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Centro Universitário da Grande Dourados

Revista Jurídica

UNIGRAN

ISSN 1516-7674
Revista Jurídica UNIGRAN Dourados v.15 n.29 p. 1- 190 Jan./Jun. 2013

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 3


Revista Jurídica UNIGRAN / Centro Universitário da Grande Dourados.
v.15, n.29 (1999 - ). Dourados: UNIGRAN, 2013.

Publicação Semestral
ISSN 1516-7674 - impresso
ISSN 21769184 - on line

1. Direito - Periódicos. I. Título.

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2013
4 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Editorial

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docentes e discentes da Faculdade de Direito do Centro Universitário da Grande
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cursos de graduação e pós-graduação em Direito. O conteúdo da Revista é de
artigos científicos, resenhas críticas, jurisprudências comentadas e informações
referentes à Ciência do Direito.

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Coordenador do Curso de Direito José Gomes da Silva
Loreci Gottschalk Nolasco – UEMS
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Valério de Oliveira Mazzuoli – UFMT
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Editor Responsável
Ana Cristina Baruffi - UNIGRAN

Capa e Diagramação

D.D.I
Departamento de Diagramação/ Impressão
Unigran

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Sumário

APRESENTAÇÃO........................................................................................ 7

O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO


PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO ........... 11
Alexandre Reis Siqueira Freire
Marcello Soares Castro

CONSTITUIÇÃO E PÓS-POSITIVISMO NO DIREITO BRASILEIRO


CONTEMPORÂNEO.................................................................................... 29
Nairo José Borges Lopes

A USUCAPIÃO ADMINISTRATIVA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO


DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA ........................................................... 35
Taciana Mara Corrêa Maia
Vinicius de Almeida Gonçalves

OSCIP’S E A NECESSIDADE DE LICITAÇÃO.............................................. 55


Gustavo Donizete da Matta Ferreira
Marcelo Henrique Matos Oliveira

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS INOVAÇÕES PROPOSTAS NO


NOVO CÓDIGO PENAL ......................................................................... 67
Ana Victoria de Paula Souza

AÇÃO RESCISÓRIA COLETIVA ................................................................ 83


Amilcar Araújo Carneiro Júnior

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DA LIQUIDAÇÃO DO DIREITO EM SENTENÇAS COLETIVAS CLASS
ACTIONS SETTLEMENT
............................................................................................................ 111
Gustavo Crestani Fava
Tiago Resende Botelho

REEXAMINANDO ASPECTOS RELEVANTES QUANTO À ATUAÇÃO DO


PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO ........................................................... 129
Ariolino Neres Sousa Júnior

A QUERELA DOS DESPROVIDOS: POBRES E INCULTOS BATEM ÀS PORTAS


DA JUSTIÇA ......................................................................................... 143
Emerson Benedito Ferreira
Waldomiro Camilloti Neto

SOFTWARE LIVRE E SUA ADOÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:


REFLEXÕES A PARTIR DA LEI ESTADUAL N. 11.871/2002 (RS),
QUESTIONADA PELA ADI Nº 3059-1 ................................................... 155
Bruno Nunes Cardoso

RESENHA ............................................................................................ 179


Helder Baruffi

NORMAS GERAIS PARA A PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS .......................185

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APRESENTAÇÃO

Neste novo encontro, concretiza-se o que Miguel Reale há tempos


ressaltou: o direito é experiência. Problemas antes restritos às relações pessoais,
hoje assumem dimensão social e coletiva e merecem, por sua vez, redobrada
atenção. Acompanhando o desenvolvimento econômico-social, observa-se uma
transformação no direito, tanto no que se refere aos princípios orientadores,
quanto na sua efetivação o que têm nos indicado que o direito precisa e deve
adaptar-se às novas realidades.
Algumas destas questões estão presentes neste volume, edição especial,
porque celebramos quinze anos de existência da Revista Jurídica Unigran. Em
cada volume, numa conversa direta com o leitor, tivemos a satisfação de ver
cumprida a missão institucional da Revista: divulgar a produção acadêmico-
científica, tanto institucional quanto de pesquisadores dos mais diversificados
estados nacionais e internacionais. E neste volume não poderia ser diferente.
Como artigo convidado, Alexandre Reis Siqueira Freire e Marcello
Soares Castro, em artigo intitulado “O Juízo de Admissibilidade do Recurso
Extraordinário no Projeto do Novo Código de Processo Civil Brasileiro”
apresentam uma reflexão crítica sobre o juízo de admissibilidade do recurso
extraordinário, a utilização de jurisprudência defensiva e a crise ocasionada pela
sobrecarga recursal no Supremo Tribunal Federal e o fazem a partir das soluções
apresentadas pelo anteprojeto de novo Código de Processo Civil e o projeto de
lei nº. 8046/2010, que, em síntese, estabelecem técnicas para aperfeiçoamento do
sistema recursal existente, a saber: eliminar os excessos processuais sem causar
impactos incisivos na estrutura recursal, combater a jurisprudência defensiva e
estimular a estabilização da jurisprudência.
Na sequencia, são apresentados os artigos submetidos ao processo de
avaliação por pares (blind review).
Nairo José Borges Lopes, no artigo “Constituição e pós-positivismo
no direito brasileiro contemporâneo”, apresenta a quebra do paradigma da vida
política e social do país com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Lembra que para o Direito ela promoveu uma revolução paradigmática, que
exigiu de seus operadores um arranjo teórico capaz de lidar com este complexo
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objeto. Este ensaio aponta algumas destas importantes mudanças, buscando
fomentar a reflexão acerca da necessidade de se pensar soluções adequadas à
realidade brasileira, ainda carente de bem-estar e direitos sociais.
Taciana Mara Corrêa Maia e Vinicius de Almeida Gonçalves, no artigo
“A usucapião administrativa como instrumento de efetivação da regularização
fundiária”objetivam realizar uma análise sobre a usucapião administrativa, vista
como instrumento de regularização fundiária introduzida pela Lei n. 11.977/09; a
qual busca, por via extrajudicial, contribuir para o combate ao déficit habitacional
no País, forte no respeito à função social tanto da propriedade como da posse.
Ainda no campo do direito administrativo, Gustavo Donizete da
Matta Ferreira e Marcelo Henrique Matos Oliveira, no trabalho OSCIP’S e a
necessidade de licitação” buscam analisar se as OSCIPs que recebem recursos
públicos através do Termo de Parceira, estão obrigadas a realizar prévio processo
licitatório na hipótese de pretenderem contratar serviços e adquirir bens perante
a iniciativa privada.
Ana Victoria de Paula Souza discorre sobre o Projeto de lei do novo
Código Penal, que tramita perante o Congresso Nacional (PLS 236/2012).
Referido projeto condensa toda a legislação penal, revisando os atuais tipos
penais, e propõe novos crimes, entre eles, a permissão de eutanásia, o aborto,
a perseguição obsessiva ou insidiosa, a intimidação vexatória, o molestamento
sexual e o terrorismo, no artigo “Algumas considerações acerca das inovações
propostas no novo código penal.”
Amilcar Araújo Carneiro Júnior, no artigo “Ação Rescisória Coletiva”
aborda a disciplina da ação rescisória individual e coletiva, fazendo apontamentos
sobre algumas inovações previstas no Projeto de Lei n.º 5139/2009,
particularmente no que diz respeito à ação rescisória coletiva, à ação revisional
e a intervenção do Ministério Público como curador especial. Incursiona-se nos
aspectos teóricos e hipóteses de sua rescisão. Ao final, procurou-se enfocar a
ação rescisória prevista no Código de Processo Civil e sua insuficiência para a
rescisão e revisão da coisa julgada coletiva.
Na mesma linha do trabalho anterior, Gustavo Crestani Fava e Tiago
Resende Botelho, em “Da liquidação do direito em sentenças coletivas” envidam
reflexões visando elucidar os aspectos mais relevantes acerca da liquidação
do direito reconhecido por sentenças coletivas. Iniciam com a definição de
liquidação enquanto procedimento destinado a conferir à obrigação estipulada
por sentença condenatória genérica, especificidades como quanto e a quem se
deve, sempre em observância ao princípio da fidelidade do título, e em seguida,
tratam dos três tipos de liquidação – cálculo aritmético, liquidação e por artigos
-, essa última certamente a mais utilizada quando do trabalho com direitos

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coletivos lato sensu. Após analisam a competência para o processamento do
procedimento de liquidação à luz do microssistema de defesa do consumidor
e do arcabouço principiológico do direito coletivo, bem como a legitimidade
ativa para sua consecução. Por fim, destacam a experiência do TJ/RS com a
suspensão de diversas ações individuais bem como sua automática conversão em
liquidação após o sentenciamento de ação coletiva.
Ariolino Neres Sousa Junior rediscute os aspectos relevantes que
contribuíram para o fortalecimento da atuação do Poder Judiciário brasileiro,
iniciando com uma breve abordagem do cotidiano histórico-coloquial nacional.
Em seguida, realiza uma análise do funcionamento dos tribunais brasileiros
no que tange à apreciação e julgamento das lides processuais, argumentando
também a presença e o papel desempenhado pelo legalismo nas causas jurídico-
sociais para resolução dos conflitos de interesses das partes. Por fim, procede
a uma reflexão acerca do funcionamento do Poder Judiciário brasileiro na atual
democracia representativa, destacando que o mesmo continua sofrendo alguns
efeitos negativos em seu modo de operacionalização, a exemplo da carência de
recursos humanos que tem contribuído para a morosidade do andamento dos
atos processuais, postergando, de um modo geral, o julgamento dos processos
instaurados, reflexões estas presentes no artigo “Reexaminando aspectos
relevantes quanto à atuação do poder judiciário brasileiro.”
Na busca de realizar um exame substancial da Assistência judiciária
Gratuita, Emerson Benedito Ferreira e Waldomiro Camilloti Neto, em “A querela
dos desprovidos: pobres e incultos batem às portas da justiça” discorrem sobre
este dispositivo jurídico que vem permitindo paulatinamente a ampliação dos
direitos políticos e sociais dos menos favorecidos, possibilitando-lhes o acesso
ao arcabouço do Poder Judiciário, tão reservado durante anos à Elite Brasileira.
Na parte destinada à Comentários de Acórdão, Bruno Nunes Cardoso
analisa o suporte e amparo jurídico-constitucional presente no formato de
licenciamento do software livre, através da análise da Lei nº 11.871/2002,
contestada no STF pela ADI nº 3059-1, que trata sobre a utilização de software
pela Administração Pública gaúcha, demonstrando que, apesar das alegações da
parte requerente e da decisão liminar em Plenário, o modelo jurídico-negocial
do software livre é o que melhor atende aos princípios basilares que emanam da
Carta Constitucional da República.
E, fechando este número da revista, na sessão destinada a Resenhas,
Helder Baruffi destaca a importância da leitura da obra: “Um ensaio sobre a
Constituição da Europa”, de Jürgen Habermas, com destaque a uma inquietação
apresentada pelo autor, o desassossego frente ao quadro de injustiças sociais,
que provoca o mesmo (e a nós leitores) a pensar a pessoa humana em toda a

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sua plenitude. Afinal, os direitos humanos não são um fardo moral, mas sim, o
estatuto de cidadania necessário à dignidade humana. Daí a utopia realista dos
direitos humanos.
Por fim, como errata, esclarecemos que na apresentação do número
28 (jul/dez, 2012) foi incluída, de forma equivocada, uma referência ao artigo de
Marcelo Pichioli da Silveira. “Dano moral: necessária revisão sobre o assunto”,
porém o mesmo não foi publicado, pois ainda encontrava-se sob avaliação por pares.

Ana Cristina Baruffi


Editora

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O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO PROJETO
DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
BRASILEIRO

Alexandre Reis Siqueira FREIRE 1


Marcello Soares CASTRO 2

Resumo: O presente estudo apresenta uma reflexão crítica


sobre o juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, a
utilização de jurisprudência defensiva e a crise ocasionada pela
sobrecarga recursal no Supremo Tribunal Federal. Analisamos
estes problemas a partir das soluções apresentadas pelo
anteprojeto de novo Código de Processo Civil e o projeto
de lei nº. 8046/2010, que, em síntese, estabelecem técnicas
para aperfeiçoamento do sistema recursal existente, a saber:
eliminar os excessos processuais sem causar impactos incisivos
na estrutura recursal, combater a jurisprudência defensiva e
estimular a estabilização da jurisprudência. Partindo desse
objetivo, analisamos o regramento do recurso extraordinário no
anteprojeto de novo Código de Processo Civil e o projeto de lei
nº. 8046/2010, e identificamos quais os óbices jurisprudenciais
foram suprimidos por tais documentos. Os métodos adotados
para a concepção deste estudo foram de revisão de literatura
especializada e contraste entre o texto do Código de Processo
Civil vigente, o anteprojeto do novo Código de Processo Civil
e o projeto de lei n. 8046/2010, com o propósito de analisar o
impacto dessas alterações para a sistemática recursal excepcional
e para o funcionamento adequado do Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: recurso extraordinário; Supremo Tribunal


Federal; jurisprudência defensiva; Anteprojeto de Novo
Código de Processo Civil; Projeto de Lei nº. 8046/2010.

1
Doutorando em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor da Especialização em Direito Processual Civil da PUC-RJ.
Professor da Escola Paulista de Direito- EPD. Pesquisador do Núcleo de Direito Processual Civil da PUC-SP. Professor da
UNICEUMA e UFMA.
2
Mestrando em Direito pela PUC-SP. Professor Assistente na graduação do Curso de Direito da PUC-SP. Membro do
Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – CONPEDI e da Associação Brasileira de Propriedade
Intelectual – ABPI. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 11
Abstract: This study presents a critical reflection on aspects relating to
extraordinary appeal, the use of defensive case law and the crisis caused
by overload appeal under Supremo Tribunal Federal. The analysis of
these problems took place from the solutions presented in the Draft of
the New Code of Civil Procedure and the Draft Law. 8046/2010,
which in essence argued ideas on improving the existing appeal system,
eliminating the excesses procedural incisors without impacting the
appellate structure, tackle of defensive case law, promote the development
of stable jurisprudence, and fix some point defects. For this purpose we
examined the structure of the extraordinary appeal on Draft of New
Code of Civil Procedure and the Draft Law. 8046/2010, and which
identified case law obstacles have been removed. The methods adopted
for the design of this study was to review the doctrine and documents,
combined with critical reflection on the object of the research, this being:
the crisis caused by overloading of the Superior Courts, the importance
of the extraordinary appeal and the role to be undertaken by the
brazilian’s Supreme Court.

Keywords: extraordinary appeal; Brazilian’s Supreme Court;


defensive case law; Draft of New Code of Civil Procedure; Draft Law.
8046/2010.

1. INTRODUÇÃO

A sobrecarga recursal dos Tribunais Superiores no Brasil é fenômeno que


acarreta inúmeros efeitos negativos à administração da justiça, não somente do ponto
de vista tempo de espera para julgamento – pois quanto maior o número de recursos a
serem julgados, maior será o tempo exigido para fazê-lo –, como também no aspecto
qualitativo – pois quanto maior o número de recursos a serem julgados, menor será a
atenção conferida à análise cuidadosa e individualizada da impugnação.
Este fenômeno já se manifestara antes mesmo após a criação do Superior
Tribunal de Justiça, momento em que o Supremo Tribunal Federal cumulava
a competência recursal tanto para analisar questões constitucionais, quanto
questões infraconstitucionais. Com o advento da Constituição Federal de 1988,
e consequentemente a divisão da competência recursal entre Supremo Tribunal
Federal (análise de aspectos constitucionais) e Superior Tribunal de Justiça (análise
de aspectos infraconstitucionais), imaginou-se que o problema de sobrecarga seria
resolvido, o que, passados vinte e cinto anos, constatou-se não ser a solução que
tanto se almejou.
Na verdade, se antes tínhamos uma Corte Superior em crise, atualmente
temos duas. E, retornando à explicação feita em linhas passadas, esta crise não se
constitui somente sob a perspectiva quantitativa, como também temporal e qualitativa.

12 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


Se esta já se configuraria uma realidade problemática, outros efeitos
negativos podem ser elencados. Com a finalidade de combater a situação
de sobrecarga, STF e STJ, cada um à sua maneira, passaram a elaborar óbices
jurisprudenciais e tornar ainda mais estreita a trajetória de acesso dos recursos excepcionais.
Notadamente, o recurso extraordinário e o recurso especial são
meios de impugnação excepcionais, com efeito devolutivo estrito, que visam
obter a apresentação de uma pauta de conduta à interpretação correta do texto
constitucional ou do texto infraconstitucional federal, missão essa exercida com
caráter paradigmático pelo STF e STJ3.
Por serem recursos excepcionais, com elevado caráter objetivo, e por
oportunizarem somente uma devolução estrita de algumas matérias, as via de acesso
ao STF e ao STJ, consequentemente já são sensivelmente estreitas. Contudo, este
não é o problema; a dificuldade surge quando, mesmo com este acesso limitado, o
STF e STJ a pretexto de conter a sobrecarga de recursos a serem julgados, limitam
ainda mais esse acesso, valendo-se de interpretações extremamente restritivas, por
meio de óbices jurisprudenciais, restrições ilegítimas aos recursos, ou como comumente se
designa: jurisprudência defensiva.
Sabe-se que as exigências à admissão de recursos excepcionais são
elementos importantes para que este meios de impugnação não se tornem uma outra
apelação, o que acarretaria o esvaziamento do papel paradigmático do STF e do STJ.
Todavia, o excesso de restrições impostas por meio de óbices
jurisprudenciais, além de ser ilegítimo por acarretar uma limitação exacerbada ao
serviço jurisdicional, é ainda mais ilegítimo, pois é pensado simplesmente com o
objetivo de não julgar recursos, dada a sobrecarga de feitos.
Visando combater o uso dessa postura jurisprudencial, que as Cortes
Superiores em alguns casos utilizam na tentativa de esconder a intenção de restringir
o acesso via dos recursos extraordinário e recurso especial, têm-se pensado outros
meios de refinamento do acesso aos Tribunais Superiores, na tentativa de afastar
a utilização desses óbices jurisprudenciais, e apresentar instrumentos de filtragem com
caráter qualificador. No mesmo intuito, almejando apresentar ao jurisdicionado um
acesso adequado àquelas Cortes, também tem se refletido sobre a ideia de máximo
aproveitamento dos atos processuais no âmbito das instâncias superiores.
Neste estudo, com o objetivo de identificar as soluções apresentadas no projeto
de lei nº. 8046/2010, pautado nas ideias apresentadas pela comissão de juristas

3
A pauta de conduta é uma das formas de compatibilização interpretativa, pois apresenta igual interpretação, igual solução a
conflitos quando identificados ambientes decisionais iguais. É inadmissível que a “liberdade de decidir” seja encarada somente
como poder juiz, sem que seja adotada uma conduta responsável por esses ao utilizá-la. Como sustenta a professora Teresa
Arruda Alvim Wambier, “aceitar, de forma ilimitada, que o juiz tem liberdade para decidir de acordo com sua própria convicção,
acaba por equivaler a que haja várias pautas de conduta diferentes (e incompatíveis) para os jurisdicionados.” (WAMBIER,
2009, p. 144).
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 13
encarregada de elaborar o anteprojeto de novo Código de Processo Civil, faremos
um recorte e analisaremos estes aspectos somente quanto ao recurso extraordinário,
tendo em vista que um exame horizontal de todos os meios de impugnação
direcionado aos Tribunais Superiores poderia prejudicar a reflexão crítica sobre
instrumentos processuais específicos e que exigem uma apreciação vertical.

2. ACESSO AO STF VIA RECURSO EXTRAORDINÁRIO

A admissibilidade de um recurso extraordinário exige um cuidado


especial do recorrente, pois além dos requisitos de admissibilidade comuns, exige-
se a indicação de requisitos de admissibilidade especiais, que desempenham a
função de elementos qualificadores que permitem a abertura da via extraordinária
e o acesso ao STF.
Como afirmamos, a missão do STF exige que aquilo que se pretende levar ao
seu julgamento, por via recursal, não se restrinja a uma controversia que simplesmente
veicule interesse das partes, mas que detenha um relevante caráter objeto.
Isto porque, o STF, considerado o guardião da Constituição Federal,
tem por missão apresentar pautas de conduta interpretativas sobre determinados textos
constitucionais, e o resultado do julgamento do recurso especial serve tanto às
partes, quanto à sociedade e ao Poder Judiciário.
Destacando o papel do recurso extraordinário, Barbosa Moreira leciona que:

seja como for, não há desconhecer a importância e a delicadeza


do papel que se vê chamada a desenhar (hoje como outrora,
conquanto reduzida sua espera de atuação) a figura recursal
sob exame, qual peça do nosso mecanismo político – tomada
a palavra em sua mais nobre acepção. É o que justifica,
sem dúvida, a consagração do recurso extraordinário em
nível constitucional, subtraída ao legislador ordinário a
possibilidade de eliminá-lo, ou mesmo de restringir-lhe (ou
ampliar-lhe) a área de cabimento, que a própria Constituição
se incumbe de demarcar. (BARBOSA MOREIRA, 2009, p.
585).

Tanto a Constituição Federal, quanto a legislação infraconstitucional,


restringem o efeito devolutivo do recurso extraordinário. Neste sentido, Barbosa
Moreira (2009) esclarece que o recurso extraordinário não possibilita o reexame
da causa pelo STF.
Barbosa Moreira, comparando o recurso extraordinário (recurso de
devolutividade estrita) e o recurso de apelação (recurso de devolutivade ampla), o autor
supracitado escreve que o recurso extraordinário “não dá ensejo ao novo reexame da
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causa, análogo ao que propicia a apelação”, sendo que “nele unicamente se discutem
quaestiones iuris, e destas apenas as relativas ao direito federal.” (2009. p. 585).
Evidencia-se, assim, o quão restrito já é o âmbito de devolutividade do
recurso extraordinário, o qual se relaciona diretamente com o juízo de mérito.
Aliado a este aspecto, o recurso extraordinário ainda apresenta um extenso rol de
pressupostos de admissibilidade, sendo estes intrínsecos, extrínsecos e especiais,
verificáveis no juízo de admissibilidade.
Todos estes elementos qualificadores se justificam, dada a missão
constitucional conferida ao STF. Contudo, não se justificam os óbices jurisprudenciais
que ainda são impostos ao jurisdicionado, o que acarreta restrição ilegítima ao
acesso à justiça.
Sendo assim, na tentativa de identificar as soluções legislativas já
pensadas, bem como as que ainda são objeto de debate, analisaremos tanto os
elementos qualificadores, como os óbices jurisprudenciais no recurso extraordinário.

2.1 Previsão constitucional do recurso extraordinário


O recurso extraordinário poderá ser interposto de acórdão exarado por
tribunal nas hipóteses arroladas das alíneas a., b., c. e d. do artigo 102, III da
Constituição Federal de 1988 (CF/1988).
De acordo com o art. 102, III, da Constituição Federal, compete ao
Supremo Tribunal Federal (STF) julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas
em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta
Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou
ato de governo local contestado em face desta Constituição; e d) julgar válida lei local contestada
em face de lei federal.

2.2 Juízo de admissibilidade


Dispõe o art. 983 do PL nº. 8046/2010, que o recurso extraordinário
deverá ser interposto no tribunal recorrido. De acordo com o que dispuser o
regimento interno, a competência recairá sob Presidência ou Vice-Presidência do
tribunal, que realizará o juízo prévio de admissibilidade recursal. Diz-se prévio, pois o
juízo definitivo de admissibilidade do recurso extraordinário é da competência do STF.
O juízo de admissibilidade consiste na atividade de verificação da existência
concorrente dos pressupostos extrínsecos e intrínsecos, para que se possa examinar
o mérito do recurso.
Os pressupostos intrínsecos relacionam-se com a própria existência do
direito de recorrer. Por sua vez, os pressupostos extrínsecos são os atinentes ao
exercício daquele direito4.

4
Conferir estudos de Barbosa Moreira (2010) sobre o juízo de admissibilidade nos recursos.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 15
Para os fins deste ensaio, analisam-se detidamente os pressupostos
intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade do recurso extraordinário, assim como
os ditos pressupostos especiais de admissibilidade5.

2.3 Pressupostos intrínsecos


São pressuposto intrínsecos de admissibilidade o cabimento, a legitimidade
recursal, o interesse recursal e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer.
No que se refere o cabimento, já mencionamos a previsão constitucional do
recurso extraordinário (art. 102, III, da CF/1988), que indica as hipóteses de cabimento
desse meio de impugnação. Observando o princípio da taxatividade, o CPC em vigor
arrola quais os recursos cíveis existentes e com disciplina infraconstitucional. A ideia
presente no art. 496 do CPC em vigor é mantida no art. 948, do PL nº. 8046/2010,
dispondo-se que “são cabíveis os seguintes recursos: VII - recurso extraordinário.”
A legitimidade recursal é prevista no art. 499 do CPC em vigor, sendo que a
versão do PL nº. 8046/2010, aprovada no Senado Federal, também dispõe no art.
950, caput, que o recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo
Ministério Público, seja como parte ou fiscal da ordem jurídica.
Quanto ao interesse recursal, o recorrente deve demonstrar a utilidade e
necessidade do recurso, sendo que parcela da doutrina ainda aponta o elemento da
adequação do meio utilizado também como integrativo deste pressuposto recursal.
Por fim, não deve existir fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer. Como
fato impeditivo podemos indicar a existência de multa, ainda não paga, em sede
de embargos declaratórios considerados protelatórios; neste caso, somente com o
pagamento da multa sancionatória, é possível suprir este óbice de impedimento,
como indicam os §§ 3º, 4º e 5º do art. 990, da versão do PL nº. 8046/2010 aprovada
no Senado Federal. Por sua vez, como fato extintivo, podemos indicar a renúncia
validamente manifestada.

2.4 Pressupostos extrínsecos

2.4.1 Tempestividade
Inexiste alteração substancial quanto a tempestividade do recurso
extraordinário. Portanto, o recurso extraordinário deverá ser interposto no prazo de 15
(quinze) dias, a contar da publicação do acórdão que se pretende impugnar, ex vi do § 1º do art.
948 c/c art. 957, do PL nº. 8046/2010. Nos casos em que exista feriado, também
o art. 948 do PL nº. 8046/2010 apresenta solução, em seu § 2º, dispondo que nos
casos dos recursos direcionados ao STF ou STJ, deve-se comprovar a ocorrência do feriado local.

5
Desde logo destaca-se que as alterações mais incisivas afetaram principalmente os pressupostos extrínsecos e especiais de
admissibilidade do recurso extraordinário.
16 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
O prazo para interposição do recurso extraordinário poderá ser
interrompido se da decisão recorrida se opuser embargos de declaração. Parece que de
uma maneira geral os Tribunais têm firmado entendimento de que a interposição do
recurso, antes da oposição dos embargos de declaração, obriga o recorrente a renovar
a apresentação das razões recursais após a publicação do acórdão embargado, sob
pena de não se conhecer do recurso excepcional. Este problema obteve tratamento
específico pelo do PL nº. 8046/2010, como demonstraremos a frente.

2.4.2 Preparo
O preparo consiste no pagamento antecipado das despesas relativas ao
processamento do recurso demonstrado no ato de interposição do recurso, salvo
nos os casos de isenção; assim dispõem os arts. 57 e seguintes do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal. Ocorrendo o não recolhimento das despesas, isto
implicará na aplicação de sanção de deserção.
De acordo com o artigo 59 do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal, serão devidas custas nos processos de sua competência originária ou
recursal. Quanto ao recurso extraordinário, o inciso I do art. 57 do Regimento
Interno Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o preparo será feito no
tribunal de origem, perante as suas secretarias e no prazo previsto na lei processual.
Portanto, se exige o pagamento das custas no caso de recurso
extraordinário. Requer-se, ainda, a demonstração do pagamento do porte de
remessa e retorno, pois o conceito de custas não inclui essas despesas, que são
aquelas relacionadas com o traslado dos autos do tribunal de origem ao STF e,
após o julgamento, encaminhamento para o tribunal recorrido, de acordo com os
arts. 57, § único, e 59, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Certo é que pagamento do preparo e do porte de remessa e retorno,
assim como sua comprovação, é notadamente exigido no art. 551 do Código de
Processo Civil em vigor, o que também se extrai na leitura dos arts. 57, 58, 59, I e
§ 1º e § 2º, e 65 regimento Interno do STF.
Percebe-se que o PL nº. 8046/2010, na versão aprovada no Senado
Federal, não impõe alterações incisivas neste tema. Nos termos do art. 961
disciplina-se a matéria determinando que no ato de interposição do recurso, o recorrente
comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de
remessa e de retorno, sob pena de deserção, sobrevindo, de forma esclarecedora no inciso
II do mesmo dispositivo, que a insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o
recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias. Verificaremos qual a solução
apresentada pelo o PL nº. 8046/2010 quanto às situações de justo impedimento
e equívoco no preenchimento da guia de custas do preparo e porte de remessa e
retorno do recurso extraordinário.

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 17


2.4.3 Regularidade formal
Este pressuposto impõe ao recorrente a observância de formalidades
exigidas pela legislação de regência para a formalização de determinado recurso.
De acordo com Barbosa Moreira:

como os atos processuais em geral, a interposição de recurso


deve observar determinados preceitos de forma. São variáveis,
no sistema do Código de Processo Civil, as formalidades
prescritas para os diferentes recursos. Às vezes, descreve a lei
com certa riqueza de pormenores as características de que se
tem de revestir o ato de interposição [...]; noutros casos, as
indicações são mais sucintas. (BARBOSA MOREIRA, 1968,
p. 103).

Quanto à regularidade formal, o PL nº. 8046/2010 descreve no art. 983


as exigências formais para o recurso extraordinário. Observe-se que o recurso
extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição da República, serão
interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas,
devendo nestas conter: (i) a exposição do fato e do direito; (ii) a demonstração do cabimento do
recurso interposto; e (iii) as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.
Em momento tópico específico, analisaremos detidamente como o PL nº.
8046/2010 a problemática referente às imposições ilegítimas para o conhecimento
do recursos extraordinário.

2.5 Pressupostos especiais de admissibilidade

2.5.1 Decisão de única ou última instância e necessidade de exaurir instâncias


O recurso extraordinário será interposto de decisão proferida em única
ou última instância. Nota-se que o texto constitucional não designa que a decisão
deva ser proferida por tribunal.
Importa destacar, também, que para o manejo do recurso extraordinário
é indispensável que o recorrente esgote as instâncias possíveis.
Esta regra decorre da exigência expressa no texto constitucional, que
apenas autoriza a interposição do recurso extraordinário para impugnar decisões
proferidas em última ou única instância. Nesse sentido, é imprescindível que o
julgado alvejado seja definitivo.
Diante desta exigência constitucional, não cabe recurso extraordinário
do julgado unipessoal fundado no artigo 888, incisos II e III, do PL nº. 8046/2010,
vez que a decisão ainda admite interposição de agravo interno, nos temor do
art. 975 do referido projeto. As referidas hipóteses guardam relação com alguns
dos poderes do relator, as saber: (i) apreciar o pedido de tutela de urgência ou
18 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
da evidência (ou tutela antecipada como preferiu se designar no Relatório em
estudo) nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal; e (ii)
negar seguimento a recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha atacado
especificamente os fundamentos da decisão ou sentença recorrida.
Quanto à exigibilidade de esgotamento de instância para o manejo
de recurso extraordinário, analisaremos a proposta de supressão dos embargos
infringentes, o que possibilitaria a interposição do recurso extraordinário logo
após a decisão do Tribunal, mesmo que esta decisão fosse pautada em acórdão
não unânime.

2.5.2 Prequestionamento
É exigência da rubrica constitucional causas decididas, inserta no inciso III,
do art. 102 da Constituição Federal, que a matéria versada no recurso extraordinário
tenha sido debatida no acórdão impugnado. Para Dantas:

No âmbito dos recursos excepcionais, o pressuposto


constitucional de que as causas tenham efetivamente sido
decididas quer significar que o ponto sobre o qual o recorrente
deseja que o STJ ou o STF se pronuncie deve estar contido no
bojo da decisão recorrida.” (DANTAS, 2010, p. 175).

Essa regra não demanda a menção expressa do dispositivo legal, vez


que o STF tem admitido tão somente o debate da matéria como condição para se
preencher o pressuposto do prequestionamento. Porém, se o dispositivo é invocado,
mas o tribunal não enfrenta a matéria, caberá ao recorrente a oposição dos
embargos de declaração para preencher este pressuposto.
Analisaremos como a proposta presente no PL nº. 8046/2010 pretende
combater a jurisprudência defensiva acerca dos embargos declaratórios e o
prequestionamento para a interposição do recurso extraordinário.

2.5.3 Repercussão geral


A repercussão geral é um instrumento qualitativo que exerce função de
filtragem, seleção, escolha, desígnio exercido pelo STF ao identificar em algumas
causas um valor diferenciado do ponto de vista econômico, político, social ou
jurídico. Assim sendo, por ultrapassarem o espectro subjetivo viabilizado pelo
meio de impugnação, cumpre atingir um interesse supraindividual recursal, de
certa forma alcançando uma coletividade.
Em estudo específico sobre a temática, Bruno Dantas afirma que:

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 19


É totalmente justificável a decisão do constituinte derivado
de atribuir exclusividade ao STF o poder de examinar a
presença ou a ausência de repercussão geral das questões
constitucionais objeto do RE. É que, dada a função política
exercida por essa Corte no sistema brasileiro, e considerando
o seu mister primordial de guardar a Constituição, de ser
sua a atribuição de definir quais questões são capazes de
efetivamente abalar a integridade do texto constitucional.
(DANTAS, 2010, p. 219).

Assim, a repercussão geral exerce função de filtragem qualitativa das questões


merecedoras da apreciação pelo STF, permitindo que o Supremo decida sobre questões
que sejam realmente relevantes para a sociedade brasileira, concretizando sua função
de guardião da Constituição e de órgão apresentador de pautas de conduta sobre o texto
constitucional, atuando não somente como mais uma instância revisora.
É neste sentido que compreendemos a repercussão geral como filtro
qualificador das questões constitucionais que merecem apreciação pelo STF mediante
recurso extraordinário. José Miguel Garcia Medina perfilha-se a este entendimento,
quando sustenta que “pode-se dizer que a questão constitucional hábil a ensejar o
conhecimento do recurso extraordinário é qualificada.” (2012, p. 186).
Portanto, a repercussão geral afasta os recursos que apresentam questões
constitucionais que não transcendem a esfera subjetiva das partes, ou mesmo os
recursos que impugnam questões não detentoras de relevância, com a finalidade
de concretizar o caráter objetivo do recurso extraordinário.
Portanto, com a repercussão geral da questão constitucional, só se
permite o acesso ao juízo de mérito dos recursos que apresentam ao STF questões que
detenham transcendência e relevância do ponto de vista econômico, social, político e jurídico.
Demonstraremos, com base em dados estatísticos sobre a repercussão
geral, como gradativamente tem se reduzindo o número de recursos extraordinário
a serem julgados pelo STF, e consequentemente combatido adequadamente o
problema da sobrecarga.

