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1.

EXPLICAÇÕES E IMPLICAÇÕES: CONSIDERAÇÕES


ACERCA DE UM PERCURSO METODOLÓGICO

A presente pesquisa dedica-se a uma investigação de caráter histórico relativa


à difusão da teoria psicanalítica postulada por Melanie Klein no meio científico brasileiro.
Partindo desta premissa, podemos afirmar que a referida investigação consiste em um
estudo qualitativo de fatos históricos contemporâneos concernentes à produção
intelectual de um ramo da ciência ao longo do século XX, inserindo-se, desta forma, no
resgate da memória histórica das idéias no Brasil.
Ao dedicar-se à história da psicologia em geral, e da psicanálise em particular,
o presente estudo enseja uma contextualização metodológica que possibilite inseri-lo no
campo da história da psicanálise, de forma a explicitar os liames com as pesquisas afins,
bem como tornar públicas as especificidades deste estudo que o tornam singular e
relevante para a comunidade científica na atualidade.
Assim, o capítulo que ora se apresenta destina-se a uma cuidadosa exposição
dos pressupostos metodológicos que fundamentam as pesquisas de historiografia da
psicanálise para, em seguida, realizar uma recensão metodológica de diversas pesquisas
de natureza histórica e epistemológica que se ativeram ao estudo da obra kleiniana.
Finalizando, faremos considerações relativas à justificativa que vem legitimar a execução
do presente estudo e promoveremos a descrição pormenorizada dos procedimentos
empregados durante sua execução.

1.1. Por um Modelo Metodológico de Historiografia1 da Psicanálise

Na tentativa de circunscrever um campo teórico-metodológico que venha a


fundamentar as investigações relativas à história da psicanálise, podemos considerar, em
uma análise preliminar, que os estudos realizados sob esta rubrica inserem-se no âmbito
do que se convencionou chamar de “historiografia da psicologia”. Por certo não seria esta

1
Empregaremos aqui o termo “historiografia” no sentido definido por William Woodward, ao referir-se à
história da psicologia. Segundo ele: “O pensamento histórico não é muito diferente de qualquer outra forma
de trabalho intelectual. Em princípio divide-se em duas partes ou fases: método histórico ou análise das
fontes, e historiografia, ou análise e síntese. Em outras palavras a coleta de dados leva à apresentação dos
resultados e conclusões. Na prática a palavra ‘historiografia’ passou a ser aplicada a ambas as partes, a
análise e a síntese.” (Woodward, 1998, pp. 62-63).
uma afirmação inverossímil, tendo em vista que a psicanálise, enquanto um sistema
teórico que se propõe a explicar as manifestações psíquicas do ser humano, inscreve-se
como um sistema psicológico. Assim, partindo de um raciocínio silogístico, poderíamos
considerar que a psicanálise é uma área do conhecimento científico passível de ter sua
história investigada por intermédio dos métodos tradicionalmente empregado nas
pesquisas de história da psicologia2.
Embora coerente, o raciocínio veiculado na afirmação acima, ao invés de
contribuir para um aprofundamento e um refinamento dos debates concernentes à
historiografia da psicanálise, acaba por cumprir uma função contrária, eclipsando uma
gama de vicissitudes da teoria psicanalítica que merecem e devem ser contempladas em
uma investigação de natureza historiográfica.
Desta forma, antes de discorrermos sobre os modelos metodológicos que, em
nosso entender, constituem a historiografia da psicanálise, torna-se oportuno apontarmos,
ainda que de forma abreviada, algumas peculiaridades que caracterizam o
desenvolvimento da psicanálise e, por conseguinte, tornam a investigação de sua história
um processo diferenciado. Não se trata aqui de tecermos considerações relativas à
expansão do movimento psicanalítico, nem tampouco sobre seu desenvolvimento teórico
e clínico ao longo do tempo. Buscamos tão somente assinalar que a forma como a
psicanálise constituiu-se enquanto um campo de conhecimento sobre a psique humana e
a maneira pela qual foi inserida no universo da ciência apresentam singularidades que
devem ser consideradas em uma investigação de caráter histórico.
A primeira, e talvez a mais singular característica da psicanálise, pode ser
encontrada na indissociabilidade entre criador e criatura ou, dito em outros termos, a
matéria-prima, o substrato de experiências necessário para a constituição da teoria
psicanalítica advém, em um primeiro momento, das vivências pessoais do psicanalista,
sendo posteriormente complementado pela, não menos relevante, experiência clínica.
Neste sentido, em psicanálise, mais do que em outras ciências, a história pessoal de seus
criadores, como Freud e Melanie Klein, por exemplo, torna-se altamente relevante para
compreendermos os desdobramentos das formulações por eles postuladas ao longo de
suas trajetórias profissionais.

2
Para uma descrição pormenorizada dos métodos de pesquisa empregados na historiografia da psicologia,
remetemos o leitor aos trabalhos de Michael Sokal (1998), Ludwig Pongratz (1998), Josef Brozek (1998),
Mitsuko Antunes (1998), Hans Tthomae (1998), Robert Watson (1998) e Ana Maria Jacó-Vilela (2000).
Em sua biografia sobre Freud, Peter Gay chama-nos a atenção para o fato de
que as reminiscências infantis de Freud, recuperadas em sua auto-análise, converteram-
se em fonte de inspiração de sua teoria. Afirma ele ao referir-se à auto-análise do criador
da psicanálise:

(...) Freud no final dos anos 1890 submeteu-se a um escrutínio extremamente


cuidadoso, um recenseamento meticuloso, aguçado e contínuo de suas lembranças
fragmentárias, seus desejos e emoções ocultos. A partir de peças e pedaços
torturantes ele reconstruiu fragmentos de seus primeiros anos de vida sepultados, e
com o auxílio de tais reconstruções extremamente pessoais, combinadas com sua
experiência clínica, procurou esboçar as linhas gerais da natureza humana. (Gay,
1988, p. 104)

