. Deste modo, os conteúdos de aprendizagem não se reduzem
unicamente às contribuições das disciplinas ou matérias tradicionais.
Desta maneira será possível documentar o que se denomina currículo
oculto, aquelas aprendizagens que se realizam na escola mas que nunca
aparecem de forma explícita nos planos de ensino.Tradicionalmente, os
planos de ensino têm se centrado nas disciplinas ou matérias, tudo aquilo
que indubitavelmente se aprende na escola, mas que não se pode classificar
nos compartimentos das disciplinas, não tem aparecido e tampouco tem
sido objeto de avaliações explícitas.
Das diferentes formas de classificar esta diversidade de conteúdos, Coll
(1986) propõe uma que tem uma grande potencialidade explicativa dos
fenômenos educativos. Este autor agrupa os conteúdos segundo
sejamconceituais (o que se deve saber), procedimentais ( o que se deve
fazer) ou atitudinais (como se deve ser).
As perguntas para defini-los se resumiriam no que é preciso saber,saber
fazer e ser neste modelo. A maioria dos conteúdos dos exames tradicionais
e provas de seleção se pautam acima de tudo em “saber”, que necessita de
um pouco de “saber fazer” e que não é muito necessário “ser”. E outras
palavras: muitos conteúdos conceituais, alguns conteúdos procedimentais e
poucos conteúdos atitudinais. Ressaltamos que isto não ocorre em todos os
níveis de escolarização, nem em todas as escolas e nem com todos os
professores.
Certamente, a distribuição da importância relativa dos distintos conteúdos
não é a mesma em cada um dos diferentes períodos. O mais provável é que
nos cursos iniciais exista uma distribuição mais equilibrada dos diversos
conteúdos, ou que se dê prioridade aos procedimentais e atitudinais acima
dos conceituais, e que à medida que vai se avançando nos níveis de
escolarização se incremente o peso dos conteúdos conceituais em
detrimento dos procedimentais e atitudinais.