3. A SOLUÇÕES PENSADAS PARA RESOLVER OS PROBLEMAS


DOS ÓBICES JURISPRUDÊNCIAS E SOBRECARGA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL

O sistema recursal brasileiro existe para oferecer ao jurisdicionado, uma


prestação jurisdicional qualificada. Contudo, muitas das vezes o que observamos
nos Tribunais Superiores é um serviço jurisdicional prestado sob o impacto da
sobrecarga de recursos, o que acarreta o (i) aumento tempo de espera para julgamento e a
(ii) diminuição da qualidade dos julgamentos.
20 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Se o problema da sobrecarga de recursos já acarreta esses efeitos, surge
ainda outro efeito, (iii) a negativa de prestação jurisdicional pelos Tribunais Superiores na
aplicação de óbices jurisprudenciais. Portanto, se já não bastassem os efeito negativos do
tempo do processo e da qualidade dos julgamentos, impõe-se ainda um problema
maior, que é negar o acesso via recurso excepcionais, pautado-se em um arsenal de
jurisprudências defensivas.
Como alerta Teresa Arruda Alvim Wambier, em estudo que analisa
alguns aspectos do sistema recursal brasileiro:

Os sistemas recursais são um meio pelo qual se entende


ser possível obter uma forma mais qualificada de prestação
jurisdicional. Essa é a única justificativa possível para
a existência dos recursos. (...) Mas o tiro não pode sair
pela culatra: sob o pretexto de se aprimorar a prestação
jurisdicional, não se pode criar um sistema recursal que
não rende, que sobretudo seja um fator de emperramento do
processo. (WAMBIER, 2010, p. )

Teresa Arruda Alvim Wambier sustenta que é fundamental que o


processo seja compreendido como método, e para tanto o processo não pode ser
complexo. Destarte, o processo deve possibilitar resultados, ou seja, “que renda
em si mesmo e que renda para a sociedade. Que renda, no sentido de proporcionar
o máximo de aproveitamento da atividade do poder Judiciário, vista como um
todo.” (2010, p.)
Portanto, no caso do recurso extraordinário, o mesmo deve ser entendido
como elemento de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, pois seu julgamento
exerce efeito tanto entre as parte, como para a sociedade e para o Poder Judiciário,
no momento em que se apresenta uma pauta de conduta interpretativa.
É por exercer este importante papel, que o recuso extraordinário ao
ser direcionado ao STF, detém um âmbito de devolutividade estrito e exige o
preenchimento de pressuspostos processuais comuns e especiais, com o intuito de
qualificar a questão levada à Corte Constitucional.
Demonstraremos quais as soluções pensadas pela Comissão de Juristas
encarregada de elaborar o anteprojeto de novo Código de Processo Civil, e como
se dispuseram estas ideais no projeto de Lei nº. 8046/2010, com o intuito de
minimizar o problema da jurisprudência defensiva, assim como qualificar a questão
constitucional a ser julgada pelo STF.

3.1 Solução para o problema da ofensa reflexa à Constituição


O problema em questão torna-se grave não somente quando o STF
afirma que a questão veiculada no recurso extraordinário acarreta ofensa reflexa
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 21
à Constituição, negando admissibilidade, mas principalmente quando STF não
conhece do recurso por se tratar de questão infraconstitucional, e o STJ responde
que não conhece do recurso por se tratar de questão infraconstitucional.
Sustenta Barbosa Moreira, quanto a separação entre recurso
extraordinário e recurso especial, que ambos são interponíveis “em larga medida,
contra as mesmas decisões. Daí a necessidade de articulá-los; e o sistema resultante
teria de ficar, como na verdade ficou, bastante complicado em mais de um ponto.”
Neste raciocínio, afirma que neste regime, “acarreta, muitas das vezes, aumento
considerável da duração do processo.” (2009, p. 586).
Além do problema do tempo do processo, a negativa de prestação
jurisdicional por parte do STF e do STJ é um efeito mais prejudicial ainda, pois
as Cortes Superiores afastam seu dever de julgar o recurso e o processo fica sem
resolução. Ou seja, se em tese a dúvida entre quanto ao cabimento dos recursos
excepcionais acarretaria a impugnação, da mesma decisão, pelo fundamento
constitucional e pelo fundamento infraconstitucional, nestes casos, STF e STJ, ao
não julgar os recursos, afirmam que a questão não é nem constitucional, tampouco
infraconstitucional, e o recorrente fica sem uma resposta final.
Solucionado este problema, o anteprojeto de novo Código de Processo
Civil apresenta os arts. 947 e 948, respectivos arts. 986 e 987 do PL nº. 8046/2010,
dispondo que, se o STJ entender que a matéria impugnada pelo recurso especial
é constitucional, remete-se o recurso para o STF; mas se o STF entender que a
matéria do recurso extraordinário é infraconstitucional, remete-se o recurso para o
STJ. Neste caso, a última palavra será a do STF, o que resolve o problema da não
prestação jurisdicional em instância superior.
De acordo com o art. 986, se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender
que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de quinze dias
para que o recorrente deduza as razões que revelem e existência de repercussão geral, remetendo,
em seguida, os autos ao Supremo Tribunal Federal, que procederá à sua admissibilidade, ou o
devolverá ao Superior Tribunal de Justiça, por decisão irrecorrível.”; e quanto ao art. 948,
se o relator, no Supremo Tribunal Federal, entender que o recurso extraordinário versa sobre
questão legal, sendo indireta a ofensa à Constituição da República, os autos serão remetidos ao
Superior Tribunal de Justiça para julgamento, por decisão irrecorrível.
O PL nº. 8046/2010 insere uma importante ressalva, que nos casos em
que o STJ identificar que o recurso especial veicula questão constitucional, antes
do envio ao STF, abre-se prazo de quinze dias para que a o recorrente deduza as
razões que revelem e existência de repercussão geral. Isto, certamente, impede
qualquer jurisprudência defensiva sobre a inadmissibilidade do recurso remetido
pelo STJ, por ausência de preliminar de repercussão geral.

22 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


3.2 Solução para alguns problemas referentes aos embargos de
declaração manejados para fins de prequestionamento
Obsevando a jurisprudência defensiva referente ao prequestionamento
via embargos de declaração, o PL nº. 8046/2010 apresenta proposta interessantes
que visam diminuir a rigidez interpretativa nos casos de manejo de embargos de
declaração para fins de prequestionamento.
Existem casos em que o recurso extraordinário pode deixar de ser
admitido pois, mesmo opondo embargos de declaração no tribunal a quo, com a
finalidade de prequestionar a questão constitucional que se pretende impugnar,
não sendo admitidos os embargos de declaração, restaria não prequestionada a
questão, o que acarretaria a inadmissibilidade do recurso excepcional.
O STF tem entendimento flexível sobre a oposição dos aclaratórios
pela parte para o alcance do prequestionamento. Mesmo com uma jurisprudência
instável, tem-se admitido que a simples oposição dos embargos de declaração, para
preencher o pressuposto recursal de prequestionamento, é suficiente, independente
do conhecido ou não do recurso.
Assim se extrai da inteligência do enunciado sumular 356 do Supremo,
que dispõe: “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos
declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito
do prequestionamento.” Ou seja, a simples oposição de embargos de declaração é
suficiente para tornar a questão constitucional prequestionada.
O art. 940 do PL nº. 8046/2010 resolve este problema, dispondo
que consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante pleiteou, para fins de
prequestionamento, ainda que os embargos de declaração não sejam admitidos, caso o tribunal
superior considere existentes omissão, contradição ou obscuridade.
Noutra situação envolvendo embargos de declaração com fins de
prequestionamento, é imperioso o aguardo da publicação da decisão que julgar os
embargos de declaração para então se manejar o recurso extraordinário.
Contudo, algumas são as situações possíveis: (i) ocorre a oposição dos
embargos de declaração e somente depois de julgados os embargos, interpõe o recurso
extraordinário; (ii) ocorre a interposição do recurso extraordinário e concomitante,
ou posteriormente, a oposição dos embargos de declaração. Nesta última situação,
se ocorrer a modificação da conclusão do julgamento anterior, necessita-se da
ratificação; contudo, se não houver alteração, não é exigível esta ratificação.
Foi assim que se propôs no art. 980, § 2º do PL nº. 8046/2010, dispondo
que, se, ao julgar os embargos de declaração, o juiz, relator ou órgão colegiado não alterar
a conclusão do julgamento anterior, o recurso principal interposto pela outra parte antes da
publicação do resultado será processado e julgado independente de ratificação.

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 23


3.3 A solução para o acesso direito via recurso extraordinário em
casos de decisões não unânimes no tribunal a quo
Na sistemática recursal atual, havendo acórdão impugnado mediante
embargos infringentes, impõe-se ao recorrente interpô-lo antes de se valer do
recurso excepcional, sob pena de não se conhecer deste último.
O STF editou o enunciado sumular 281 a esse respeito, confira-se: é
inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na justiça de origem, recurso
ordinário da decisão impugnada.
A exigência de interposição dos embargos infringentes, de acordo com
a necessidade de exaurir as instâncias ordinárias, acarreta retardo na prestação
da tutela jurisdicional. Partindo-se de estudos estatísticos do Conselho Nacional
de Justiça, que atestavam o reduzido número de provimentos deste recurso, a
Comissão encarregada de elaborar o anteprojeto de lei, convertido no PLS n.
166/2010, optou por eliminá-lo do ordenamento jurídico; e assim manteve o PL
8046/2010 na versão aprovada no Senado Federal.
Desta forma, com foi proposto no PL nº. 8046/2010, o recorrente
poderá interpor o recurso extraordinário após a publicação das conclusões do
acórdão impugnado, caso não haja oposição de embargos de declaração, abrindo-
se, assim, imediatamente, as vias de acesso ao STF.

3.4 Solução direta para os problemas com jurisprudência defensiva


O PL nº. 8046/2010 prevê, no § 2º do art. 983, regra que afasta os
artifícios da jurisprudência defensiva STF, que impõem ao recurso extraordinário
restrições ilegítimas à sua admissibilidade, com base, entre outros argumentos, na
negativa de seguimento pelo não atendimento de diminutas formalidades.
Teresa Arruda Alvim Wambier (2012) afirma que uma das finalidades
que balizaram a reestruturação do sistema recursal, na proposta de um novo CPC,
foi a necessidade de fazer o processo render, isto no sentido de proporcionar resultados
tanto para si quanto a sociedade.
Esta finalidade tem por sentido “proporcionar o máximo de
aproveitamento da atividade do poder Judiciário, vista como um todo.” A autora
desaprova a prática da dita jurisprudência defensiva, que acarreta a inadmissibilidade
de recursos por causas “cuja existência e qualificação jurídica é duvidosa, ou seja:
causas tidas como inadmissibilidade que, na verdade, não o são.” (WAMBIER,
2010, p.)6

6
Conferir o posicionamento de Teresa Arruda Alvim Wambier, ao afirmar que “Justamente com o objetivo de se proporcionar
que o jurisdicionado obtenha decisão de mérito (e isso é fazer o processo render) é que se criou no projeto uma regra interessante,
que terá, no mínimo, duas importantes finalidades. Tornará ainda mais relevante e operativo o instituto da repercussão geral,
ou seja, na verdade, recolocará esse instituto tão importante no seu devido lugar, de molde a retirar a verificação da existência de
repercussão geral de uma questão da dependência exclusiva da atividade da parte. Ademais, esta nova regra com certeza diminuirá
24 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Para coibir esta índole adotada pelos tribunais superiores, o PL nº.
8046/2010 aconselham a desconsideração de causas de inadmissibilidade não tão
graves, por partes dos tribunais. Em verdade, é nítida a intenção, mas ao mesmo
turno suave, a intenção dos elaboradores do anteprojeto de inibir a prática da
jurisprudência defensiva, atualmente deveras criticada pela doutrina nacional.
Esta inovação é um alento para os jurisdicionados, pois corrigirá o
formalismo excessivo das Cortes Superiores que, sem amparo legal, ao inadmitirem
recursos, deixam de prestar a tutela justa e efetiva que se espera do Poder Judiciário.
Importa destacar o deslocamento do dispositivo que trata do saneamento
de nulidades em âmbito de apelação, para o Capítulo “Da Ordem dos Processos
no Tribunal”, art. 893 do PL nº. 8046/2010, o que permite afirmar a preocupação
de tornar incontroversa a aplicação desta técnica para os demais recursos.

4. CONCLUSÃO
O Supremo Tribunal Federal vivencia uma crise ocasionada pela
sobrecarga recursal. Contudo, este é um fenômeno que já o atinge a certo tempo,
tanto o é que a Constituição Federal de 1988, ao inserir o Superior Tribunal de
Justiça na estrutura do Poder Judiciário brasileiro, almejou dividir a carga de
trabalho entre dois Tribunais Superiores.
Neste panorama, questiona-se as medidas que foram adotadas para
combater os efeitos negativos decorrentes desta situação de sobrecarga recursal. É
evidente que a divisão ocorrida a vinte e cinco anos atrás, com a inserção de outro
Tribunal Superior, não foi suficiente para conter a crise do Supremo. Tratou-se de
um paliativo, que por não ter sido acompanhado por outras ações no sentido de
colaborar com a resolução efetiva da situação, ocasionou outro problema: agora,
não se existe um Tribunal em crise, mas dois Tribunais Superiores em colapso.
O quadro se agravou quando os problemas quantitativos relacionados com
os recursos, além de ocasionar uma morosidade no julgamento e a diminuição da qualidade
dos julgados, pois STF e STJ se encontram abarrotados de feitos, acarretou a utilização
de óbices jurisprudenciais, que em muitos manifestam-se como negativa de acesso à
Justiça. Como alternativa para solucionar este problema, esses Tribunais Superiores
passaram a elaborar um portfólio jurisprudencial defensivo, tornando ainda mais estreita a
trajetória de alcance do julgamento de mérito dos recursos excepcionais.

a quantidade de acórdãos em que se adota a tal jurisprudência dita “defensiva”. Os tribunais superiores com uma frequência
infinitamente superior à desejável, deixam de julgar o mérito de recursos excepcionais em virtude de causas de inadmissibilidade
cuja existência e qualificação jurídica é duvidosa, ou seja: causas tidas como de inadmissibilidade que, na verdade, não o são.
Trata-se de prática apelidada de jurisprudência “defensiva”, pois tem o objetivo de “defender” os tribunais superiores do absurdo
número de processos e de recursos que têm que julgar, da carga de trabalho dos ministros, que é, efetivamente, excessiva. Por
isso, incluímos no projeto uma regra que autoriza (na verdade, aconselha), a que sejam desconsiderados motivos menos graves de
inadmissibilidade, se a questão veiculada no recurso é relevante, por se tratar de casos de recursos ou de ações repetitivas ou por ser
relevante em si mesma. (WAMBIER, 2010, p. 276).
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 25
No que se refere ao recurso extraordinário, o STF montou um arsenal
jurisprudencial de inadmissibilidade recursal, pautados em argumentos como (i)
ofensa indireta ou reflexa à Constituição, (ii) impossibilidade de reexame de fatos
e provas ou revolvimento de provas, (iii) inexistência de prequestionamento, (iv)
existência de súmula ou jurisprudência do STF que não possibilita a admissibilidade
do respectivo recurso (v) irregularidades formais etc.
Todavia, é perceptível que esta realidade tem se alterado, principalmente
a partir a inserção da repercussão geral da questão constitucional como requisito especial
de admissibilidade do recurso extraordinário. Desde então, os debates doutrinários
e jurisprudenciais passaram a adotar uma postura de resgate da figura do recurso
extraordinário no sistema recursal brasileiro, tratando-o não simplesmente como
outros recursos de revisão, mas como instrumento objetivo na apresentação de
pautas de condutas para a sociedade e para o Poder Judiciário.
Aliado a isto, observamos também que, cada vez mais, o STF tem se
preocupado com a sua função de guardião da Constituição, agindo como órgão
paradigmático e estabilizador da interpretação do texto constitucional.
Certamente, os debates em torno da repercussão geral apresentaram a
ideia de que, o recurso extraordinário, instrumento desenhado constitucionalmente,
deve ser utilizado e julgado com mais atenção. Neste intuito, a importância da
repercussão geral como filtro qualitativo tem ocasionado a reflexão crítica sobre a
utilização de filtros meramente defensivos e assim ilegítimos ao julgamento do recurso
extraordinário. Não é por menos que se observa a flexibilização, e às vezes o
afastamento da aplicação de sua jurisprudência defensiva, pelo STF.
A estes fenômenos se direcionou a atenção da Comissão de Juristas
encarregada de elaborar o anteprojeto de novo Código de Processo Civil, o que se
manteve na versão aprovada no Senado Federal, visualizada no Projeto de Lei nº.
8046/2010.
Na leitura dos textos apresentados, quanto ao sistema recursal e
especificamente ao recurso extraordinário, o anteprojeto de novo Código de
Processo Civil e o PL nº. 8046/2010 atuaram e três frentes: (i) aperfeiçoar o sistema
já existente, reestruturando os institutos comuns e os institutos especiais como a
repercussão geral e o incidente de julgamento de recursos repetitivos; (ii) eliminar
os excessos sem causar impactos incisivos na estrutura recursal; (iii) combater a
jurisprudência defensiva; (iv) estimular a elaboração de jurisprudência estável; e (v)
corrigir alguns defeitos pontuais.
Como pudemos demonstrar brevemente neste estudo, estas opções
objetivaram pensar e constituir os recursos como instrumentos capazes de fazer
render o processo; ou, mais precisamente nas palavras da relatora do anteprojeto
do novo Código de Processo Civil, Teresa Arruda Alvim Wambier, fazer “isso, na

26 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


esperança de que possamos ter um processo, e especialmente um sistema recursal,
que nem de longe lembre “subir dunas” no escuro, mas, no lugar disso, seja “subir
degraus”, com segurança e muita luz!” (2010, p. )
É neste sentido que afirmamos que as ideais apresentadas neste Código
de Processo Civil que estar por vir, sem sobra de dúvidas, colaboram para a reflexão
sobre os problemas que atingem os Tribunais Superiores, a importância do recurso
extraordinário e o papel a ser empreendido pelo Supremo Tribunal Federal.

5. REFERÊNCIAS

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nº


5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. V; arts. 476 a 565. 15ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O juízo de admissibilidade no sistema dos recursos
civis. Rio de Janeiro: Borsoi, 1968.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 28 ed. Rio de
Janeiro, 2010.
DANTAS, Bruno. Repercussão geral. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral e outras questões
relativas aos recursos especial e extraordinário. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2012.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito:
civil law e common law. RePro 172. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos como uma forma de fazer “render” o processo
no Projeto 166/2010. RePro, vol. 189. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

Autores convidados

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 27


28 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
CONSTITUIÇÃO E PÓS-POSITIVISMO NO
DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

Nairo José Borges LOPES1

Resumo: A promulgação da Constituição Federal de


1988 lançou um marco não somente para a vida política e
social do país. Para o Direito ela promoveu uma revolução
paradigmática, que exigiu de seus operadores um arranjo
teórico capaz de lidar com este complexo objeto. Este
ensaio aponta algumas destas importantes mudanças,
buscando fomentar a reflexão acerca da necessidade de
se pensar soluções adequadas à realidade brasileira, ainda
carente de bem-estar e direitos sociais.

Palavras-Chave: Judiciário; Pós-positivismo; direitos sociais.

Abstract: The promulgation of the Constitution of 1988 launched


a landmark not only for the political and social life of the country.
For the law she promoted a paradigmatic revolution, which required
its operators a theoretical able to handle this complex object. This
essay points out some of these important changes, seeking to encourage
reflection on the need to consider appropriate solutions to the brazilian
reality, yet lacking in welfare and social rights.

Keywords: Judiciary, Post-positivism; social rights.

Primeiramente, convém esclarecer que o intuito deste ensaio é provocar


um início de reflexão sobre o fenômeno jurídico na contemporaneidade. A
consecução de tal fim exige do leitor que encare o Direito sob as lentes do
constitucionalismo contemporâneo. Isso quer dizer que determinados dogmas,
ínsitos à tradição liberal e ao positivismo, devem ser deixados de lado ou, até
mesmo, suprimidos.
O Direito possui problemas tão recorrentes quanto imprescindíveis
à sua autonomia e legitimidade. A inauguração de um novo marco para a vida

1
Mestrando em Gestão Pública e Sociedade pela Universidade Federal de Alfenas-UNIFAL, campus Varginha/MG. Bacharel
em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano-UNIFENAS. Advogado.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 29
social, como o fez a Constituição de 1988, proporcionou a potencialização de
determinadas questões, eis que o jurista, até então afeto aos códigos, foi instado
a lidar com um novo objeto, que exigiu um arcabouço teórico próprio (que até
então não havíamos formado).
O constitucionalismo surgido após a Segunda Guerra2 promoveu uma
verdadeira mudança de paradigma, ocasião em que os textos constitucionais de
diversos países ocidentais positivaram normas de índole marcadamente moral,
alçando a dignidade da pessoa humana ao centro do sistema. O Brasil, por sua
vez, reflete este conjunto de conquistas a partir da redemocratização (1985),
formalizando-o já na Constituição de 1988.3 O Estado Democrático de Direito
será o projeto no qual se desencadearão tais mudanças (art. 1º). A efetivação dos
direitos fundamentais passa a ser o foco e a razão do Estado, cujas instituições
devem estar permeadas pelo ideário democrático.
É certo que a realidade demonstra que ainda há um gap a ser superado
relativamente à efetividade da Constituição, o que se justifica nos mais variados
fatores, aos quais não será objetivo deste ensaio adentrar. No entanto, é esta
mesma realidade que deverá servir de horizonte ao jurista no momento de
sua atuação, mormente ao magistrado, autêntico intérprete do Direito, para
recordar Kelsen.
A (necessidade de) superação dos positivismos jurídicos4, sobretudo
aquele de cariz normativista, é fundamental, porque o Estado Democrático
de Direito somente poderá por em execução seu projeto com um marco que
possibilite a adequada interpretação/aplicação da Constituição, concebendo-a
como centro e razão das políticas públicas, sociais e econômicas. Além disso,
sem esta transposição positivista, torna-se impossível a compreensão das funções
estatais, cujos Poderes, independentes e harmônicos entre si, devem possuir por
foco a plena efetividade dos direitos fundamentais-sociais.
O pós-positivismo, que, por sua vez, pode ser concebido como um
marco filosófico desse novo paradigma (BARROSO, 2006), traz um tempo
2
Barroso (2006) traz como marco filosófico do novo direito constitucional a reconstitucionalização da Europa após a 2ª Guerra
Mundial, tendo como marcos principais a Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemã), de 1949, e a Constituição da Itália,
de 1947.
3
Não obstante estabelecer-se neste trabalho a redemocratização pós-Segunda Guerra como um marco histórico comum entre os
diversos Estados ocidentais, não se deve descurar da atenta observação de Miguel Carbonell, de que cada processo constituinte
possui razões diversas em cada Estado, pois que somente os respectivos contextos políticos e sociais poderão propiciar a compreensão
do acontecimento, in verbis: “Cada proceso constituyente responde a circunstancias muy diversas. Aunque es certo que los problemas
que se pretendem resolver o enfrentar a través de la expedición de nuevas constituciones son parecidos, los impulsos que las hacen
surgir son particulares de cada país e incluso de cada momento histórico.” (CARBONELL, 2010, p. 71). A despeito de
trazermos estas duas Constituições como as principais deste período, Sarmento (2010) observa que as maiores influências para a
Constituição brasileira de 1988 foram as Constituições de Portugal (1976) e da Espanha (1978).
4
Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 31 e ss.

30 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


no qual a cisão direito-moral é impossível, questão que assume feições de
relevo na interpretação do Direito. Nesse sentido, para Streck (2011, p. 65), o
atual estágio constitucional deve romper com o positivismo, eis que “há uma
incompatibilidade paradigmática entre o Constitucionalismo Contemporâneo
(compromissório, principiológico e dirigente) com o positivismo jurídico, nas
suas mais variadas formas.”
Assim, o constitucionalismo pós-1988 exige que todos os atos estatais
e também os entre particulares (horizontalização dos direitos fundamentais)
estejam adequados e em conformidade à Constituição. Como o denomina
Barroso (2006), o fenômeno da constitucionalização coloca a Constituição no centro
do sistema, promovendo uma verdadeira filtragem dos atos estatais, estirpando
do ordenamento jurídico aqueles que a contrariem. A garantia deste sistema de
filtragem constitucional encontra amparo na jurisdição constitucional por meio dos
instrumentos processuais de controle judicial, como o mandado de segurança e
a ação direta de inconstitucionalidade, por exemplo.
Segundo Barroso (2006), três grandes transformações podem ser
identificadas com esta compreensão do direito constitucional: a) o reconhecimento
de força normativa à Constituição; b) a expansão da jurisdição constitucional; e
c) o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional.
Todas estas três conquistas/transformações causaram um choque na relação
entre os Poderes, mormente se compreendida sob a forma clássica da teoria da
separação montesquiana.
O Judiciário passou então a ditar a última palavra em questões de grande
repercussão nacional, podendo ser citados no âmbito do Supremo Tribunal
Federal a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias,
da interrupção de gravidez de fetos anencefálicos, o reconhecimento das uniões
entre pessoas do mesmo sexo etc. Além disso, inúmeras políticas públicas
foram alvo de controle judicial, sendo a mais evidente a tutela do direito à
saúde, consistente na busca judicial por medicamentos, tratamentos, internações
e outros procedimentos do Estado. Segundo Carvalho (2011) este avanço do
Poder Judiciário “é a grande marca das democracias ocidentais nesse começo de
século.”
Assim, no atual paradigma pode-se dizer que qualquer exercício
jurisdicional torna-se, também, constitucional. A previsão do controle difuso de
constitucionalidade (incidental) possibilitou o exame de constitucionalidade de
leis e atos normativos e administrativos por qualquer magistrado, das Comarcas
aos Tribunais Superiores. Eis a dupla face de Janus. Se de um lado conquistamos
a expansão, independência e autonomia dos juízes, por outro isto possibilitou
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 31
o surgimento de um cenário caótico na interpretação do Direito, com a
internalização de teorias estrangeiras e inadequadas à realidade brasileira5 e com
o surgimento daquilo que Streck denomina de “panprincipiologismo” (2011, p.
517 e ss.).
A hermenêutica jurídica, invadida pela Constituição, fez o magistrado
e o jurista depararem-se, no plano normativo, com uma nova tipologia
principiológica e aberta6, cuja abordagem exegética difere-se da aplicação dos
enunciados menos complexos que dominavam os códigos até então. O conflito
entre princípios ou normas constitucionais, a delimitação de sentido de cláusulas
gerais ou termos jurídicos indeterminados levou o magistrado a preencher, não
raras vezes, este vazio conceitual da forma de melhor lhe aprouvesse. Streck
(2010) diria que, nesta quadra da história, não é dado ao magistrado dizer
“qualquer coisa sobre qualquer coisa”. E, com razão, as críticas que o jusfilósofo
dirige ao positivismo kelseniano-hartiano (facilitadores da discricionariedade
judicial) visam garantir a autonomia e a integridade do Direito, evitando que a
atribuição de sentido à norma esteja à livre disposição do intérprete, o que se
mostra antidemocrático. Eis o problema do livre convencimento - consagrador
da vontade do intérprete -, tão caro à doutrina processual brasileira.
Noutro giro, as demandas e conflitos sociais sob a égide do Estado
Democrático de Direito assumem outra natureza, ultrapassando o âmbito inter
partes. Os conflitos passam a possuir certo grau de socialização, necessitando de
tutela coletiva, não mais individual. Deste modo, demandas por saúde, educação,
políticas sociais, conflitos de terras etc. exigem outro viés interpretativo que não
o calcado nas doutrinas positivistas.
Assim, a superação do positivismo possibilitará ao juiz a
interdisciplinaridade que tantas vezes lhe falta para a compreensão dos conflitos
subjacentes à lide, muitas vezes fruto do histórico de desigualdade devidamente
encampado pelas elites brasileiras, mas não alheio àqueles cuja meta é a
realização dos objetivos republicanos brasileiros dispostos na Constituição. Tal
fato reside nas raízes do ensino do Direito, também refém do positivismo que
funda a cultura jurídica brasileira,7 o que fez com que os juristas se afastassem,
em certo grau, da realidade e dos problemas sociais, focando-se em reproduzir
dogmaticamente a técnica e a operacionalidade do Direito. Isto o reduz a mero
objeto estático, desprovido de legitimidade e de capacidade transformadora,
5
Sobre este tema, conferir SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. In Interpretação
Constitucional. Virgílio Afonso da Silva (Org.). São Paulo, Malheiros, p. 115-143, 2007.
6
A “tese da abertura semântica” dos princípios não é adotada de forma unânime na doutrina. Para Streck (2010), por exemplo,
tal entendimento é incompatível com o modelo pós-positivista de teoria do direito.
7
Em percuciente crítica, Azevedo (1989, p. 73) salienta que “o direito e a formação jurídica, que condiciona a concepção que do
direito se tenha, necessitam libertar-se dos antolhos positivistas, que levam à paralisia da consciência crítica do jurista, cortando-lhe
a iniciativa, reduzindo-o a testemunha sem ação diante dos acontecimentos.”
32 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
atributo que é (re)conquistado pela Constituição, pois, “nos quadros do Estado
Democrático (e Social) de Direito, [o direito] é sempre um instrumento de
transformação, porque regula a intervenção do Estado na economia, estabelece
a obrigação de realização de políticas públicas, além do imenso catálogo de
direitos fundamentais sociais” (STRECK, 2011, p. 59-60).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. 5. ed.


Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989.
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito
(O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). In SAMPAIO, José Adércio Leite
(Coord.). Constituição e crise política. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 97-148.
CARBONELL, Miguel. Reinventar la democracia, reinventar el
constitucionalismo. In Estado constitucional e organização do poder. TAVARES,
André Ramos; LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang (Orgs.). São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 71-92.
CARVALHO, Maria Alice Rezende de. Cidadania e direitos. In BOTELHO,
André; SCHWARCZ, Lilia Moritz (Orgs.). Agenda brasileira: temas de uma
sociedade em mudança. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 102-109.
SARMENTO, Daniel. A assembleia constituinte de 1987/1988 e a experiência
constitucional brasileira sob a Carta de 88. In Estado constitucional e organização
do poder. TAVARES, André Ramos; LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo
Wolfgang (Orgs.). São Paulo: Saraiva, 2010, p. 221-264.
SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação constitucional e sincretismo
metodológico. In Interpretação Constitucional. SILVA, Virgílio Afonso da (Org.).
São Paulo, Malheiros, p. 115-143, 2007.
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 2. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
______. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2011.

Recebido em: 18-04-2013


Aceito em: 16-05-2013

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 33


34 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
A USUCAPIÃO ADMINISTRATIVA COMO
INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Taciana Mara Corrêa MAIA1


Vinicius de Almeida GONÇALVES2

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo realizar


uma análise sobre a usucapião administrativa, vista como
instrumento de regularização fundiária introduzida pela
Lei n. 11.977/09; a qual busca, por via extrajudicial,
contribuir para o combate ao déficit habitacional no País,
forte no respeito à função social tanto da propriedade
como da posse.

Palavras-chave: Usucapião administrativa. Função social.


Regularização fundiária. Direito à moradia.

Abstract: The present work aims to conduct an analysis of the


administrative adverse possession as the instrument of landed
regularization introduced by Law n. 11.977/09 which seeks, by way
extrajudicial, contributing to the fight against the housing deficit in the
country, toughon compliance by both the social function of property as
of possession.

Keywords: Adverse possession. Social Function. Landed


regularization. Right of housing.

1. INTRODUÇÃO

Uma das principais tendências no moderno direito brasileiro são as
técnicas para “desafrouxar” o Poder Judiciário. Devido a inúmeras críticas de um
modelo eivado pela pecha da morosidade, busca-se incansavelmente alternativas
extrajudiciais para a solução de conflitos no tempo e no espaço.
1
Mestre em Direito Público, Pós-graduada em Direito Público, Direito Tributário, Direito Empresarial e Direito do Trabalho.
Pós-graduanda em Direito Notarial e Registral, Direito Empresarial e Direito Administrativo. Professora assistente na
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Procuradora da Fazenda Nacional.
2
Pós graduando lato sensu em Direitos Humanos e Cidadania na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Advogado.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 35
Cita-se como exemplo de tal preocupação a elaboração de projetos de
lei dos novos Código de Processo Civil e Código de Processo Penal, a experiência
positiva de mediação e arbitragem e, com o advento da lei 11.977/09, a figura da
usucapião administrativa.
O presente trabalho irá realizar uma análise bibliográfica dessa nova
figura introduzida no Direito brasileiro que veio para facilitar a resolução de um
dos grandes problemas nacionais – a distribuição do sistema de habitação – com
fulcro na celeridade e economia dos atos administrativos para a pacificação social.

2. A LEI N. 11.977/09

Em 07 de julho de 2009, entrou em vigor a Lei n. 11.977, a qual dispõe


sobre o programa do governo federal “Minha Casa, Minha Vida – PMCMV”3.
Tal lei tem como objetivo combater o déficit habitacional presente no Brasil, ao
promover incentivos à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou
requalificação de imóveis urbanos e produção de habitações rurais, para famílias
com uma determinada renda mensal.
Como se percebe a lei procura diminuir a burocratização em relação
à busca de novas unidades habitacionais, por meio do programa “Minha Casa,
Minha Vida”. Contudo entre o plexo de objetivos visados pela lei, encontram-se
também disposições referentes a registro eletrônico de imóveis e regularização
fundiária de assentamentos urbanos. In litteris:

A lei divide-se em três partes: a primeira relativa ao Programa


Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, tendo por objetivo
criar uma série de mecanismos para produção, aquisição
e reforma de unidades habitacionais de interesse social. A
segunda parte trata do registro eletrônico de imóveis, que
possibilitará a formação de um banco de dados nacional
com os atos registrais praticados antes e depois da Lei dos
Registros Públicos (Lei n. 6.015/73), bem como define os
emolumentos a serem cobrados pelo Oficial do Registro
Imobiliário relativos aos atos previsto na lei. No capítulo
terceiro é tratada a regularização fundiária de assentamentos
urbanos, (...), uma vez que, introduz instrumentos para
enfrentar o desafio de legalizar milhões de moradias
urbanas no Brasil4.

3
A lei é a conversão da medida provisória n. 459/09, e, a cada ano desde sua vigência vem sofrendo alterações legislativas, dentre
elas, cita-se em ordem cronológica: Lei n. 12.249/10, Lei n. 12.424/11, e, Lei n. 12.693/12.
4
WOLF, Guilherme Eidelwein. A regularização fundiária urbana no Brasil e seus instrumentos de alcance. Notas introdutórias
acerca do direito fundamental à moradia frente às políticas públicas de regularização fundiária. Jus Navigandi, Teresina, ano
17, n. 3376, 28 set. 2012 . Disponível em:<http://jus.com.br/revista /texto/22699>. Acesso em: 7 abr. 2013.
36 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Por regularização fundiária, entende-se a intervenção governamental
pautada na legalização da situação de populações que vivem em áreas urbanas
de forma irregular.
Para um melhor aproveitamento do presente trabalho, faz-se
necessário, antes de se abordar a usucapião administrativa, que é uma das
inovações traçadas pela Lei 11. 977/09 em prol da regularização fundiária,
discorrer sobre o direito de propriedade e sua função social, bem como o direito
de moradia e a função social da posse.