Assim sendo, as pesquisas dedicadas à história da psicanálise, mesmo aquelas


desprovidas de pretensões biográficas, terão, em certa medida, que resvalar na história
pessoal dos grandes personagens que contribuíram para a edificação da teoria
psicanalítica, na medida em que suas formulações teóricas estão eivadas de considerações
desenvolvidas a partir da elaboração de experiências pessoais.
Uma segunda característica da psicanálise reside em um desenvolvimento
teórico e técnico pouco linear que culminou no surgimento de diferentes escolas
psicanalíticas a partir da matriz freudiana, conduzindo a divergências conceituais e à
descrição de estados mentais distintos, designados por uma mesma nomenclatura, o que
por vezes pode levar a equívocos na compreensão dos conteúdos veiculados nas teorias e
a embates científicos e políticos marcados por antagonismos, afiliações e dissidências.
Para melhor entendermos esta característica e sua relação com a história da
psicanálise, cabe-nos indagarmos sobre as causas que conduziram a esta diáspora teórica
dentro do movimento psicanalítico. A expansão geográfica da psicanálise que, partindo
do restrito círculo de Viena, encontrou solo fértil para o desenvolvimento de suas idéias
em outros países como a Inglaterra, a França e os Estados Unidos, foi seguramente uma
destas causas, haja vista que em cada um destes locais a psicanálise defrontou-se com um
ambiente cultural distinto, no qual se inseriu de tal forma que seus construtos teóricos não
puderam passar incólumes, recebendo uma série de influências que os conduziu a
ampliações e modificações. Um segundo fator refere-se à natureza da experiência clínica
investigada: uma vez instalados em seus locais de origem, cada psicanalista passa a
abordar uma realidade clínica distinta que o conduz a um desvelamento de facetas
diferentes do conteúdo inconsciente. Freud, através da investigação clínica de pacientes
histéricas, pôde revelar ao mundo os meandros da sexualidade humana, seja em suas
manifestações na infância ou nos sintomas histéricos; Melanie Klein, por sua vez, ao
defrontar-se com a análise de crianças que sofriam de neurose obsessiva, foi impelida à
descoberta dos impulsos agressivos presentes desde a tenra infância.
Levando em consideração o que chamamos de desenvolvimento pouco linear
da psicanálise, o historiador, ao abordar o campo psicanalítico, deverá voltar sua atenção
para as continuidades e descontinuidades do desenvolvimento teórico, que são afetados
pelas contingências históricas. Segundo Renato Mezan, “(...) trata-se de uma história da
teoria e da prática psicanalítica, teoria e prática que se apresentam, a um observador que
se disponha a pensar a sério o que se observa, sob o signo da dispersão.” (Mezan, 1988,
p. 16).
Consideradas estas especificidades da psicanálise e suas implicações para
uma investigação histórica, ficamos em condições de apresentar alguns modelos
metodológicos que, em nosso entender, têm sido empregados em maior ou menor escala
na historiografia da psicanálise.
Marco inaugural da historiografia da psicanálise, a Abordagem Descritiva
constitui-se na primeira tentativa de delinear um campo de investigação sobre a história
do movimento psicanalítico. O traço distintivo desta abordagem consiste em narrar uma
sucessão de fatos e acontecimentos relativos à história da psicanálise que se encontram
dispersos e, por muitas vezes, desconhecidos do grande público. Trata-se, portanto, de
uma abordagem que enfatiza a periodização de acontecimentos, a descrição
pormenorizada dos eventos e a nomeação de personagens que marcaram a evolução do
movimento psicanalítico.
No limite inicial do espectro de trabalhos que podem ser agrupados sob a
alcunha de “abordagem descritiva”, encontramos duas obras de Freud cujo tema versa
sobre a história da psicanálise; são elas: A História do Movimento Psicanalítico, de 1914,
e Um Estudo Autobiográfico, publicada em 1925.
Estes trabalhos trazem como contribuição principal a enumeração de fatos e
acontecimentos relevantes, seja sobre a evolução do movimento psicanalítico, em seus
primeiros anos, ou sobre a vida de seu criador. Não se trata, no entanto, de uma descrição
qualquer, mas sim de um relato testemunhal, uma vez que o signatário da narrativa é o
principal protagonista dos acontecimentos descritos. Esta característica, que por um lado
torna o texto rico em elementos descritivos, tendo em vista a abundância de detalhes à
disposição do autor, contribui, em contrapartida, para uma limitação das análises e das
discussões que possam advir acerca dos fatos relatados, uma vez que o distanciamento
dos acontecimentos inexiste.
Desta forma, a relevância destes trabalhos, na atualidade, reside menos nos
fatos que descreve e mais no testemunho que representa, marcando, em tom vívido, os
posicionamentos de Freud frente aos acontecimentos que balizaram sua vida e o
desenvolvimento da disciplina que fundara, os quais podem, assim, ser analisados e
discutidos pelo historiador contemporâneo.
Outro trabalho de vulto no meio psicanalítico, e que pode ser alocado dentro
da abordagem descritiva, é a biografia de Freud escrita pelo psicanalista britânico Ernest
Jones, em três volumes publicados nos anos de 1953, 1955 e 1957. Este autor, valendo-
se de sua condição privilegiada enquanto discípulo direto de Freud e articulador político
do movimento psicanalítico, teve acesso a uma gama variada de informações
concernentes à vida do criador da psicanálise, o que lhe permitiu compor um texto
biográfico rico em informações, muitas delas inéditas na ocasião, que têm por mérito
aproximar o leitor do universo freudiano. O que se caracteriza como uma virtude da obra
de Jones, dada a riqueza de detalhes que apresenta, constitui-se, em contrapartida, em um
vício na medida em que o eixo central de sua narrativa privilegia o vértice cronológico,
consubstanciando a análise da vida de Freud na evolução de sua obra. Isto se dá mediante
um paralelismo que, embora possa ser eficiente do ponto de vista didático, incorre em um
reducionismo na medida em que negligencia a análise das influências culturais e
científicas sofridas por Freud ao longo de sua vida.
Um segundo enfoque metodológico dentro da historiografia da psicanálise,
em monta crescente de prestígio, é a Abordagem Contextual. Uma vez esgotada a etapa
inicial de descrição de fatos relevantes à história da psicanálise, os pesquisadores voltam
sua atenção para uma análise mais depurada dos dados disponíveis, de forma a ampliar a
compreensão de passagens históricas, esboçando novos ângulos de interpretação dos
dados já existentes. Um exemplo emblemático desta abordagem pode ser encontrado no
trabalho de Peter Gay, ao escrever a biografia Freud: Uma Vida Para o Nosso Tempo,
em 1988. Referindo-se a sua proposta metodológica, sustenta o autor:

Como historiador, situei Freud e sua obra nos vários contextos relevantes: a
profissão psiquiátrica que ele subverteu e revolucionou; a cultura austríaca em que
foi obrigado a viver como judeu descrente e médico pouco convencional; a
sociedade européia que, durante a vida de Freud, passou pelos terríveis traumas da
guerra e da ditadura totalitária e a cultura ocidental como um todo, uma cultura cuja
percepção de si mesma ele transformou irreconhecivelmente para sempre. (Gay,
1988, p. 17)

Conforme explicitado na citação acima, na abordagem contextual, os fatos


históricos ganham uma nova conotação, uma vez que sua utilidade não se restringe ao
caráter informativo, prestando-se sobretudo a análises mais depuradas que permitem
inserir o movimento psicanalítico e seus personagens nos contextos cultural e científico
vigentes no período estudado.
Desta forma, chegamos à constatação de que o enfoque metodológico desta
abordagem desloca o foco de sua análise, migra de um procedimento endógeno, pautado
na análise dos acontecimentos que marcaram a história da psicanálise por si mesmos, para
um procedimento exógeno, que busca estabelecer linhas de relação entre a psicanálise e
os demais campos do saber, procurando explicitar as influências sofridas pela psicanálise
ao longo de sua constituição e demonstrar os efeitos que esta nova ciência exerceu sobre
a civilização ocidental ao longo de aproximadamente um século de existência.
Por seu turno, a Abordagem Interpretativa vale-se do próprio método
psicanalítico como instrumental para fundamentar as análises históricas que realiza. A
forma como os acontecimentos ocorreram, as ligações e os antagonismos estabelecidos
entre diferentes protagonistas da história da psicanálise, as omissões e exasperações
presentes nas formulações teóricas propaladas pelos psicanalistas, constituem-se em um
terreno altamente fértil de investigação que, uma vez submetidos ao crivo do método
psicanalítico, podem fornecer indícios importantes sobre a história da psicanálise.
Esta abordagem foi também empregada por Peter Gay na biografia de Freud.
Segundo este autor,

No decorrer de uma longa e ímpar carreira como arqueólogo da mente, Freud


desenvolveu um conjunto de teorias, investigações empíricas e técnicas terapêuticas
que, nas mãos de um biógrafo escrupuloso, pode desvendar seus desejos, angústias
e conflitos, um repertório considerável de motivos que se mantiveram
inconscientes, mas ajudaram a modelar sua vida. Por isso, não hesitei em empregar
suas descobertas, e na medida do possível seus métodos, para explorar a história de
sua própria vida. Mas não permiti que eles monopolizassem minha atenção. (Gay,
1988, p. 17)