(ZABALA, 2010 pg 31-


32)
A tipologia dos conteúdos pode nos servir de instrumento para definir as
diferentes posições sobre o papel que deve ter o ensino. Portanto,num
ensino que propõe a formação integral a presença dos diferentes tipos
de conteúdos estará equilibrada; por outro lado, um ensino que defende
a função propedêutica universitária priorizará os conceituais.
3- Primeira conclusão do conhecimento dos processos de
aprendizagem: a atenção à diversidade.
Zabala demonstra uma grande influência da psicologia da educação, sendo
esta a base do desenvolvimento do ato de aprender, de acordo com o autor
(pg 33). Sobre isto ele argumenta que desde o século XX, os marcos
teóricos que buscam explicar os processos de ensino/aprendizagem têm
seguido trajetórias paralelas, de forma que atualmente não existe uma única
corrente de interpretação destes processos. Esta falta de acordo ou
consenso científico levou a que muitos educadores menosprezassem a
informação que os estudos de psicologia da aprendizagem lhes
oferecia:
O aparente paradoxo encontra-se no fato de que a desconfiança pelas
contribuições da psicologia da aprendizagem não sustenta a não-utilização
de concepções sobre a maneira de aprender. Aqui é onde aparece a
contradição – não é possível ensinar nada sem partir de uma ideia de como
as aprendizagens se produzem. (…) O mais extraordinário de tudo é a
inconsciência ou o desconhecimento de fato de que quando não se utiliza
um modelo teórico explícito também se atua sob o marco teórico. (…) Por
trás de qualquer prática educativa sempre há uma resposta a “por que
ensinamos” e como “se aprende”.
(ZABALA, 2010 pg 33)
Segundo o pesquisador, com mais de cem anos de existência a psicologia
da educação detêm conhecimentos voltados para o campo educacional em
números suficientes para estarmos seguros de muita coisa. Mesmo com
todos os discensos que existem nesta ciência. Há uma série de princípios
nos quais as diferentes correntes estão de acordo: as aprendizagens
dependem das características singulares de cada um dos aprendizes;
correspondem em grande parte às experiências que cada um viveu desde o
nascimento; a forma como se aprende e o ritmo de aprendizagem variam
segundo as capacidades, motivações e interesses de cada um dos meninos e
meninas. Deles decorre um enfoque pedagógico que deve observar
a atenção à diversidade dos alunos como eixo estruturador. A cada aluno
exigiremos um grau diferente de execução do exercício e lhe ofereceremos
um tipo diferente de ajuda.
Segundo as características de cada um dos meninos e meninas,
estabelecemos um tipo de atividade que constitui um desafio alcançável,
mas um verdadeiro desafio. Depois oferecemos ajuda necessária para
superá-lo. Finalizaremos uma avaliação que contribua para que cada um
deles mantenha o interesse em seguir trabalhando.
Zabala (2010) levanta uma questão bastante pertinente: quando o conteúdo
da aprendizagem se refere a algo que pode ser visto, como acontece no
caso educação física, utilizamos um modelo de ensino de acordo com uma
interpretação complexa da aprendizagem. Por outro lado, quando a
aprendizagem se realiza por um conteúdo cognitivo (não vemos o que
acontece com o aluno), em vez de utilizar o modelo interpretativo mais
complexo, simplificamos e estabelecemos propostas de ensino notadamente
uniformizadoras (como português e matemática); os exercícios são os
mesmos para todos, e aplicamos o mesmo critério para avaliar a
competência de cada um dos meninos e meninas.
Uma explicação plausível é a de que as matérias propedêuticas recebem
uma maior cobrança da sociedade. Então, chagamos a seguinte
conclusão: as ideias e pressões a que estão submetidas as outras área de
conhecimento dificultam um trabalho que leve em conta as diferenças
individuais.
4- O construtivismo: concepção sobre como se produzem os processos
de aprendizagem
Zabala (2010) parte do princípio que o construtivismo reúne uma série de
princípios que permitem compreender a complexidade dos processos de
ensino/aprendizagem e que se articula em torno da atividade intelectual
implicada na construção de conhecimentos.
Nesta corrente, pressupõe-se que nossa estrutura cognitiva está configurada
por uma rede de esquemas de conhecimentos (pg 37). Estes esquemas se
definem como as representações que uma pessoa possui, num momento
dado de sua vida; estes esquemas são revisados, modificados, tornam-se
mais complexos e adaptados à realidade, mais ricos em relações.
Assim, concebe-se a intervenção pedagógica com uma ajuda adaptada ao
processo de construção do aluno; uma intervenção que vai criando zonas
de desenvolvimento proximal (Vigostsky, 1979) e que ajuda os alunos a
percorrê-las. Portanto, a situação de ensino e aprendizagem também pode
ser considerada como um processo dirigido a superar desafios, desafios que
possam ser enfrentados e que façam avançar um pouco mais além do ponto
de partida. É evidente que este ponto não está definido apenas pelo que se
sabe. Na disposição para a aprendizagem- e na possibilidade de torná-la
significativa – intervêm, junto a capacidades cognitivas, fatores vinculados
às capacidades de equilíbrio pessoal, de relação interpessoal e de inserção
social.
(ZABALA, 2010 pg 39)
5- A aprendizagem dos conteúdos segundo sua tipologia
Com mostrado anteriormente, podemos diferenciar os conteúdos de
aprendizagens segundo uma determinada tipologia que nos serviu para
identificar com mais precisão as intenções educativas. Se mudarmos o
ponto de vista e, em vez de nos fixar na classificação tradicional dos
conteúdos por matéria, consideramo-los segundo a
tipologia conceitual,procedimental e atitudinal, veremos que existe uma
maior semelhança na forma de aprendê-los e, portanto, de ensiná-los, pelo
fato de serem conceitos, fatos, métodos, procedimentos, atitudes, etc., e não
pelo fato de estarem adstritos a uma ou outra disciplina.
5.1- A aprendizagem dos conteúdos Factuais
Por conteúdos factuais se entende o conhecimento de fatos,
acontecimentos, situações, dados e fenômenos concretos e singulares: a
idade de uma pessoa, a conquista de um território, a localização ou a altura
de uma montanha, os nomes, os códigos, os axiomas, um fato determinado
num determinado momento, etc. Sua singularidade e seu caráter, descritivo
e concreto, são um traço definidor.