3. O DIREITO DE PROPRIEDADE E SUA A FUNÇÃO SOCIAL

Segundo Marcelo Sciorilli,5 nas sociedades primitivas, a propriedade


se referia somente aos bens móveis, pois a terra era da coletividade (tribo,
família, etc.). Isso se dava porque os homens sobreviviam da caça, da pesca e
da agricultura, havendo a ocupação em comum das terras pelas tribos e, quando
desapareciam as condições favoráveis, mudavam de lugar. Com o passar do
tempo, a utilização da mesma área pelo mesmo grupo, pela mesma família, liga o
homem à terra que habita e explora, surgindo a propriedade coletiva que, com o
decorrer dos anos, transformou-se em propriedade privada.
A compreensão da propriedade no decurso dos tempos é bastante
variável até que se chegue ao sentido que lhe é atribuído na contemporaneidade.
Marcelo Dias Varela6 ao estudar o instituto em questão na antiguidade,
colaciona que no Egito antigo, a propriedade era do faraó, na condição de
representante dos deuses. Por sua vez, na Grécia antiga, a propriedade privada
era um sólido instituto, que teve início com a própria religião, pois cada família
construía um templo dedicado ao seu próprio deus, de seu uso privativo, não
se admitindo interferência externa, sob pena de sacrilégio. Ocorrendo a morte
de qualquer membro da família, este era enterrado no território habitado pela
mesma, e este território devia pertencer à família, era sua propriedade. Como
se vê a propriedade não nasce com caráter individual, mas com caráter familiar.
Migrando-se, na Antiguidade, para Roma, a análise da propriedade
ganha ainda mais importância em razão de que houve grande influência das leis
romanas, especialmente a Lei das XII Tábuas (Lex XII Tabularum), na elaboração
da legislação ocidental.
Ao longo do período, de vigência do direito romano, a propriedade
assumiu contornos variados, podendo-se afirmar que no início apresentava-
se como um direito absoluto e exclusivo, tendo um caráter personalíssimo e

5
SCIORILLI, Marcelo. Direito de propriedade e política agrária. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007. p. 14.
6
VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reformo agrária. Leme: Led, 1998. p. 31.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 37
individualista. Ocorre, todavia, que esse caráter absoluto, mesmo naqueles
primitivos tempos, não significava a inexistência de restrição, porque o
proprietário não podia usar livremente seu terreno e devia, por exemplo deixar
um espaço (confínum) em volta para circulação7. Em fase posterior do direito
romano - conhecido como direito pós-clássico -, pode ser apontada a restrição
pela qual “[...] o proprietário do imóvel que não cultiva seu terreno perde a
propriedade sobre ele em favor de quem o cultivou por mais de dois anos”8.
Assim, percebe-se clara evolução do direito de propriedade ao longo
das fases do direito romano, tendo migrado a propriedade em um só sentido:
“[...] do individual para o social”9. Não obstante, com forte restrição, é possível
dizer que essas limitações representaram um prenúncio do que se entende hoje
por função social, pois o cunho privatista da propriedade iria ganhar força com
o passar do tempo para depois evoluir para a compreensão atual.
Nesse sentido, na Idade Média, a propriedade era sinônimo de poder,
visto que, com as invasões bárbaras, surgiu uma situação de insegurança em que as
porções de terras eram transferidas para quem tinha condições de dar assistência
e proteção, tornando-se, cada vez mais, a propriedade um sinônimo de poder; os
nobres eram senhores em suas terras - nas quais trabalhavam os servos - inclusive
com poderes políticos e de justiça10, havendo a sustentação, por parte da Igreja, de
que a propriedade foi dada por Deus à humanidade como um todo e a missão de
reparti-la caberia aos homens, o que lhe atribuía a origem divina11.
Nesse período histórico, surgiram dois importantes documentos que
repercutiram em relação à propriedade: a Magna Charta e a Summa Theologica.
A Magna Charta tem relevância por ter imposto limitações ao poder
estatal, especialmente em relação à propriedade imóvel. Por sua vez, a Summa
Theologica, de Santo Tomás de Aquino, trouxe a preocupação quanto à destinação
dos bens e, aperfeiçoando a ideia de Aristóteles, introduziu a noção de bem
comum, representando este um limitador ao direito de propriedade12.
Na Idade Moderna, houve a centralização do poder nas mãos do
monarca, que não se submetia à lei, exceção feita à divina, e era senhor de tudo
o que estivesse na área territorial de seu reino, permitindo que, na prática, não
houvesse barreira ao poder de expropriar13 e, em reação às arbitrariedades do
absolutismo, passou-se a garantir o direito de propriedade de forma absoluta.

7
CRETELLA JÚNIOR, |osé. Curso de direito romano. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 170-171.
8
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. 1. p. 288.
9
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 173.
10
SCIORILLI, Marcelo. Direito de propriedade e política agraria. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007. p. 17.
11
ARRUDA, José Jobson de. História antiga e medieval. 15. ed. São Paulo: Ática, 1991. p. 359-360.
12
PEREIRA, Rosalina Pinto da Costa Rodrigues. Reforma agrária: um estudo jurídico. Belém: Cejup, 1993. p. 53.
13
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Desapropriação para fins de reforma agrária. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2008. p.
27-29.
38 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Com a Revolução Francesa, houve a tentativa de democratização da
propriedade, por meio da abolição de privilégios, do cancelamento de direitos
perpétuos, sendo um grande fruto o Código de Napoleão, que chegou a ser
apelidado de “código da propriedade” e fazia ressaltar, acima de tudo, o prestígio
do imóvel14. Instaurou-se a visão liberal de propriedade, em que ela existia como
um direito absoluto e intocável.
De outro lado, a propriedade passou a sofrer fortes críticas pela
doutrina socialista. Nessa esteira, por exemplo, podem ser destacados Pierre-
Joseph Proudhon, para quem a “propriedade é um roubo”, afirmando que
o produto da obra é social, mas o proprietário dos meios de produção fica
com ele por inteiro e, também, Karl Marx, sustentando que a situação de
alienação do produtor em relação ao bem produzido dá origem a todos os
males sociais 15.
Entre os extremos apontados nas concepções do liberalismo e do
socialismo, a Igreja, com sua doutrina social, retoma a doutrina tomista, até
então adormecida, destacando-se a carta encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão
XIII, em que é sustentado que -”[...] o direito de propriedade ‘é fruto do trabalho
humano”’16, que é um direito natural do homem, uma garantia da liberdade e da
dignidade humana, um importante instrumento de proteção da família e que,
por outro lado, a propriedade não é destinada somente a satisfazer os interesses
do proprietário, mas também é uma maneira de se alcançar as necessidades
coletivas, isto é, deve possuir uma função social17.
Segundo Leandro Bartoleto18, tal posicionamento ganhou corpo, no
direito, com Augusto Comte e Leòn Duguit. A ideologia do uso social da
propriedade adquiriu força no meio jurídico com a ocorrência da Primeira
Guerra. Naquela época mostrou-se a necessidade de reforma agrária na
Europa como uma forma de minimizar a miséria e a fome ante a insuficiência
da produção de alimentos, fazendo com que essa concepção de propriedade
fosse incutida e aceita pela sociedade europeia e passasse a ser incluída nos
textos constitucionais da época, salientando-se a Constituição de Weimar
(1919). Posteriormente, a chegada de outro conflito no mundo, a Segunda
Guerra, colaborou para a extensão dessa acepção de propriedade para o resto
do mundo, especialmente em razão da criação da ONU e do surgimento da

14
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. v. 4. p. 66.
15
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A propriedade e sua função social. Revista de Direito Agrário, Brasília, DF,
ano 9, n. 8, p. 32, jul./dez. 1982.
16
ALVARENGA, Octávio Mello. Política e direito agroambiental.- comentários à nova lei de reforma agraria - Lei n°
8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 46.
17
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A propriedade e sua função social. Revista de Direito Agrário, Brasília. DF,
ano 9, n. 8, p. 32, jul./dez. 1982.
18
BARTOLETO, Leandro.Direito Administrativo. JusPodivm, 2012, p.556.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 39
Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo a concepção atualmente
consagrada no mundo.
O desenvolvimento do princípio da função social da propriedade
não pode ser visto como antítese do direito de propriedade, pois, na verdade,
são complementares.
De fato, o conceito de propriedade não é fixo, imutável, porque, para
se buscar a definição de propriedade, é necessária a delimitação de seu conteúdo,
que se refere às prerrogativas do proprietário, as quais variam conforme a
conjuntura econômica, o regime jurídico adotado ou o modelo estatal assumido.
Dessa forma, o conceito de propriedade acaba sendo extraído em razão de como
tal conteúdo se apresenta em determinado contexto jurídico, social, econômico
e político e, assim, são legítimas tanto as novas definições de conteúdo quanto
a fixação de limites destinados a garantir a sua função social, pois o conceito
constitucional de propriedade deve ser necessariamente dinâmico19.
Na lição de Ives Gandra da Silva Martins:

A propriedade privada não é direito absoluto: deve atentar


para sua função social (que exige intervenção estatal para
garanti-la: Abuso do direito, pelo desperdício e uso em
detrimento de vizinhos; Desapropriação (com indenização),
com vistas ao bem comum; Distinção entre propriedade do
solo e do subsolo (do Estado); Coibir o abuso do poder
econômico (cartéis, tristes e dumping)20.

Na Constituição de 1988, no art. 5°, XXII, o direito à propriedade


privada está previsto como direito fundamental e, da mesma forma, assegura-se,
no inciso XXIII do mesmo artigo, que a propriedade tenha uma função social,
podendo, inclusive, haver a expropriação do proprietário que não cumprir tal
exigência, nos termos do inciso XXIV.
Outrossim a Constituição Federal não tutela o direito de propriedade
apenas no que atine aos bens materiais e imóveis, mas amplia o rol de tais
direitos, inserindo os direitos de herança, autorais, de propriedade industrial,
dentre outros.
Deve ser ressaltado, ainda, que além de estar incluída no rol de direitos
fundamentais, a propriedade, juntamente com a função social, figura entre os
princípios da ordem econômica (art. 170, CF), significando que a propriedade
não pode ser vista exclusivamente como um direito individual, devendo haver a

19
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 19.
20
SILVA MARTINS, Ives Gandra da. Direitos fundamentais. in: Tratado de direito constitucional vol. I, coordenado por Ives
Granda da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, Carlos Valder do Nascimento. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2.012. p. 465.
40 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
relativização de “seu conceito e significado, especialmente porque os princípios
da ordem econômica são preordenados à vista da realização de seu fim: assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”21
Quanto à função social da propriedade, a Constituição a garante tanto
em relação à propriedade urbana quanto em relação à propriedade rural, tratando
de maneira específica de cada uma.
No que se refere à propriedade urbana, o art. 182, § 2°, determina que
a “propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, podendo,
ainda, exigir do proprietário o adequado aproveitamento de solo urbano não
edificado, subutilizado ou não utilizado.
Já, quanto à propriedade rural, o art. 186 estabelece que a função social
é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, conforme
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais
disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que
regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos
proprietários e dos trabalhadores.
A Constituição Federal de 1.988 busca assegurar os fins da justiça social
e participação da coletividade mesmo no direito de propriedade anteriormente
sempre defendido como um direito subjetivo puro.
Nesse diapasão colaciona-se entendimento esposado por Daniela
Rosário Rodriguês:

Fazer com que a propriedade cumpra a sua função social é


fazer com que o proprietário assuma uma posição ativa de
bom e regular uso de seu bem. É fazer com que ele saia da
passividade de não explorar seu bem como forma de obter
ganhos e riquezas individuais ou com fins especulativos,
e a ele impor o exercício de uma série de condutas que,
independentemente de qualquer benefício individual que
possam gerar, acarretam algum benefício para a sociedade22.

Destarte, sob o pálio constitucional, forte na função social da


propriedade, seu titular é despido das clássicas prerrogativas individuais e
absolutas, obrigando-o a dar destinação ao bem, não porque lhe gerará riquezas,
mas sim porque contribuirá para o desenvolvimento da coletividade.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 271.
21

22
RODRIGUES, Daniela Rosário. Função social da propriedade privada diante do meio ambiente artificial. In: Revista de
Direito Imobiliário Instituto de Registro Imobiliário do Brasil. São Paulo. v. 34. n. 70. jan/jul 2.011. p. 83-171.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 41
4. O DIREITO DE MORADIA E A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE

4.1 O direito de moradia no direito brasileiro


Para José Afonso da Silva23, é na Constituição da República Portuguesa,
em seu artigo 65 que se encontra a melhor definição sobre o direito de moradia:
“Art. 65. 1. Todos têm direito, para si e para sua família, a uma habitação de
dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a
intimidade pessoal e a privacidade familiar.”
Dentro da Constituição Federal de 1988 o direito à moradia é previsto
no art. 6°, como um direito social (direito de segunda geração). Por sua vez, o art.
21, inciso XX, estabelece que a União detém competência para instituir diretrizes
para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação. Outrossim, conforme art.
23, inciso IX, a promoção de programas de construção de moradias e a melhoria
das condições habitacionais e de saneamento básico compete a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios. “O direito de moradia significa, em
primeiro lugar, não ser privado arbitrariamente de uma habitação e de conseguir
uma; por outro lado, significa o direito de obter uma, o que se exige medidas e
prestações estatais adequadas à sua efetivação”24. Por isso é obrigação do Estado
a elaboração de programas para combater o déficit habitacional.
A efetivação da dignidade humana, núcleo central de nosso
ordenamento jurídico, perpassa pela efetivação do direito de moradia. Dessa
forma, o Estado deve garantir ao indivíduo e sua família condições habitacionais
dignas para sua subsistência.

4.2 A função social da posse


O instituto da posse é um dos mais turbulentos dentro do direito
privado. Há anos existem diversas discussões sobre a posse, sendo sempre
tratada com grande cautela entre os juristas.
Diante de sua natureza não pacífica entre os estudiosos, a posse acaba
se tornando um instrumento que sofre modificações com o passar dos tempos.
Um aspecto de grande relevância para o trabalho em questão atine à
função social da posse.
Silvio Perozzi25, ao defender a teoria da função social, observa a posse
como um “fenômeno social”, consistindo assim no poder ou na plena disposição

23
SILVA, José Afonso da. Direito urbanistico brasileiro. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Malheiros. 2010. p. 375-376.
24
SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 376.
25
COSTA, Samara Danitielle. A função social da posse. In:  Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 104, set 2012.
Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id= 12222>.
Acesso em abr 2013.
42 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
de fato de uma coisa, e um estado capaz de durar indefinidamente, desde que
não advenham circunstâncias aptas a fazê-lo cessar.
A funcionalização da posse, dessa forma, seria ditada pela necessidade
social, pela necessidade da terra para o trabalho, para a moradia, enfim,
necessidades básicas que pressupõem o valor de dignidade do ser humano, o
conceito de cidadania, o direito de proteção à personalidade e à própria vida.
Conforme aponta Ana Rita Vieira Albuquerque, citada por Samara
Danitelle Costa26:

A função social da posse como princípio constitucional


positivado, além de atender à unidade e completude do
ordenamento jurídico, é exigência da funcionalização das
situações patrimoniais, especificamente para atender as
exigências de moradia, de aproveitamento do solo, bem
como aos programas de erradicação da pobreza, elevando
o conceito de dignidade da pessoa humana a um plano
substancial e não meramente formal. É forma ainda de
melhor se efetivar os preceitos infraconstitucionais relativos
ao tema possessório, já que a funcionalidade pelo uso e
aproveitamento da coisa juridiciza a posse como direito
autônomo e independente da propriedade, retirando-a
daquele estado de simples defesa contra o esbulho para se
impor perante todos.

Assim sendo, a função social da posse pode ser concretizada


mediante a posse trabalho ou posse moradia , as quais podem restar
configuradas quando o proprietário não utiliza sua propriedade, isto é,
não atende a função social da propriedade, seja porque abandonou ou
simplesmente mal utilizou dela.
A Constituição Federal de 1988 não tratou de maneira expressa a
função social da posse como fez com a função social da propriedade nos arts.
5º, inciso XXIII - “a propriedade atenderá a sua função social”; 170, inciso III
- “função social da propriedade”; 182, § 2º, - “A propriedade urbana cumpre
sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação
da cidade expressas no plano diretor”; e 186 – “A função social é cumprida
quando a propriedade rural [...]”, no entanto, tratou de forma implícita, cabendo
assim interpretar para identificar esse princípio constitucional implícito que
está localizado nos arts. 191 e 183, ambos da Constituição Federal, que dizem
respeito, respectivamente, a usucapião especial rural e a usucapião especial
COSTA, Samara Danitielle. A função social da posse. In:  Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 104, set 2012.
26

Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id= 12222>.


Acesso em abr. 2013.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 43
urbana, tratados logo mais, quando se falar nos arts. 1.239 e 1.240 do Código
Civil de 2002, uma vez que estes artigos regularizaram aqueles.
O Código Civil de 2002 também não tratou de forma expressa da
função social da posse, entretanto possibilitou identificá-la através de um novo
olhar dado pelo legislador a usucapião imobiliária nos arts. 1.238, parágrafo único,
1.239, 1.240 e 1242, parágrafo único. São nesses artigos, que dizem respeito a
usucapião imobiliária, que o legislador reconheceu uma posse qualificada pela
função social e por consequência a protegeu reduzindo-se assim os prazos que
anteriormente eram previstos para adquirir-se a usucapião imobiliária. Diante
disso, passa-se a falar logo mais, de cada um dos artigos acima para que o leitor
possa identificar a função social da posse.
Também, dentro do Código Civil, por meio da lei n. 12.424/12, inclui-
se também, como norma que expressa a função social da posse, o artigo 1.240-
A27, que trata da usucapião por abandono do lar.
Ressalta-se ainda, que além do Código Civil de 2002, o Estatuto da
Cidade (Lei nº 10.257/2001), que também trata de usucapião, possibilitou
identificar a funcionalização da posse, especificamente no seu caput do art. 10,
que assim dispõe:

Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta


metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda
para a sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e
sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos
ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem
usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não
sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

Observa-se do exposto acima, que a usucapião permite identificar a


funcionalização da posse e por consequência sua autonomia frente aos direitos
reais, aqui, frisando o direito de propriedade.
A posse trabalho efetiva o direito social trabalho na medida em que o
não proprietário utiliza-se, através de uma posse direta, da propriedade que não
atende a sua função social, para plantar e assim retirar alimentos que garantam a
sua sobrevivência e a de sua família. É importante destacar que essa ramificação da
posse é de extrema relevância não só por efetivar o direito de segunda dimensão
trabalho, mas por conferir ao não proprietário a dignidade da pessoa humana,
uma vez que o possuidor na medida em que passa a plantar com o objetivo de
27
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) aos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre
imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro
que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
44 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
retirar da terra os alimentos que saciem sua necessidade de alimento, ele passa
com o seu trabalho a contribuir para o desenvolvimento nacional, sendo assim
útil de alguma maneira para a sociedade, e não mais precisando dela, melhor, de
terceiros para saciarem sua fome.
Já a posse moradia, que se dá através da ocupação, efetiva o direito
social moradia a medida que confere abrigo as pessoas que não tem lugar para
morarem, os denominados “sem tetos”. Essa ramificação é também de extrema
relevância, pois ao mesmo tempo em que dá um lugar para moradia as pessoas,
confere dignidade a pessoa humana, visto que quem ter um lugar fixo de moradia
não precisará viver perambulando em ruas, viadutos, debaixo de pontes, dentre
tantos outros lugares que não oferecem o mínimo de vida digna.
Outrossim, deve ser ressaltado que a posse moradia (assim como a
posse trabalho na terra), busca dar efetividade aos princípios fundamentais da
República, conferindo dignidade à pessoa, contribuindo para a erradicação da
pobreza, formando uma sociedade mais justa e solidária.
Como se percebe, esses dois tipos de posse que buscam sua função
social demonstram a ideia de combate ao déficit habitacional brasileiro,
amplamente suportado pela população.

Focando agora na sociedade brasileira, a importância é no


sentido de a função social da posse ser capaz de resolver
as necessidades, melhor dizendo, os problemas sociais
brasileiros que desde muito tempo trazem consequências
negativas para o nosso país, como a concentração de terra
nas mãos de poucos, concentração de pobreza tanto na
periferia como no campo, elevados índices de crescimento
demográfico, insuficiência de moradia, dentre tantos outros
problemas. Problemas esses que a princípio parecem serem
impossíveis de serem resolvidos no cotidiano brasileiro,
mas que não são, claro, se assim for reconhecida a função
social da posse28.

Em que pese a teoria da função social da posse ser atrativa e consoante


com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito Brasileiro, é ainda
pouco difundida na doutrina e jurisprudência nacional.
Lado outro, pode-se perceber o reconhecimento da importância dessa
teoria na Lei n. 11.977/09, ao dispor sobre o instituto da usucapião administrativa,
que será abordado no próximo tópico.

28
COSTA, Samara Danitielle. Op. cit.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 45
5. USUCAPIÃO ADMINISTRATIVA

Encerrada a exposição dos itens acima, afim de facilitar um melhor


entendimento sobre o objeto de estudo do presente trabalho, passa-se a discorrer
sobre o instituto da usucapião administrativa, previsto na lei n. 11.977/09.

5.1 Regularização fundiária na lei n. 11.977/09


Como já apontado anteriormente, em uma visão geral, regularização
fundiária pode ser entendida como uma intervenção governamental que busca
legalizar a situação de populações que vivem em áreas urbanas de forma irregular.
A Lei n. 11.977/09 traz o Capítulo III em sua estrutura para tratar da
regularização fundiária de assentamentos urbanos.
O artigo 46 da lei do programa “Minha Casa, Minha Vida” traz um
conceito legal de regularização fundiária.

Art. 46. A regularização fundiária consiste no conjunto


de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais,
que visam à regularização de assentamentos irregulares e
à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito
social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções
sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.

Como se observa no conceito legal, a regularização fundiária é


entendida como um conjunto de políticas do Poder Público destinadas a
assentamentos em estado irregular, concedendo aos seus ocupantes os títulos de
propriedade, a fim de atingir a função social determinada constitucionalmente,
em prol da dignidade humana.
A Lei n. 11.977/09 dispõe sobre a regularização fundiária de interesse
social (RFIS) e a regularização fundiária de interesse específico (RFIE), conforme
disposto em seu art. 47.
A regularização fundiária de interesse social é aquela voltada para a
regularização de assentamentos irregulares ocupados, predominantemente,
por população de baixa renda, nos casos: a) em que a área esteja ocupada,
de forma mansa e pacífica, há, pelo menos, 5 (cinco) anos; b) de imóveis
situados em ZEIS29, ou; c) de áreas da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios declaradas de interesse para implementação de projetos de
regularização fundiária de interesse social, (inciso VII).
29
ZEIS são as Zonas Especiais de Interesse Social, previstas no artigo 4°, inciso V, alínea F, do Estatuto da Cidade (Lei
n. 10.257/01), as quais são realizados zoneamento destinados à população de baixa renda ao acesso dos serviços urbanos, à
infraestrutura, e à oferta de emprego e serviços, que deve ser previsto no plano diretor de um município.
46 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Já a regularização fundiária de interesse específico ocorre quando não
se caracteriza o interesse social (inciso VIII).
O artigo 48 aponta que a regularização fundiária respeitará os seguintes
princípios: I – ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa
renda, com prioridade para sua permanência na área ocupada, assegurados o
nível adequado de habitalidade e a melhoria das condições de sustentabilidade
urbanística, social e ambiental; II – articulação com as políticas setoriais de
habitação, de meio ambiente, de saneamento básico e de modalidade urbana,
nos diferente níveis de governo e com as iniciativas públicas e privadas, voltadas
à integração social e à geração de emprego e renda; III – participação dos
interessados em todas as etapas do processo de regularização; IV – estímulo à
resolução extrajudicial de conflitos, e; V – concessão do título preferencialmente
para a mulher.
Como destaca Daniel Keunecke Brochado “Desta feita, o legislador
através da Lei 11.977/09 introduziu em nosso ordenamento jurídico
instrumentos céleres para a regularização fundiária de assentamentos urbanos
(favelas, loteamentos irregulares ou clandestinos)”30. Um desses instrumentos, é
a usucapião administrativa, a qual passa-se a expor.

5.2 A usucapião administrativa e seu procedimento


A usucapião administrativa31 é um dos instrumentos que a Lei n.
11.977/09 traz para tratar da regularização fundiária nos assentamentos urbanos.
Como se sabe, a usucapião é considerada, pelo Código Civil, como
forma de aquisição de direito real pelo decurso do tempo. Para sua concretização,
atualmente, se faz necessário a propositura de uma ação judicial para declarar o
reconhecimento da prescrição aquisitiva sobre uma determinada propriedade
(art. 941 a 945 do CPC). Ou seja, atualmente, no Brasil, para que um indivíduo
tenha reconhecido seu direito, após preenchido satisfatoriamente os requisitos
da usucapião, de aquisição a um imóvel pelo decurso do tempo deve se sujeitar a
apreciação judicial, algo que na prática é extremamente moroso.
Objetiva-se mediante a usucapião administrativa a redução da
burocratização na aquisição de um imóvel pelo decurso do tempo; o que, inclusive
incentivou a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR) a
apresentar um Projeto de Lei que busca a regularização, a utilização desse instituto
para qualquer imóvel. Tem-se aqui uma ideia extremamente interessante que
facilitaria aos indivíduos a regularizar imóveis usucapiendos, evitando o longo e
30
BROCHADO, Daniel Keunecke. A regularização fundiária e a usucapião administrativa da Lei do Programa “Minha Casa
Minha Vida”. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2574, 19 jul. 2010 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/
texto/17004>. Acesso em: 7 abr. 2013.
31
Também denominada como “usucapião extrajudicial”.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 47
trabalhoso processo judicial. Porém, não há como negar que trata-se de tema que
exige uma melhor análise para sua aplicabilidade32.
Para Gabriela Lucena Andreazza,33 as etapas administrativas da
usucapião extrajudicial são: a) Averbação do Auto de Demarcação Urbanística; b)
Elaboração do Projeto de Regularização Fundiária; c) Registro do Parcelamento
decorrente do Projeto de Regularização Fundiária; d) Registro da Legitimação
de Posse; e) Registro da conversão da legitimação de posse em propriedade, ou;
f) Averbação do cancelamento da Legitimação da Posse.
Inicialmente, importa apontar que a usucapião administrativa só é
possível a regularização fundiária de interesse social (RFIS), ou seja, a usucapião
administrativa é um procedimento extrajudicial destinado, nos termos do artigo
47, inciso VII, à regularização fundiária de assentamentos irregulares ocupados,
predominantemente, por população de baixa renda, nos casos: a) em que a área
esteja ocupada, de forma mansa e pacífica, há, pelo menos, 5 (cinco) anos; b) de
imóveis situados em ZEIS, ou; c) de áreas da União, dos Estados, do Distrito
Federal dos Municípios declaradas de interesse para implantação de projetos de
regularização fundiária de interesse social.
Ainda, no artigo 50 são apresentados os legitimados a promover todos
os atos necessários à regularização fundiária, inclusive os atos de registro, a
saber: União, Estados, Distrito Federal e Municípios (caput), seus beneficiários,
individual ou coletivamente (inciso I); e, cooperativas habitacionais, associações
de moradores, fundações, organizações sociais, organizações de sociedade civil
de interesse público ou outras associações civis que tenham por finalidade
atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária
(inciso II).
Assim, o procedimento começará com a elaboração e averbação do
auto de demarcação urbanística34, identificando a área do assentamento e seus
ocupantes, observando os documentos descritos no artigo 56, § 1°.

Na prática, o auto de demarcação urbanística deverá ser


instruído com planta e memorial descritivo da área a ser
regularizada, de maneira que seja possível sua completa
especialização objetiva e subjetiva, planta de sobreposição

32
Sobre a iniciativa da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR) da usucapião via administrativa:
<http://registradores.org.br/valor-economico-cartorios-querem-tirar-usucapiao-do-judiciario/>.
33ANDREAZZA, Gabriela Lucena. Usucapião administrativa: reflexos no registro de imóveis. Jus Navigandi, Teresina, ano
17, n. 3387, 9 out. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22767>. Acesso em: 7 abr. 2013.
34
Art. 47. Para efeitos da regularização fundiária de assentamentos urbanos, consideram-se:
(...)
III – demarcação urbanística: procedimento administrativo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de
interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a
finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses.
48 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
do imóvel demarcado com as áreas já matriculadas e
certidão da matrícula ou transcrição da área35.

Antes de encaminhar o auto de demarcação urbanístico ao registro de


imóveis, o Poder Público deverá notificar os órgãos responsáveis pela administração
patrimonial dos demais entes federados, para que se manifestem no prazo de 30
(trinta) dias quanto: I – à anuência ou oposição ao procedimento, na hipótese de
a área a ser demarcada abranger imóvel público; II – aos limites definidos nos
autos de demarcação urbanística, na hipótese, de a área a ser demarcada confrontar
com imóvel público, e; III – à eventual titularidade pública da área, na hipótese
de inexistência de registro anterior ou de impossibilidade de identificação dos
proprietários em razão de imprecisão dos registros existentes (art. 56, § 2°).
Após o protocolo no Serviço de registro de imóveis do auto de
demarcação, será realizada a identificação do proprietário do imóvel objeto de
usucapião e a respectiva(s) matrícula(s).
Realizado a busca, o oficial de registro de imóveis deverá notificar
o proprietário e os confrontantes da área demarcada, pessoalmente ou pelos
correios, ou por solicitação ao oficial de registro de títulos e documentos da
comarca do imóvel ou domicílio de quem deva recebê-la, para, no prazo de 15
(quinze) dias, manifestar-se sobre os autos, em respeito aos princípios da ampla
defesa e do contraditório a qual devem ser respeitados tanto em procedimentos
administrativos como judiciais, conforme prevê o artigo 5°, inciso LV, da
Constituição Federal.
Na hipótese do proprietário e dos confrontantes não serem localizados,
o Poder Público deverá promover a notificação destes, assim como de demais
interessados, por meio de edital36.
Não impugnado no prazo estipulado, haverá a averbação da demarcação
urbanística na matrícula da área a ser regularizada
Havendo impugnação, o Poder Público terá o prazo de 60 (sessenta)
dias para manifestar-se, após notificação do oficial de registro de imóveis,
sendo concedido ao Poder Público propor a alteração do auto de demarcação
urbanística ou adotar qualquer outra medida que possa afastar a oposição do
proprietário ou dos confrontantes à regularização da área ocupada.

35
ANDREAZZA, Gabriela Lucena. Op. cit.
36
Art. 57. (...):
§ 3° São requistos para a notificação por edital:
I – resumo do auto de demarcação urbanística, com a descrição que permita a identificação da área a ser demarcada e seu desenho
simplificado;
II – publicação do edital, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, uma vez pela imprensa oficial e uma vez em jornal de grade
circulação local, e;
III – determinação do prazo de 15 (quinze) dias para apresentação de impugnação à averbação da demarcação urbanística.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 49
Caso observado na impugnação apresentada que há apenas
manifestação sobre parcela da área objeto dos autos, o procedimento seguirá em
relação à parcela não impugnada. “Nesta etapa a formação jurídica, a fé-pública
e o bom senso do Registrador Imobiliário devem prevalecer, pois a Lei atribuiu
ao Oficial a responsabilidade de intermediar interesses conflitantes e promover
tentativa de acordo entre o impugnante e o poder público”37.
Não ocorrendo acordo, a demarcação será encerrada em relação à área impugnada.
Realizada a averbação dos autos de demarcação urbanística no Serviço
de registro de imóveis, passar-se-á à elaboração do projeto de regularização
fundiária, o qual deverá definir, nos termos do artigo 51, os seguintes elementos:
I – as áreas ou lotes a serem regularizados e, se houver necessidade, as edificações
que serão relocadas; II – as vias de circulação existentes ou projetadas e, se
possível, as outras áreas destinadas a uso público; III – as medidas necessárias
para a promoção da sustentabilidade urbanística, social e ambiental da área
ocupada, incluindo as compensações urbanísticas e ambientais previstas em lei;
IV - as condições para promover a segurança da população em situação de risco,
considerando o artigo 3°, parágrafo único da lei n. 6.766/79, e; V – as medidas
previstas para adequação da infraestrutura básica.
A regularização fundiária pode ser implantada por etapas e o Município
definirá os requisitos para elaboração do projeto, no que refere aos desenhos,
ao memorial descritivo e ao cronograma físico de obras e serviços a serem
realizados, também, em relação aos assentamentos antes da lei 11.977/09, o
Município pode autorizar a redução de percentual de áreas destinadas ao uso
público e da área mínima dos lotes definidos na legislação de parcelamento do
solo urbano.
Após a elaboração do projeto de regularização, o parcelamento dele
decorrente deverá ser apresentado ao Registrador Imobiliário. Na hipótese
de projeto de regularização de interesse específico o requerimento deverá
obedecer os termos da lei 11.977/09, como também da lei n. 6.766/79, que
trata do parcelamento do solo urbano. Já, caso se tratar de interesse social, o
requerimento deve vir instruído com os documentos elencados no artigo 65,
independentemente do atendimento aos requisitos constantes da lei n. 6.766/79.
O registro do parcelamento resultante do projeto de regularização
fundiária deverá importar na abertura de matrícula para toda a área objeto de
regularização, se não houver, e, na abertura de matrícula para cada uma das
parcelas resultantes do projeto de regularização fundiária.
Feito isso, nos termos da lei, o Poder Público deverá conceder título
de legitimidade de posse aos ocupantes cadastrados.

37
ANDREAZZA, Gabriela Lucena. Op. cit.
50 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Para Gabriela Lucena Andreazza, a legitimação da posse se trata de um
direito real, uma vez que o ato de registro estaria reservada a atos constitutivos,
translativos, ou de renúncia de direitos reais sobre imóveis. Ademais, em respeito
ao princípio da taxatividade que norteia os direitos reais, a Lei n. 6.015/73, traz
em seu artigo 167 a possibilidade de registro stricto senso da legitimação de posse
em propriedade, como também a possibilidade de averbação de extinção da
legitimidade de posse38.
O registro da legitimação de posse constitui um direito em favor do
detentor da posse para fins de moradia, sendo que apenas será concedido àqueles
moradores que estiverem cadastrados pelo Poder Público e que não sejam
concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural, como
também não sejam beneficiários de legitimidade de posse concedida anteriormente.
Ainda, como aponta o § 2° do artigo 59, a legitimação da posse também
será concedida ao coproprietário de gleba, titular de cotas ou frações ideais,
devidamente cadastrados pelo Poder Público, desde que exerça seu direito em
um lote individualizado e identificado no parcelamento registrado.
Após realizado o registro da legitimação de posse, como aponta o
artigo 60, caput, o detentor do título, sem prejuízo dos direitos decorrentes da
posse exercida anteriormente, após o prazo de 5 (cinco) anos de seu registro,
poderá requerer ao oficial de registro de imóveis o registro da conversão desse
título em propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos
do artigo 183 da Constituição Federal. Porém, no caso de área urbana de mais
de 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), o prazo para requerimento
do registro da conversão do título de legitimação de posse em propriedade será
o estabelecido na legislação pertinente sobre usucapião.
Para requerer a conversão do título de legitimação de posse em
propriedade, ainda, o adquirente deverá apresentar a documentação exigida no
artigo 60, § 1°.
Caso o Poder Público constate que o beneficiário não está na posse
do imóvel e não houve registro de cessão de direitos, o título de legitimidade de
posse poderá ser extinto. Após esse procedimento, o Poder Público solicitará ao
oficial de registro de imóveis a averbação do seu cancelamento, nos termos do
inciso III, do art. 250 da Lei n. 6.015/73, a Lei de Registros Públicos.
Assim sendo, a medida é exclusivamente processada na esfera extrajudicial,
contribuindo para a desjudicialização dos procedimentos, desafogando o Judiciário
e valorizando o caráter jurídico da carreira de registros públicos.