Considerando-se que a marca do inconsciente está presente nas relações


psicanalíticas, assim como nas demais relações humanas, apreender as motivações
inconscientes que conduziram os grandes autores da psicanálise em suas ações teóricas e
políticas pode ser um instrumental de grande valia na reconstrução histórica da
psicanálise. No entanto, deve-se fazer uma ressalva quanto ao emprego deste recurso
metodológico para que a pesquisa não caia em um reducionismo, circunscrevendo a
análise história unicamente em um desvelamento das motivações inconscientes de seus
protagonistas, o que implica em utilizá-lo, preferencialmente, como elemento
coadjuvante associado a outro enfoque metodológico.
Por fim, a propositura da Abordagem Epistemológica caracteriza-se por
uma rigorosa análise conceitual. Buscando, desta forma, estabelecer a história do
desenvolvimento dos conceitos-chave da teoria psicanalítica, destacando as condições em
que foram gerados e a forma como foram sendo aprimorados, e mesmo transformados,
durante a vida de Freud e após sua morte. Ao estabelecer as linhas de continuidade e
ruptura que os conceitos psicanalíticos sofreram ao longo do tempo, o pesquisador pode
reconhecer os pontos de tangenciamento e os antagonismos entre as diferentes escolas de
pensamento psicanalítico surgidas a partir da matriz freudiana.
Se não o pioneiro, seguramente o mais celebre trabalho dentro deste enfoque
metodológico é o Vocabulário da Psicanálise, de Laplanche e Pontalis, publicado, na
França, em 1967. Neste volume os autores apresentam uma exposição sistemática de um
grande número de conceitos empregados com regularidade no jargão psicanalítico. Sua
contribuição mais relevante, em nosso entender, não está na apresentação das definições
do conceito, embora estas sejam altamente esclarecedoras; mas no laborioso rastreamento
que realiza, permitindo ao leitor acompanhar as diferentes etapas do desenvolvimento do
conceito até sua versão final na obra de Freud.
Destacamos, de forma didática e mesmo esquemática, as principais vertentes
da historiografia da psicanálise. No entanto, cabe ressaltar que o emprego destas várias
abordagens metodológicas nem sempre se manifesta de forma isolada e linear como pode
ter sido sugerido nesta introdução. Assim, esta classificação cumpre a função de servir de
parâmetro para orientar o planejamento metodológico de pesquisas históricas relativas à
psicanálise, como a que empreendemos neste estudo.

1.2. A Investigação do Pensamento Kleiniano e suas Implicações Metodológicas

Não são recentes os esforços empreendidos no sentido de promover uma


sistematização do pensamento kleiniano, iniciativas estas que têm merecido atenção
desde a morte de Melanie Klein, em 1960. No entanto, foi sobretudo nas últimas duas
décadas que pudemos acompanhar o surgimento de um crescente número de trabalhos
desenvolvidos tanto no meio psicanalítico quanto no universitário, dedicados à
investigação epistemológica e histórica das características que definem a transformação
do pensamento kleiniano. Notadamente a maioria, se não a totalidade destas pesquisas,
foram realizadas no exterior, principalmente na Inglaterra, onde a Escola Kleiniana teve
sua origem.
Desta forma, antes de apresentarmos a proposta metodológica para a
execução da presente pesquisa e de veicularmos seus resultados, torna-se oportuno
tecermos algumas considerações relativas a trabalhos congêneres que permitem ampliar
nossa compreensão sobre os diferentes enfoques metodológicos abordados.
A primeira iniciativa de uma apresentação sistematizada dos principais
conceitos psicanalíticos formulados por Melanie Klein foi capitaneada por Hanna Segal,
e encontra-se expressa em duas obras amplamente difundidas nos círculos psicanalíticos,
quais sejam: Introdução à Obra de Melanie Klein, publicada em 1964, e Melanie Klein,
surgida em 1979.
Analisados em conjunto, podemos verificar que os dois volumes em questão
trazem como característica inequívoca a intenção de introduzir o leitor no sistema
conceitual formulado por Melanie Klein, o que é realizado com muita propriedade por
intermédio de uma exposição didática e pormenorizada.
O título de 1964, hoje clássico de leitura obrigatória para todo iniciante no
tema, “(...) tem como base uma série de aulas ministradas, no decorrer de vários anos, no
Instituto de Psicanálise de Londres.” (Segal, 1964, p. 9). Trata-se, na verdade, de notas
elaboradas durante as aulas que foram compiladas e posteriormente transformadas em
livro. Assim sendo, embora a formulação do texto seja bastante didática, o que por si só
constitui-se em um mérito, os capítulos discutem os principais conceitos da teoria
kleiniana de forma segmentada, sem estabelecer entre eles uma conexão nítida que
possibilite ao leitor compreender a forma como foram sendo criados e interrelacionados
ao longo do desenvolvimento da teoria.
O trabalho de 1979, a exemplo do primeiro, vem à luz com uma intenção
eminentemente didática, introduzindo o iniciante no pensamento de Melanie Klein.
Resguardada esta primeira semelhança com a publicação de 1964, o texto de 1979
apresenta significativas diferenças, uma vez que desta feita a exposição dos conceitos é
realizada a partir de um vértice cronológico, de tal forma que o leitor pode acompanhar a
evolução dos conceitos formulados por Melanie Klein, bem como ter uma
contextualização destas formulações junto ao cenário psicanalítico da época. Outra
inovação contida neste volume pode ser encontrada no fato de Hanna Segal apresentar,
no final do trabalho, um esboço biográfico de Melanie Klein, ao que nos parece uma
iniciativa inédita na ocasião.
Ao considerarmos as características destes dois trabalhos de Hanna Segal,
fica evidente que esta autora toma para si a responsabilidade de divulgar as idéias
formuladas por Melanie Klein do modo mais genuíno possível, procurando preservá-las
de possíveis distorções e equívocos de interpretação. Embora possa não ter sido
explicitamente delegada por Melanie Klein, tal função foi ao menos insinuada
implicitamente, haja vista que Hanna Segal foi uma de suas mais próximas discípulas.
Segundo Phyllis Grosskurth, biógrafa de Melanie Klein,

Em 6 de dezembro de 1944, Klein disse a Clifford Scott que a jovem polonesa


era, a seu ver, “uma das pessoas mais promissoras que já tivemos em psicanálise.
O Dr. Rosenfeld é uma pessoa muito diferente, mas o que ambos têm em comum é
que são bem-dotados, e também personalidades extremamente confiáveis, com
equilíbrio e integridade.” Segal estava começando a ser considerada para o papel
de princesa herdeira provavelmente. (Grosskurth, 1986, p. 383)

Outro autor dedicado à análise conceitual da obra kleiniana é o psicanalista


de origem francesa e radicado na Argentina Willy Baranger, que publicou, em 1971, o
livro intitulado Posição e Objeto na Obra de Melanie Klein. Este autor dedica-se a uma
análise pormenorizada da evolução dos principais conceitos formulados por Melanie
Klein ao longo de sua vida, e que se converteram nos pilares de sustentação de sua teoria.
Para tal, procura destacar o conceito estudado, investigando sua origem nos primórdios
do pensamento kleiniano e discutindo as transformações ocorridas ao longo do tempo.
Tal intento é explicitado pelo autor nos seguintes termos: “É esta a intenção e a pretensão
do estudo presente: examinar a formação dos principais conceitos da teoria kleiniana tal
como surge na obra de Melanie Klein.” (Baranger, 1971, p. 7). Desta forma, cada um dos
conceitos centrais como, por exemplo, o de posição, de objeto, de fantasia inconsciente,
de superego, entre outros, são estudados separadamente, em cada um dos capítulos do
livro, e discutidos a partir de sua evolução e de sua coerência com o sistema teórico do
qual faz parte.
Em 1978, Donal Meltzer3, jovem discípulo de Melanie Klein, publicou a
coletânea denominada O Desenvolvimento Kleiniano4. O referido trabalho foi constituído
com base em uma série de conferências proferidas pelo autor para alunos do Curso de
Formação de Psicoterapeuta de Crianças, durante os anos de 1972 e 1973, na Tavistock
Clinic, em Londres. O texto está organizado em três partes, sendo a primeira dedicada a
apresentar aspectos do desenvolvimento clínico de Freud que, em seu entender,
influenciaram Melanie Klein; a segunda parte, voltada propriamente à obra kleiniana,
dedica-se a uma instigante discussão sobre o livro de Melanie Klein Narrativa da Análise
de Uma Criança, e a terceira parte está voltada para as contribuições de Bion, surgidas
na esteira da obra kleiniana.