A Enciclopédia é um exemplo onde encontramos vários conteúdos factuais


e até procedimentais (sendo este último relativo, quando não se estabelece
uma relação compreensiva com o saber.
FONTE: http://blogs.estadao.com.br/curiocidade/a-enciclopedia-barsa-vai-
muito-bem-obrigado/
O ensino está repleto de conteúdos factuais: toda a toponímia na área de
geografia; as datas e os nomes de acontecimentos na historia; os nomes de
autores e correntes na literatura, música e artes plásticas; os códigos e os
símbolos nas áreas de língua, matemática, física e química; as
classificações na de biologia; o vocabulário nas línguas estrangeiras, etc.
Tradicionalmente, os fatos têm sido a bagagem mais aparente do
vulgarmente denominado “homem culto”, objeto da maioria das
provas inclusive concursos. Ressaltamos o caráter superficial que o
conteúdo factual pode adquirir caso não disponha de conceitos associados
que permitam interpretá-los:
Consideramos que o aluno ou a aluna aprendeu com conteúdo factual
quando é capaz de reproduzi-lo. Na maioria destes conteúdos, a reprodução
se produz de forma literal; portanto, a compreensão não é necessária já que
muitas vezes tem um caráter arbitrário. Dizemos que alguém aprendeu
quando é capaz de recordar e expressar, de maneira exata, o original,
quando se dá a data com precisão, o nome sem nenhum erro, a atribuição
exata do símbolo.
(ZABALA, 2010 pg 41)
Este tipo de conhecimento se aprende basicamente medianteatividades de
cópia mais ou menos literais, a fim de ser integrado nas estruturas de
conhecimento, na memória.
5.1.2- A aprendizagem dos conceitos e princípios
Conceitos e princípios são termos abstratos. Os conceitos se referem ao
conjunto de fatos, objetos ou símbolos que têm características comuns,
e os princípios se referem às mudanças que se produzem num fato,
objeto ou situação em relação a outros fatos, objetos ou situações e que
normalmente descrevem relação de causa efeito ou de correlação.
Não podemos dizer que se aprendeu um conceito o um princípio se não se
entendeu o significado. Saberemos que faz parte do conhecimento do aluno
não apenas quando este é capaz de repetir sua definição, mas quando sabe
utilizá-lo para a interpretação, compreensão ou exposição de um fenômeno
ou situação.
Em qualquer caso, esta aprendizagem implica uma compreensãoque vai
muito além da reprodução de enunciados mais ou menos literais. Uma das
características dos conteúdos conceituais é que a aprendizagem quase
nunca pode ser considerada inacabada, já que sempre existe a possibilidade
de ampliar ou aprofundar seu conhecimento, de fazê-la mais significativa.
(…) trata-se de atividades complexas que provocam um verdadeiro
processo de elaboração e construção pessoal do conceito. (…) Trata-se
sempre de atividades que favoreçam a compreensão do conceito a fim de
utilizá-lo para a interpretação ou o conhecimento de situações, ou para a
construção de outras ideias.
(ZABALA, 2010 pg 43)
5.2- A aprendizagem de conteúdos procedimentais
Um conteúdo procedimental é um conjunto de ações ordenadas e com
um fim, ou seja, dirigidas para a realização de um objetivo. São
conteúdos procedimentais: ler, desenhar, observar, calcular, classificar,
traduzir, recortar, saltar, inferir, espetar, etc. Como podemos ver, apesar de
terem como denominador comum o fato de serem ações ou conjunto de
ações, são suficientemente diferentes para que a aprendizagem de cada um
deles tenha características bem específicas. Para uma melhor identificação,
Zabala (2010) os situa em três eixos:
– o primeiro parâmetro se define conforme as ações que se realizam
impliquem componentes mais ou menos motores ou cognitivos: a linha
contínua motor/cognitivo. Saltar, recortar ou espetar estariam mais
próximos do extremo motor; inferir, ler ou traduz, mais próximos do
cognitivo.
– o segundo parâmetro está determinado pelo número de ações que
intervêm. Trata-se do eixo muitas ações/poucas ações.
– o terceiro parâmetro tem presente o grau de determinação da ordem das
sequências, ou seja, o continuum algorítmico/heurístico. Por
procedimento algoritmo entendemos a aprendizagem com o mesmo
conteúdo procedimental, de poucas ações e de caráter motor (a elaboração
de um nó, por exemplo). O procedimento heurístico é entendido como um
procedimento composto por muitas ações e de caráter cognitivo (a
realização do comentário de um texto literário, por exemplo).
Teríamos mais próximos do extremo algoritmo os conteúdos cuja ordem
das ações é sempre a mesma. No extremo oposto, estariam os conteúdos
procedimentais cujas ações a serem realizadas e a maneira de organizá-las
dependem em cada caso das características da situação em que se deve
aplicá-los, como estratégias de leitura ou qualquer estratégia de
aprendizagem.
5.3- Aprendizagem dos conteúdos atitudinais
Atitudinal engloba uma série de conteúdos que por sua vez podemos
agrupar em valores, atitudes e normas. Cada um destes grupos tem uma
natureza suficientemente diferenciada que necessitará, em dado momento,
de uma aproximação específica.
– valores são princípios ou ideias éticas que permitem às pessoas emitir um
juízo sobre as condutas e seu sentindo (solidariedade, respeito, liberdade,
etc.)
– atitudes são tendências ou predisposições relativamente estáveis das
pessoas para atuar e certa maneira, de acordo com os valores determinados
(cooperar com o grupo, ajudar o colega, respeitar o meio ambiente, etc).
– normas são padrões ou regras de comportamento que devemos seguir em
determinadas situações que obrigam a todos os membros de um grupo
social; forma pactuada de realizar certos valores compartilhados por uma
coletividade e indicam o que pode se fazer e o que não pode se fazer neste
grupo.
Apesar da diferença, todos estes conteúdos estão estreitamente relacionados
e têm em comum que cada um deles está configurado por componentes
cognitivos (conhecimentos e crenças), afetivos (sentimentos e preferências)
e condutais (ações e declarações de intenção).
A vinculação afetiva necessária para que o que se compreendeu seja
interiorizado e apropriado implica a necessidade de estabelecer relações
afetivas que, estão condicionadas pelas necessidades pessoais, o ambiente,
o contexto e a ascendência das pessoas ou coletividades que promovem a
reflexão ou a identificação com os valores que se promovem.
BIBLIOGRAFIA:
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Tradução Ernani F.
da F. Rosa – Porto Alegre: Artmed, 2010.
COLL,C. “La construction de esquemas de conocimiento en el processo de
enseñaza/aprendizaje” in: C. COLL; Psicología genética y aprendizajes
escolares. Madri ed Siglo XXI, 1983.

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