38
ANDREAZZA, Gabriela Lucena. Op. cit.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 51
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito à propriedade está previsto na Constituição Federal de 1988,


no art. 5°, inciso XXII, como direito fundamental, sendo ainda determinado no
mesmo artigo, no inciso XXIII, a necessidade do atendimento função social,
podendo, inclusive, haver a expropriação do proprietário que não cumprir tal
exigência, nos termos do inciso XXIV.
Dessa forma, o titular do domínio é despido das clássicas
prerrogativas individuais e absolutas, obrigando-se a dar destinação ao
bem, não porque lhe gerará riquezas, mas sim porque contribuirá para o
desenvolvimento da coletividade.
Na hipótese de o proprietário não utilizar sua propriedade em
consonância com sua função social, seja porque abandonou ou simplesmente
mal utilizou dela, resta possível a aplicação da teoria da função social da posse, a
qual pode ser concretizada mediante a posse trabalho ou posse moradia.
O reconhecimento da função social da posse pode proporcionar de
resolução de vários problemas sociais brasileiros que desde muito tempo trazem
consequências negativas para o nosso país, como a concentração de terra nas
mãos de poucos, concentração de pobreza tanto na periferia como no campo,
elevados índices de crescimento demográfico, insuficiência de moradia.
Pode-se perceber o reconhecimento da importância da teoria da
função social da posse na Lei n. 11.977/09, ao dispor sobre o instituto da
usucapião administrativa.
A lei n. 11.977/09, ao apresentar uma nova modalidade de usucapião,
por via extrajudicial, busca uma forma a mais de combater o déficit habitacional
urbano, visto como um dos grandes problemas do país, valendo-se de relevante
instrumento em prol da desburocratização da regularização fundiária.
Outrossim, a usucapião administrativa não representa afronta
injustificada ao direito de propriedade. O titular do domínio não é
sumariamente despojado de seu bem imóvel. Como não poderia deixar de
ser em um Estado Democrático de Direito, ao proprietário é oportunizada a
impugnação ao procedimento.
Todos estes atos se processam na esfera extrajudicial, contribuindo
para desonerar o já assoberbado Poder Judiciário, ao mesmo tempo em que
reforça a importância do registrador imobiliário.
Por fim, resta importante ressaltar que o procedimento de regularização
fundiária da Lei 11.977/2009, ao determinar sua direção aos serviços de registros,
impõe ao registrador imobiliário um maior comprometimento com a inclusão
social de cada brasileiro e com a ampliação do acesso à cidadania.

52 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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lei de reforma agrária - Lei n° 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Rio de Janeiro:
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Federal: promulgada em 5 de outubro de 1988. vol. 2. São Paulo: Saraiva. 1989.
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br/site/?n_link= revista_artigos_leitura&artigo_id=12222>. Acesso em abr 2013.
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MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade:
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Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 53


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revista/texto/22699>. Acesso em: 7 abr. 2013.

Recebido em: 30-05-2013.


Aceito em: 16-06-2013.

54 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


OSCIP’S E A NECESSIDADEDE LICITAÇÃO

Gustavo Donizete da Matta FERREIRA1


Marcelo Henrique Matos OLIVEIRA2

Resumo: O objetivo desse trabalho é analisar se as


OSCIPs que recebem recursos públicos, através do Termo
de Parceira, estão obrigadas a realizar prévio processo
licitatório, na hipótese de pretenderem contratar serviços
e adquirir bens perante a iniciativa privada.

Palavras-chave: Reforma Administrativa. Licitação.


Terceiro Setor. OSCIP.

Abstract: The aim of this paper is to analyze whether OSCIPs


receiving public funds through the Term Partnership, are required
to perform prior procurement process, in case they wish to purchase
goods and contract services towards the private sector.

Keywords: Administrative Reform. Procurement. Third Sector.


OSCIP.

1. INTRODUÇÃO

A necessidade de realizar licitação pública quando as OSCIPs


estiverem celebrando contratos com os recursos advindos do poder público
é questão polêmica e atual. Boa parte da doutrina e da jurisprudência insiste
na desnecessidade da licitação. Essa, inclusive, parece ser a tendência no
sistema jurídico brasileiro. Todavia, esse entendimento esbarra nos princípios
administrativos e na legislação federal.
Antes de posicionar sobre o tema, foram tecidas considerações
sobre o Terceiro Setor e sobre as Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público, a fim de demonstrar a importância do debate acadêmico e
situar o leitor. Ao final, diante dos argumentos pró e contra a necessidade de
licitação, foi apresentada a posição que mais se coaduna com a necessidade
Especialista em Direito Público pela Universidade Newton Paiva/BH. Procurador do Município de Uberaba.
1

Mestre em Direito Coletivo, Cidadania e Função Social pela Universidade de Ribeirão Preto/SP. Membro do Instituto
2

Brasileiro de Direito Processual. Advogado.


Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 55
vivenciada pela Administração Pública e com os princípios da supremacia e
indisponibilidade do interesse público.
Desse modo, espera-se com esse trabalho que as reflexões extraídas
possam colaborar com o controle, e mesmo melhorar o modelo, para que essas
entidades possam atuar ao lado da Administração de maneira transparente e
eficiente na busca dos objetivos comuns.

2. REFORMA DO ESTADO E TERCEIRO SETOR

O Estado liberal consolidou-se após a Revolução Francesa de 1789,


com o objetivo de suceder o Estado Absolutista. Teve como fundamentos a
não-intervenção do Estado na economia, adoção da separação de poderes de
Montesquieu, vigência do princípio da igualdade formal, limitação do poder
governamental e reconhecimento de direitos individuais.
Todavia, a não-intervenção Estatal acarretou em concentração de
riqueza e exclusão social, deixando de lado questões sociais e permitindo o
crescimento desenfreado do capitalismo, prejudicando a classe trabalhadora.
Por conta disso, surgiu a necessidade de um novo modelo que
permitisse a aplicação do princípio da igualdade material, a intervenção do Estado
na economia e a realização da justiça social. Esse novo modelo denominado
de Estado Social fez com que fossem reconhecidos e positivados direitos
econômicos, sociais e culturais.
No entanto, o Estado, ao assumir a prestação de tantos serviços sem
possuir recursos e estrutura suficiente, gerou o descontentamento da população
com o aumento da carga tributária e a má qualidade da atividade desempenhada.
Assim, foi imprescindível a mudança de paradigma. O novo
pensamento, influenciado pelo raciocínio neoliberal, afirmou a necessidade
de reduzir a intervenção do Estado no mercado e a equacionar os gastos,
especialmente os destinados à prestação de serviços públicos.
No Brasil, a revisão do modelo administrativo começou com a reforma
da administração pública realizada entre os anos de 1995 e 1998 e foi marcada
pela tentativa de implantação de um modelo de administração gerencial:

Desde a última década do século passado vem sendo


promovida no Brasil uma série de alterações constitucionais
e legais com o objetivo de implantar entre nós um modelo
de administração pública conhecido como “administração
gerencial”, fundado, em tese, no princípio da eficiência,
visando a substituir o padrão tradicional de Administração
Pública, dita burocrática, cuja ênfase recai sobre o princípio
da legalidade (ALEXANDRINO E PAULO, p. 131).
56 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
A crise vivenciada pelo Estado em não conseguir desempenhar, de
forma eficiente, todas as atribuições que lhe foram impostas pela Constituição
Federal, fez com que a doutrina pregasse um “Estado mínimo”, cujo principal
objetivo é retirar do setor público todas as áreas em que sua atuação não seja
imprescindível, em busca da eficiência.
É nesse cenário que surge o Terceiro Setor, composto por entidades privadas,
sem fins lucrativos3, que exercem atividades de interesse público, não exclusivas
de Estado, recebendo fomento do Poder Público. Também são denominadas de
“paraestatais”, por atuarem ao lado do Estado, sem com ele se confundir4.
Segundo Salomon e Anheir (1997), essas entidades possuem as
seguintes características:

1)Estruturadas - possuem certo nível de formalização de


regras e procedimentos, ou algum grau de organização
permanente.
2)Privadas - estas organizações não têm nenhuma relação
institucional com governos, embora possam dele receber
recursos.
3)Não distribuidoras de lucro - nenhum lucro gerado
pode ser distribuído entre seus proprietários ou dirigentes.
Portanto, o que distingue essas organizações não é o fato
de não possuírem “fins lucrativos”, e sim, o destino que é
dado a estes, quando existem, pois devem ser dirigidos à
realização da missão da instituição.
4)Autônoma - possuem os meios para controlar a própria
gestão, não sendo controladas por entidades externas.
5)Voluntárias – envolvem um grau significativo de
participação voluntária.

De acordo com a doutrina, ainda temos o Primeiro Setor, que é o próprio


Estado, entendido como um todo em que se incluem a Administração Direta e
Indireta, com a missão de “dar oportunidades isonômicas para que a população
tenha acesso a serviços públicos de excelente qualidade” (MARINELA, p. 173).
E o Segundo Setor, refere-se ao mercado, no qual vigora a livre iniciativa e que
tem no lucro sua principal motivação.
3
Considera sem fins lucrativos a entidade que “não distribui, entre os seus sócios ou associados conselheiros, diretores, empregados
ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações participações ou parcelas do seu
patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto
social” (art. 1, §1º, da lei n. 9.790/99).
4
Entendemos que nenhuma entidade integrante da Administração Pública (em sentido Subjetivo) pode ser considerada
“paraestatal”. Todavia, José dos Santos Carvalho Filho (p.422) leciona: Seja como for, a expressão, a nosso ver, e tendo em vista
o seu significado, deveria abranger toda pessoa jurídica que tivesse vínculo institucional com a pessoa federativa, de forma a receber
desta os mecanismos estatais de controle. Estariam, pois, enquadradas como entidades paraestatais as pessoas da administração
indireta e os serviços sociais autônomos.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 57
Simone de Castro Tavares Coelho (2000) assevera que o termo
Terceiro Setor “expressa uma alternativa para as desvantagens tanto do mercado,
associadas à maximização do lucro, quanto do governo, com sua burocracia
inoperante. Combina a flexibilidade e a eficiência do mercado com a equidade e
a previsibilidade da burocracia pública”.
É certo que, a partir da reforma administrativa, esse novo segmento,
composto por entidades de origem privada, autônomas e altruísticas, têm sido
fortalecidas, dentre elas podemos citar as Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIP), objeto deste estudo.

3. ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE


PÚBLICO (OSCIP)

Organização da Sociedade Civil de interesse Público, também


denominada de OSCIP, foi instituída pela lei nº 9.790 de 1999, e trata-se de uma
qualificação jurídica atribuída a pessoas jurídicas de direito privado, sem fins
lucrativos, que atuam na prestação de serviços sociais não exclusivos do Estado.
Maria Sylvia Di Pietro, conceitua:

Trata-se de qualificação jurídica dada a pessoas jurídicas de


direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa
de particulares, para desempenhar serviços sociais não
exclusivos do Estado com incentivo e fiscalização pelo
Poder Público, mediante vinculo jurídico instituído por
meio de termo de parceria (PIETRO, p. 499).

De acordo com o artigo 9º e seguintes da referida lei, é necessário a


celebração de Termo de Parceria para formalizar a relação com a Administração
e permitir o fomento e a execução de atividades de interesse público5.
Esse termo firmado de comum acordo entre o Poder Público e as
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público discriminará direitos,
responsabilidades e obrigações das partes envolvidas.
A lei disciplina, ainda, as clausulas essenciais do Termo, tais como: a)
estipulação do objeto, que conterá a especificação do programa de trabalho; b)
estipulação das metas e dos resultados a serem atingidos e os respectivos prazos
de execução ou cronograma; c) previsão expressa dos critérios objetivos de
avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de resultado;
5
Lei nº 9.790 de 1999. Art. 9º Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado
entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à
formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas
no art. 3º desta Lei.
58 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
d) previsão de receitas e despesas a serem realizadas em seu cumprimento,
estipulando item por item as categorias contábeis usadas pela organização
e o detalhamento das remunerações e benefícios de pessoal a serem pagos,
com recursos oriundos ou vinculados ao Termo de Parceria, a seus diretores,
empregados e consultores; e) a que estabelece as obrigações, entre as quais a
de apresentar ao Poder Público, ao término de cada exercício, relatório sobre
a execução do objeto do Termo de Parceria, contendo comparativo específico
das metas propostas com os resultados alcançados, acompanhado de prestação
de contas dos gastos e receitas efetivamente realizados; f) de publicação, na
imprensa oficial do Município, do Estado ou da União, conforme o alcance
das atividades celebradas entre o órgão parceiro e a Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público, de extrato do Termo de Parceria e de demonstrativo
da sua execução física e financeira, conforme modelo simplificado estabelecido
no regulamento desta Lei, contendo os dados principais da documentação
obrigatória do inciso V, sob pena de não liberação dos recursos previstos.
A qualificação como OSCIP ocorre mediante ato vinculado do
Ministério da Justiça, após o preenchimento dos requisitos legais. Não se trata de
uma nova entidade; “é uma pessoa jurídica já constituída que ganha esse status
temporário, durável enquanto houver a parceria (MARINELA, p. 184)”.
Em outras palavras, não se trata da instituição de nova entidade, mas
da atribuição do status de organização da sociedade civil de interesse público
a pessoas jurídicas criadas de acordo com o Direito Privado. Não integram a
Administração Pública Direta ou Indireta (GASPARINI, p. 526).
As finalidades desenvolvidas por essas pessoas estão contidas no artigo
3º da lei, que assinala, por exemplo, a promoção da assistência social, promoção
da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico, promoção
gratuita da educação, promoção da segurança alimentar e nutricional, defesa,
preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento
sustentável, promoção do voluntariado, promoção do desenvolvimento
econômico e social e combate à pobreza, promoção da ética, da paz, da
cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais,
dentre outros.
A entidade perderá a qualificação como OSCIP quando descumprir
as normas estabelecidas na lei, mediante decisão em processo administrativo
ou judicial, de iniciativa popular ou do Ministério Público, assegurado o
contraditório e a ampla defesa.
Embora essas entidades assemelham-se muito com as
Organizações Sociais, com elas não podem ser confundidas. Diferenciam-
se nos seguintes pontos: a outorga da qualificação é um ato vinculado, não
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 59
celebram contrato de gestão, o Poder Público outorgante da qualificação
não participa da sua administração, seus objetivos são mais amplos e não
se destinam a substituir o Poder Público na prestação de certos serviços
públicos (GASPARINI, p. 528).
Na cidade de Uberaba, Estado de Minas Gerais, existem as seguintes
organizações com essa qualificação: INSTITUTO CHICO XAVIER – ICX,
CENTRO DE ESTUDOS E PROMOÇÃO AO ACESSO À JUSTIÇA -
“CEPAJ”, INSTITUTO PROFESSOR “EURÍPEDES BARSANULFO” –
IPEB, INSTITUTO DJALMA SANTOS - I.D.S., dentre outros.

4. OSCIP E A NECESSIDADE DE LICITAÇÃO

A licitação pode ser definida como o procedimento administrativo


pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os
interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório,
a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a
mais conveniente para a celebração do contrato (DI PIETRO, p. 350).
Como procedimento administrativo, desenvolve-se através de uma
sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes,
o que concede igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de
eficiência e moralidade dos negócios administrativos (MEIRELLES, p. 287).
A expressão ente público no exercício de função administrativa é
justificada pelo fato de que mesmo as pessoas jurídicas de direito privado que
exerçam função pública, submetem-se à licitação. (DI PIETRO, p. 350)
A participação na licitação é aberta a todos os interessados que se
sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, deixando evidente
que possui como pressuposto a competição.
A doutrina é pacifica quanto aos traços essenciais apresentados acima e
a duas tradicionais finalidades da licitação: Obtenção do contrato mais vantajoso
e resguardo dos direitos de possíveis contratados. (MEIRELLES, p. 288)
A lei federal 8.666/93, que regulamenta os artigos 22, inciso XXVII
e 37, inciso XXI, da Constituição Federal, definiu normas gerais de licitação e
contratos da Administração Pública direta e indireta da União, Estados, Distrito
Federal e Municípios.
Subordinam-se, ainda, ao regime desta Lei, além dos órgãos
da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações
públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais
entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito
Federal e Municípios.

60 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


Dessa forma, as obras, serviços, inclusive de publicidade, compras,
alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando
contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação.
Por sua vez, a lei nº 9.790/99, regulamentada pelo Decreto Federal
nº 3.100/99, alterado pelo Decreto Federal nº 7.568/2011, que dispõe sobre
a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado como Organizações
da Sociedade Civil de Interesse Público, não exigiu a realização de licitação
pública prévia para o emprego de recursos a ela repassados pelo Estado
e contidos no Termo de Parceria, o que causa celeuma na doutrina e
jurisprudência de nossos tribunais.
O art. 14 da Lei 9.790/99 dispõe que: “A organização parceira fará
publicar, no prazo máximo de trinta dias, contado da assinatura do Termo de
Parceria, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para
a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de
recursos provenientes do Poder Público, observados os princípios estabelecidos
no inciso I do art. 4o desta Lei”.
Por sua vez, o art. 4º, inc. I, exige a observância dos princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência.
Diante disso, parcela da doutrina e jurisprudência6, afirmam que a
lei especial nº 9.790/99, prevê a instituição de regulamento específico para a
aquisição de bens e serviços, observado os princípios gerais da Administração
Pública, não se sujeitando aos dispositivos da lei de Licitações.
Todavia, esse não parece ser o melhor entendimento. A existência da
Lei n.º 8.666/93, que trata das licitações, é considerada um marco da redução
da corrupção no país. Os controles estipulados por ela contribuem para a
transparência e eficiência na aplicação dos recursos advindos do Poder Público.
Trata-se, é certo, de uma precaução legítima tomada pelo legislador.
Não obstante, o artigo 14 da lei 9.790/99 quando autoriza as OSCIPS
a elaborarem e publicarem regulamento próprio contendo os procedimentos
para a contratação de obras e serviços e para compras com emprego de recursos
públicos, está colidindo com os princípios da supremacia do interesse público
sobre o particular e a sua indisponibilidade, considerados pedras de toque do
Direito Administrativo (MELLO, p. 96).

6
RESOLUÇÃO Nº 198/2010 – TCE – Pleno. Processo n° 3287/2008. Relatora: Conselheira DORIS DE MIRANDA
COUTINHO. (...) Se a entidade civil for uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, com a qual a
Administração efetue um termo de parceria, a resposta será que não se aplicam as regras insertas nas Leis nº 8.666/1993 e
10.520/2002, nem as previstas no Decreto Federal nº 5.504/2005. Consequentemente também inaplicáveis as normas relativas
aos Convênios, especificamente a Instrução Normativa TCE/TO nº04/2004, quando forem adquirir bens ou contratar serviços
e obras junto à iniciativa privada com recursos públicos.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 61
No nosso ordenamento jurídico a competência para legislar sobre licitações
é privativa da União. O art. 22 da Constituição, em seu inciso XXVII, estabelece:

Art. 22 – Compete privativamente à União legislar sobre:


(…)
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em
todas as modalidades, para a administração pública, direta e
indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo
Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas
sob seu controle.

A Constituição Federal estabelece ainda, no artigo 37, inciso XXI:

Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,


serviços, compras e alienações serão contratados mediante
processo de licitação pública que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições
efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente
permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Essa competência já foi exercida com a criação da lei n.º 8.666/93. Tal
norma, nos termos do artigo 70 da Constituição Federal, aplica-se a todos as pessoas
físicas ou jurídicas de direito público ou privado, que utilizem, arrecadem, guardem,
gerenciem ou administrem dinheiros, bens e valores públicos, ou pelos quais a União
responda, ou que em nome desta, assumam obrigações de natureza pecuniária7.
A própria Lei n.º 9.790/99 instituiu, no artigo 4º, inciso VIII, “d”, que
“a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos
pelas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público será feita conforme
determina o parágrafo único do artigo 70 da Constituição Federal”.
Dessa forma, os regulamentos próprios mencionados no artigo 14 da
Lei n.º 9.790/99, subordinam-se às normas estabelecidas na Lei n. 8.666/93,
quanto à contratação serviços e obras, com a utilização de recursos públicos.
No mesmo sentido, os ensinamentos de Maria Sylvia Zanela Di Pietro
(p. 339), ao defender que os recursos repassados a entidades privadas não
modificam sua natureza:
7
CF. Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da
administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas,
será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie
ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de
natureza pecuniária.
62 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Essa necessidade de controle se justifica em relação aos
convênios precisamente por não existir neles a reciprocidade
de obrigações presente nos contratos; as verbas repassadas
não têm a natureza de preço ou remuneração que uma das
partes paga à outra em troca de benefício recebido. Vale dizer
que o dinheiro assim repassado não muda a natureza por
força do convênio; ele é utilizado pelo executor do convênio,
mantida a sua natureza de dinheiro público. Por essa razão, é
visto como alguém que administra dinheiro público, estando
sujeito ao controle financeiro e orçamentário previsto no
artigo 70, parágrafo único, da Constituição.

Ademais, o Decreto nº 5.504/20058 exige que as Organizações da


Sociedade Civil de Interesse Público procedam à contratação de obras, serviços,
compras e alienações, mediante procedimento licitatório prévio:

Art. 1º Os instrumentos de formalização, renovação ou


aditamento de convênios, instrumentos congêneres ou de
consórcios públicos que envolvam repasse voluntário de
recursos públicos da União deverão conter cláusula que
determine que as obras, compras, serviços e alienações a
serem realizadas por entes públicos ou privados, com os
recursos ou bens repassados voluntariamente pela União,
sejam contratadas mediante processo de licitação pública, de
acordo com o estabelecido na legislação federal pertinente.

Essa norma salienta que a utilização das verbas públicas repassadas


às Oscip, deve observar as normas constitucionais e legais, estando em perfeita
harmonia com a lei nº 8.666/93 e com o artigo 37, inciso XXI da Constituição
Federal. Por isso, é perfeitamente possível o acolhimento do Decreto n°
5.504/2005 como norma aplicável à situação.
No mesmo sentido, Diogenes Gasparini leciona:

[...]No entanto devem licitar quando obras, compras,


alienações e serviços de seus interesses forem realizados
com recursos por elas administrados, oriundos de repasse da

8
Em sentido contrário, pugnando pela ilegalidade do Decreto 5.504/05: RESOLUÇÃO Nº 198/2010 – TCE – Pleno.
Processo n° 3287/2008. Relatora: Conselheira DORIS DE MIRANDA COUTINHO 2.6.3 – Embora seja louvável
a iniciativa do Governo Federal, entendemos que o decreto ora enfocado é ilegal, por diversos aspectos, e jamais poderia instituir
validamente a obrigatoriedade de licitar às OSCIPS, em relação às contratações de bens e serviços com recursos financeiros federais
derivados dos Termos de Parceria eventualmente firmados com o Poder Público o Decreto nº 5.504/05 afronta o inc. XXVII
do art. 22 e o inc. XXI do art. 37, ambos da Constituição da República. Os dois preceitos constitucionais são de clareza solar
quando estipulam como destinatários da obrigatoriedade de licitar os órgãos e entidades da Administração Pública direta e
indireta.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 63
União em face do termo de parceria, conforme determina
o §5º do art. 1 do Decreto federal n. 5.504, de 5 de agosto
de 2005. Esse decreto vai mais além, pois determina que
a aquisição de bens comuns e a contratação de serviços
comuns sejam promovidas via pregão eletrônico, consoante
prescreve o §1º desse artigo, mandando observar o
mencionado §5º. (GASPARINI, p. 528)

Parcela da doutrina, entretanto, assevera que o Decreto nº 6.170/2007,


que estabelece normas relativas às transferências de recursos da União mediante
convênios e contratos de repasse, fez exigência diversa da prevista no Decreto
nº 5.504/2005 e o derrogou. O artigo 11 determina que:

Para efeito do disposto no art. 116 da Lei nº 8.666, de 21


de junho de 1993, a aquisição de produtos e a contratação
de serviços com recursos da União transferidos a entidades
privadas sem fins lucrativos deverão observar os princípios
da impessoalidade, moralidade e economicidade, sendo
necessária, no mínimo, a realização de cotação prévia de
preços no mercado antes da celebração do contrato.

Por conta disso, alegam que a licitação deixou de ser obrigatória para
a aquisição de bens e serviços, sendo suficiente a cotação prévia de preços no
mercado e a observância dos princípios aludidos no artigo.
Contudo, a interpretação de que essa regra genérica derrogou a
regra específica para as Oscips contida no Decreto 5.504/2005 é equivocada,
vez que se trata de uma relação de norma geral e norma especifica. Em casos
como esse, o §2 do art. 2 da Lei de Introdução as Normas de Direito Brasileiro
estabelece que a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par
das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. Portanto, as duas irão
coexistir. (ALEXANDRINO e PAULO, p. 153).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reforma administrativa ocorrida na década de 90, visando a maior


eficiência e redução dos custos, propôs a transferência de atividades que não
envolviam o exercício do poder de estado à iniciativa privada, tais como:
promoção da assistência social; promoção da cultura, da defesa e conservação
do patrimônio histórico e artístico; promoção gratuita da educação e da saúde,
mediante atuação complementar à do Estado; promoção da segurança alimentar
e nutricional; entre outras.

64 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


Diante dessa concepção, as entidades do Terceiro Setor, especialmente
as Oscips, passaram a ser parceiras estratégicas na prestação de serviços de
interesse comum. Essas organizações, ao firmarem Termo de Parceria com
a Administração Pública, recebem recursos públicos e, consequentemente,
assumem todos os deveres de qualquer gestor público, sujeitando-se aos
princípios da impessoalidade, da legalidade, da moralidade e às normas que
regem a gestão da coisa pública e o dever de prestar contas.
Assim, as Oscips quando contratarem obras, compras, serviços
e alienações, com recursos advindos do Poder público, previstos no Termo
de Parceria, deverá realizar licitação, de acordo com a lei de Licitação (lei
8.666/93) e com o Decreto 5.504/2005. Esse posicionamento vai ao encontro
da norma contida no artigo 37, inciso XXI, e do artigo 70, parágrafo único, da
Constituição Federal.

6. REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo Descomplicado / Marcelo


Alexandrino, Vicente Paulo. 20 ed. Rio de Janeiro: Método, 2012.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
COELHO, Simone de Castro Tavares. Terceiro Setor: um estudo comparado entre
Brasil e Estados Unidos. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2009.
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 6 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 38 ed. São Paulo:
Malheiros, 2012.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São
Paulo: Malheiros, 2011.
SALAMON, lester M. & ANHEIER, Helmut k. Defining the nonprofit sector: A cross-
national analysis; Manchester: Manchester University Press, 1997.
SOUZA, Leandro Marins de. Tributação do terceiro Setor no Brasil – São Paulo:
Dialética, 2004.

Recebido em: 20-06-2013


Aceito em: 30-07-2013

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 65


66 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
ACERCA DAS INOVAÇÕES PROPOSTAS
NO NOVO CÓDIGO PENAL

Ana Victoria de Paula SOUZA1

Resumo: Trata-se de artigo que discorre sobre o Projeto


de lei do novo Código Penal, que tramita perante
o Congresso Nacional (PLS 236/2012). Referido
projeto condensa toda a legislação penal, revisando
os atuais tipos penais, e propõe novos crimes, entre
eles, a permissão de eutanásia, o aborto, a perseguição
obsessiva ou insidiosa, a intimidação vexatória, o
molestamento sexual e o terrorismo.

Palavras-chave: Reforma do Código Penal. Projeto de Lei


236/12. Novos tipos penais. Eutanásia. Aborto.Terrorismo.

Abstract: This article discusses the New Penal Code´s


Bill(PLS 236/2012), recently introduced in the Brazilian
Parliament, regarding new legal concepts of crimes such as
permission for euthanasia, abortion, stalking , bullying , sexual
harassment and terrorism.

Keywords: Reform of the Penal Code. New crimes: euthanasia,


abortion, terrorism.

1. INTRODUÇÃO

O atual Código Penal Brasileiro foi promulgado em 1940, e entrou em


vigor no dia 1º de janeiro de 1942. É notório que um Código Penal representa os
valores de uma sociedade, destacando bens jurídicos que devem ser preservados
em determinada época e momento específico. Ocorre que, nestes últimos 70
anos, presenciamos profundas modificações no mundo, e consequentemente,
na sociedade.

1
Doutoranda e Mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP, professora e advogada.

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 67


Em 1940, começava a Segunda Guerra Mundial; o Brasil era presidido por
Getúlio Vargas que, em 1934, revogou a Constituição vigente. Em 1937, promulgou
a Carta Constitucional e instituiu o Estado Novo. Nesta época, verificou-se, na
realidade, uma “ditadura pura e simples, com todo o Poder Executivo e Legislativo
concentrado nas mãos do Presidente da República, que legislava por meio de
decretos-leis que ele mesmo posteriormente aplicava, como órgão do Executivo”.2
Com efeito, este era o cenário no período em que o Código Penal foi elaborado.
Os ventos que sopravam por aqui eram ditatoriais, de inspiração fascista.
Em outubro de 1988, foi promulgada a Constituição Brasileira na qual,
conforme dispõe o seu artigo 1º, a República Federativa do Brasil (formada
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal)se
constituiem Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, entre
outros, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF).
O Código Penal foi recepcionado, mas é certo que a sua interpretação
foi sendo modificada ao longo destes 24 anos, a fim de se coadunar à Carta
Magna e ao seu espírito democrático.
Desde a promulgação do Código Penal, em 1940, mudaram os tempos e
a criminalidade evoluiu.3 A sociedade passou a valorar outros bens além daqueles
já tutelados pela norma,e a clamar por novas leis que alberguem esses novos
valores. Deste modo, a fim de atender a essa necessidade, ou talvez apenas para
aplacar a grita popular, o legislador passou a promulgar leis esparsas. Citamos
como exemplo a lei dos crimes hediondos, a lei dos crimes contra o sistema
financeiro nacional, a lei dos crimes contra a ordem tributária, a lei de Drogas,
a lei dos crimes contra o meio ambiente, a lei de trânsito, mais recentemente,
a Lei “Carolina Dieckmann”4 e, por fim, a Lei n. 12.720 de 27 de setembro de
2012, que tipifica o crime de constituição de milícia privada. Essas reformas se
tornaram constantes, muitas vezes contraditórias e conflitante com a legislação
extravagante ou com o próprio Código Penal.
Há muito que se pretende um novo Código Penal em consonância
com a Constituição Federal, que observe a ordem constitucional de valores,
obedeça a uma ordem interna e prime pela sistematização.Algumas comissões já
foram constituídas com este objetivo, mas malograram.

2. O PROJETO DE LEI DO SENADO, PLS 236 DE 2012: UM NOVO


CÓDIGO PENAL

Em 2011, o Senado Federal constituiu uma Comissão de Juristas a fim


de elaborar um projeto de Código Penal adequado aos ditames constitucionais
2
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83-84
3
Ressaltamos que em 1984, a Parte Geral do Código Penal foi alterada pela Lei 7209.
4
Lei n. 12.737 de 7 de agosto de 2007, que dispõe sobre os crimes informáticos.
68 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
“e às novas exigências de uma sociedade complexa e de risco” (Requerimento n.
756/2011). A justificativa apresentada foi que:

Em contraste com uma dinâmica social cada dia mais


veloz, globalizada e tecnológica, nosso atual Código Penal
é oriundo do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940, com revisão de sua parte geral pela Lei nº 7.209, de
11 de julho de 1984, o que revela um notável grau de atraso
e falta de sintonia com as exigências contemporâneas de
segurança e proteção da população.

E continua:

Com efeito, se de um lado o Direito comumente anda a


reboque da evolução social, de outro o legislador deve
sempre estar atento para a necessidade de atualização dos
preceitos normativos, sob pena de gerar injustiça e falta de
efetividade das normas, o que se torna dramático na seara
penal, que trata da proteção dos maiores bens jurídicos do
ser humano: a vida e a liberdade. Desse modo, inúmeros são
os argumentos que justificam a necessidade de uma revisão
geral e de uma sistematização das leis penais em nosso país.
Primeiro, porque, a Constituição de 1988, ao direcionar o
Brasil rumo à construção de um Estado social e democrático
de Direito, superou velhos dogmas do liberalismo clássico
ao contemplar em seu texto os direitos sociais como direitos
fundamentais e, junto a eles, a exigência de ações políticas
positivas por parte do Estado visando a sua implementação.
Como consequência, a tutela do Direito se desloca de um
lugar da não intervenção estatal para o lugar da proteção
coletiva da sociedade, tendo a dignidade da pessoa humana
como valor central do sistema jurídico. Nesse passo, o bem
jurídico constitucional transcende o âmbito individual e
passa a englobar também os direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos, o que implica em maior proteção
da sociedade a partir de dois vetores básicos: a proibição de
excesso e a proibição da proteção deficiente.