Portanto, os dois primeiros volumes seguiram diferentes métodos de exposição:


o do primeiro foi cronológico, o do segundo, focalizado na ‘Narrativa’, foi um olhar
retrospectivo e prospectivo sobre a história do pensamento de Melanie Klein. No
presente volume o método cronológico é retomado. (Meltzer, 1998, pp. 7-8)

Trata-se de um livro marcado por um tom coloquial e pela espontaneidade


típica da situação em que foi produzido. Seu maior mérito consiste em apresentar a
evolução clínica de Melanie Klein, tomando como paradigma um de seus casos clínicos
melhor documentados, a análise de Richard, conduzida durante o ano de 1941 e publicada
postumamente, em 1961.
A Jean-Michel Petot, professor da Universidade de Paris dedicado ao tema da
epistemologia da psicanálise, cabe conferir o mérito de ter empreendido uma obra de
fôlego acerca do pensamento kleiniano, que se estende por dois volumes. O primeiro,
Melanie Klein I: Primeiras Descobertas e Primeiro Sistema, publicado em 1979, dedica-
se à primeira etapa da obra de Melanie Klein, que se estende de 1919, quando surgem
seus trabalhos inaugurais na psicanálise, desenvolvidos a partir da educação e posterior
análise de seu filho Erich, e culmina com a síntese de 1932, representada pelo livro A
Psicanálise de Crianças. Já o segundo volume, Melanie Klein II: O Ego e o Bom Objeto,
surgido no ano de 1982, aborda o período que vai de 1932 até 1960, enfocando a teoria

3
Donald Meltzer nasceu nos Estados Unidos onde especializou-se em psiquiatria infantil, emigrou para a
Inglaterra em 1954 com o fito de fazer formação psicanalítica, tendo sido analisado por Melanie Klein entre
os anos de 1954 a 1960.
4
No Brasil, esta coletânea foi publicada pela Editora Escuta em três volumes: O Desenvolvimento Kleiniano
I: Desenvolvimento Clínico de Freud (1989), O Desenvolvimento Kleiniano II: O Desenvolvimento Clínico
de Melanie Klein (1990) e O Desenvolvimento Kleiniano III: O Significado Clínico da Obra de Bion (1998).
das posições esquizo-paranóide e depressiva, e o último trabalho de vulto publicado por
Melanie Klein, em 1957, denominado Inveja e Gratidão.
A marca distintiva do trabalho de Petot, que o torna uma referência para uma
compreensão mais apurada da doutrina kleiniana, não reside propriamente em tecer
considerações que levem a uma nova compreensão ou reinterpretação de conceitos
formulados por Melanie Klein, uma vez que este autor, em linhas gerais, concorda com
as conclusões veiculadas nos trabalhos de Hanna Segal e Willy Baranger, que são por
vezes citados em seu texto. O caráter original imprimido em seu estudo consiste na
proposta metodológica adotada, ao primar por um enfoque epistemológico da obra
kleiniana, possibilitando ao leitor compreender como os conceitos foram gerados e quais
os desdobramentos que sofreram ao longo do desenvolvimento da teoria, uma vez que
suas formulações seguem “(...) a formação das concepções kleinianas no triplo
movimento da formação dos conceitos conforme as necessidades da teoria, da
consideração dos fatos que o trabalho clínico impõe e do movimento de reenvio
permanente entre uma e outra.” (Petot, 1979, p. XXI).
Outro trabalho de expressão que merece destaque é a biografia de Melanie
Klein escrita por Phyllis Grosskurth, professora do Programa de Ciências Humanas e
Pensamento Psicanalítico da Universidade de Toronto. Trabalho de caráter
eminentemente historiográfico, elaborado a partir de fontes orais e documentais,
apresenta uma narrativa pormenorizada, criteriosa e completa da vida e, por extensão, da
obra de Melanie Klein. O cuidado no levantamento das fontes históricas e a criteriosa
análise que realiza fazem emergir de sua síntese um matiz bastante equilibrado que retrata
com fidedignidade a personagem biografada, compondo um ponto de equilíbrio sobre
Melanie Klein, que fica a meio termo entre as críticas deflagradas por seus detratores que,
na tentativa de contestar a teoria, conspurcavam a mulher, e as considerações idealizadas
de seus discípulos, que a todo custo procuraram preservar sua imagem.
Seguindo a vertente historiográfica, encontramos o trabalho dos psicanalistas
britânicos Pearl King e Riccardo Steiner, publicado em 1991, que tem como título As
Controvérsias Freud-Klein: 1941-45. Valendo-se unicamente de fontes documentais
extraídas dos Arquivos da Sociedade Britânica de Psicanálise, notadamente atas e
correspondências, os autores procuram sistematizar os fatos ocorridos durante as
“Discussões Controversas” ocorridas entre freudianos e kleinianos, na primeira metade
da década de quarenta, ocasião em que os kleinianos foram convidados a confirmar a
veracidade de suas formulações psicanalíticas. A relevância do referido trabalho reside
menos nas considerações críticas e na análise que tece sobre o material estudado, mesmo
porque são bastante escassas, e mais em organizar e tornar acessível ao leitor uma farta
documentação que possibilita uma apreciação abrangente acerca do período histórico
estudado.
Por seu turno, merece destaque a coletânea organizada pela psicanalista
Elizabeth Bott Spillius, em 1988, sob o título Melanie Klein Hoje. Organizada em dois
volumes, o primeiro dedicado a trabalhos de natureza teórica e o segundo voltado para
artigos predominantemente clínicos, esta coletânea “(...) tem por objetivo apresentar e
discutir um conjunto de artigos que ilustram o desenvolvimento de conceitos e
formulações de Melanie Klein escritos por seus colegas e seguidores durante os últimos
trinta anos.” (Spillius, 1988a, p. 9). Além dos artigos compendiados nestes volumes, que
por si só constituem um testemunho da evolução e da vitalidade das idéias kleinianas que
vêm sendo aperfeiçoadas e expandidas ao longo dos anos, os capítulos introdutórios
escritos por Spillius apresentam uma análise precisa dos desdobramentos que os conceitos
postulados por Melanie Klein tiveram a partir dos trabalhos de seus seguidores,
particularmente Hanna Segal, Wilfred Bion e Herbert Rosenfeld.
Em 1991, Robert Hinshelwood publica a segunda edição revista e ampliada
de seu Dicionário do Pensamento Kleiniano. Seguindo uma tendência introduzida por
Laplanche e Pontalis, o autor narra a história dos principais conceitos cunhados por
Melanie Klein durante sua vida profissional. Para tal, o autor procura identificar a origem
dos conceitos na teoria freudiana para, a seguir, apontar seus desdobramentos ao longo
da obra kleiniana.
No Brasil, Ryad Simon5, valendo-se de sua experiência como docente,
publicou, em 1986, o livro Introdução à Psicanálise: Melanie Klein, que congrega
simultaneamente a simplicidade de um texto introdutório à consistência na exposição dos
conceitos discutidos ao longo dos capítulos. Com relação à proposta metodológica
empregada na produção deste trabalho, damos a palavra ao autor: “Por último deter-me-
ei no problema metodológico da execução deste livro. (...) Adotei um critério
cronológico, mas assinalando sua variação posterior. Isso levará a algumas repetições
Todavia, dada a complexidade da teoria, suponho que isso será clarificante e construtivo.”
(Simon, 1986, p. XI). Desta forma, o leitor tem a possibilidade de acompanhar a evolução
dos conceitos dentro do conjunto geral da obra kleiniana.