A Comissão de Juristas foi criada em outubro de 2011, e liderada pelo


Ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dip. Integraram a Comissão:
Maria Thereza Moura, Antonio Nabor Areias Bulhões, Marcelo Leal Lima
Oliveira, Emanuel Messias Oliveira Cacho, Técio Lins e Silva, René Ariel Dotti,
Marcelo Leonardo, Gamil Föppel El Hireche, José Muiños Piñeiro Filho, Tiago
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 69
Ivo Odon, Juliana Garcia Belloque, Luiz Flávio Gomes, Luiza Nagib Eluf, Luiz
Carlos dos Santos Gonçalves, e Marcelo André de Azevedo. Posteriormente,
foi incluído como membro Marco Antonio Marques da Silva. Após o início dos
trabalhos, Maria Thereza Rocha de Assis Moura e René Ariel Dotti pediram
afastamento, por razões pessoais. Por indicação do Presidente da Comissão de
Reforma, Min. Gilson Dipp, foi escolhido Relator Geral dos Trabalhos Luiz
Carlos dos Santos Gonçalves.
A Comissão de Reforma aceitou, portanto, as seguintes tarefas: a)
modernizar o Código Penal; b) unificar a legislação penal esparsa; c) estudar
a compatibilidade dos tipos penais existentes com a Constituição de 1988,
descriminalizando condutas e, se necessário, prevendo novas figuras típicas; d)
tornar proporcionais as penas dos diversos crimes, a partir de sua gravidade
relativa; e) buscar formas alternativas, não prisionais, de sanção penal.5 Com a
finalidade de realizar este trabalho hercúleo foram criadas três subcomissões: a) a
da parte geral; b) a da parte especial; e c) a da legislação extravagante. E o prazo
foi fixado em 180 dias.
Pretendeu a Comissão de Juristas reunir toda a legislação penal
esparsa em uma única lei: o Código Penal e, assim, unificá-la. O passo seguinte
foi analisar cada crime previsto pelo Código Penal de 1940 e na legislação
extravagante, verificando se continuam necessários e atuais; se há tipos
semelhantes previstos em outras leis e se as penas previstas são proporcionais
à gravidade do crime.
Segundo a Comissão, foi feito um estudo da legislação penal em vigor
por meio do qual todas as leis, com alguma implicação de direito penal material
foram analisadas. Além disso, houve a preocupação em verificar:

a) da necessidade de adequação às normas da Constituição


de 1988 e aos tratados e convenções internacionais;
b) da intervenção penal adequada e conforme entre a
conduta e a resposta de natureza penal por parte do Estado;
c) da seleção dos bens jurídicos imprescindíveis à paz social,
em harmonia com a Constituição;
d) da criminalização de fatos concretamente ofensivos aos
bens jurídicos tutelados;
e) da criminalização da conduta apenas quando os outros
ramos do direito não puderem fornecer resposta suficiente;
f) da relevância social dos tipos penais;
g) da necessidade e da proporcionalidade da pena.6

5
Neste sentido, o PLS 236/2012, p. 3.
6
PLS 236/2012, p.6.
70 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Em 27 de junho de 2012, o trabalho foi encerrado e resultou no
Anteprojeto de Código Penal, entregue ao Presidente do Senado Federal que,
atualmente, tramita como PLS n. 236/2012.
Apresentado, o anteprojeto foi duramente criticado, principalmente
pelo açodamento com que o texto foi formulado: 180 dias.7 Miguel Reale Jr., um
dos maiores críticos do código projetado, afirma que este novo Código Penal não
pode ser “consertado”8, e caso se pretenda uma nova lei penal, que se proponha
outra, desprezando-se o atual projeto.9
Em que pesem as críticas dirigidas ao código proposto, é certo que
já tramita perante o Senado Federal e poderá ser promulgado. Com base neste
cenário, o escopo do nosso texto é apontar algumas inovações de crimes e penas
sugeridas pela Comissão. Todavia, ressaltamos que serão analisadas apenas
algumas propostas da parte especial do projeto.

3. ALGUMAS INOVAÇÕES PROPOSTAS

A seguir, mencionaremos algumas das propostas que representam


inovações no sistema penal brasileiro, caso sejam aprovadas. Não pretendemos
esgotar o tema, vez que se trata de um código muito extenso.

3.1 Culpa gravíssima


Há muito se discute, na doutrina e na jurisprudência, acerca do homicídio
de trânsito. Trata-se de crime doloso ou culposo? Mais especificamente, trata-se
de dolo eventual ou culpa consciente? Certamente esta é uma das questões mais
tormentosas do direito penal.
Por outro lado, a quantidade de delitos praticados no trânsito brasileiro
é alarmante. Em 2010, mais de 40 mil pessoas morreram vítimas de acidente de

7
REALE JÚNIOR, Miguel; SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; LIVIANU, Roberto. BARTOLETTI, Fernando
Figueiredo. Por um Código Penal democrático. In: Folha de São Paulo. Tendências e Debates. 4 out. 2012. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1163516-tendenciasdebates-por-um-codigo-penal-democratico.shtml>. Acesso em: 18
out. 2012; ZILIO, Jacson. Metodologia e orientação do anteprojeto de Código Penal Brasileiro. In: Boletim IBCCRIM. São
Paulo : IBCCRIM, ano 20, n. 239, p. 07-08, out., 2012; LEITE, Alaor. Formalismo, democracia e cinismo na reforma
penal. In: Consultor Jurídico. Publicado em 18 out. 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-out-18/alaor-
leite-formalismo-democracia-cinismo-reforma-codigo-penal>. Acesso em: 20 out. 2012. Em sentido contrário: GONÇALVES,
Luiz Carlos dos Santos; GOMES, Luiz Flávio; ELUF, Luiza Nagib. Democracia e Código Penal. In: Folha de S.Paulo.
Tendências e debates. 17 out. 2012. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1170305-tendenciasdebates-
democracia-e-codigo-penal.shtml>. Acesso em: 19 out. 2102; DOTTI, René Ariel. Respostas e equívocos e ofensas pessoais.
In:Boletim IBCCRIM. São Paulo: IBCCRIM, ano 20, n. 241, p. 2-4 , dez.2012.
8
Em entrevista concedida ao site Consultor Jurídico, em 2set. 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-set-02/
entrevista-miguel-reale-junior-decano-faculdade-direito-usp>. Acesso em: 29 out. 2012.
9
REALE JÚNIOR, Miguel. Erros e absurdos do projeto de Código Penal. Portal G1. Publicado em: 11 jan. 2013.
Disponível em: <http://g1-globo-com.jusbrasil.com.br/noticias/100368355/debates-sobre-codigo-penal-comecam-com-duras-
criticas>. Acesso em: 5 mar.2013.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 71
trânsito. Assim, se por um lado temos um problema grave no país, por outro
sabemos que não é solução doutrinária e jurisprudencial acerca do dolo e da
culpa que irá resolvê-lo. No entanto, o Direito Penal, como responsável pela
prevenção geral e especial, tem a sua parcela de responsabilidade na questão.
Antes de abordarmos o dolo e a culpa, conforme requer o estudo da
culpa gravíssima,analisaremos as alterações sugeridas pela comissão, ao defini-
los na parte geral do código projetado. Sobre o dolo e a culpa, dispõe o futuro
artigo 18:

Diz-se o crime:
I - doloso, quando o agente quis realizar o tipo penal ou
assumiu o risco de realizá-lo, consentindo ou aceitando de
modo indiferente o resultado.
II - culposo, quando o agente, em razão da inobservância
dos deveres de cuidado exigíveis nas circunstâncias, realizou
o fato típico.10

O inciso I, 1ª parte, do referido artigo, afirma que age com dolo


direto o agente que deseja o resultado representado pela finalidade de sua ação.
Esclarece Cezar Roberto Bittencourt que no dolo direto “a vontade do agente
é dirigida à realização do fato típico”.11 Dolo eventual, por sua vez, de acordo
com a redação proposta e inovadora ocorre quando o agente assume o risco
de realizar a conduta delituosa, consentindo ou aceitando de modo indiferente
o resultado.
O código projetado resolve a questão quanto ao delito de trânsito por
meio da criação da “culpa gravíssima”, uma figura intermediária entre o dolo
eventual e a culpa consciente. Estabelece o projeto, no artigo 121, ao dispor
sobre o homicídio:

Culpa gravíssima
§ 5º Se as circunstâncias do fato demonstrarem que o
agente não quis o resultado morte, nem assumiu o risco de
produzi-lo, mas agiu com excepcional temeridade, a pena
será de quatro a oito anos de prisão.

10
O atual artigo 18 do Código Penal estabelece:
Diz-se o crime:
Crime doloso
I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
Crime culposo
II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o
pratica dolosamente.
11
Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral I. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 352.
72 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
§ 6º Inclui-se entre as hipóteses do parágrafo anterior a
causação da morte na condução de embarcação, aeronave ou
veículo automotor sob a influência de álcool ou substância
de efeitos análogos, ou mediante participação em via
pública, de corrida, disputa ou competição automobilística
não autorizada pela autoridade competente.

Deste modo, se o agente não quis o resultado morte, tampouco assumiu


o risco de produzi-lo, mas agiu com excepcional temeridade, deverá ser apenado com
prisão de quatro a oito anos (art. 121, §5º). Verificamos que as penas mínimas
e máximas são aproximadamente a metade do homicídio doloso (6 a 20 anos,
atualmente ou no código projetado) e o homicídio culposo de trânsito (2 a 4,
artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro). E a fim de esclarecer a dúvida, o
parágrafo seguinte explica que são hipóteses de culpa gravíssima a condução do
veículo sob a influência de álcool ou drogas, ou em participação em racha (artigo
121, § 6º do projeto de Código Penal). Justifica a exposição de motivos que,

A exemplificação trazida pelo parágrafo ajuda a definir o


conceito: é culpa gravíssima matar alguém na condução,
sob efeitos de álcool ou substância análoga, de veículo
automotor, embarcação ou aeronave; é culpa gravíssima
fazê-lo mediante racha ou pega. Desta maneira, oferece-se
solução que, conjugada à do capítulo dos crimes de trânsito,
responde proporcionalmente a estas mui abundantes
ocorrências de nossas cidades.12

O mesmo diga-se em relação ao crime de lesão corporal. Há a previsão


de culpa gravíssima, com a fixação de pena de prisão de um a dois anos (artigo
129, § 9º do projeto de Código Penal).
Resta ressalvar que a culpa gravíssima se aplica a todas as hipóteses em
que o agente aja com excepcional temeridade, não se reduzindo às situações dos
incisos 5º e 6º, do artigo 121, ou do § 9º, do artigo 129, conforme a exposição de
motivos: “A culpa temerária pode ser aplicada noutras situações nas quais vai-se
muito além do ordinário, em matéria de descuido”13.
E, finalmente, é preciso destacar que, com a introdução da culpa
gravíssima no ordenamento jurídico é certo que estes crimes culposos serão
submetidos a um juiz togado, sem risco de serem julgados por um Tribunal
do Júri.

12
PLS 236 de 2012, p. 277.
13
PLS 236 de 2012, p. 277.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 73
3.2 Eutanásia
De acordo com o projeto de Código Penal:

Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em


estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para
abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de
doença grave:
Pena de prisão de dois a quatro anos.
§1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as
circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco
ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima.

O atual Código Penal não reconhece a eutanásia de forma clara, mas


deixa antever que a prática de crime de homicídio impelido por relevante valor
moral implica redução de um sexto a um terço da pena (art. 121, § 1º). Deste
modo, entendeu por bem a comissão tipificar a eutanásia. De acordo com a
exposição de motivos, assim, como a maioria dos ordenamentos jurídicos
ocidentais, o Código projetado reconhece que é crime a interrupção da vida, mas
merece sanção distinta e mais amena do que a do homicídio. E o § 1º prevê mais
uma hipótese de perdão judicial.14
Ainda neste artigo, a comissão inova ao incluir uma hipótese de
exclusão de ilicitude em caso de ortotanásia, pois de acordo com o § 2º do art.
122: “Não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para
manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa
circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento
do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge,
companheiro ou irmão”.

3.3 Aborto
A depender do Código Penal projetado, o aborto seguirá sendo crime
no Brasil. Mas não em todas as hipóteses. Os artigos 125, 126 e 127 descrevem a
prática de crime de aborto consentido, e de aborto provocado por terceiro com
ou sem o consentimento da gestante.15 A novidade proposta é o aumento das
hipóteses de exclusão de crimes. Atualmente são dois os casos em que o aborto

14
Id., p.278-279.
15
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento- Art. 125. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem
lhe provoque.
Pena de prisão de seis meses a dois anos.
Aborto consensual provocado por terceiro- Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena de prisão de seis meses a dois anos.
Aborto provocado por terceiro - Art. 127. Provocar aborto sem o consentimento da gestante:
Pena de prisão de quatro a dez anos.
74 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
não é crime: a) quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (art. 128,
inc. I, do CP); e b) em caso de gravidez resultante de estupro (art. 128, inciso II,
do CP). As hipóteses propostas são as seguintes:

Art. 128. Não há crime de aborto:


I – se houver risco à vida ou à saúde da gestante.
II – se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do
emprego não consentido de técnica de reprodução assistida;
III – se comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer
de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida
extrauterina, em ambos os casos atestado por dois médicos.
IV – se por vontade da gestante até a 12ª semana da
gestação, quando o médico ou psicólogo constatar que a
mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com
a maternidade.

O inciso II, na segunda parte, introduz uma hipótese de possibilidade


de aborto caso a gravidez resulte de fraude na realização da reprodução assistida.
A interrupção da gravidez de feto anencéfalo, prevista no inciso III, já foi
autorizada pelo STF,16 logo, parece natural que a nova lei inclua esta possibilidade.
A polêmica surge com o inciso IV, que autoriza a interrupção da gravidez por
vontade da gestante que não apresenta condições psicológicas de arcar com
a maternidade. De acordo com o código projetado, esta interrupção deve ser
realizada até a 12ª semana da gravidez. O exemplo trazido pela exposição de
motivos do PLS 236 de 2012 é o da gestante viciada em drogas. O que será
entendido como “condições psicológicas”?
O parágrafo único arremata determinando que, nos casos de violação
da dignidade sexual, emprego não consentido de técnica de reprodução
assistida, anencefalia e risco à saúde da gestante, o aborto deve ser precedido
de consentimento da gestante. Se for menor, incapaz ou impossibilitada de
consentir, seu representante legal, cônjuge ou companheiro poderão suprir a
sua falta.

3.4 Stalking e Bullying


No capítulo dos crimes contra a liberdade pessoal, houve a inclusão
de dois novos crimes: a perseguição obsessiva ou insidiosa, conhecida como
stalking; e a intimidação vexatória, o bullying.
A perseguição obsessiva ou insidiosa, prevista no artigo 147 do
código projetado, tem a seguinte redação:

16
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 54.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 75
Art. 147. Perseguir alguém, de forma reiterada ou
continuada, ameaçando-lhe a integridade física ou
psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção
ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua
esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – Prisão, de dois a seis anos.
Parágrafo único. Somente se procede mediante representação.

A palavra stalk vem do verbo inglês tostalk que significa perseguir,


caçar à espreita. Trata-se da conduta do sujeito que persegue a vítima, invadindo
sua esfera de privacidade. Para isso, emprega várias táticas, como ligações
telefônicas insistentes, envio de mensagens de texto e de e-mails, remessa de
presentes, fica à espera da vítima em ambientes que ela costuma frequentar,
entre outros.
Atualmente, a Lei das Contravenções Penais – Lei n. 3688/41 tipifica, no
artigo 65, uma conduta semelhante. Trata-se da perturbação da tranquilidade,
17

cuja pena é de quinze dias a dois meses de prisão simples, ou multa. No entanto,
entendeu por bem a Comissão tipificar a perseguição obsessiva.

3.5 Intimidação vexatória


O bullying, que recebeu a tradução de intimidação vexatória, é a agressão
verbal ou física, intencional e repetida, praticada por uma ou mais pessoas, com
o objetivo de intimidar ou agredir, valendo-se de uma relação desigual de poder.
O sujeito passivo do crime, a vítima, deve obrigatoriamente ser criança ou
adolescente, conforme verificamos no tipo proposto:

Art. 148. Intimidar, constranger, ameaçar, assediar


sexualmente, ofender, castigar, agredir, segregar a criança
ou o adolescente, de forma intencional e reiterada, direta ou
indiretamente, por qualquer meio, valendo-se de pretensa
situação de superioridade e causando sofrimento físico,
psicológico ou dano patrimonial.
Pena – prisão de um a quatro anos.
Parágrafo único. Somente se procede mediante representação.

3.6 Dos crimes contra a dignidade sexual


O atual capítulo dos crimes contra a dignidade sexual foi recentemente
modificado pela Lei n. 12.015 de 7 de agosto de 2009, que alterou o antigo
Título VI – Dos crimes contra os costumes. Ainda assim, a Comissão propôs

Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por motivo reprovável:
17

Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa.


76 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
significativas mudanças, seja pela quantidade de condutas que deixam de ser
ilícitas, como também por outras que integram o novo rol de crimes.
Deste modo, as seguintes condutas foram descriminalizadas: art. 215,
“violação mediante fraude”;18 art. 227, “mediação para satisfazer a lascívia de
outrem”;19 art. 229, “casa de prostituição”;20 art. 230, “rufianismo”;21 art. 233,
“ato obsceno”;22 do art. 234; e “escrito ou objeto obsceno”.23
As novas condutas que se pretende sejam criminosas são as seguintes:

Manipulação e Introdução sexual de objetos


Art. 181. Constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a suportar a introdução vaginal ou anal de objetos.
Pena – prisão, de seis a dez anos.
Molestamento sexual
Art. 182. Constranger alguém, mediante violência ou
grave ameaça, ou se aproveitando de situação que dificulte
18
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou
dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
19
Art. 227 - Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:
Pena - reclusão, de um a três anos.
§ 1º Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou
companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda
Pena - reclusão, de dois a cinco anos.
§ 2º - Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.
20
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de
lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
21
Art. 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou
em parte, por quem a exerça:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta,
irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra
forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 2º Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação
da vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência.
22
Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
23
Art. 234 - Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição
pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem:
I - vende, distribui ou expõe à venda ou ao público qualquer dos objetos referidos neste artigo;
II - realiza, em lugar público ou acessível ao público, representação teatral, ou exibição cinematográfica de caráter obsceno, ou
qualquer outro espetáculo, que tenha o mesmo caráter;
III - realiza, em lugar público ou acessível ao público, ou pelo rádio, audição ou recitação de caráter obsceno.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 77
a defesa da vítima, à prática de ato libidinoso diverso do
estupro vaginal, anal e oral.
Pena – prisão, de dois a seis anos.
Parágrafo único. Se o molestamento ocorrer sem violência
ou grave ameaça, a pena será de um a dois anos.

A criação de um crime de molestamento sexual vem solucionar um


problema antigo, relacionado ao atual crime de estupro, pois sempre foi criticada
a falta de uma gradação nas modalidades de ato libidinoso.24 O conceito de ato
libidinoso abarcava todos os atos de natureza sexual diferentes da conjunção
carnal, desde o sexo anal ao toque nas regiões íntimas. Conforme percebemos,
as condutas têm gravidades diferenciadas, mas na atual legislação estão todas
subsumidas ao mesmo tipo penal: do estupro. Deste modo, caso o Código
proposto seja aprovado, o crime de molestamento sexual será um minus em
relação ao estupro. E, caso ocorra sem violência ou grave ameaça, a pena mínima
cominada será de um ano. Estará, assim, atendida uma demanda de há muito
tempo da doutrina.Do mesmo modo, o crime de esterilização forçada:

Art. 185. Esterilizar alguém sem o seu consentimento genuíno:


Pena – prisão, de dois a oito anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de
modificar ou comprometer a unidade étnica de um grupo:
Pena – prisão, de seis a doze anos.

3.7 Terrorismo
Há muito que se espera definir o crime de terrorismo. A Constituição
Federal, no artigo 5º, incisos XLIII e XLIV25, refere-se expressamente a
ele. Ademais, o Brasil é signatário da Convenção Interamericana Contra
o Terrorismo, (Decreto- Legislativo nº 890, de 1º de setembro de 2005 e
promulgada pelo Decreto Presidencial nº 5.639, de 26 de dezembro de 2005). Na
verdade, a necessidade da previsão legal do crime de terrorismo é uma exigência
internacional, vez que a realidade do terrorismo é distante do solo pátrio.
O terrorismo, em que pese a atual falta de tipificação legal, é equiparado
ao crime hediondo, conforme o artigo 5º, inciso XLIII da Constituição. Ele
recebeo mesmo tratamento legal daqueles crimes, previstos, atualmente, na Lei

24
Neste sentido, as opiniões de Estefam, André. Direito penal.volume 3, São Paulo:Saraiva, 2011, p. 145-146; Delmanto,
Celso. CódigoPenal comentado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 692.
25
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores
e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional
e o Estado Democrático;
78 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
n. 8072/90. Cabe ressaltar que, neste tópico, a Comissão alargou a rol de crimes
hediondos incluindo o terrorismo, a tortura e o tráfico de drogas, deixando,
portanto de ser considerados “equiparados a hediondos”. Serão hediondos
como os demais crimes previstos no artigo 56 do código projetado.26A previsão
legal é a seguinte:

Terrorismo
Art. 239. Causar terror na população mediante as condutas
descritas nos parágrafos deste artigo, quando:
I – tiverem por fim forçar autoridades públicas, nacionais
ou estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer
o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não
proíbe, ou;
II – tiverem por fim obter recursos para a manutenção
de organizações políticas ou grupos armados, civis ou
militares, que atuem contra a ordem constitucional e o
Estado Democrático ou;
III – forem motivadas por preconceito de raça, cor, etnia,
religião, nacionalidade, sexo, identidade ou orientação
sexual, ou por razões políticas, ideológicas, filosóficas
ou religiosas.
§ 1º Sequestrar ou manter alguém em cárcere privado;
§ 2º Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar
ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos,
conteúdos biológicos ou outros meios capazes de causar
danos ou promover destruição em massa;
§ 3º Incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir
qualquer bem público ou privado;
§ 4º Interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática
e bancos de dados;
§ 5º Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave
ameaça ou violência a pessoas, do controle, total ou parcial,
ainda que de modo temporário, de meios de comunicação ou

Além dos crimes hediondos previstos na atual legislação serão também incluídos nesta categoria, segundo o Projeto de CP:
26

Crimes hediondos
Art. 56. São considerados hediondos os seguintes crimes, consumados ou tentados:
(...)
IX – redução à condição análoga à de escravo;
X – tortura;
XI – terrorismo;
XII – tráfico de drogas, salvo se o agente for primário, de bons antecedentes, e não se dedicar a atividades criminosas, nem integrar
associação ou organização criminosa de qualquer tipo;
XIII – financiamento ao tráfico de drogas;
XIV – racismo;
XV – tráfico de pessoas;
XVI – contra a humanidade.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 79
de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias
ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios
esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem
serviços públicos essenciais, instalações de geração ou
transmissão de energia e instalações militares.
Pena – prisão, de oito a quinze anos, além das sanções
correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal
ou morte, tentadas ou consumadas.
Forma qualificada
§6º Se a conduta é praticada pela utilização de arma de
destruição em massa ou outro meio capaz de causar
grandes danos:
Pena – prisão, de doze a vinte anos, além das penas
correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal
ou morte, tentadas ou consumadas.
Exclusão de crime
§ 7º Não constitui crime de terrorismo a conduta individual
ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou
reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam
compatíveis e adequados à sua finalidade.

Além do crime acima transcrito há também a previsão dos crimes de


financiamento do terrorismo, e favorecimento pessoal no terrorismo, nos artigos
240 e 241,27 respectivamente.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estas são algumas das modificações propostas pelo Projeto de Lei do


Senado Federal n. 236, de 2012. Não pretendemos neste artigo esgotar o assunto.
Afinal, trata-se de toda a legislação penal codificada em uma única lei. Muitas
críticas vêm sendo tecidas acerca das mudanças apresentadas. No entanto, em
27
Financiamento do terrorismo
Art. 240. Oferecer ou receber, obter, guardar, manter em depósito, investir ou de qualquer modo contribuir para a obtenção de
ativos, bens e recursos financeiros com a finalidade de financiar, custear ou promover a prática de terrorismo, ainda que o atos
relativos a este não venham a ocorrer.
Pena – prisão, de oito a quinze anos.
Favorecimento pessoal no terrorismo
Art. 241. Dar abrigo ou guarida a pessoa de quem se saiba ou se tenha fortes motivos para saber, que tenha praticado ou esteja
por praticar crime de terrorismo.
Pena - prisão, de quatro a dez anos.
Escusa Absolutória
Parágrafo único. Não haverá pena se o agente for ascendente ou descendente em primeiro grau, cônjuge,companheiro estável ou
irmão da pessoa abrigada ou recebida. Esta escusa não alcança os partícipes que não ostentem idêntica condição.
Disposição comum
Art. 242. As penas previstas para os crimes deste capítulo serão aumentadas até a metade se as condutas forem praticadas durante
ou por ocasião de grandes eventos esportivos, culturais, educacionais, religiosos, de lazer ou políticos, nacionais ou internacionais.
80 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
que pese a voz contrária às mudanças, é este o projeto que atualmente tramita
no Congresso Nacional.
A legislação penal toca a sociedade e regra a vida de todos nós
brasileiros. É este, portanto, o momento de discutirmos e refletirmos acerca
do sistema penal e da sociedade que pretendemos para as próximas décadas.
É este o projeto de lei que desejamos seja aprovado? É este o Código Penal
que queremos? As inovações responderão aos anseios da sociedade? Quais
outras sugestões podem ser encaminhadas ao Congresso Nacional? Este é o
momento para a reflexão e o debate. A sociedade tem a faculdade de participar
da elaboração do novo Código Penal, mas a comunidade jurídica tem o dever
científico de analisar, criticar, propor, elaborar um novo Código Penal, a fim de
tornar a vida em sociedade mais pacífica e justa.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral I. 17 ed.São


Paulo: Saraiva, 2012.
DELMANTO Celso et al.Código Penal comentado. 8ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
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IBCCRIM. São Paulo: IBCCRIM, ano 20, n. 241, p. 2-4 , dez.2012.
ESTEFAM, André.Direito penal. Volume 3, São Paulo:Saraiva, 2011.
GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos; GOMES, Luiz Flávio; ELUF, Luiza
Nagib. Democracia e Código Penal. In: Folha de S.Paulo. Tendências e debates. 17
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LEITE, Alaor. Formalismo, democracia e cinismo na reforma penal.In: Consultor
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REALE JÚNIOR, Miguel. Erros e absurdos do projeto de Código Penal.Portal
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com.br/noticias/100368355/debates-sobre-codigo-penal-comecam-com-
duras-criticas>. Acesso em: 5 mar.2013.
REALE JÚNIOR, Miguel; SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; LIVIANU,
Roberto; BARTOLETTI, Fernando Figueiredo. Por um Código Penal
democrático. In: Folha de S.Paulo. Tendências e Debates. Publicado em 4out.
2012. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1163516-
tendenciasdebates-por-um-codigo-penal-democratico.shtml>. Acesso em 18
out.2012.

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 81


SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 14 ed. São Paulo:
Malheiros, 1997.
ZILIO, Jacson. Metodologia e orientação do anteprojeto de Código Penal
Brasileiro. In: Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 20, n. 239, p. 07-08,
out., 2012.

Recebido em: 28-05-2013.


Aceito em: 16-07-2013.

82 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


AÇÃO RESCISÓRIA COLETIVA

Amilcar Araújo CARNEIRO JÚNIOR1

Resumo: O presente trabalho aborda a disciplina da ação


rescisória individual e coletiva, fazendo apontamentos
sobre algumas inovações previstas no Projeto de Lei n.º
5139/2009, particularmente no que diz respeito à ação
rescisória coletiva, à ação revisional e a intervenção do
Ministério Público como curador especial. Incursiona-se
nos aspectos teóricos e hipóteses de sua rescisão. Ao final,
procurou-se enfocar a ação rescisória prevista no Código
de Processo Civil e sua insuficiência para a rescisão e
revisão da coisa julgada coletiva.

Palavras-Chaves: Coisa julgada coletiva – ação rescisória


coletiva – ação revisional

Abstract: The matter concerned in this article is the subject of


rescission action in its individual and collective forms, as well as to
notes the innovations brought in the law project (nº 5139/2009),
specially among the collective rescission action and revision action,
moreover the intervention of Public Ministry as its special protector.
The text focus in theorical aspects and the hypothesis of its rescission.
In the end, it aimed to present the aspects of collective judged thing by
analyzing the rescisory action proposed in Prosecute Civil Code and
its inefficiency to the rescission and revision of collective judged thing.

Keywords: Collective judged thing - collective action for rescission


- revisional action

1. INTRODUÇÃO

Diz-se que a coisa julgada torna uma decisão judicial imutável, impedindo
seu reexame no próprio processo em que foi prolatada, bem como impede que a
mesma causa seja objeto de novo exame em outro juízo. É instituto protegido pela
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG. Especialista em Direito Constitucional pela
1

UNAES/FESMP-MS. Especialista em Ciências Penais pela UNISUL-SC/LFG. Mestre em Processo Civil pela
UNIPAR. Professor de Direito Processual Civil e Direito Ambiental no Centro Universitário da Grande Dourados –
UNIGRAN. Professor nos cursos de especialização em Direito Processual Civil e Direito Ambiental da Universidade Gama
Filho e na UNIDERP/MS . Promotor de Justiça. E-mail: amil_jr@globo.com.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 83
Constituição da República e, ao lado dos institutos do direito adquirido e do ato
jurídico perfeito, é previsto como garantia fundamental que consagra os princípios
constitucionais da segurança e da certeza jurídicas. A coisa julgada constitui
cláusula pétrea, não podendo ser abolida nem mesmo por Emenda Constitucional.
Justifica-se, portanto, em dois fundamentos: um de natureza política;
outro de ordem jurídica. O primeiro diz respeito à verdadeira finalidade do
processo, que é a de solucionar os conflitos existentes na sociedade e o segundo
em razão da segurança do Estado em relação as suas decisões.
Sem embargo disso, a ação rescisória é um instituto que se presta a
desconstituir a coisa julgada, de acordo com o campo de incidência previsto nos
incisos do artigo 485, do Código de Processo Civil.
Com o reconhecimento de outros direitos ou interesses transindividuais
(difusos, coletivos e individuais homogêneos) foi criado um sistema legislativo
integrado pelas Leis 4.717/65, 7.347/85 e 8.078/90 (Sistema Único Coletivo),
que interagem e se complementam naquilo que for aplicável, estabelecendo um
novo regime de coisa julgada coletiva (secundum eventum litis) para o qual não
existe um sistema rescisório próprio. É tomada de empréstimo a disciplina da
ação rescisória sob a perspectiva dos direitos individuais, a qual não se ajusta
perfeitamente às ações coletivas.
Tramitou o Projeto de Lei sob n.º 5.139/2009, que previa uma nova
tratativa para as ações coletivas, inclusive, disciplinando a ação rescisória nas
ações coletivas, assunto do qual se cuida neste trabalho.
Porém, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ)
rejeitou o projeto que era de iniciativa do Poder Executivo, encontrando-se
atualmente aguardando o julgamento de um recurso interposto no dia 12.05.2010.

2. AÇÃO RESCISÓRIA

Giuseppe Chiovenda2 ensina que a sentença é “(...) provisão do juiz que


recebendo ou rejeitando a demanda do autor, afirma a existência ou inexistência
de uma vontade concreta da lei que lhe garanta um bem ou respectivamente a
inexistência de uma vontade de lei que garanta um bem ao réu”.
Por opção política, haverá um momento em que este pronunciamento
jurisdicional – sentença – não poderá mais ser reexaminado, passando a ser
imutável e indiscutível, formando-se a coisa julgada.
Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina3, sobre
a coisa julgada, lecionam que o resultado final do processo de conhecimento
2
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 2.ª ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 198.
3
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipóteses de relativização.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 20.
84 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
normalmente atribui um bem jurídico a alguém. Esta vontade concreta de lei que
alcança a atribuição de um bem da vida a alguém, em realidade não é efeito, mas
sim uma qualidade que se agrega aos efeitos da sentença.4
Acompanham a doutrina mais aceita sobre o tema que é a de Enrico
Túlio Liebman5 para quem “(...) a autoridade da coisa julgada não é efeito
ulterior e diverso da sentença, mas uma qualidade de seus efeitos referentes, isto
é, precisamente sua imutabilidade”.
Mesmo havendo coisa julgada, diante de hipóteses taxativas previstas
em lei, ela pode ser rescindida por intermédio da ação rescisória disciplinada nos
artigos 485 a 495, do CPC.
Para José Carlos Barbosa Moreira6, o direito brasileiro reconhece dois
tipos de remédios utilizáveis contra decisões judiciais: os recursos, ou seja, a
impugnação da decisão dentro do próprio processo; e as ações autônomas de
impugnação, pela qual se inicia outro processo. Para ele “(...) chama-se rescisória
à ação por meio da qual se pede a desconstituição de sentença trânsita em julgado,
com eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada”.7
Por esta razão, a sentença inexistente não é passível de rescisória8,
muito menos se pode declarar que a sentença nula é rescindível, pois apenas
depois de transitada em julgado é que se poderá promover a sua destituição por
intermédio da ação rescisória.9
A sentença portadora dos vícios enumerados no artigo 485 deve se revestir
da autoridade da coisa julgada, sendo este, aliás, um pressuposto para a rescisão.
A ação rescisória é uma ação constitutiva negativa que produz uma
sentença desconstitutiva, quando julgada procedente10.
Podem-se formular dois pedidos: o de desconstituição da coisa julgada,
o chamado juízo rescindens e o rejulgamento da causa, o chamado juízo rescissorium.
Encarta-se, portanto, no rol das sentenças constitutivas, embora
contenha carga declaratória, comum a todas as decisões de mérito.

2.1. Hipóteses de cabimento


O artigo 485, do Código de Processo Civil estabelece 09 (nove)
hipóteses de cabimento da ação rescisória.

4
Ibidem, p. 19.
5
LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e autoridade da sentença. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 142.
6
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 100.
7
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, 5
v, p. 99.
8
Ibidem, p. 107.
9
Ibidem, p.107.
10
WAMBIER, Luiz Rodrigues et. al. Curso de processo civil avançado. 6. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 606.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 85
Para Marcos Destefenni11, a ação rescisória não deixa de ser uma forma
de relativização da coisa julgada material cujos fundamentos estão previstos
taxativamente na lei.
Apesar disso, o sistema permite outras hipóteses de relativização da
coisa julgada típica. A lei 11.232/2005, por exemplo, disciplinou situação na qual
se permite ao executado impugnar o cumprimento de sentença em seu desfavor
com base no artigo 475-L, caso em que tal impugnação assume caráter rescisório,
não condicionado ao fator tempo.
Deve restar claro que a ação rescisória não se presta a impugnar a
injustiça de qualquer decisão transitada em julgado, mas sim naqueles casos
insculpidos no artigo 485 do Código de Processo Civil:

Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode


ser rescindida quando:
I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou
corrupção do juiz;
II - proferida por juiz impedido ou absolutamente
incompetente;
III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento
da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de
fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar literal disposição de lei;
Vl - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em
processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;
Vll - depois da sentença, o autor obtiver documento novo,
cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso,
capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - houver fundamento para invalidar confissão,
desistência ou transação, em que se baseou a sentença;
IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de
documentos da causa;
§ 1o Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente,
ou quando considerar inexistente um fato efetivamente
ocorrido.
§ 2o É indispensável, num como noutro caso, que não
tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial
sobre o fato.

Também deve restar claro que a ação rescisória não se confunde com recurso.
Na ação rescisória instaura-se nova relação processual, sendo necessária
a análise de condições da ação e pressupostos de desenvolvimento válido e
11
DESTEFENNI, Marcos. Curso de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 241. 1 v. t. II.
86 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
regular do processo. É um meio de impugnação de uma decisão já transitada
em julgado não podendo enquadrar-se como recurso, pois não se pode admitir
um recurso para rescindir a decisão já sedimentada e que já foi alvo de todos
os recursos cabíveis, por vezes. Ademais, vige no direito processual brasileiro
o princípio da taxatividade recursal, assim, para que fosse considerado recurso
deveria constar do rol de recursos previstos na legislação processual.