5
Ryad Simon é Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e Professor Titular
do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
1.3. Problema e Justificativa

Os trabalhos que destacamos acima, embora abordem aspectos distintos da


teoria kleiniana, trazem em comum um interesse, ou mesmo uma necessidade, de
promover uma sistematização da vasta produção teórica e técnica da Escola Kleiniana,
desenvolvida durante a vida de Melanie Klein e retomada após a sua morte.
Tal constatação nos remete, ao menos, a duas conclusões preliminares que
merecem ser sublinhadas. A primeira conclusão aponta para a vitalidade e a utilidade
atual da teoria criada por Melanie Klein, de tal feita que suas idéias não caíram no
ostracismo; pelo contrário, têm suscitado inúmeros debates e publicações que buscam
divulgá-la e melhor compreendê-la. A segunda conclusão que se impõe refere-se a uma
lacuna existente na obra kleiniana, tendo em vista que o sistema conceitual produzido por
Melanie Klein, e complementado por seus seguidores ao longo do tempo, carece de uma
sistematização que possibilite a visão de conjunto deste ramo da ciência psicanalítica.
As conclusões apresentadas acima colocam em relevo a importância dos
estudos históricos e epistemológicos para uma compreensão genuína e fidedigna da teoria
kleiniana, justificando, desta forma, a condução de pesquisas históricas, como as
mencionadas na seção anterior, que venham a lançar luz sobre o sistema conceitual da
Escola Kleiniana. Mesmo porque esta iniciativa não foi empreendida por Melanie Klein,
que pouco se dedicou a produzir textos que explicassem a evolução de seu pensamento
clínico e teórico, que sofreu várias modificações com o passar dos anos na medida em
que novas descobertas iam sendo agregadas às suas formulações iniciais.
As pesquisas de natureza histórica e epistemológica relativas à Escola
Kleiniana que enfatizamos há pouco dedicam-se a investigar as características do
pensamento desta escola a partir dos trabalhos de Melanie Klein e de seus seguidores, em
seu local de origem, notadamente na Sociedade Britânica de Psicanálise.
Evidentemente, as contribuições da escola kleiniana não ficaram restritas à
Inglaterra; ao contrário, expandiram-se para diversas partes do mundo e influenciaram o
trabalho de inúmeros psicanalistas, que aderiram aos fundamentos teóricos e técnicos do
pensamento kleiniano. No entanto, ainda são raras as pesquisas que se dedicaram a
esquadrinhar a difusão da escola kleiniana para além das fronteiras britânicas. Como bem
salienta Grosskurth, “Ainda estão por ser escritos muitos livros sobre a disseminação e o
desenvolvimento das idéias kleinianas em todo o mundo.” (Grosskurth, 1986, p. 12).
Temos, assim, um campo de investigação bastante amplo e ainda muito pouco
explorado, tendo em vista que são ainda bastante raros os trabalhos dedicados a estudar a
difusão das idéias kleinianas nas diferentes Sociedades de Psicanálise que compõem os
quadros da IPA.
As pesquisas relativas à história da psicanálise no Brasil, realizadas ao longo
dos últimos anos, destacam uma série de indícios que nos possibilitam verificar a
existência de uma forte influência da escola kleiniana junto ao pensamento psicanalítico
brasileiro, sobretudo após a criação da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo,
ocorrida no ano de 1944, e que se constituiu na primeira instituição psicanalítica brasileira
filiada à IPA.
O trabalho de Sagawa (1994) sobre a história da psicanálise em São Paulo
destaca a importância que as idéias de Melanie Klein exerceram sobre os psicanalistas da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Sustenta o autor:

Na necessidade premente de apontar um psicanalista-mestre nos anos 50, é


indiscutível a ubiqüidade de Melanie Klein entre os membros da Sociedade. Mais
ainda, a abordagem kleiniana fez os membros da Sociedade cruzarem o Oceano
Atlântico com uma freqüência jamais constatada entre nós. Há quem vá para lá e
quem venha para cá. Em ambos os sentidos o caminho e o ponto de chegada
emvolveram Melanie Klein. (Sagawa, 1994, p. 24).

Embora altamente elucidativo acerca da evolução histórica da psicanálise em


São Paulo, o trabalho de Sagawa não enfatiza com a necessária atenção, mesmo porque
não é este o seu objetivo, as afinidades da escola kleiniana com a Sociedade Brasileira de
Psicanálise de São Paulo.
Em pesquisa relativa à história da psicanálise de crianças no Brasil, Abrão
(1999) destaca a influência que o pensamento de Melanie Klein exerceu sobre a
psicanálise brasileira, influência esta oriunda de duas fontes principais. Primeiramente
por intermédio de alguns analistas brasileiros que emigraram para Londres, na década de
cinqüenta, em busca de formação psicanalítica junto ao Grupo Kleiniano, notadamente:
Décio Soares de Souza, Manoel Thomaz Moreira Lyra, Maria Manhães, Virgínia Bicudo
e Lygia Amaral. Posteriormente, sobretudo durante as décadas de sessenta e setenta, a
influência kleiniana efetivou-se através de psicanalistas argentinos que passaram a
ministrar cursos sobre psicanálise de crianças no Brasil, destacando-se os nomes de
Arminda Aberastury, Maurício Knobel, Eduardo Kalina e Raquel Soifer.
As evidências apontadas pelas pesquisas há pouco referidas nos permitem
afirmar, com razoável segurança, que a psicanálise brasileira sofreu uma influência
inequívoca da escola kleiniana, encontrando nesta matriz teórica seu principal pilar de
sustentação. No entanto, estes trabalhos não enfatizam, com a necessária exatidão, as
características definidoras da difusão do pensamento kleiniano junto às Sociedades de
Psicanálise no Brasil.
Desta forma, partindo da hipótese de que as idéias de Melanie Klein tiveram
uma ampla difusão no meio psicanalítico brasileiro, propomo-nos a conduzir uma
investigação de caráter inédito, com a intenção de desvendar as formas como este
conhecimento foi introduzido em nosso meio e os desdobramentos sofridos até a
atualidade.
Além do evidente caráter histórico que a presente pesquisa assume, podemos
identificar uma outra justificativa que vem respaldar o desenvolvimento deste estudo. A
presente investigação permitirá a constituição de um fio narrativo que deve demonstrar
como as idéias kleinianas foram introduzidas e compreendidas pelos profissionais
vinculados às Sociedades de Psicanálise filiadas à IPA e existentes no Brasil.
Procuraremos facilitar, desta forma, o contato do leitor iniciante ou mesmo daquele mais
experiente com o texto kleiniano, tendo em vista que tradicionalmente a obra de Melanie
Klein teve uma difusão marcada por um viés a-histórico e por traduções precárias que
dificultaram a compreensão de seus fundamentos em nosso meio. Como salientam Elias
Rocha Barros e Elizabeth Lima Rocha Barros, no artigo “O a-Historicismo Deformante
na Difusão do Pensamento Kleiniano”,

Acreditamos que o a-historicismo e a quase generalizada má qualidade das


traduções que impregnaram as edições dos trabalhos de Klein em português e em
outras línguas, alteraram sobretudo a compreensão do sentido e função que cada
conceito-chave de seu pensamento ocupa em seu sistema conceitual. (E. M. Rocha
Barros & E. L. Rocha Barros, 1988, pp. 194-195).