2.2. Legitimidade
O Código de Processo Civil, no artigo 487, estabelece a legitimidade
ativa para a propositura da ação rescisória: quem foi parte no processo ou o seu
sucessor a título universal ou singular, terceiro juridicamente interessado e o
Ministério Público.
Em primeiro lugar, está legitimado a ingressar com a ação rescisória
quem foi parte no processo no qual surgiu a decisão rescindenda. Parte inclui
autor e réu, os litisconsortes e assistentes, quando for o caso. Esses sujeitos
deverão estar presentes no processo no momento em que foi proferida a
sentença. O réu revel também é parte, possuindo legitimidade de rescindir.12
A sucessão poderá ser inter vivos ou causa mortis, a título universal
ou singular.
Em segundo lugar, detêm legitimidade os terceiros juridicamente
interessados, porque os efeitos da decisão viciada poderão atingi-los.
Em terceiro lugar, é legitimado a ingressar com a ação rescisória o
Ministério Público, mesmo que não tenha sido parte do processo anterior, em
alguns casos.
Quando o Ministério Público atuar como parte, será legitimado para
a ação rescisória em todas as situações propostas pelo artigo 485 do Código de
Processo Civil. No entanto, quando atuar como fiscal da lei, estará restrito ao
caso em que haja conluio entre as partes para fraudar a lei.
O inciso III, do artigo 82, do Código de Processo Civil, autoriza o
Ministério Público a intervir, fiscalizando o processo, quando identificar interesse
público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
Mesmo que à primeira vista o interesse aparente ser privado, há
casos que o legislador diz serem públicos, exigindo não só a intervenção do
Ministério Público como custos legis — artigos 82, 84 e 1.104 do Código de
Processo Civil, a título exemplificativo — mas também como órgão agente,
como se depreende dos artigos 9º, VIII, do artigo 988 do Código de Processo
Civil, dentre outros.

12
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 5 v.,
p. 168-169.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 87
A possibilidade de propositura de ação rescisória pelo Ministério
Público, preceituada no artigo 487, inciso III, letra “b”, do Código de Processo
Civil, evidencia o interesse público, ainda que as partes sejam privadas, quando
houver fraude à lei, pois ofende a ordem pública.
Cabe lembrar que, em caso de fraude contra a lei, as partes e terceiros
prejudicados igualmente estão legitimados a propor a rescisória, não sendo
legitimidade exclusiva do. Ministério Público. Quando a sentença rescindenda
for complexa, e o pedido de rescisão visar apenas um de seus capítulos, não será
necessário a citação daqueles que não digam respeito aos demais capítulos. Da
mesma maneira, com a cumulação subjetiva de ações, e litisconsórcio sujeito ao
regime comum, e só se pretende a rescisão no tocante a um litisconsorte, será
analogicamente aplicado o que foi anteriormente exposto.13
Por óbvio, apesar de não estar expresso no Código de Processo Civil,
deverão integrar o contraditório todos aqueles que foram partes no feito anterior,
quando foi proferida a sentença rescindenda.

2.3. Objeto
Segundo Wambier14 “O objeto da ação rescisória consiste em sentença
de mérito, sobre a qual pesa a autoridade de coisa julgada material”. Decisão que
transitou em julgado formal e materialmente.
Para Yarshell15 “(...) o que a lei exige para a desconsideração é que
a decisão seja de mérito, e não que o dispositivo legal violado seja de direito
material. Fundamentos de ordem processual também justificam a propositura
de ação rescisória, desde que, pela cognição empreendida, a decisão seja apta a
projetar efeitos para fora do processo, isto é, para o plano substancial”.
Isto não significa que a decisão tenha de ser prolatada exclusivamente
no processo como pronunciamento que encerra a fase de conhecimento. O
termo sentença de mérito pode ser admitido em sentido amplo. O que interessa
é o conteúdo do decisório.
Em relação ao processo cautelar, José Carlos Barbosa Moreira16 ensina que:

(...) não parece impróprio falar-se de ‘mérito’, por oposição


às preliminares referentes à matéria puramente processual
ou às condições do regular  exercício da ação   cautelar. É
evidente que esse ‘mérito’ não se confunde   com o do

13
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 5 v.,
p.174.
14
WAMBIER, Luiz Rodrigues, et. al. Curso avançado de processo civil. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 605.
15
YARSHELL. Flávio Luiz. Ação Rescisória: juízos rescindente e rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 321-322.
16
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 5 v.,
p.111-112.
88 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
processo principal,  a que acede o cautelar, mas, guardada
a distinção, pode-se dizer que o juiz profere  ‘sentença de
mérito’   toda vez   que defere ou   indefere a providência
acautelatória pleiteada, por entender satisfeitos ou
não, respectivamente, os seus pressupostos. Apesar
disso, não se nos afigura   admissível   ação   rescisória
contra  semelhantes  decisões,  por lhes faltar o requisito,
a que pouco antes se aludiu, da idoneidade para produzir
coisa julgada material (...).

Yarshell ao comentar o tema ensina que:

(...) o conceito de mérito no processo cautelar é, como


sabido, objeto de considerável controvérsia. Assim, sendo
difícil determinar o que é o mérito, é igualmente difícil
saber se e quando se está diante de uma decisão de mérito
e, nessa medida, se em relação a ela se pode cogitar de
ação rescisória. Contudo, sem embargo das dificuldades
daí decorrentes, parece possível dizer, até mesmo na
tentativa de sistematizar o exame da matéria, que a decisão
de mérito no processo  cautelar, em primeiro lugar, pode
ser considerada aquela que, desviando-se da finalidade
clássica desse processo, defina desde logo - e não apenas
provisoriamente - a relação de direito material e, nessa
medida, projeta efeitos para fora do processo.17

Gomes Junior18 referindo-se à admissibilidade da ação rescisória com


conteúdo de mérito, mesmo em decisão interlocutória afirma que “A ação
rescisória pode ser utilizada para a impugnação de decisões com conteúdo de
mérito e que tenham adquirido a autoridade da coisa julgada material.”
Barbosa Moreira19, porém, leciona que o realmente importa é a essência
da decisão: “(...) O que se tem de levar em conta é a verdadeira natureza da
decisão. Assim, v.g., nada importa que o juiz haja dito julgar o autor carecedor de
ação, quando na realidade estava a declarar improcedente o pedido. Corretamente
interpretada a sentença, evidencia-se o cabimento da ação rescisória”.
O Supremo Tribunal Federal20, em decisão monocrática exarada pela
Ministra Cármen Lúcia, apesar do improvimento do pedido, encampou-se o
17
YARSHELL, Flávio Luiz. Ação Rescisória: juízos rescindente e rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 227.
18
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Ação Rescisória ajuizada contra decisão interlocutória. Admissibilidade. RePro n. 144,
São Paulo: RT, 2007.
19
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 5.
v., p. 111.
20
Supremo Tribunal Federal. Ação Rescisória n.º 1.980-7 (465)-SP. 1.ª Turma. Decisão monocrática. Rel. Min. Cármen
Lúcia, j. 29.05.2007, DJU 05.06.2007.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 89
entendimento doutrinário como motivo determinante da decisão, no sentido de
que a ação rescisória é cabível quanto a decisões em que se tenha formado a coisa
julgada material, não se limitando ao que tradicionalmente se denominaria sentença
de mérito, mas sim a pronunciamentos jurisdicionais com conteúdo de mérito.
O termo sentença de mérito, ainda, engloba amplamente as decisões,
referindo-se também aos acórdãos proferidos pelas turmas dos tribunais e,
assim, do segundo grau de jurisdição.21
Não será rescindível a sentença de execução, pois neste caso haverá
a liquidação, nem a sentença de processo cautelar, porque este não decidirá o
mérito, sequer ações civis julgadas improcedentes por insuficiência de provas,
uma vez que tais processos não alcançarão a autoridade da coisa julgada.
A exceção existe nos juizados especiais cíveis, nos quais não será
admitida a ação rescisória contra a decisão do juiz monocrático ou da turma
julgadora de recurso.
A teor do disposto no artigo 26 da Lei 9.868, de 10 de novembro de
1.999, além de serem irrecorríveis, não caberá a rescisão de decisões do Supremo
Tribunal Federal que declarem a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
em ação direta ou ação declaratória de constitucionalidade. O dispositivo sob
comento já foi objeto de duas ações diretas de inconstitucionalidade promovidas
pela Confederação Nacional das Profissões Liberais - CNPL e pelo Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB contra dispositivos da Lei
9.868/9922, ambas improcedentes.
De igual forma o artigo 12 da Lei 9.882, de 03 de dezembro de 1999
preceitua que as sentenças que julgam procedentes ou improcedentes as ações
de arguição de descumprimento de preceito fundamental são irrecorríveis, não
podendo ser objeto de ação rescisória.

21
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 113.
22
O Supremo Tribunal Federal nas ADI 2258/DF e ADI 2154/DF (apensadas), sob relatoria do então Min. Sepúlveda
Pertence, na sessão plenária de 14.2.2007, por unanimidade rejeitou a impugnação da inconstitucionalidade do artigo 26, parte
final da Lei 9.868/99, que veda que as decisões tomadas em ADI ou ADC sejam objeto de ação rescisória. Salientando-se a
inconsistência da alegação de ofensa ao art. 5º, XXXV, da CF, aduziu-se que, adstritos os preceitos constitucionais pertinentes
à competência para julgar a ação rescisória (CF, artigos 102, I, j; 105, I, e; e 108, I, b), a extensão e os pressupostos de sua
admissibilidade constituem matéria da legislação processual ordinária, razão por que, não existindo imposição constitucional a
admiti-la, a vedação por lei especial à ação rescisória da decisão de determinados processos não poderia ser reputada inconstitucional,
a não ser que, por ser arbitrária ou desarrazoada, pudesse a exclusão ser considerada ofensiva a garantias constitucionais que lhe
impusessem a admissão. Asseverou-se, ademais, que as decisões de mérito da ADI ou da ADC — ações dúplices —, por sua
própria natureza, repelem a desconstituição por ação rescisória, delas podendo resultar tanto a declaração de inconstitucionalidade
quanto de constitucionalidade. Esclareceu-se que, no caso de se declarar a inconstitucionalidade, a desconstituição dessa decisão
restabeleceria a força da lei antes eliminada, o que geraria insegurança jurídica. Por sua vez, na hipótese de declaração de
constitucionalidade, a segurança jurídica também estaria comprometida se essa decisão, vinculante de todos os demais órgãos
da jurisdição e da administração pública, pudesse ser desconstituída por força de simples variações na composição do STF, sem
mudança relevante do contexto histórico e das concepções jurídicas subjacentes ao julgado rescindido. Atualmente encontra-se com
vista para a Ministra Cármen Lúcia desde 16.08.2007. ( Informativo n. 456, do STF, 12 a 23 de fevereiro de 2007)
90 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
2.4 Procedimento
O procedimento da ação rescisória está previsto no Código de Processo Civil.
À petição inicial (que segue o artigo 282, do Código de Processo Civil)
deve ser juntada imprescindivelmente a certidão da sentença rescindenda com a
prova do trânsito em julgado.
Os pedidos, em regra, se cumulam – o da rescisão da sentença transitada
em julgado e o novo julgamento da causa -, quando o autor da ação quiser
também que nova sentença seja proferida, ele deverá cumular com o pedido feito
na inicial, pois o tribunal não poderá suprir esta falta, quando o autor omitir-se.
Não havendo o segundo pedido, haverá solução de continuidade.
O valor da causa é indispensável, sob pena de indeferimento da inicial
e servirá para o cálculo dos 5% que o autor deverá depositar em juízo ao iniciar
a causa. Tal valor reverterá, a título de multa, em favor do réu, caso a rescisória
seja considerada inadmissível ou improcedente (artigos 488, inc.II, 490, II e 494,
parte final, todos, do Código de Processo Civil).23
Com a proposição da ação rescisória, não se suspenderá a execução
de sentença rescindenda (art. 489, do Código de Processo Civil). Para Barbosa
Moreira24, só será admitido ao autor requerer a suspensão por meio da antecipação
de tutela ou cautelar, quando tiver alguma repercussão na execução da sentença
anterior, que é definitiva.
No entanto, caso a sentença seja rescindida antes de se iniciar a
execução, não terá legitimidade para assim proceder, pois não haverá título
executivo que lhe sirva de base.25
Caso a ação rescisória sobrevenha no curso do processo executório,
o trânsito em julgado do acórdão que rescindir a sentença anterior extinguirá a
execução, sendo desfeitos, quando possíveis, os atos já realizados, não subsistindo
a obrigação de ressarcimento do credor.
O processo da ação rescisória é de competência originária do Tribunal,
sendo distribuída para o órgão previsto no seu regimento interno.
Deferida a inicial, o relator ordenará a citação do réu. O prazo para
contestar deverá ser fixado pelo relator entre 15 a 30 dias (art. 491, do Código
de Processo Civil).
Citado o réu, o procedimento da ação rescisória será similar ao ordinário.26
Não há o efeito principal da revelia.27

23
WAMBIER, Luiz Rodrigues et. al. Curso de processo civil avançado. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 615.
24
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.185.
25
Ibidem, p. 186.
26
Ibidem, p. 193.
27
WAMBIER, Luiz Rodrigues et. al. Curso de processo civil avançado. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 616.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 91
Sendo indisponível o direito, o réu não poderá reconhecer validamente o
pedido de rescisão, ficando preexcluída a incidência do art. 269, inc. II do Código
de Processo Civil28. Porém, mesmo em caso de direitos indisponíveis, caso as
partes resolvam compor-se em relação à forma de cumprimento da sentença ou
até mesmo alterar os efeitos da decisão anterior, poderão fazê-lo, não havendo
reconhecimento tácito de rescisão.
Algumas das causas extintivas do feito, previstas nos artigos 267 e 269,
não serão aplicáveis na rescisória, como o caso de celebração de compromisso
para que se decida em juízo arbitral se a sentença deve ou não ser rescindida.
Em caso de cumulação de pedidos, com a rescisão da sentença anterior
e o novo julgamento da causa, eles serão apreciados em conjunto pelo tribunal
na mesma sessão, analisando-se primeiramente a ação rescisória para depois
proferir a nova sentença.
Com a necessidade de produção de provas para a análise da sentença,
esta será realizada na comarca onde a prova deverá ser produzida, pelo prazo
máximo entre 45 e 90 dias, para a devolução dos autos. Porém, nada impede que
as provas sejam produzidas no juízo de segundo grau para o efeito de celeridade
e economia processual.
Concluída a instrução, o feito retoma seu curso no órgão de origem
mediante a abertura de vista, sucessivamente, para o autor e para o réu, pelo
prazo de 10 dias, de modo que ofereçam as razões finais.
Necessária é a participação do Ministério Público nesta fase, na
qualidade de fiscal da lei, pois existe o interesse público, tendo em vista a
natureza da ação.29 Tal intervenção é ditada pela lei. Sem embargo disso, a
coisa julgada, numa interpretação ampliativa, encarta-se no rol das garantias
constitucionais fundamentais, havendo evidente interesse público que sempre
justifica a intervenção do Ministério Público como custos legis ou custos iuris (fiscal
do direito).
Os recursos contra a decisão proferida pelo tribunal serão os embargos
de declaração, sempre cabíveis em decisões judiciais, e os embargos infringentes,
quando não for unânime a decisão da turma do tribunal, sendo direito exclusivo
do réu.30

2.5. Prazo
A ação rescisória está sujeita ao prazo decadencial de 02 (dois) anos a
partir do trânsito em julgado da sentença rescindenda, de acordo com o artigo
28
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 11. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003,
p. 193-194.
29
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 11. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003,
p. 199-200.
30
Ibidem, p. 213.
92 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
495, do Código de Processo Civil. Portanto, é prazo decadencial que não se
suspende nem interrompe.
Importante ressaltar a Súmula 401/STJ: “O prazo decadencial da
ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último
pronunciamento judicial.” Ou seja, quando a sentença se der por capítulos, o prazo
para a rescisória será contado a partir do trânsito em julgado da última decisão.

3. AÇÃO RESCISÓRIA COLETIVA

A coisa julgada coletiva pode ser rescindida, nas hipóteses previstas


no artigo 485, do Código de Processo Civil, no prazo de 02 (dois) anos, por
intermédio da ação rescisória.
A coisa julgada destina-se a conferir estabilidade e segurança, todavia,
não se reveste de valor absoluto, mesmo sendo garantia constitucional individual
ou coletiva.
No que concerne às ações coletivas, a lei da ação civil pública (art.
18), a lei da ação popular (art. 16) e o código de defesa do consumidor (art.
103), preveem a revisão a qualquer tempo da sentença ou acórdão transitado
em julgado considerado improcedente por insuficiência de provas. Um aspecto
a considerar é o da vedação expressa ao cabimento de ação rescisória a alguns
casos. É o caso das decisões de mérito proferidas em ação popular ou ação
civil pública quando o pedido é improcedente por insuficiência de provas, pois
neste caso não está presente a coisa julgada material, sendo possível ajuizar-se
nova demanda.31
Para Elton Venturi32 o significado da coisa julgada secundum eventum
probationis pode ser sustentada em todas as hipóteses de improcedência da
tutela coletiva, por insuficiência ou não de provas, desde que não tenham
tais fundamentos constado da sentença, quando relevante para o deslinde da
matéria fática, na medida em que estaria sempre absolutamente condicionada à
verificação da prova produzida nos autos.
Neste caso específico seria dispensável o manuseio da ação rescisória,
abrandando o regime tradicional da coisa julgada.
Pelo contrário, Ada Pelegrini Grinover33, absorvendo a lição de José
Manoel de Arruda Alvim Netto, entende que se o juiz julga improcedente a
ação sem referência à insuficiência de provas, explícita ou implicitamente na
motivação ou no dispositivo da sentença, não se poderá propor nova ação
31
CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 58.
32
VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 449.
33
GRINOVER, Ada Pelegrini et. al. Código de defesa do consumidor comentado. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2004, p. 927.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 93
coletiva, mas sim ingressar com a ação rescisória. Tanto é assim que se a fórmula
não constar da sentença, caberá às partes oferecer o recurso de embargos de
declaração (art. 535, do CPC).34
Esta última posição parece tecnicamente mais acertada, trazendo
maior segurança jurídica.
Nas ações civis públicas ou coletivas, observa-se, já há um sistema
peculiar de mitigação da coisa julgada coletiva, porém, a lei não trouxe regras
especiais para a disciplina da rescisão da coisa julgada.
Assim se é verdade que a regra é a do prazo comum imposta para os
processos cíveis em geral, menos verdade não é que a coisa julgada nas ações
civis públicas e coletivas tem peculiaridades.35
A coisa julgada será erga omnes ou ultra partes, estabelecendo-se um
sistema secundum eventum litis, onde no caso de improcedência por insuficiência
de provas não haverá coisa julgada, possibilitando ao próprio autor ou outro co-
legitimado repropor a ação.
A coisa julgada coletiva se forma in utilibus para beneficiar as vítimas ou
sucessores e não para prejudicá-los. Beneficia as vítimas do evento, mesmo que
não ocupem o pólo ativo da relação processual.
Outra peculiaridade é a de que quando se tratam de interesses ou direitos
de natureza transindividuais, envolvem direitos fundamentais, envolvendo o
espectro individual e o coletivo.
Sem embargo disso, a lei admite hipóteses de rescisão da coisa
julgada coletiva, dentro de dois anos a contar do trânsito em julgado da decisão
rescindenda, cujos fundamentos estão previstos no artigo 485, do Código de
Processo Civil. Ocorre que estes foram estabelecidos para a disciplina da coisa
julgada individual.
No entanto, para a disciplina específica da ação rescisória coletiva, o
sistema de proteção coletiva não prevê fórmula específica, pelo que deve ser
aplicado o artigo 485 e seus incisos do Código de Processo Civil, levando-se em
conta os requintes do processo coletivo e da coisa julgada coletiva, até que seja
promulgada norma especial.

3.1. Ação rescisória no projeto de lei n.º 5.139 de 2009


O Projeto de Lei n.º 5.139 de 2009, que tramitou na Câmara dos
Deputados, de autoria do Poder Executivo da União, sob relatoria do Deputado
Federal Antonio Carlos Biscaia, disciplinava a ação civil pública para a tutela de
interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, e dá outras providências.
Ibidem, p. 927.
34

MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural,
35

patrimônio público e outros interesses. 18.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 499.
94 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Revogaria a Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e vários
dispositivos da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), trazendo
dispositivo específico em relação à revisão da coisa julgada coletiva (art. 38),
bem como no que diz respeito à ação rescisória coletiva (art. 39).
O artigo 39, do projeto de lei cuidava especificamente da ação rescisória
coletiva, in verbis:

Art. 39. A ação rescisória para desconstituir sentença ou acórdão de


ação coletiva, cujo pedido tenha sido julgado procedente, deverá ser ajuizada
em face do legitimado coletivo que tenha ocupado o pólo ativo originariamente,
podendo os demais co-legitimados atuar como assistentes.
Parágrafo único. No caso de ausência de resposta, deverá o Ministério
Público ocupar o pólo passivo, renovando-se-lhe o prazo para responder.

Desde logo, observa-se questão importante no que se refere à


legitimidade tanto no pólo ativo quanto no pólo passivo da relação processual.
Apesar do silêncio da atual lei, é legitimado ativamente para a ação
rescisória coletiva aquele que figurou como parte no pólo passivo da relação
processual coletiva. Como não há regra específica, aplicam-se subsidiariamente
as regras da Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), por
força do artigo 68 do projeto de lei.
Por isso, também estão legitimados o seu sucessor a título universal ou
singular, terceiro juridicamente interessado, e o Ministério Público.
Aqui vale tudo o que se mencionou linhas atrás sobre a legitimidade
ativa nas ações rescisórias sob o regime do Código de Processo Civil.
Interessante anotar que o artigo 487, do Código de Processo Civil
elenca os legitimados ativos a propor a ação rescisória enquanto que no projeto
de lei n.º 5.139, estavam arrolados os legitimados passivos. Aqueles contra quem
se proporá a ação rescisória, aqueles que poderão figurar no pólo passivo da
relação processual. Uma disposição não exclui a outra, admitindo-se uma nova
realidade, ampliando o rol de legitimados em ambos os pólos quando se tratar
de ação coletiva, a teor do previsto no artigo 68 do Projeto de Lei n.º 5.139
de 2009.
A discussão quanto à legitimidade passiva da ação coletiva ganha
destaque. Devem figurar aqueles que serão prejudicados com a desconstituição
da coisa julgada coletiva.
Em primeiro lugar, obviamente, a ação será proposta contra o legitimado
que ocupou o pólo ativo da relação processual coletiva. Se o ente coletivo figurou
como autor na ação coletiva, poderá ele ser demandado coletivamente?

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 95


Há de se levar em conta a chamada representatividade adequada?
Porém, no Brasil ela não se opera ope legis, ou seja, não há previsão legal para os
entes coletivos figurarem no pólo passivo com representatividade adequada, mas
o legislador se utiliza da técnica enunciativa.
A disciplina individual, calcada no Código de Processo Civil é
absolutamente insuficiente para regular o processo coletivo.
Todavia, nem mesmo na legislação que atualmente forma o sistema
único coletivo prevê a legitimidade passiva nesses casos. Mesmo a Lei 8.069/90,
inclina-se a dar preferência à legitimação ativa para os processos coletivos36,
sendo silente em relação aos legitimados passivos.
O projeto de lei mencionado elencava quem eram os legitimados para
a ação coletiva no artigo 6.º, ampliando esse rol se comparado à atual legislação,
quedando-se à doutrina e jurisprudência sobre o tema. Em relação aos órgãos de
autoridade pública, não se vislumbra maiores problemas, pois dificilmente serão
extintos. Porém, em relação às associações, por exemplo, poderão de alguma
forma se extinguir e, em assim ocorrendo, contra quem a ação rescisória seria
proposta? Quem seria citado para responder à ação rescisória?
O Código de Processo Civil não dá resposta, pois não prevê quem
deverá assumir o pólo passivo da relação processual, visto as ações coletivas
são peculiares neste aspecto. O projeto de lei n.º 5.139 de 2009 estabelecia
que o Ministério Público deveria assumir o pólo passivo, tendo em vista que,
independente de sua legitimidade ativa para a propositura da ação coletiva,
representa constitucionalmente o interesse da sociedade brasileira. O artigo 39
previa que os demais co-legitimados poderiam intervir no processo rescisório
como assistentes.
Quanto ao objeto da ação rescisória coletiva, apenas a sentença coletiva
de mérito é rescindível.
De igual forma entende-se que o objeto da ação rescisória será sempre
o pronunciamento jurisdicional onde houver decisão envolvendo matéria de
mérito, dotada de autoridade de coisa julgada material, portanto, independente
da natureza da decisão, aqui valendo o que já se comentou no item 2.3.
36
 Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de
21.3.1995)
I - o Ministério Público,
II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,      especificamente
destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;
IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses
e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.
Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação
civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes. (Redação
dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
96 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Importante ressaltar que, no mais, são aplicáveis os artigos 485 a 495,
do Código de Processo Civil naquilo que for cabível, valendo as considerações
já feitas quanto à ação rescisória, visto que são pertinentes à ação rescisória
coletiva, nos aspectos relacionados à competência, legitimidade ativa, objeto,
procedimento, hipóteses de cabimento e prazo.

3.1.1. Assistência
Nas ações coletivas sempre será viável a atuação dos demais legitimados
na condição de assistente litisconsorcial.37
Há dispositivos prevendo a intervenção de um terceiro na ação coletiva:
“(...) art. 5º § 2.º da Lei da Ação Pública que utiliza a expressão ‘ (...) habilitar-se
como litisconsorte (...)’; art. 94 do Código de Defesa do Consumidor e art. 6.º, § 5.º
da Lei da Ação Popular que menciona tanto o a atuação como litisconsorte e,
ainda, assistente”.38
O Projeto de Lei n.º 5.139/2009, no art. 39, caput, parte final,
contemplava expressamente a possibilidade dos demais co-legitimados figurarem
como assistentes litisconsorciais.
O co-legitimado poderia ter ajuizado a demanda na qual pretende atuar
como assistente, ademais o co-legitimado deve ingressar na ação coletiva como
assistente litisconsorcial, com todos os direitos e ônus das partes.39
O interesse jurídico do co-legitimado é presumido, tendo em vista que
decorre da lei.

3.1.2 Efeitos da procedência da ação rescisória coletiva: responsabilidade civil e


honorários advocatícios
Temática interessante é aquela que cuida de eventuais danos causados
aos réus da ação coletiva que se rescinde, devido aos reflexos econômicos, para
além dos efeitos de natureza jurídica.
Pode-se exemplificar com uma situação na qual alguém vem
devastando uma área de preservação ambiental. Já terá provocado danos
no que toca à parte destruída, mas ainda há necessidade de um provimento
jurisdicional que obrigue o agente a paralisar sua atividade destrutiva e isso
porque com o tempo sua conduta virá a produzir novos danos. Neste caso,
pode-se cumular o pedido indenizatório com o de obrigação de fazer ou não
fazer.40 De acordo com o art. 13 da Lei 7.347/85, havendo condenação em

37
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de direito processual civil coletivo. 2. Ed. São Paulo: SRS, 2008, p. 240.
38
Ibidem, p. 240.
39
Ibidem, p. 241.
40
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública – comentários por artigo. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2005, p. 363.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 97
dinheiro, a indenização pelo dano se reverterá a um fundo gerido por um
Conselho Federal ou Estadual.
Eventualmente, no exemplo dado, caso uma ação rescisória coletiva venha
a ser julgada procedente, porque o autor da rescisória estaria exercendo atividade
lícita, como ficará a situação dos beneficiados pela decisão anterior? Em relação
aos titulares do direito, não há como responsabilizá-los, até porque são fluídos, não
havendo como individualizá-los no caso de interesses ou direitos difusos.
Quando se cuida de ação rescisória, deve-se levar em conta que os
pedidos são cumulativos: há um pedido de desconstituição da sentença anterior
– juízo rescindens -, portanto, os efeitos se operam ex nunc, não retroagindo. Um
pedido de novo julgamento – juízo rescissorium – com efeitos também para o futuro.
Igualmente, não há como responsabilizar o ente legitimado41, o que
seria uma verdadeira Espada de Dâmocles, tendo em vista que a lei o obriga
(especialmente no caso do Ministério Público) a tutelar interesses socialmente
relevantes, de outro, desestimulando-o a propor a ação coletiva, o que
representaria verdadeira crise de efetividade da tutela jurisdicional na defesa dos
interesses coletivos42, ferindo o princípio constitucional de acesso à justiça. Claro
que se exige coerência e impessoalidade na atuação do legitimado coletivo ativo,
principalmente do Ministério Público.
Em relação à responsabilidade pelos danos causados em decorrência
do anterior litigante, quaisquer dos co-legitimados somente poderão responder
por comprovada má-fé.
Não se pode punir o ente legitimado que atua exercendo
atividade processual lícita. Há necessidade, na análise das ações coletivas,
de comprovação de má-fé, ou seja, deverá ser afastada a responsabilidade
objetiva. 43 Deve restar demonstrado o dolo ou culpa, o que evidenciará o
abuso de direito passível de responsabilização.
Não havendo a comprovação de má-fé, não se reconhece o dever de o
ente legitimado coletivo indenizar o autor da rescisória.
No caso do Ministério Público, há entendimento na jurisprudência de
que é o Poder Executivo da União ou dos Estados e do Distrito Federal, que
poderá responder por custas, honorários e eventuais despesas.44

41
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de direito processual civil coletivo. 2. ed. São Paulo: SRS, 2008, p. 420.
42
Ibidem, p. 420.
43
Ibidem, p. 439.
44
PROCESSO CIVIL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. MINISTÉRIO PÚBLICO. Ação proposta pelo
Ministério Público que, obrigado legalmente a pedir o arresto de bens do administrador de sociedade liquidanda (Lei nº 6.024/74,
art. 45), foi além disso, atingindo a meação da mulher deste; pelo excesso de atuação do seu agente, o Estado de Minas Gerais
responde pelos honorários de advogado resultantes da
procedência dos embargos de terceiro. Recurso especial não conhecido. (Superior Tribunal de Justiça, REsp. 188695-MG, Rel.
Min. Ari Pargendler – j. 29.05.2001 – DJU de 13.08.2001).
98 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Mazzilli45 leciona que não cabe ação indenizatória do lesado a ser movida
diretamente contra os membros do Ministério Público, quando estes provoquem
danos nesta qualidade – como de resto, também não o cabe em relação aos agentes
públicos em geral, aqui incluindo a própria Defensoria Pública. Neste diapasão a
obrigação de indenizar seria da própria pessoa jurídica a que pertencer o agente46,
caso em que o servidor poderá responder perante a Fazenda Pública em ação
regressiva, nos casos em que se comprove o dolo ou má-fé.
Todavia, estar-se-ia responsabilizando quem não foi parte. Seria
conveniente então que a Fazenda Pública fosse notificada a intervir em toda a
ação coletiva promovida por ente público legitimado processual coletivo, quando
teria então igualdade de oportunidade e participação processual, fazendo com
que fosse possível responder por custas, honorários e outras despesas. Gomes
Júnior47 adere ao entendimento já dominante no Superior Tribunal de Justiça, ou
seja, de que nas ações coletivas em geral, somente se justificará a condenação, do
autor legitimado, em honorários advocatícios, se presente a má-fé processual.
O Superior Tribunal de Justiça, interpretando a regra prevista no artigo
18 da Lei da Ação Civil Pública, maciçamente vem se posicionando no sentido
da isenção, nos casos em que o Ministério Público é autor da ação coletiva,
firmando o entendimento de que o ente legitimado processual coletivo não está
obrigado a pagar honorários advocatícios, seguindo a regra de que na ação civil
pública somente há condenação em honorários, despesas e custas processuais
quando o autor for considerado litigante de má-fé.48
Em relação aos honorários advocatícios, se procedente a ação rescisória,
somente se justificará a condenação da parte-ré em honorários advocatícios, se
presente a má-fé processual do ente legitimado ou, no caso do Ministério Público,
do membro que a propôs. A regra vale para todos os co-legitimados, a teor do
que atualmente prevê o artigo 18 da Lei da Ação Civil Pública. Nas palavras de

45
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 535.
46
O STF já decidiu não admitindo a ação diretamente endereçada ao agente público no RE 327.904-SP, 1.ª Turma,Rel. Carlos
Britto, j. 15.08.2006, Informativo STF n.º 436, ago./2006. No mesmo sentido: RE 228.977-SP, Rel. Min. Néri da Silveira,
DJU 12.04.2002, Informativo STF n.º 263, abril/2002.
47
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de direito processual civil coletivo. 2. ed. São Paulo: SRS, 2008, p. 444.
48
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROCEDÊNCIA.
MINISTÉRIO PÚBLICO. CONDENAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MÁ-FÉ.
NÃO-CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. A ação civil pública julgada
improcedente, quando ajuizada pelo Ministério Público, não implica a condenação ao pagamento de verba honorária, salvo
quando comprovada a má-fé do órgão ministerial, hipótese não-configurada no caso concreto. 2. Precedentes do STJ. 3. Recurso
especial provido. (REsp 439.599/SP, Rel. Ministra Denise Arruda, 1.ª Turma, j. em 06.12.2005, DJ 06.02.2006, p. 198).
No mesmo sentido: REsp 764.278/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 28.5.2008; REsp 896.679/
RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 12.5.2008; REsp 419.110/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de
27.11.2007; AgRg no Ag 542.821/MT, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 6.12.2006. REsp 178.088/
MG, Rel. Ministro Castro Meira, 2.ª Turma, julgado em 04.08.2005, DJ 12.09.2005 p. 261; REsp 493.823/DF, Rel.
Ministra Eliana Calmon, 2.ª Turma, julgado em 09.12.2003, DJ 15.03.2004 p. 237.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 99
Gomes Júnior49 “(...) o conceito de má-fé é vago e impreciso e com ‘alta dose’ de
subjetividade, mas perece-nos que seja, ao menos frente à disciplina normativa
em vigor e ao Sistema Jurídico referente à Ações Coletivas de um modo geral”.
O Projeto de Lei n.º 5.139/2009 disciplinava a matéria referente a
despesas, honorários e danos processuais nos artigos 55 e 5650, prevendo que o
réu poderia ser condenado ao pagamento de custas, despesas e honorários. Já
o autor coletivo não deverá adiantar valor de custas, emolumentos, honorários
ou qualquer outra despesa51, nem será condenado em custas ou demais despesas
processuais, salvo comprovada a má-fé, quando poderá ser condenado ao
pagamento de até o décuplo das custas, sem prejuízo de responsabilização em
perdas e danos.

3.2. Ação revisional


O Projeto de Lei n.º 5.139 de 2009, previa também uma espécie de
ação revisional, que nada mais é do que mais uma hipótese legal rescisão da coisa
julgada coletiva.
No art. 38, estabelecia in verbis:

Art. 38. Na hipótese de sentença de improcedência, havendo


suficiência de provas produzidas, qualquer legitimado poderá propor ação

49
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de direito processual civil coletivo. 2. ed. São Paulo: SRS, 2008, p. 444.
50
Art. 55. A sentença do processo coletivo condenará o réu, se vencido, ao pagamento das custas, emolumentos, honorários periciais
e quaisquer outras despesas, bem como dos honorários de advogado, calculados. §1.º Tratando-se de condenação à obrigação
específica ou de condenação genérica, os honorários advocatícios serão fixados levando-se em consideração a vantagem obtida
para os interessados, a quantidade e qualidade do trabalho desenvolvido pelo advogado e a complexidade da causa. §2.º Os
legitimados coletivos não adiantarão custas, emolumentos, honorários periciais ou quaisquer outras despesas, nem serão condenados
em honorários de advogado e periciais, custas e demais despesas processuais, salvo em caso de comprovada má-fé.
Art. 56. O legitimado coletivo somente responde por danos processuais nas hipóteses em que agir com má-fé processual. Parágrafo
único. O litigante de má-fé será condenado ao pagamento das despesas processuais, dos honorários advocatícios e de até o décuplo
das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.
51
Súmula 232/STJ: A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários
do perito. Em recentes precedentes, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça vem estendendo a obrigação da Fazenda
Pública estabelecida na súmula ao Ministério Público nas ações civis públicas, mesmo quando ocupa a posição de autor,
in verbis: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO MEIO
AMBIENTE. ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
ADMISSIBILIDADE. POSICIONAMENTO DA PRIMEIRA TURMA. ART. 18 DA LEI 7.347/85.
SÚMULA 232/STJ.1. A matéria é conhecida desta Corte e encontra divergência de posicionamento no âmbito das Primeira e
Segunda Turmas. 2. Na esteira do entendimento firmado pela Primeira Turma, tem-se que “o Ministério Público, nas demandas
em que figura como autor, incluídas as ações civis públicas que ajuizar, fica sujeito à exigência do depósito prévio referente aos
honorários do perito, à guisa do que se aplica à Fazenda Pública, ante a ratio essendi da Súmula 232/STJ, “A Fazenda Pública,
quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito”. (REsp 733.456/SP, Rel. Min.
Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 22/10/2007). Precedente: REsp 846.529/MS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ
07/05/2007. 3. Precedentes da Segunda Turma em sentido diverso: REsp 716.939/RN, Rel. Min. Herman Benjamin,
DJ 10/12/2007; REsp 928.397/SP, Rel. Min. Castro Meira, DJ 25/09/2007. 4. Recurso especial não-provido. (REsp
981.949/RS, Rel. Ministro José Delgado, 1.ª Turma, julgado em 08/04/2008, DJe 24/04/2008). No mesmo sentido REsp
846.529/MS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, 1.ª Turma, julgado em 19.04.2007, DJ 07.05.2007 p. 288.
100 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
revisional, com idêntico fundamento, no prazo de 1 (um) ano contado do
conhecimento geral da descoberta de prova técnica nova, superveniente, que não
poderia ser produzida no processo, desde que idônea para alterar seu resultado.
§1.º A faculdade prevista no caput, nas mesmas condições, fica
assegurada ao réu da ação coletiva com pedido julgado procedente, caso em que
a decisão terá efeitos ex nunc.
§2.º Para a admissibilidade da ação prevista no §1.º, deverá o autor
depositar valor a ser arbitrado pelo juiz, que deverá ser não superior a 10%(dez
por cento) do conteúdo econômico da demanda.

Parece que finalmente seria acatada posição mais flexível em relação ao


termo inicial do prazo decadencial se comparado com o prazo da ação rescisória
que passa a transcorrer a partir do trânsito em julgado da decisão de mérito.
Wambier e Medina52 e Talamini53 na atual sistemática entendem que o
prazo decadencial de 02 (dois) anos da rescisória não deve ser afastado, mas já
reconhecem que o termo inicial da ação rescisória poderia ser alterado nos casos
de documento novo, nova perícia e do trânsito em julgado da ação penal, por
conseguinte, não do trânsito em julgado da sentença, mas a partir desses eventos.
Mazzilli 54 exemplifica casos de formação de coisa julgada
contra Constituição.
Num deles toma como exemplo uma ação civil pública improcedente,
não por falta de provas, mas porque o juiz desconsidera a perícia e entende que
os resíduos emitidos pela chaminé de uma fábrica do réu não são poluentes, antes
conclui a sentença que são inócuos ou não maléficos à saúde humana. Formada a
coisa julgada erga omnes, vencida a oportunidade da rescisória, a humanidade estaria
eternamente condenada a suportar aqueles resíduos altamente tóxicos e prejudiciais.55
Para Ventura56, seria caso de propositura de nova ação, em decorrência
da coisa julgada secundum eventum probationis, pois o sistema não obriga o juiz a
fundamentar a decisão na afirmação peremptória de que a improcedência seria
motivada pela suficiência de provas apresentadas, pois somente em demandas
posteriores, já com base em novas provas se poderia aferir se o julgamento
anterior se deu com base em suficiência ou não de provas.
Entretanto, não se pode concordar com a assertiva deste autor, pois,
nesse caso, o juiz deve fazer constar na sentença expressamente a insuficiência

52
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 204-209.
53
TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua relativização. 2005, p. 191-192 e 663-665.
54
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 500.
55
Ibidem, p. 500.
56
VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 449.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 101
de provas como razão de decidir, sob pena de nulidade da sentença, sendo
cabível às partes manejar os embargos declaração para que o juiz esclareça qual
o fundamento que o levou a decidir, antevendo-se, até mesmo, a possibilidade
de prequestionamento.
Saliente-se que pela proposta restaria afastada a categoria da coisa
julgada secundum eventum probationis, na medida em que foi criada a ação revisional.57
A solução para o caso descrito linhas acima, viria com a entrada em
vigor do dispositivo sob comento, escoimando quaisquer dúvidas, visto que o
prazo para a propositura de uma ação revisional com idêntico fundamento da
ação coletiva anterior será de um ano a contar da data que se tomou conhecimento
da técnica nova ou da nova prova. Porém, o projeto de lei está arquivado
provisoriamente até que se julge o recurso interposto contra sua rejeição.
Para Luiz Manoel Gomes Júnior e Rogério Favreto58

(...) haja ou não prova suficiente, seja para o acolhimento


(§ 1º), seja para a rejeição do pedido em Ação Coletiva,
poderia ensejar o ajuizamento de nova demanda, desde
que houvesse a descoberta de prova nova. O efeito seria o
de uma Ação Rescisória, só que tramita desde o início em
1º grau, mas com a possibilidade de afastar os efeitos da
anterior decisão prolatada em ação coletiva.

A competência para o julgamento da ação revisional seria do juízo de


1.º grau, inferindo-se do próprio Projeto de Lei n.º 5.139/2009 que seria seguido
o rito ordinário, com a possibilidade de fungibilidade procedimental.
O réu teria também a possibilidade de manejar ação revisional,
no mesmo prazo, porém, deveria depositar valor a ser arbitrado pelo juiz,
importando em valor não superior a 10% do conteúdo econômico da demanda,
aliás, como também exigido para a ação rescisória59, como pressuposto
específico, previsto no artigo 488, II, do Código de Processo Civil, no
importe de 5% sobre o valor da causa, a título de multa, caso a ação seja, por
unanimidade de votos, declarada inadmissível.
Não se infere lesão ao princípio do acesso à justiça, mesmo porque
nenhum princípio constitucional é absoluto e, nesse caso, se justifica a exigência
de depósito, desestimulando ações revisionais de caráter protelatório.

57
GOMES JR., Luiz Manoel & FAVRETO, Rogério. Anotações sobre o projeto da nova lei da ação civil pública: principais
inovações. RePro 176. São Paulo: RT, 2009.
58
GOMES JR., Luiz Manoel & FAVRETO, Rogério. Anotações sobre o projeto da nova lei da ação civil pública: principais
inovações. RePro 176. São Paulo: RT, 2009.
59
OLIVEIRA, Francisco Antonio. Ação rescisória: enfoques trabalhistas. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.
143.
102 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
3.3. Papel do Ministério Público na ação rescisória - curador especial
Como já se mencionou, na ação rescisória coletiva incidem os
dispositivos do Código de Processo Civil, de maneira supletiva. Assim, diante
de expressa previsão legal, nas hipóteses previstas no artigo 81 do Código de
Processo Civil, diz-se que o Ministério Público deverá atuar no processo como
órgão interveniente, desempenhando a função de órgão responsável por velar
pela justiça, pelos princípios aplicáveis à espécie e pela observância da decisão
judicial às normas constitucionais e infraconstitucionais.60
As demandas coletivas, em especial, têm vocação para tutelar
predominantemente o interesse público primário. Justifica-se por esse motivo
a especial preocupação do legislador com a participação do Ministério Público.
Sem dúvida, a Constituição de 1988, a teor do artigo 127, fortaleceu o
Ministério Público, destinando-o à defesa de interesses indisponíveis individuais
e coletivos.
Atualmente se prevê que na execução de sentença coletiva em ação civil
pública ou coletiva promovida por qualquer dos co-legitimados, o Ministério
Público tem legitimidade para promover a execução se aqueles tiverem desistido
ou abandonado a execução ou liquidação (art. 5.º, da Lei da Ação Civil Pública e
art. 82, do Código de Defesa do Consumidor).

3.3.1. Ministério Público como interveniente


Na ação rescisória prevista no Código de Processo Civil, há previsão
de participação do Ministério Público nos tribunais, inclusive superiores, sendo
que o órgão é representado pelo Procurador-Geral de Justiça, na esfera estadual
e pelos respectivos membros do Ministério Público Federal que atuam na esfera
federal. No Supremo Tribunal Federal, atua o Procurador-Geral da República.
Não há maior polêmica em relação à atuação do Parquet como órgão
interveniente. O chamado custos legis - fiscal da lei. Suas funções e destinação
deverão ser entendidas à luz da Constituição da República, zelando pelos
interesses sociais e individuais indisponíveis e do bem geral.
Neste diapasão, o Ministro Carlos Ayres de Britto, do Supremo
Tribunal Federal, entende mais apropriado o termo custos iuris.61
Na ação rescisória, independentemente da obrigatória interveniência
do Ministério Público no processo anterior, deve ser ouvido, pois na ação
rescisória há interesse público, evidenciado pela natureza da lide: discute-se, com
efeito, a validade da decisão judicial trânsita em julgado.62
60
ZENKNER, Marcelo. Ministério Público e efetividade do processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2006, p. 113-114.
61
Voto lançado no dia 1.º.09.2004. No caso concreto, o STF discutia o Inquérito 1.968 em que o então Deputado Federal
licenciado Remi Trinta, do Maranhão, era acusado de ter desviado dinheiro do SUS.
62
BARBOSA MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro, 2003. 5 v., p. 199.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 103
No caso da ação rescisória coletiva que, por vocação, veicula interesses
transindividuais, indisponíveis, portanto, com mais razão deve intervir o
Ministério Público.
Portanto, afigura-se curador especial da ação rescisória coletiva.

3.3.2. Ministério Público como parte-ré


O Projeto de Lei 5.139/2009 previa que se o réu não oferecesse
resposta à ação rescisória, assumiria o pólo passivo da relação processual o
Ministério Público, representante adequado por excelência, reforçando o seu
papel da curador especial.
Mas, pode o Ministério Público ser réu na ação rescisória?
Ele responde por si só ou é representado pela Fazenda Pública estadual
ou federal?
Nada impede que o Ministério Público seja réu. Não para responder
patrimonialmente enquanto instituição por eventuais danos causados a terceiros,
mas sim nos casos em que a lei lhe dê capacidade postulatória para, como parte
pública, responder ao pedido do autor.63
Assim, o Ministério Público pode ser parte-ré quando foi o autor da
ação coletiva cuja sentença transitada em julgado se quer rescindir ou quando
quaisquer dos ativos legitimados coletivos deixem de oferecer resposta, devendo
ocupar o pólo passivo, renovando-se-lhe o prazo para responder.
O Código de Processo Civil e nem mesmo a Lei da Ação Civil Pública
ou o Código de Defesa do Consumidor, no entanto, nada dispõe sobre a parte
passiva na ação rescisória. Porém, não há como não reconhecer que, sendo o
Ministério Público autor da ação coletiva, é parte passiva legítima na rescisória
que busca desconstituir decisão prolatada na demanda em que foi autor, não
importando seja órgão sem personalidade jurídica. Em tal circunstância, a
capacidade judiciária ou capacidade processual se estende, por exceção, também
ao pólo passivo.
A jurisprudência já tem se posicionado nesse sentido.64

63
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 101.
64
Ação Rescisória. Direito público não especificado. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Legitimidade passiva do
Ministério Público. Alegação de violação a literal disposição de lei. Reapreciação da prova. Descabimento. I - o ministério
público é parte passiva legítima na ação rescisória, tendo figurado como parte autora na ação civil pública. Embora não possua
personalidade jurídica, está investido de capacidade judiciária para atuar em juízo na defesa dos interesses constitucionalmente
previstos, como é o caso dos autos, em que fora ajuizada ação civil pública por atos de improbidade administrativa. II - é incabível
ação rescisória por violação a literal disposição de lei (inciso v do art. 485 do CPC) se, para apurar a pretensa violação, for
necessário reexaminar matéria probatória debatida nos autos. Eventual injustiça da decisão ou mesmo a má interpretação da
prova não dão azo ao manejo da ação rescisória, tampouco serve esta como sucedâneo a recurso não interposto pela parte na forma
e no prazo legal. Preliminar rejeitada. ação rescisória julgada improcedente. (TJRS – Ação rescisória 70025567140, Porto
Alegre – 21.ª Câmara Cível - Rel. Francisco José Moeschdata. – j. 18.11.2009 – DJRS 24.11.2009)
No mesmo sentido: Ação rescisória. Ação Civil Pública. Legitimidade passiva ‘ad causam’ do Ministério Público. Ausência de
104 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Assim, o Ministério Público, bem como os demais co-legitimados para
a ação coletiva, poderá ser réu em ação rescisória visando desconstituir a coisa
julgada coletiva.65
Quando o Ministério Público á parte-ré em ação rescisória coletiva não
está agindo em defesa de interesse patrimonial da instituição ou do Estado, mas
no exercício de legitimidade ordinária própria do sistema coletivo, na defesa de
direitos e interesses coletivos, do conjunto de cidadãos. Como instituição não
responde patrimonialmente, pois é ente despersonalizado, mas possui capacidade
judiciária para a defesa dos interesses coletivos lato sensu¸ em regra, indisponíveis.
Isso já ocorre quando do ajuizamento de embargos de terceiros ou
embargos do devedor, na impugnação do cumprimento de sentença em sede
de ação civil pública, pois se assim não fosse seria impossível ao executado
desconstituir título executivo inidôneo.66
Obviamente que, perante os tribunais deverá funcionar o órgão do
Ministério Público com assento no mesmo, ou seja, o Procurador-Geral da
República ou o Procurador-Geral de Justiça, dependendo da esfera judiciária.
Os chefes das instituições ministeriais poderão exercê-la diretamente ou delegar
esta atribuição a outro membro do Ministério Público, por ato administrativo
interno67 sempre em obediência ao princípio da legalidade.
Não seria coerente obrigar a Fazenda Pública, seja estadual, seja federal,
a assumir o pólo passivo de uma relação processual, sendo que não participou
da ação originária e nem estaria na mesma posição de defesa intransigente de
interesses coletivos. O Estado estará obrigado a indenizar, em ação própria,
somente nos casos de excessos na atuação dos membros do Ministério Público,
já que não há como ressarcir retroativamente o eventual vencedor da ação
rescisória, de acordo com o que exposto linhas atrás.
Ausente o legitimado demandado, assume o Ministério Público o pólo
passivo da relação processual.
Aqui vale o mesmo raciocínio já esposado: pode o Ministério Público
figurar como parte-ré. Pode a lei chamar o Estado expressamente (também co-
legitimado coletivo) e não o Ministério Público.

requisito para rescisão do acórdão. O Ministério Público possui legitimidade passiva na ação rescisória, caso tenha figurado como
autor na ação civil pública originária. O documento, apresentado pela parte, que não assegura, por si só, inversão do resultado do
julgamento, não é apto à rescisão do acórdão. (TJMG – Ação rescisória 1.0000.05.419994-8000(1) – Belo Horizonte – 6.º
Grupo de Câmaras Cíveis – Rel. Des. José Flávio de Almeida – j. 21.02.2007 – DJMG 04.05.2007)
65
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 101-102.
66
Ibidem, p. 101.
67
Fala-se em atos administrativos internos e externos, conforme sejam destinados a produzir efeitos apenas sobre os órgãos
integrantes da Administração Pública ou não. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo:
Saraiva, 2005).
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 105
4. AÇÃO RESCISÓRIA NO PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL

O Projeto de Lei n.º 8046 de 2010, que tramita na Câmara dos


Deputados estabelece um novo código de processo civil, cuidando da ação
rescisória a partir do artigo 919 até o artigo 928, trazendo alterações no que
diz respeito às hipóteses de cabimento e à fundamentação da ação rescisória,
diminuição do prazo decadencial e uma nova sistemática, porém, é silente em
relação à ação rescisória no processo coletivo. É que o Projeto de Lei 5.139 de
2009 já tramitava enquanto ainda estavam se realizando os trabalhos do grupo
de juristas que elaborou o anteprojeto que deu origem ao PL 8046/2010. Ocorre
que, em não sendo aprovado o PL 5139/2009, hipoteticamente a disciplina da
ação rescisória do novo código será aplicada ao processo coletivo, persistindo a
falta de tratamento adequado.
Das modificações de seus fundamentos, merece destaque a hipótese
relacionada à incompetência absoluta que não é mais mencionada. Outro
acerto foi a mudança do fundamento atualmente previsto no inciso V, violar
literal disposição de lei, para sentenças ou acórdãos de mérito que “violarem
manifestamente a norma jurídica” (artigo 919, inciso V), incluindo a possibilidade
de rescisão do julgado transitado em julgado que violar norma não prevista
literalmente em texto de lei.
O PL 5.139 estabelecia disciplina tanto para a ação rescisória coletiva
quanto criava a ação revisional da sentença ou acórdão transitado em julgado no
processo coletivo. Para aquela o prazo era o do Código de Processo Civil, ou
seja, 02 (dois) anos de prazo decadencial. Para a ação revisional, o prazo de 01
(um) ano seria contado a partir do conhecimento geral da descoberta de prova
técnica nova, superveniente, que não poderia ser produzida no processo, desde
que idônea para alterar seu resultado.
O PL 8046/2010, diminui o prazo decadencial da ação rescisória de 02
(dois) para 01 (um) ano contado do trânsito em julgado da decisão (artigo 928
do PL 8046/2010).
Se a decisão atacada for fundada em sentença proferida por concussão,
prevaricação ou corrupção do juiz (artigo 919, inciso I) ou se fundarem em prova
cuja falsidade seja apurada em processo criminal ou no próprio processo da ação
rescisória, o cômputo do prazo de 01 (um) ano será contado a partir do trânsito
em julgado da sentença criminal ( artigo 928, parágrafo único do PL 8046/2010).
O que se esperava era que o código de processo civil e o código de processo
coletivo, uma vez aprovados, se integrassem formando um sistema harmonioso
com soluções para as demandas modernas, porém, como o PL 5.139/2009, não

106 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


foi aprovado, persiste a problemática que, por ora, somente poderá ser solucionada
mediante pronunciamento dos tribunais superiores e da doutrina.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sentença ou acórdão de mérito são os únicos pronunciamentos


judiciais sobre os quais incide a autoridade da coisa julgada. Mesmo que tal
garantia ostente status constitucional, pode ser rescindida nos casos taxativamente
previstos no próprio sistema processual que prevê hipóteses para a sua rescisão
no artigo 485, do Código de Processo Civil, cuja interpretação deve ser ampla,
abarcando casos onde a coisa julgada lesione princípios e regras constitucionais.
A coisa julgada coletiva se afasta da disciplina cunhada para o processo
individual do Código de Processo Civil, devendo ser estabelecida nova sistemática
para sua rescisão, levando-se em conta que se faz secundum eventum litis.
Do cotejo entre o atual sistema de tutela coletiva e o previsto no
arquivado Projeto de Lei n.º 5.139/2009, há uma grande distância, pois
propunha-se uma inovação, cunhando disciplina própria para a ação rescisória
coletiva, dirimindo dúvidas e incertezas, levando-se em conta que o atual sistema
de tutela coletiva e individual é insuficiente para solucionar todas as situações
jurídico-fáticas, posto que não prevê regramento especial para a rescisão da coisa
julgada coletiva. Entretanto, como tal projeto de lei foi sufragado por maioria na
Comissão da Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, cabe à doutrina
e à jurisprudência clarear a matéria e indicar o caminho mais correto para uma
normatização adequada da ação rescisória coletiva no Brasil.
Mesmo com a aprovação de um novo código de processo civil, da forma
como está proposto, não há previsão de solução quanto à ação rescisória coletiva.
Existem precedentes que devem ser seguidos com força impositiva até
que o legislador que desincumba de sua função precípua, indicando o Ministério
Público como curador especial da ação rescisória, podendo figurar como parte-ré
na relação processual da ação rescisória coletiva, mesmo no sistema atual, tendo
em vista que sua capacidade judiciária provém da sua natureza e legitimação para
a defesa dos interesses coletivos em sentido amplo, da sociedade brasileira.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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108 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


WAMBIER, Teresa Arruda Alvim & MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da
coisa julgada –  hipóteses de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
ZENKNER, Marcelo. Ministério Público e efetividade do processo civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006.

Recebido em: 14-04-2013.


Aceito em: 17-06-2013.

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 109


110 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
DA LIQUIDAÇÃO DO DIREITO EM
SENTENÇAS COLETIVAS
CLASS ACTIONS SETTLEMENT
Gustavo Crestani FAVA1
Tiago Resende BOTELHO2

Resumo: Esse artigo objetiva elucidar os aspectos mais


relevantes acerca da liquidação do direito reconhecido
por sentenças coletivas. Inicia-se com a definição de
liquidação enquanto procedimento destinado a conferir à
obrigação estipulada por sentença condenatória genérica,
especificidades como quanto e a quem se deve, sempre em
observância ao princípio da fidelidade do título. Em um
segundo momento, trata-se dos três tipos de liquidação
– cálculo aritmético, liquidação e por artigos -, essa
última certamente a mais utilizada quando da lida com
direitos coletivos latu sensu. Após analisa-se a competência
para o processamento do procedimento de liquidação
à luz do microssistema de defesa do consumidor e do
arcabouço principiológico do direito coletivo, bem como
a legitimidade ativa para sua consecução. Por fim, elucida
a experiência do TJ/RS com a suspensão de diversas
ações individuais bem como sua automática conversão em
liquidação após o sentenciamento de ação coletiva.

Palavras-chaves: Liquidação, sentença coletiva, conceito,


natureza jurídica, modalidades, competência, legitimidade
ativa, conversão, automática e ação individual.

Abstract: This article aims to elucidate the most relevant aspects


concerning the settlement of collective right recognized by verdicts. It
starts with the definition of settlement while a procedure to attach
to the obligation set by generic decisions, specifics such as how and to
whom it must be observed, always respecting the loyalty principle. In
a second stage, we work at the three types of liquidation - arithmetic,
arbitration and articles, the latter certainly the most widely used
when dealing with collective rights broad sense. After, we analyze the
competence to process the settlement procedure due to the consumer
1
Mestre em Direito Agroambiental pela UFMT e Bacharel em Direito pela UFMT, professor do curso de Direito das
Faculdades Candido Rondon – Cuiabá - MS. crestanifava.gustavo@gmail.com
2
Mestre em Direito Agroambiental pela UFMT, especialista em Direitos Humanos e Cidadania pela UFGD, bacharel
em Direito pela UEMS, licenciado em História pela UFGD, professor dos cursos de Direito da UEMS e das Faculdades
Integradas de Nova Andradina. trbotelho@hotmail.com
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 111
protection framework and the principles of collective right. Finally,
it elucidates the experience of TJ / RS with the suspension of
several individual demands, as well as its automatic conversion into
settlement following the judgment of a class action.

Keywords: Settlement, class action, legal definition, procedures,


competence, active legitimacy, conversion, automatic and individual action.

1. INTRODUÇÃO

Em primeiro plano, quando se está a tratar de tema de tamanha


complexidade, ainda mais exacerbada por cingir, no objeto aqui examinado,
à liquidação de direitos conferidos por sentenças coletivas, é imperioso que,
inicialmente, faça-se uma abordagem conceitual de modo a construir, ao menos
que razoavelmente, uma clareza sobre os elementos básicos componentes
de nosso estudo, em especial relevância no que toca ao termo “liquidação”.
Afinal, “o cumprimento da sentença genérica será promovido em duas fases
distintas: a da “liquidação”, destinada a complementar a atividade cognitiva,
e a da execução, em que serão promovidas as atividades práticas destinadas
a satisfazer, efetivamente, o direito lesado, mediante a entrega da prestação
devida ao seu titular”3
Inicialmente, convém delimitar aqui, neste breve introito, também que,
a despeito de ser utilizada de forma corriqueira pela doutrina e pela jurisprudência
não é técnico falar em liquidação da sentença, isso por que, a liquidez não se
configura como predicado do título, mas sim da obrigação ali encartada. Nesse
diapasão nosso objeto de estudo cinge-se à liquidação do direito reconhecido
por sentença e não à liquidação do próprio édito.
Por certo que, hodiernamente, as sentenças coletivas não representam
requisitos de título, haja vista que oferecem tão somente o an debeatur - em outras
palavras, afirmam ser devido -, bem como o quid debeatur, demonstrando o objeto
da condenação, sem, contudo, por uma impossibilidade quase sempre lógica,
definir, para todos os casos por ela abarcados, o quanto se deve, denominado
quantum debeatur, e tampouco o cui debeatur, a quem se deve, obrigando à realização
do procedimento de liquidação.
Há, nesse diapasão, até mesmo expressa disposição legal, insculpida
no Art. 95 do Código de Defesa do Consumidor de que a sentença proferida
em ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos deverá
ser genérica, conduzindo, assim, a uma inexorável liquidação. Araken de Assis

3
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4. ed. rev. e atual. São
Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2009. P. 185.
112 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
indicou que: “A condenação genérica se mostra frequente no processo coletivo.
Em particular, no processo coletivo instaurado em prol de interesses individuais
homogêneos, o art. 95 da Lei nº 9.078/90 dispõe que o provimento condenará
genericamente, fixando a responsabilidade do réu pelo dano causado”4
De fato, não se pode exigir de alguém a prestação de alguma coisa
que não se sabe exatamente o que é. Portanto, a liquidez diz respeito à exata
definição daquilo que é devido e de sua quantidade.”5. Em suma, a regra delimita
que o pedido formulado seja específico, mas mesmo o Código de Processo Civil,
permite a formulação de pedidos genéricos, dependentes de liquidação, o que
geralmente acontece nas ações coletivas.6
A liquidação apresenta-se, a nosso ver, como o conjunto procedimental
concatenado destinado à atribuir liquidez à obrigação inserta no édito judicial. De
tal sorte, resta-nos, portanto, a averiguação do conceito de liquidez, importante
para precisar o que se colima conferir ao édito, por intermédio do procedimento
de liquidação.
Em suma, dentro da ciência processual civil, constata-se a liquidez
quando o direito conferido pelo édito judicial reveste-se de precisão na afirmação
do dever (an debeatur), assim como na declaração do objeto de tal condenação (quid
debeatur) e por fim, define de forma clara a quem se deve (cui debeatur) e quanto se
deve (quantum debeatur). Ausente qualquer um desses elementos, também ausente
far-se-á a liquidez, tão somente um título que indique todos esses elementos de
forma precisa, pode ser qualificado como Líquido e, portanto, apto a ensejar seu
cumprimento judicial.

2. DO PRINCÍPIO DA FIDELIDADE DA LIQUIDAÇÃO AO TÍTULO

Por óbvio que a liquidação do direito conferido pela sentença coletiva,


seja ela fruto de uma ação civil pública, ação popular ou mesmo uma ação
movida em benefício de consumidores lesados, precisa observar estritamente ao
que foi definido no édito condenatório. Não é facultado, ao pretenso exequente,
a alteração de qualquer ponto de mérito da sentença, mas tão somente aclarar o
que até então restava inebriado pela generalidade. Convencionou-se denominar
este atrelamento de Princípio da Fidelidade ao Título.
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart indicam que, por tal
princípio, expressão da coisa julgada, a liquidação presta-se “apenas a especificar
o conteúdo da sentença (ou de outro título equivalente) que depende de execução,
4
ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro : Forense, 2007. p. 98.
5
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil – Vol. 3 – Execução. 2. ed. rev. e
atual. 2. tir. São Paulo : Editora Revista do Tribunais, 2008. p. 121.
6
Ver art. 286 do Código de Processo Civil.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 113
não servindo para constituir título novo. A liquidação deve se limitar a exprimir
com exatidão o contido no título liquidando, de modo que, na liquidação, não é
possível corrigir eventuais omissões na causa de pedir ou no pedido da fase de
conhecimento, alterando-se o conteúdo da sentença.”7
Araken de Assis afirma de forma categórica que “em qualquer das
espécies de liquidação, vigora o chamado princípio da fidelidade ao título,
consagrado no art. 475-G, sendo o qual é defeso “discutir de novo a lide, ou
modificar a sentença, que a julgou”8.
Não é possível, de tal sorte, no procedimento de liquidação, a inovação.
O título judicial ensejador da pretensão define estreitos limites de atuação às
partes e ao juiz, devendo elas limitar-se a aclará-lo, instrumentalizando o processo
para conferir ao título o predicado liquidez. Observa-se, no entanto, que por
mais que possa parecer inaplicável ao tema das sentenças coletivas, a necessidade
de ressalvar a aplicação do supracitado princípio, aos casos previstos pelo Art.
290 do Código de Processo Civil disciplinador das hipóteses em que se verifica
o vencimento de obrigações no curso da ação ou posteriormente à prolação da
sentença, circunstância em que se acrescenta obrigação ao título judicial sem,
contudo, desprestigiar o princípio da fidelidade.

3. DA AMPLA REGULAMENTAÇÃO

Tomando por referência tal panorama conceitual e principiológico,


observa-se que, no campo dos direitos coletivos lato sensu, donde se incluem
os direitos coletivos stricto sensu, os direitos difusos e os direitos individuais
homogêneos, soa praticamente hercúleo, pretender a elaboração de decisão judicial
capaz de estabelecer a liquidez dos direitos9 de todos os agentes envolvidos no
processo. Daí a necessidade de um procedimento ordenado de liquidação.
Demais disso, resta clarividente que a disciplina de tal matéria encontra-se
pulverizada no Código de Defesa do Consumidor e nas disposições do CPC. Nesse
sentido, Hugo Nigro Mazzili leciona que “A LACP nada dispõe sobre a liquidação
da sentença, enquanto o CDC só o faz no tocante à defesa de interesses individuais
homogêneos. Devem, pois, ser aplicadas à liquidação da sentença, nas ações civis
públicas ou coletivas, as regras do CDC, e, supletivamente, as do CPC.”10
Assim, para que se proceda à correta avaliação do toda estrutura processual
com vistas à compreender o fenômeno da liquidação do direito reconhecido por

7
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. Cit. p. 133.
8
ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro : Forense, 2007. p. 131
9
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: Liquidação e cumprimento. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006. p. 111.
10
MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo : meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio
público e outros interesses. 23. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo : Saraiva, 2010. p. 557.
114 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
sentença coletiva, convém delinear, prefacialmente, uma hermenêutica sistemática
e teleológica das reformas processuais insertas no diploma adjetivo civil, à luz
da Lei nº 11.232/05. Sob esse enfoque, é sintomática a verificação da alteração
topológica das disposições referentes à liquidação do título judicial, agora insertas
dentro do processo de conhecimento, como mais um estágio deste, com vistas à
formação do sincretismo colimado pela supracitada lei.
Tal alteração legal reverberou na doutrina nacional alterando, sob o
manto da doutrina e da jurisprudência, a natureza jurídica da liquidação, outrora
enxergada sob três abordagens básicas: Em primeiro lugar como procedimento
acessório ao processo de conhecimento. Noutro norte, alguns processualistas
também a denominavam como incidente preparatório ao processo de execução
e, ainda, uma corrente minoritária via-a tal qual um legítimo processo de
conhecimento11. Aderindo à ultima corrente, José Frederico Marques indica
que “A liquidação não se insere no processo executivo nem é incidente deste.
Tratando-se de procedimento destinado a completar a sentença condenatória,
a liquidação não mais se cinge a incidente post-decisório (a abolida liquidação
por cálculo do contador) do processo de conhecimento, configurando-se como
processo condenatório complementar (processo de conhecimento, portanto)
para que se forma o título executivo judicial.”12
De fato, conforme explicitou Misael Montenegro Filho “A ratio da
preocupação de se definir a natureza jurídica da liquidação (como processo
ou como mera fase da demanda posterior à sentença condenatória) refere-
se à necessidade de identificação do pronunciamento judicial que lhe põe
termo e, consequentemente, do remédio processual que pode ser utilizado
pelo prejudicado para combate-lo”13. Dessarte, observa-se aqui, elemento
preponderante a retirar da liquidação a autonomia defendida por alguns
doutrinadores, consubstanciado na extirpação, por meio da reforma de 2005,
do Inciso III do Art. 520 do CPC, o qual delimitava como apelação o recurso
cabível contra a decisão que a julgava.
Tais alterações, muito embora não tenham extirpado a celeuma
doutrinária acerca da natureza jurídica da Liquidação, limitaram seu âmbito.
Hodiernamente parte da doutrina a encara como mera fase do processo
de conhecimento e outra defende que esta continua a ostentar autonomia frente
à demais fases processuais, muito embora tenha até mesmo a exposição de
motivos da lei nº 11.232, definindo-a como um “procedimento incidental”.

11
Nesse sentido ver Pontes de Miranda e Alcides de Mendonça Lima
12
MARQUES, José Frederico. Manual de Direito processual civil. 9. ed. Campinas – SP : Millennium Editora, 2003. p.
71 e 72.
13
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, volume 2: teoria geral dos recursos, recursos em espécie
e processo de execução. 4. ed. São Paulo : Atlas, 2007. p. 356
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 115
Feitas estas considerações passamos à análise legal da matéria objeto
de nosso estudo.
Consoante disposição inserta no Art. 475 do Código de Processo Civil,
a execução terá início mediante mero requerimento da parte exequente, – inviável,
portanto, seu início por impulso oficial - sendo o passo imediatamente seguinte
a intimação do Executado, na pessoa de seu advogado, para tomar ciência do
início da fase de liquidação, sem a qual se revestem de nulidade todos os demais
atos praticados com o escopo de delimitação do quantum debeatur. Importante
destacar aqui a desnecessidade de poderes específicos para receber tal intimação,
estando tal prerrogativa incluída no rol dos poderes conferidos pela cláusula ad
judicia, segundo a mais abalizada doutrina.
Ademais, observa-se que há expressa previsão para a possibilidade de
início da liquidação mesmo antes de transitada em julgado a decisão que se quer
ver liquidada, quando então deverá ser processada em autos apartados. Sente-se
de forma nítida o interesse do legislador em imprimir celeridade ao procedimento,
o que fez em coerência técnica com a natureza do instituto prescrita em sua
exposição de motivos, atribuindo ao patrono da parte sucumbente durante o
processo de conhecimento, o ônus de ser responsável pela comunicação do início
da liquidação, haja vista que, as comunicações realizadas pela imprensa oficial
são, marcadamente, mas ligeiras quando contrapostas aos meios hodiernos de
intimação/citação.