Embora apontem, com muita propriedade, a ausência de uma sistematização


da obra kleiniana, o que tende a dificultar sua compreensão e sua difusão, estes autores
não se dedicam a uma análise mais aprofundada de suas causas, relacionando-as ao
contexto cultural e científico do país, deixando antever, portanto, um campo de
investigação a ser desvelado.
Não suficientes estas justificativas, podemos ainda recorrer a um terceiro
argumento. Ao inserirmos a presente pesquisa no âmbito mais abrangente da história da
psicologia no Brasil, podemos nos valer dos argumentos apresentados por Michael
Wertheimer ao fundamentar pesquisas desta natureza. Sustenta o referido autor:

A história da psicologia pode nos ajudar a descobrir grandes idéias do passado.


Pode nos ajudar a concentrar nossa atenção sobre as questões abrangentes e
fundamentais às quais deveríamos estar direcionando nossos esforços. Mais
importante, ainda, pode nos ajudar a tomar consciência do contexto social em que
trabalhamos, e nos tornar menos sujeitos as suas influências irracionais. Pode servir
para integrar o que se tornou um campo bastante fragmentado. (Wertheimer, 1998,
p. 39).

A problemática enunciada e as justificativas até aqui apresentadas como


razões para a realização desta pesquisa nos colocam diante de algumas questões fundantes
deste estudo, e que deverão ser respondidas ao longo de sua execução. São elas: Como se
deu a introdução das idéias kleinianas no Brasil? De onde foram provenientes as
principais influências? Como estas idéias foram apreendidas e empregadas pelos
profissionais brasileiros?
Face a todo estas razões e indagações, acreditamos ser legítima, e mesmo
necessária, a realização de uma pesquisa que venha a investigar a influência que o
pensamento de Melanie Klein exerceu sobre a psicanálise brasileira.

1.4. Objetivos

Tendo em vista as considerações até aqui apresentadas, os objetivos da


presente pesquisa são assim definidos:
Objetivo Geral:
Investigar as principais características que constituem a difusão do
pensamento kleiniano nas Sociedades de Psicanálise filiadas à IPA e existentes no Brasil,
desde sua origem até a atualidade.
Objetivos Específicos:
Identificar os acontecimentos mais relevantes que definem a introdução do
pensamento kleiniano no Brasil.
Identificar os primeiros psicanalistas que divulgaram as idéias de Melanie
Klein no meio psicanalítico brasileiro.
Demonstrar a forma como as idéias kleinianas foram transmitidas pelas
instituições de ensino vinculadas às Sociedades de Psicanálise.
Avaliar a influência que o sistema conceitual desenvolvido por Melanie Klein
exerceu sobre a prática clínica e sobre a produção teórica dos psicanalistas brasileiros.
Reconhecer as características que marcaram a introdução da Escola Kleiniana
nas Sociedades de Psicanálise existentes no Brasil.
Verificar a forma de utilização das idéias kleinianas pelos analistas
brasileiros, e sua relação com os movimentos científicos e culturais vigentes no país.

1.5. O Plano Metodológico do Presente Estudo

Uma vez apresentados os fundamentos da presente pesquisa e definidos seus


objetivos, resta-nos detalhar a proposta metodológica que nos orientou durante a sua
execução, indo desde a identificação das fontes históricas investigadas até a definição dos
instrumentos de coleta de dados e dos procedimentos empregados ao longo do trabalho.
Em uma primeira apreciação da natureza desta pesquisa, podemos reconhecer
que sua característica nodal é a contemporaneidade dos fatos históricos estudados. Tal
condição explica-se na medida em que o presente estudo propõe-se a investigar a difusão
no pensamento kleiniano no Brasil dentro do âmbito de atuação das Sociedades de
Psicanálise. Considerando-se que a primeira delas surgida em nosso país data de 1944, o
intervalo de tempo a ser investigado restringe-se aos últimos sessenta anos,
aproximadamente.
Tendo em vista estas delimitações, defrontamo-nos com uma condição
bastante peculiar, uma vez que encontramos à nossa disposição uma gama variada de
fontes históricas, sejam elas orais ou documentais, que, ao invés de estarem sepultadas
no limbo dos arquivos já esquecidos pelo tempo, encontram-se dispersas em substratos
não tão longínquos da memória de personagens que protagonizaram partes de uma
história bastante recente.
Desta forma, na escolha das fontes históricas empregadas ao longo da
pesquisa, procuramos privilegiar aquelas que melhor se coadunassem com as
características de nosso objeto de estudo.Isso porque,:

Como não se pode registrar todos os acontecimentos, é indispensável a escolha


das fontes relevantes para o estudo aprofundado. A arte do historiador manifesta-se
precisamente neste processo de identificação das fontes apropriadas para a
reconstrução e a interpretação históricas, essência da historiografia. (Campos, 1998,
p. 15)

Assim sendo, optamos por privilegiar as fontes orais durante a realização


deste estudo, seja por intermédio da realização de entrevistas para este fim, ou, em alguns
casos específicos, por meio da utilização de entrevistas colhidas em outros contextos, por
este pesquisador ou por terceiros, que ilustrem questões aqui abordadas. Tal escolha foi
respaldada na simultaneidade entre o período histórico investigado e o momento da
investigação, de tal forma que a maioria dos profissionais responsáveis pela difusão das
idéias kleinianas no Brasil, muitos deles ainda em atividade profissional, encontram-se
em condições de testemunhar, de forma vívida, suas experiências com relação a este tema.
Ficaram, pois, as fontes documentais, particularmente os artigos científicos que veiculam
idéias kleinianas, subordinadas às fontes orais, de tal modo que: na medida em que os
depoimentos nos remeteram a algum tipo de documento, estes foram investigados, e uma
vez avaliada sua pertinência, tiveram seu conteúdo incorporado à pesquisa.
Ainda com relação à delimitação das fontes históricas empregadas neste
estudo, convém fazermos uma segunda observação, agora relativa à abrangência das
instituições investigadas. Tomamos como ponto de referência as Sociedades de
Psicanálise filiadas à IPA que surgiram no país a partir da década de 1940, por
considerarmos que estas instituições congregam uma série de características e condições,
de tal modo que vieram a se constituir nos primeiros focos de introdução e difusão das
idéias kleinianas. Isso porque o contato mais sistemático e regular com o pensamento de
Melanie Klein começou a ser promovido sob os auspícios destas instituições, seja pelo
intercâmbio direto de alguns de seus membros com a Sociedade Britânica de Psicanálise,
pela promoção de eventos em que analistas kleinianos foram convidados a dar
conferências no Brasil, ou ainda pela promoção de cursos regulares em que a teoria e a
técnica ganharam destaque.
Evidentemente, a presente afirmação não tem a intenção de obnubilar ou
desqualificar o fato de que as idéias kleinianas estiveram presentes desde longa data, em
muitas outras instituições dedicadas à especialização profissional na área da psicologia
ou da medicina, como é o caso, para ficarmos apenas em alguns exemplos, do Instituto
Sedes Sapientiae, da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. No entanto, a presença das idéias kleinianas nestas instituições não se caracterizou
pela regularidade, hegemonia ou pioneirismo que justifique uma atenção mais detalhada
a este momento. Além do que, a investigação de todos estes desdobramentos do
pensamento kleiniano tornar-se-ia uma empreita por demais ambiciosa e exaustiva para
os limites deste estudo.
Uma vez promovida esta delimitação, cumpre-nos apresentar os fundamentos
teóricos e práticos que permitem legitimar as fontes orais como um recurso fidedigno
para a investigação histórica em geral, e para o presente estudo, em particular.
O relato oral, enquanto forma de comunicação da experiência individual, ou
como meio de transmissão de conhecimentos de uma determinada cultura que se propaga
de geração a geração, vem sendo praticado desde os tempos mais antigos da civilização
humana, antecedendo o testemunho da pintura e da escrita. Fica patente, portanto, que o
relato oral é uma forma de comunicação, transmissão e preservação de conhecimentos
inerente ao homem, que perdura ao longo de sua existência.
Resta-nos, agora, compreender de que forma esta atividade espontânea do ser
humano veio a constituir-se em um método de pesquisa histórica ou, dito em outros
termos, devemos explicitar de que maneira o relato oral converte-se em história oral. Para
tal, iremos acompanhar, de forma bastante sucinta, como a história, enquanto disciplina,
vem empregando o relato oral ao longo de sua evolução.
Embora presente desde os primórdios da história, o relato oral não se
consolidou como uma tendência predominante a ponto de converter-se na principal
diretriz metodológica da pesquisa histórica. Ao contrário, quanto mais a investigação
histórica precisava retroceder a tempos remotos, a necessidade de provas documentais
impunha-se com maior contundência, fazendo com que os documentos escritos fossem
valorizados em detrimento dos orais.
Tradicionalmente, a história praticada durante os últimos séculos tinha como
alvo principal de suas pesquisas os acontecimentos relegados a um passado longínquo.
Tal escolha justificava-se na medida em que, quanto mais distantes fossem os fatos
estudados, mais isenta e precisa seria sua análise. Assim, as fontes mais indicadas para
compreender os acontecimentos remotos eram os documentos escritos, que guardam as
inscrições oficiais das ações humanas.
Dois fatores de grande monta concorreram para a inversão desta perspectiva,
guindando o relato oral a uma posição de destaque na pesquisa histórica. São eles: o
advento de uma nova concepção de história que deslocou o interesse dos grandes eventos
políticos para os fatos cotidianos, e a incorporação dos acontecimentos contemporâneos
como objeto de estudo da história.
Com relação ao primeiro fator, iremos acompanhar, a partir das primeiras
décadas do século XX, um movimento originado na França que ficou conhecido como
“História Nova” (Le Goff & Nora, 1988a, 1988b, 1988c). Esta nova abordagem levou a
um recentramento da questão histórica, uma vez que o enfoque das pesquisas migra dos
grandes personagens e acontecimentos políticos para uma investigação da história do
homem comum, dos fatos cotidianos, das mentalidades. Tal posicionamento traz como
corolário uma ampliação das fontes históricas passíveis de investigação, de tal forma que
não só os documentos oficiais constituem-se em fontes de informação para o historiador.
Todos os documentos que trazem inscritas as ações humanas são documentos passíveis
de investigação como, por exemplo, a iconografia, as cartas pessoais, a literatura, entre
outros. A referida ampliação das fontes históricas promovida pela História Nova abre
espaço para que posteriormente o relato oral venha a ser incorporado pela história como
fonte de pesquisa.
O segundo fator aludido acima, cuja ocorrência se deu a partir da segunda
metade do século XX, diz respeito à admissão dos acontecimentos contemporâneos
enquanto fatos passíveis de análise histórica. Ao valorizar os acontecimentos do tempo
presente, a história pode contar com o testemunho vivo de personagens que
protagonizaram partes de uma história ainda recente no tempo. Com isto, a história oral
ganha ímpeto, sendo valorizada como um recurso metodológico privilegiado para a
obtenção de informações relativas a acontecimentos históricos contemporâneos.
A conclusão ora enunciada é amplamente corroborada por Marieta de Moraes
Ferreira, Coordenadora do Programa de História Oral do Centro de Pesquisa e
Documentação em História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio
Vargas, ao afirmar que:

Do ponto de vista da periodização, enquanto a história antiga e medieval


recebiam maior atenção e constituía-se em objeto de reflexões mais aprofundadas,
a história contemporânea era marginalizada e definida apenas como um apêndice
cronológico, sem identificação teórica. A justificativa para tal posicionamento era
a concepção de que uma história só nasce para uma época quando esta já está
totalmente morta, o que implicava a crença de um passado fixo e determinado.
(Ferreira, 1994, p. 2)

Foi somente a partir do momento em que este posicionamento frente ao objeto


de estudo da história sofreu modificações, incorporando o tempo presente ao universo de
pesquisa do historiador, que a história oral pode ter legitimado seu espaço enquanto
recurso metodológico.
Secundariamente, alguns outros fatores parecem ter contribuído para uma
maior aceitação e utilização do relato oral na pesquisa histórica: a revalorização dos
métodos qualitativos, nos quais a história oral está inserida, em detrimento dos métodos
quantitativos; o aprimoramento tecnológico que, mediante o desenvolvimento do
gravador, possibilitou uma condição impar de pesquisa, através da qual os depoimentos
podem ser colhidos na íntegra, e a criação de acervos de relatos orais que através da
gravação e do arquivamento do depoimento, permitem a consulta do material original por
outros pesquisadores, possibilitando, assim, que ele se torne uma fonte para futuras
pesquisas.
No Brasil, as iniciativas voltadas à pesquisa em história oral ganharam ímpeto
sobretudo a partir da década de 1970. Um pólo de referência em história oral originado
em nosso meio, neste período, é o Centro de Pesquisa e Documentação em História
Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas, que tem se dedicado
de forma criteriosa à criação de um acervo em história oral voltado à memória da elite
política brasileira. Em data mais recente, como reflexo do aumento do interesse pelo
tema que tem se propagado no meio acadêmico, o Departamento de História da USP
propôs, em 1994, a criação da Associação Brasileira de História Oral, que se converteu
em foro de debate sobre o tema.
Após esta breve apresentação acerca da evolução da história oral dentro do
panorama geral da história, torna-se necessário apresentarmos as diferentes modalidades
de história oral que vêm sendo empregadas pelos pesquisadores na atualidade.
Em linhas gerais, a história oral pode ser definida como um:

(...) termo amplo que recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos não
registrados por outro tipo de documentação ou cuja documentação se quer
completar. Colhida por meio de entrevistas de variada forma, ela registra a
experiência de um só indivíduo ou de diversos indivíduos de uma mesma
coletividade. (Queiroz, 1988, p. 19)

A citação destacada, coloca em relevo dois pontos de grande importância para


que possamos compreender as formas como a história oral pode ser empregada pelo
pesquisador. Em primeiro lugar, salienta a natureza relacional entre o depoente ou
narrador, por um lado, e o pesquisador ou entrevistador, por outro. Em segundo, aponta
para o fato de que a forma de se colher um relato oral ou, melhor dizendo, de estruturar
um roteiro que irá nortear a entrevista, varia em função dos objetivos traçados
inicialmente no projeto de pesquisa.
Com relação ao primeiro ponto mencionado, cabe destacar que nunca iremos
encontrar uma coincidência exata entre os interesses do narrador e do pesquisador, haja
vista que, ao relatar sua vida ou fragmentos dela circunscritos a determinados fatos, o
depoente o faz a partir de uma linearidade e lógica pessoais; ao passo que o pesquisador
tende a selecionar os aspectos que considera mais relevantes na entrevista para articulá-
los com os objetivos do seu projeto de pesquisa.
No que tange ao segundo ponto, alguns autores, como Bom Meihy (1996),
propõem a distinção das seguintes modalidades de história oral: história oral de vida,
história oral temática e tradição oral.
A história oral de vida está circunscrita à experiência de vida do depoente,
propondo-se, desta forma, a resgatar as passagens mais significativas de sua vida e
reconstituí-las de forma a proporcionar ao leitor uma visão abrangente das realizações do
entrevistado. Frente a estas características, podemos concluir que a história oral de vida
é de natureza eminentemente subjetiva, na medida em que a pessoa tem ampla liberdade
para narrar sua história pessoal, selecionando os fatos que considere mais relevantes. O
caráter subjetivo implícito nesta modalidade de história oral faz com que a postura do
entrevistador seja o menos diretiva possível; sua função, neste contexto, é a de criar
perguntas amplas enfocando determinadas etapas da vida, de forma a facilitar as
associações do depoente.
A história oral temática, por sua vez, difere da modalidade anterior, uma vez
que, neste caso, a entrevista será conduzida com base em um fio condutor previamente
estabelecido, ou seja, o entrevistado será informado do tema da pesquisa e as perguntas a
ele formuladas estarão circunscritas a este tema. Eventualmente, ao conduzir a entrevista,
o entrevistador pode fazer perguntas relativas à vida do depoente com o objetivo de obter
informações mais completas sobre as condições em que o tema da pesquisa se insere em
sua vida.
Por fim, a tradição oral procura resgatar, por intermédio de depoimentos de
pessoas de uma dada comunidade, as tradições culturais, as crenças ou o folclore que são
preservados ao longo de gerações. Desta forma, embora a tradição oral esteja baseada na
entrevista com pessoas que fazem parte do presente da comunidade estudada, seu objetivo
é resgatar as tradições, o passado remoto deste grupo, por intermédio da identificação de
estruturas do passado que são preservadas na fala dos depoentes.
A natureza da pesquisa em questão, ao buscar circunscrever uma área de
conhecimento científico para traçar um esboço de sua evolução dentro de um determinado
domínio cultural, nos permite inseri-la na categoria que denominamos acima como
história oral temática. Esta delimitação traz em seu bojo algumas implicações práticas
que devem ser contempladas durante a execução da pesquisa, uma vez que a cada
modalidade de história oral estão associadas formas distintas de coleta e de análise de
dados.
Desta forma, o primeiro ponto a ser definido refere-se ao critério de seleção
dos profissionais entrevistadas, para em seguida, apontarmos as principais diretrizes que
nortearam as entrevistas.
Ao optarmos por circunscrever o campo de nossa investigação ao âmbito das
Sociedades de Psicanálise em funcionamento no Brasil, a seleção dos entrevistados ficou
circunscrita aos profissionais tutelados por estas instituições.
Inicialmente promovemos um primeiro levantamento com o intuito de
identificar alguns nomes da atualidade que fossem representativos do pensamento
kleiniano no Brasil, seja por sua atuação clínica, pela participação no ensino da
psicanálise ou pela produção teórica. Neste sentido, dois elementos organizadores foram
empregados: indicações colhidas em pesquisa anterior (Abrão, 1999), na qual o nome de
alguns profissionais brasileiros foi diretamente associado ao referencial kleiniano, e um
levantamento bibliográfico junto à Revista Brasileira de Psicanálise, com o intuito de
colher nomes de psicanalistas que tenham empregado com maior freqüência em seus
trabalhos o referencial kleiniano.
Posteriormente, na medida em que as primeiras entrevistas foram sendo
realizadas, outros nomes relevantes surgiram por indicação dos primeiros entrevistados,
de tal forma que a relação de depoentes investigados no presente estudo foi ampliada,
assumindo a configuração final com os seguintes nomes: Cláudio Laks Eizirik, Elias
Mallet da Rocha Barros, Elizabeth Lima da Rocha Barros, Germano Vollmer Filho, Iara
Lansac, Izelinda Garcia de Barros, Liana Pinto Chaves, Marialzira Perestrello, Mauricio
Knobel, Nara Amália Caron, Rosely Lerner, Rui Hansen de Almeida e Wilson
Amendoeira.
Com vistas a uma execução profícua das entrevistas, os depoentes em questão
foram abordados tomando por base um roteiro previamente elaborado, que teve por
finalidade estabelecer parâmetros comuns para a realização das entrevistas e permitir a
obtenção do maior número de informações possíveis sobre o tema em tela. No entanto,
as questões que constituem o roteiro foram propostas aos entrevistados de forma bastante
livre, permitindo ampla liberdade de resposta e associação de idéias.
Apresentamos abaixo o roteiro de entrevista empregado ao longo da coleta de
dados.
1 Trajetória profissional do entrevistado.
1.1 Como foi o seu percurso profissional dentro da psicanálise?
1.2 De que forma as idéias kleinianas influenciaram sua formação?
1.3 Quais as influências das idéias kleinianas em sua prática clínica, no início
de sua atuação profissional e na atualidade?
2 Características históricas da difusão do pensamento kleiniano no
Brasil.
2.1 Quais os eventos, políticos e institucionais, de maior significado na
difusão das idéias kleinianas em nosso país?
2.2 Quais os principais profissionais envolvidos na transmissão da psicanálise
kleiniana no Brasil?
2.3 Qual foi a sua participação nesta difusão?
2.4 De que forma as instituições responsáveis pelo ensino da psicanálise no
Brasil se apropriaram e difundiram a teoria kleiniana?
3 O emprego da teoria e da técnica kleiniana na prática clínica.
3.1 Qual a influência da teoria kleiniana na prática clínica dos analistas
brasileiros?
3.2 De que forma o modelo clínico preconizado por Melanie Klein e seus
seguidores articulam-se com as características da cultura brasileira?
4 O momento atual
4.1 Qual a influência que a teoria kleiniana exerce na formação psicanalítica
oferecida pela Sociedade de Psicanálise?
4.2 Quais as inovações teóricas e técnicas da psicanálise kleiniana
desenvolvidas no Brasil?
4.3 As publicações existentes no meio psicanalítico refletem o trabalho
clínico desenvolvido no Brasil?
4.4 De que forma as idéias kleinianas se relacionam com as demais vertentes
teóricas existentes na psicanálise brasileira na atualidade?
As entrevistas em questão foram gravadas e posteriormente transcritas, de
forma a preservar, com o máximo de fidedignidade possível, os depoimentos colhidos.
Posteriormente, o material transcrito foi remetido aos entrevistados para que tomassem
ciência do conteúdo de suas declarações, fizessem as modificações que julgassem
necessárias e autorizassem a publicação do material, mediante a assinatura de um termo
de cessão de direitos sobre depoimento oral que ficou arquivado em poder deste
pesquisador.
A seguir, as entrevistas foram cuidadosamente relidas com a finalidade de
extrair de seu conteúdo unidades de significados, ou seja, excertos que continham
informações relevantes sobre o tema foram destacados e numerados. Com base nestes
fragmentos, pudemos identificar alguns temas recorrentes, através dos quais foi possível
estabelecer algumas linhas de regularidade capazes de retratar as diferentes etapas da
difusão das idéias kleinianas no Brasil. Para tal, empregamos a abordagem contextual e
epistemológica, de acordo com os parâmetros destacados acima, de forma que os temas
geradores foram discutidos com base em um duplo movimento: buscou-se narrar os fatos
respeitando a cronologia dos acontecimentos e, paralelamente, procuramos inseri-los nos
acontecimentos culturais e científicos vigentes no país. Secundariamente, procuramos
abordar as especificidades que cada um destes temas assumiu nas diferentes regiões do
país em que a psicanálise teve maior penetração, particularmente nos Estados de São
Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
De posse deste material, estamos em condições de colocar o leitor em contato
com os principais eventos que definem a introdução, a apreensão e a utilização das idéias
kleinianas no Brasil.

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