4. DA APURAÇÃO POR CÁLCULO ARITMÉTICO

Maiores digressões sobre o tema da apuração por cálculo aritmético


são despiciendas. Quando a propriedade da sentença a qual se quer ver líquida
é tamanha que sua delimitação depende tão somente de cálculos aritméticos
básicos, supre-se a necessidade do procedimento de liquidação passando o
exequente à próxima fase, conhecida como cumprimento da sentença, cuja
regulamentação inicia-se no Art. 475 – J do Código de Processo Civil. Não por
menos, Luiz Rodrigues Wambier aduz que “a hipótese referida no Art. 475-B do
CPC, inserido pela Lei. 11.232/2005, não diz respeito à liquidação de sentença.
A regra jurídica ora comentada poderá, a nosso ver, ter sido inserida no Capítulo
X – Do cumprimento da Sentença, já que se relaciona mais propriamente à
execução da sentença do que à sua liquidação.”14
Para tanto, faz-se imperiosa tão somente a instrução do pedido de
cumprimento como memória de cálculo discriminada e atualizada. Nesse
sentido, discorrem Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: “O CPC

14
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Op. Cit. p. 213.
116 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
prevê, como primeira forma de liquidação, a que é feita por cálculo (art. 475-B).
Esta liquidação, em regra, é realizada extrajudicialmente, a cargo exclusivo do
credor. Neste caso, cumpre ao credor, ao requerer a execução da condenação,
instruir seu pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo que fez
para chegar à determinação exata do quantum debeatur”15.
Observa-se que, nesta hipótese, o papel do executado limita-se
tão somente na entrega de documentos que detiver e assumam contornos
imprescindíveis à elaboração do cálculo, oportunidade em que tais dados
deverão ser requisitados pelo Magistrado, com prazo máximo de 30 dias, tal
qual prescreve o § 1º do Art. 475-B. Em restando inerte o executado, reputar-
se-ão corretos os cálculos apresentados pelo exequente ou, estando em posse de
terceiros, opera-se a hipótese prevista pelo Art. 362 do CPC.
Todavia, por mais que simplório, o procedimento de apuração por
cálculo aritmético está sujeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa,
bem como estão sujeitos a controle do magistrado como preconiza o § 3º,
ao passo que, faculta-se ao devedor a possibilidade de impugnar os cálculos
apresentados pelo credor, bem como se viabiliza a nomeação de contador pelo
juízo, visando mitigar a possibilidade de limitação do patrimônio do devedor ao
arrepio do que efetivamente é devido.

5. DA LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO E POR ARTIGOS

A disposição processual civil é inequívoca ao delimitar as hipóteses


de cabimento da liquidação por artigos, atribuindo tal modalidade aos casos em
que assim é determinado pela sentença a ser liquidada ou quando assim exija a
natureza do objeto da liquidação ou ainda quando de tal modo tenham as partes
convencionado. Segundo J. E. Carreira Alvim e Luciana Gontijo Carreira Alvim
“A liquidação por arbitramento é modalidade de liquidação que tem resistido a
todas as reformas” a definindo como “uma especial modalidade de perícia” a
qual muito embora muito embora tratada como tal, não se submete às regras
dos arts. 420 a 439 do CPC.”16
Trata-se de procedimento dependente tão somente a nomeação do
perito e estipulação de prazo para a entrega do laudo o qual poderá, tão somente
após sua efetiva conclusão, ser impugnado por ambos os polos da demanda.
Assim, não se admite a participação de assistente técnico nomeado por qualquer
das partes. Segundo Alexandre Freitas Câmara, “O arbitramento é, em suma,
uma perícia (que, neste processo, funcionará – mais do que como mero meio de
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. Cit.. p 125.
15

ALVIM, J. E. Carreira; CABRAL, Luciana Gontijo Carreira Alvim. Cumprimento da sentença. 3. ed. Curitiba : Juruá,
16

2007. p. 44 ss.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 117
prova – como uma forma de liquidar a obrigação), feita pelo arbitrador (o qual,
pois, é um perito).17
Vicente Greco Filho, afirma que “no caso da liquidação por
arbitramento, pode-se dizer que o valor já está implícito na sentença, bastando
que sej a declarado. Na liquidação por artigos o valor é expressamente excluído
da sentença, ou claramente não incluído, e é acrescentado por nova sentença,
a sentença de liquidação no sentido material do termo (ato que define a lide
cujo objeto é o valor), e que só pode ser produzida pela instauração de um
processo regular”.18
Assim, apresentado o laudo pericial, o qual deverá satisfazer os
quesitos formulados pelas partes, nos moldes no Art. 421, § 1º, Inciso II do
CPC, bem como permitir a avaliação por assistente técnico, poderá o Juiz desde
logo decidir, a não ser que repute necessário esclarecimentos orais do perito,
quando deverá então, designar audiência de instrução e julgamento e, somente
após, proferir sua decisão.
Referente a “terceira” modalidade denomina-se liquidação por artigos,
cuja hipótese de cabimento também vem fielmente limitada pelas disposições
processuais civis. Em assim sendo, admite-se a formação do procedimento
incidente de liquidação por artigos quando, para determinar o valor da condenação,
houver necessidade de alegar e provar fato novo. O cerne do debate acerca de tal
modalidade de liquidação toca ao conceito de fato novo. Obviamente, tal evento
não diz respeito nem à existência da dívida, nem tampouco à sua espécie, mas
tão somente no que se refere ao que pode influenciar o quanto se deve.
A definição do conceito mais precisa pode ser atribuída a Matteis de
Arruda, para o qual, fato novo:

“[...] é aquele que surge (aparece) sempre por ocasião


da instauração do processo de liquidação da sentença e
que se encontra contido virtualmente dentro da sentença
condenatória genérica típica, ligado ao seu conteúdo, não
importando se o seu aparecimento, no mundo empírico,
se verificou antes do ajuizamento da ação condenatória
genérica, não tendo sido expressamente alegado, discutido
e provado dentro do processo por ela instaurado (fato
pretérito), ou se veio a materializar-se durante o desenrolar
deste último ou, ainda, após a prolação da condenação
(fato superveniente à instauração ou término do processo
condenatório) ou, finalmente, se o seu surgimento se deu

17
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. II. 14 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro : Editora
Lumen Juris, 2007. p 246.
18
GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 3º volume, São Paulo : Saraiva, 2000. p. 47
118 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
após a própria instauração do processo de liquidação (fato
superveniente à instauração do processo de liquidação, mas
surgido antes da prolação da sentença que julga e põe termo
a esse processo), sendo, portanto, passível de liquidação por
artigos, na medida em que é considerado “fato novo” 19.

Em se tratando de processo coletivo, o fato novo, majoritariamente


apresentar-se-á quando da liquidação individual da sentença coletiva atinente
a direitos individuais homogêneos, quando será necessário, primeiramente,
estabelecer o vínculo do liquidante com os fatos julgados, para só então passar à
efetiva apuração do quanto devido.
Frisa-se ainda que a liquidação por artigo observará, no que for possível
o rito processual contemplado na fase condenatória, consoante disposição
inserta no Art. 475-F do Diploma Processual Civil. Destarte, uma vez que a
sentença genérica tenha sido fruto de procedimento ordinário, tal rito será o
regente da liquidação correspondente, em sendo a sentença a ser liquidada fruto
de rito sumário, deverá então obedecer a liquidação o rito mais célere.
Assim, aforado o pedido de liquidação por artigos, será o executado intimado,
por meio de seu advogado, para impugnar os fatos narrados no pedido de liquidação. Em
sendo o caso, conforme teor da impugnação, deverá o juiz abrir vistas ao exequente para
defender-se. Empós, quando necessário, designa-se audiência preliminar e de instrução e
julgamento ao fim da qual, deve-se dar por decidida a liquidação.
Por derradeiro, impende reafirmar que esta modalidade de liquidação
será sempre observada no procedimento de liquidação dos direitos reconhecidos
em sentença de interesses individuais homogêneos. Sobre o tema Mazzili informa
que neste caso “deverá ser provado que as vítimas ou sucessores sofreram
efetivamente os danos por cuja responsabilidade foi o réu condenado na fase de
conhecimento. Como para isso, haverá necessidade de alegar e provar fato novo
(p. ex., a ocorrência de danos emergentes e lucros cessantes) aqui a liquidação
será necessariamente feito por artigos.20
No mesmo sentido, Antônio Herman V. Benjamim ao analisar o art. 97
do Código de Defesa do Consumidor afirma que “considerando que aqueles que
pretendam habilitar-se para o procedimento de liquidação e execução deverão
comprovar sua condição de titulares os direitos a que diz respeito a condenação,
assim como os prejuízo efetivamente sofridos, a execução mas afeita à essa
hipótese é a liquidação por artigos.”21
19
ARRUDA, Antônio Carlos Matteis de. Liquidação de Sentença: a lide de liquidação. São Paulo : Editora Revista dos
Tribunais, 1981. p. 105.
20
MAZZILI, Hugo Nigro. Op. Cit. p. 560.
21
MARQUES, Claúdia Lima; BENJAMIM, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 119
Assim, diante do sistema normativo criado pela legislação consumerista,
pode-se afirmar que, ao se defrontar com litígio judicial versando sobre direitos
individuais homogêneos, obrigatoriamente estaremos diante de uma sentença
genérica (não dotada de liquidez), deficiência a qual deverá ser suprida,
majoritariamente, por meio da liquidação por artigos. Isso porque, caberá ao
liquidante, pretenso executor, à prova do nexo de causalidade, o dano por ele
suportado, bem como o quantum debeatur, fim precípuo da liquidação.
Tal circunstância dar-se-á também quando cingir a matéria ao que os
renomados processualistas denominaram dimensão individual dos direitos difusos,
verificada quando a parte tenciona a ver reparado o dano individual decorrente de
lesão à bem difuso, como a lesão de sua saúde fruto de poluição ambiental.

6. DA COMPETÊNCIA

Se por um lado, tanto a Lei de Ação Civil Pública, quanto a Lei de Ação
Popular não definem claramente a competência para liquidação, conduzindo
à aplicação das normas insertas no microssistema do CDC, por outro, torna-
se imperioso delimitar as disposições gerais do código adjetivo civil acerca da
competência para julgar e processar as ações de execução e, por conseguinte,
também o procedimento de liquidação, insertas no Art. 575 do citado diploma.
De fato, a letra da lei não deixa dúvidas acerca da necessidade de se manter,
geralmente, a competência para julgar e processar a execução e a liquidação da
sentença, com o mesmo juiz prolator do édito condenatório.
Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso “Não há dúvida de que as
regras determinadoras da competência, sobretudo absoluta (um dos tipos de
competência funcional e, portanto, absoluta, dá-se em função da regra connexitatis
formalis causa ou “competência por conexão sucessiva ratione materiae; funcional)
objetivam preservar o chamado princípio do juiz natural”22. Todavia, observa-se
que pela lacuna legislativa (inexistência de um código de processo coletivo), o
processo coletivo repousa em um sistema normativo complexo, composto pelo
microssistema previsto pelo CDC, com aplicação subsidiária das disposições
processuais civis, as quais, por muitas vezes, podem empreender rota de colisão
entre princípios informadores, no caso característico, colisão entre o Princípio do
Juiz Natural – de aplicabilidade geral e os princípios específicos, como o da tutela
coletiva diferenciada, Princípio da Interpretação Pragmática, mais claramente
ao Princípio da Competência Adequada oriundo do direito estadunidense e do
princípio do Kompetezkompetenz.

Defesa do Consumidor. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 1086
22
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo : Saraiva, 1991. p. 335.
120 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Diante de tal panorama, vale-se aqui das lições de Ronald Dworkin23
e de Robert Alexy para quem “se dois princípios colidem – o que ocorre, por
exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo
com outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa,
contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que
nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre
é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas
condições. Sob outras condições a questão de precedência pode ser resolvida
de forma oposta”.24
De tal sorte, pautando-se por uma hermenêutica sistemática e
teleológica, observa-se que no caso da liquidação individual de sentença coletiva,
o tão caro princípio do Juiz Natural deve ceder aos princípios informadores do
Processo coletivo, com especial relevo ao princípio da competência adequada,
com vistas a garantir, com tal flexibilização, a possibilidade de alteração da
competência para liquidação e execução de sentenças coletivas, permitindo a
efetiva concretização de tais direitos.
Ainda sobre o tema, é fundamental delimitar que o parágrafo único do
art. 97 do Código de Defesa do consumidor, vetado pelo então presidente da
República Fernando Collor de Melo, permitia ao liquidante, em homenagem aos
princípios informadores supradelimitados, a promoção da liquidação de sentença
coletiva em seu domicílio, bem como especificando o que deveria provar para
tal mister. A justificativa apresentada pela Presidência da República para o veto
consubstancia-se na conjectural ofensa ao princípio da vinculação dos processos
de conhecimento, liquidação e execução bem como ao princípio da ampla defesa
assegurado pela Constituição Federal.
Comentando o ocorrido Mazzili explicita que, “a norma vetada, atenta
às peculiaridades do processo coletivo, visava apenas garantir uma comodidade
paras a vítimas e seus sucessores, que podem estar dispersos no território
do Estado ou do País, em casos de danos regionais ou nacionais, e não seria
adequado obriga-las a executar o julgado coletivo, que as beneficia, em foro
muitas vezes diverso daquele que se poderiam valer, segundo as regras do
processo individual”25.
Conquanto tenha sido pautado em argumento de grande relevância, o
veto presidencial acabou, ante seu marcado atecnicismo, por não surtir os efeitos
pretendidos. Isso porque os incisos I e II do §2º do Artigo 98 do Código de
Defesa do Consumidor – não vetados -, conferem competência para execução
23
DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge : Harvard University Press, 1989. p. 28.
24
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva, São Paulo : Malheiros Editores,
2008. p. 93
25
MAZZILI, Hugo Nigro. Op. Cit. p. 568
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 121
da sentença, quando tratar-se de execução individual, tanto para o juízo da
liquidação, quanto para o juízo que exarou a decisão condenatória, de modo
que implicitamente admitiu a possibilidade destes não serem idênticos. Mazzili
afirma que “isso significa que a lei especial está expressamente permitindo ao
credor que liquide a sentença em foro diverso da ação condenatória, assim se
afastando da regra geral.”26
De tal sorte, observa-se que na grande maioria dos casos, caberá ao
liquidante a escolha do foro, isso porque, os casos de liquidação coletiva são
poucos, sendo essa, em regra, meramente subsidiária conforme ver-se-á no
tópico específico. Sobre o tema, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim
Wambier prelecionam que “a liquidação de sentença e a execução das condenações
havidas em ações coletivas sempre serão feitas individualmente, ressalvada apenas
a hipótese de reversão para o fundo de direitos difusos, única hipótese em que
pode se falar de liquidação propriamente coletiva. Nos outros casos, trata-se de
liquidação da sentença coletiva e não de liquidação coletiva da sentença.”27
Portanto, traça-se dois panoramas básicos, em se tratando execução
individual de direitos reconhecidos por sentença coletiva, por força das
disposições do §2º do Art. 98 do CDC, é competente para liquidar o direito,
o juízo escolhido pelo indivíduo como também o juízo que exarou a sentença
coletiva condenatória. Noutro viés, em se tratando de execução coletiva,
notadamente nos casos concernentes a direitos difusos e coletivos em sentido
estrito, permanece a regra de competência do juízo da ação condenatória.

7. DA LEGITIMIDADE ATIVA PARA A LIQUIDAÇÃO


Por mais que se repute inequívoco que ao se tratar de ações coletivas
cuida-se de Legitimatio ad processum e não ad causam, quanto está a se tratar do tema
legitimidade ativa para liquidação de sentença coletiva, é imperioso delimitar
qual a natureza do direito coletivo reconhecido pelo édito, dividindo-os, para
fins pedagógicos em dois grupos básicos, o primeiro, composto pelos direitos
difusos e coletivos em sentido estrito e, de outra banda, os direitos individuais
homogêneos.
Pode-se dizer, então, em rápida síntese, seja para liquidação, seja
para a posterior execução de sentença coletiva, que detêm legitimidade a
vítima do ato que se reputou danoso bem como seus eventuais sucessores
e também os legitimados pelas disposições do Art. 82 e 100 do Código de
Defesa do Consumidor. Noutro norte, Dinamarco afirma que “são legitimados
ativos ao processo de liquidação tanto o credor, quanto o devedor como tais

26
Idem. Ibidem.
27
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Op. Cit. p. 272.
122 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
indicados no título liquidando. Como a liquidação não passa da determinação
do quantum debeatur, não implicando constrição a quem quer que seja nem
invasão de qualquer patrimônio, ambas as partes se reputam interessadas em
seu resultado”28.
Contudo, essas regras gerais possuem algumas ressalvas. Em se
tratando de liquidação coletiva de direitos difusos e coletivos, como já delimitado,
inexiste qualquer previsão tanto na LACP, quando na LAP ou no CDC, assim
“a doutrina e a jurisprudência têm entendido ser aplicável à espécie o previsto
no Art. 15 da LACP, que assim dispõe “decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito
em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova
a execução deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos
demais legitimados”29.
Sobre o tema, Hugo Nigro Mazzili esclarece que “Em se tratando de
condenação por danos a interesses individuais homogêneos, também vítima e
seus sucessores podem promover a liquidação individual da sentença na parte
que lhes toque; apenas se não o fizerem, é que os colegitimados à ação civil
pública ou coletiva poderão promover a execução coletiva.”30
Mais adiante informa ainda que “na condenação por danos a interesses
coletivos em sentido estrito, a regra anterior também é aplicável, por analogia.
Com efeito, se a vítima ou seus sucessores têm ação individual suspensa na
forma do Art. 104 do CDC, podem ter interesse na execução individual do
julgado coletivo que os favoreça”.
Por fim, ao tratar dos interesses difusos, o autor faz a ressalva de que,
aqui, “só os colegitimados à ação civil pública ou coletiva podem promover a
sua liquidação; o indivíduo não poderá requerer a liquidação de sentença nessa
hipótese, salvo apenas se, como cidadão, detiver legitimidade para propor ação
popular com o mesmo objeto.” Sobre tal tema, importante destacar a disposição
do Art. 100 do Código de Defesa do Consumidor. Aqui, o legislador previu a
possibilidade de o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios e o
Distrito Federal e demais legitimados pelo Art. 82 do CDC liquidar o direito
reconhecido por sentença coletiva, desde que no prazo, não haja a habilitação de
interessados em número compatível com a gravidade do dano.
A execução aqui prescrita, como bem observaram Teresa Arruda
Wambier e Luiz Rodrigues Wambier “tem por finalidade exatamente definir

28
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 620
29
COUTO, Guadalupe Louro Turos. A efetividade da liquidação e da execução da tutela jurisdicional coletiva na área
trabalhista e o Código Brasileiro de Processos Coletivos. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluísio Gonçalves
de Castro; WATANABE, Kazuo (Coords.) Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos
Coletivos. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 298.
30
MAZZILI, Hugo Nigro, Op. Cit. p. 559
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 123
o quantum da lesão globalmente causada, e não o dano individualmente
sofrido, por caso um dos lesados individualmente considerados.”, Isso porque,
continuam os autores, “a legitimidade prevista no art. 82 do CDC serve, num
primeiro momento, apenas e exclusivamente para a propositura do pedido
genérico de reparação, em razão do que se poderá obter uma sentença genérica
em que como assevera Arruda Alvim, os danos são definidos de modo uniforme.
Com a sentença condenatória trânsita em julgado, como que desaparecesse essa
legitimação, que somente estará novamente presente se se der o decurso do
prazo de um ano sem a iniciativa dos interessados”31.
A importância desse instituto importado do direito estadunidense diz
respeito à não permitir que o desinteresse dos lesados, seja pela pequenez do
dano suportado, seja pelo desconhecimento da decisão judicial, venha por elidir
a efetiva responsabilização do causador do dano ao direito coletivo em sentido
amplo, perseguindo a função de punitiva-pedagógica da sentença. Contudo, o
dispositivo legal em comento atribui ao parquet e demais legitimados, tão somente
a prerrogativa, a faculdade de exigir os direitos atribuídos a uma coletividade. De
forma alguma lhes incumbe o dever de promover a efetiva reparação, ao passo,
nesse viés específico, entendemos ter falhado o legislador.

8. A CONVERSÃO AUTOMÁTICA DE AÇÕES INDIVIDUAIS EM


LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA COLETIVA – O EXEMPLO DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Alguns doutrinadores indicam que uma eventual solução para


a crise implantada com a gradativa concretização do acesso à justiça, por
intermédio da facilitação do acesso às instâncias jurisdicionais, seja pelo
aumento efetivo da dissipação territorial de comarcas, trazendo para mais
perto da população o poder judiciário, seja pelo vertiginoso crescimento do
número do acesso ao ensino de nível superior, toca na coletivização dos
processos, notadamente, uma vez que como a massificação dos contratos,
muitos casos são absolutamente idênticos.
Atento à esse panorama, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, valendo-se de expediente expressamente previsto em seu código
de organização judiciária, suspendeu todas as ações que versavam sobre os
direitos eventualmente advindos de expurgos inflacionários enquanto não fossem
julgadas as ações coletivas sobre o tema, e uma vez estas julgadas, determinou a
conversão das ações individuais concernente ao tema em liquidação da decisão
proferida em sede coletiva.

31
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Op. Cit. p. 274
124 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Inicialmente tal procedimento foi reputado e válido e quando
submetido à apreciação do Superior Tribunal de Justiça assim continuou,
consoante observa-se do aresto a seguir transcrito:

Processo civil. Projeto “caderneta de poupança” do TJ/RS.


Suspensão, de ofício, de ações individuais propostas por
poupadores, até que se julguem ações coletivas relativas ao
tema. Procedimento convalidado nesta corte em julgamento
de recurso representativo de controvérsia repetitiva.
Conversão, de ofício, da ação individual, anteriormente
suspensa, em liquidação, após a prolação de sentença
na ação coletiva. regularidade. (REsp 1189679/RS, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 24/11/2010, DJe 17/12/2010)

As instituições bancárias recorreram de tal decisão e, atualmente, a


questão aguarda decisão da Corte Constitucional Brasileira, a qual, por meio
de decisão do Ministro Gilmar Mendes, já reconheceu a repercussão geral da
temática, in verbis:

Competência legislativa. Legislação local. Limites. Princípio


do Juiz Natural. Distinção entre as matérias próprias de
processo e as de procedimento. Ações coletiva e individual.
2. Há matéria constitucional na controvérsia em que se
questiona a validade de regulamento editado por órgão
do Judiciário estadual que, com base na lei de organização
judiciária local, preceitua a convolação de ação individual
em incidente de liquidação no bojo da execução de sentença
coletiva proferida em juízo diverso do inicial. Relevância
jurídica do tema. 3. Repercussão Geral reconhecida. (AI
749115 RG, Relator(a): Min. MIN. GILMAR MENDES,
julgado em 21/10/2010, DJe-235 DIVULG 03-12-2010
PUBLIC 06-12-2010 EMENT VOL-02445-01 PP-00275)

O ponto de interesse aqui toca na salutar medida adota pelo Tribunal de Justiça
gaúcho no sentido de, simultaneamente, desafogar o poder judiciário local, assegurar
credibilidade à justiça, evitando decisões conflitantes ou dissonantes em seu conteúdo, como
também conferindo celeridade ao jurisdicionado em observância aos ditames constitucionais.
De fato, o processo coletivo surge como uma bastante plausível
solução para o abarrotamento do poder judiciário e iniciativas como a observada
não guardam nenhuma ilegalidade, pois apenas fixam de maneira uniforme os
patamares para a solução de conflitos originados em relações homogêneas, em
estrita observância ao princípio da segurança jurídica.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 125
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enquanto procedimento incidental com vistas a conferir ao título


judicial predicado de liquidez, a liquidação da sentença coletiva possui inúmeras
peculiaridades em especial no que concerne à suas modalidades e na competência
e legitimidade para sua operação.
De tal sorte, quando se está a tratar de liquidação de sentenças coletivas
é necessário em primeiro plano, determinar sob qual enfoque tal liquidação
dar-se-á. A primeira conjuntura a ser observada diz respeito à diferenciação
entre liquidação coletiva ou liquidação individual, donde se extrai implicações
tangentes à competência e à legitimidade.
Em se tratando de liquidação individual, hipótese plausível quando
está a se tratar de direitos individuais homogêneos ou ainda quando se pretende
o ressarcimento pela dimensão individual de um dano coletivo ou difuso,
observa-se as maiores implicações do tema, em especial, na alteração da regra de
competência para processamento do incidente.
Buscou-se delimitar aqui que, diante da sua relevância, não só pela
envergadura dos direitos que tutela, como também pela adequação da tutela à
nova realidade jurisdicional mundial, o procedimento de liquidação deve observar
princípios específicos, ampliando o leque de legitimação e estabelecendo regras
de competência flexíveis.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em: 04-05-2013.


Aceito em: 17-05-2013.

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 127


128 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
REEXAMINANDO ASPECTOS RELEVANTES
QUANTO À ATUAÇÃO DO PODER
JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Ariolino Neres SOUSA JÚNIOR1

Resumo: O presente artigo faz uma rediscussão de aspectos


relevantes que contribuíram para o fortalecimento da
atuação do Poder Judiciário brasileiro, iniciando-se com uma
breve abordagem do cotidiano histórico-coloquial nacional.
Em seguida, realiza-se uma análise do funcionamento dos
tribunais brasileiros no que tange à apreciação e julgamento
das lides processuais, argumentando também a presença e
o papel desempenhado pelo legalismo nas causas jurídico-
sociais para resolução dos conflitos de interesses das partes.
Por fim, procede-se uma reflexão acerca do funcionamento
do Poder Judiciário brasileiro na atual democracia
representativa, destacando que o mesmo continua sofrendo
alguns efeitos negativos em seu modo de operacionalização,
a exemplo da carência de recursos humanos que tem
contribuído para a morosidade do andamento dos atos
processuais, postergando, de um modo geral, o julgamento
dos processos instaurados.

Palavras-chave: Poder Judiciário; Tribunais; Legalismo;


Democracia representativa.

Abstract: This Article take one rediscussion of relevant aspects


that contributed to the strengthening of the Brazilian Judiciary,
starting with a brief overview of the everyday colloquial historical-
national. Next, realized an analysis of the functioning of the
Brazilian courts regarding the assessment and judgment of procedural
lides, also arguing the presence and the role played by legalism the
legal and social causes for resolution of conflicts of interests of
the parties. Finally, to take a reflection about the functioning of
the Brazilian Judiciary in the current representative democracy,
highlighting that the same continues to suffer some negative effects on
its way of operationalization, such as the lack of human resources

1
Advogado. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade da Amazônia (UNAMA) e Docente em direito civil.
Email para contato: neresjunior@hotmail.com
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 129
has contributed for the slowdown the progress of procedural acts,
postponing, generally, the trial of processes initiated.

Keywords: Judiciary; Courts; Cool; Representative democracy.

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos de construção da história do Brasil, muitas críticas têm


sido atribuídas contra a democracia representativa e os seus reflexos no funcionamento
do Poder Judiciário brasileiro. Dentre as justificativas, tem-se a morosidade praticada
por alguns juízes durante a apreciação das ações judiciais, cuja consequência é o
advento do acúmulo de processos nas prateleiras da grande maioria dos fóruns e
tribunais, prejudicando, com isso, o princípio da celeridade processual. Somando-
se a esse fator, há também outras irregularidades praticadas por alguns membros
do judiciário (servidores, juízes, peritos, etc.) no que se refere à prática de delitos
que atentam contra o funcionamento da Administração Pública, tais como o crime
de peculato, de prevaricação, de concussão, dentre outros. Além disso, o ambiente
laboral de alguns fóruns judiciais, principalmente aqueles localizados em municípios
de difícil acesso, continua convivendo com poucos recursos humanos, pois há uma
reduzida quantidade de servidores públicos e magistrados, além do que alguns desses
fóruns apresentam ambiente de trabalho inapropriado para o desempenho da atividade
judicial no que tange à falta de conservação e reparo na infraestrutura física dos imóveis,
salas desclimatizadas e pequenas para abrigar seu setor de pessoal, sem proporcionar o
devido cuidado necessário com o conforto e a segurança.
Dessa forma, o presente artigo visa demonstrar como o Poder Judiciário
brasileiro iniciou sua trajetória de funcionamento perante o Estado democrático
desde o advento do período colonial até o presente momento. Além disso, será
observada a forma pela qual os tribunais brasileiros desenvolveram e continuam
a desenvolver suas atividades, tomando, como exemplo, as atuações do STF,
SJT e Tribunal de Júri. Destaca-se também a influência do legalismo nesse Poder
Judiciário, visto que ainda está presente no cotidiano jurídico através de algumas
decisões prolatadas por tribunais. Finalmente, faz-se uma discussão acerca da
atuação desse poder na atual democracia representativa, após o surgimento da
Constituição brasileira de 1988.

2. O CONTEXTO HISTÓRICO DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Durante o período de formação da história política nacional, a história


do Poder Judiciário sempre foi influenciada pela presença atuante da supremacia
130 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
do poder estatal, espraiando seu predomínio sobre as demais camadas populares.
Em virtude de tal dominação, o direito estatal exercido durante aquele momento
histórico colonial se apresentava com postura de superioridade, haja vista que
recebia influências de princípios e normas oriundas da metrópole portuguesa.
Dessa forma, toda a estrutura jurídica se revelava totalmente direcionada aos
interesses de uma minoria, isto é, das elites dominantes, contrapondo-se aos
anseios da maioria que eram as camadas populares, alijadas do poder.
Assim sendo, José Reinaldo de Lima Lopes2 explica que durante o
regime das capitanias hereditárias, vigente na era colonial, havia uma tripartição
de poderes jurisdicionais, cujos componentes estavam os juízes municipais,
ocupantes da base do sistema e, na hierarquia maior, apresentava-se o rei, cuja
competência se direcionava para ouvir as apelações e agravos dos tribunais
próprios e superiores. Além disso, a justiça senhorial dos donatários e
governadores era aquela exercida ora com exclusividade, considerando a pessoa
ou a matéria, ora servindo como instância de recurso à decisão municipal. Com
isso, o Poder Judiciário, durante o período colonial, apresentou-se sob direção
e comando dos capitães-donatários, os quais assumiam a responsabilidade de
desenvolver as atividades econômicas, além de organizar a vida civil na terra,
muito embora não exerciam pessoalmente jurisdição nem julgamento porque
nomeavam ouvidores para atuarem na área criminal e cível.
Ressalta-se também que as primeiras tentativas de funcionamento da
Justiça no período colonial datam de 1587 quando da edição do seu primeiro
regimento, promovido pelo rei Felipe II da Espanha (e I de Portugal) que,
entretanto, não prosperou. Todavia, a Lei de 07 de março de 1609 possibilitou
que fosse instalado o primeiro tribunal régio brasileiro, conhecido como
“Tribunal da Relação da Bahia”. Este último tinha a tarefa de fiscalizar não só
a Câmara da cidade de Salvador com os seus presentes juízes, como também os
demais oficiais de justiça, logo o “Tribunal da Relação da Bahia” possuía um
caráter de agente de correição. Posteriormente, o desenvolvimento econômico
das capitanias do sul do Brasil presenciou a criação do Tribunal da Relação do
Rio de Janeiro, cujo procedimento ocorreu através do alvará de D. Pedro I, em
13 de outubro de 1751. Além disso, em 18 de janeiro de 1765 houve a criação
das Juntas de Justiça que teve o propósito de funcionar naqueles lugares que
apresentassem ouvidores de capitania.
Passando para o regime imperial, verificou-se que o Poder Judiciário
sofreu algumas inovações através do surgimento de normas estatuídas pelo
Código Penal e pelo Código Processual Penal, sendo que ambos foram concluídos
durante aquele regime, muito embora não avançaram no que tange ao exercício de

2
LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: Lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 263.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 131
práticas extralegais, que viessem atender aos objetivos comunitários populares,
porque refletia apenas as forças ideológicas dominantes que predominavam a
época, isto é, o poder estatal e a Igreja, conforme é relatado a seguir:

Não houve grandes modificações nessa tradição colonial


elitista e segregadora, mesmo depois da independência do país
e da criação, por D. Pedro I, das duas Faculdades de Direito- a
de Olinda e a de São Paulo. Durante a experiência monárquica
e hereditária do Império, as questões de direitos civis e direitos
à cidadania não mereceram interesse maior (...).3

Considerando o comentário retro, percebe-se que mesmo com o


aparecimento dos primeiros centros de ensino superior no Brasil-império a
estrutura do poder dominante continuava no comando das forças conservadoras
elitistas, haja vista que:

Não refletiu qualquer avanço de práticas extralegais ou informais


de cunho comunitário ou popular, logo se tratava de um
pluralismo jurídico ideologicamente conservador e elitista que
reproduzia tão-somente a convivência das forças dominantes,
ou seja, entre o Direito do Estado e o Direito da Igreja.4

Com o início do regime republicano a partir de 1889, a estrutura judicial


brasileira foi influenciada pela ideologia do constitucionalismo norte-americano
e do positivismo de Augusto Comte. Dessa forma, instituiu-se a democracia
representativa, a separação dos poderes e o federalismo presidencialista, muito
embora as profundas desigualdades sócio-econômicas ainda estavam presentes
no cotidiano da maioria da população de baixa renda, a qual continuava afastada
do cenário político do país, sem estar desfrutando dos direitos essenciais de
cidadania. Destarte, observou-se que o Poder Judiciário funcionava sob comando
e direção da classe dominante do país, transformando o “direito” e a “justiça”
em meios de dominação de cunho exclusivo estatal.
Avançando no percurso cronológico, observou-se que o centralismo
jurídico estatal aos poucos começava a sofrer abalos provocados pelos
conflitos coletivos das camadas sociais alijadas da democracia. Em virtude
de tal acontecimento, o modelo jurídico-tradicionalista, administrado pelos
interesses da burguesia agrário-mercantil e do Estado positivista, enfraquecia-
se, ao passo que surgia no final do século XIX e início do século XX no âmbito

3
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura do direito. 3. ed. São Paulo: Alfa
Omega, 2001, p. 85.
4
Ibidem, p. 86.
132 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
do órgão singular ou aparato interpretativo oficial o chamado Poder Judiciário
acompanhado da legislação civil. Além de todo esse panorama de transformações
pela qual sofrera o Poder Judiciário brasileiro não se deve deixar de ressaltar
também o papel desempenhado pelos tribunais dentro dessa esfera de Poder que
ajudaram no desenvolvimento da organização e funcionamento de toda aquela
estrutura judiciária ao longo de sua história.

3. A IMPORTÂNCIA DOS TRIBUNAIS PARA O PODER JUDICIÁRIO


BRASILEIRO

Os tribunais do Poder Judiciário passaram ao longo de sua história


por importantes reformas. Além da presença de alguns tribunais relatados
anteriormente, a exemplo do “Tribunal da Relação da Bahia”, “Tribunal da
Relação do Rio de Janeiro”, outros foram surgindo ao longo da história do
Brasil, os quais contribuíram para o fortalecimento da estrutura judicial brasileira
com destaque para o Conselho dos Jurados (atualmente Tribunal do Júri), o
Supremo Tribunal de Justiça (posteriormente, transformar-se-ia em Supremo
Tribunal Federal) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O Conselho de Jurados (atualmente Tribunal do Júri), presidido
pelos juízes de direito, foi criado pelo Código do Processo Criminal de 1832,
tendo como função tratar dos assuntos criminais. Esse conselho examinava
os casos relatados, contando com o auxilio do Conselho de Pronuncia ou
Acusação que era o órgão responsável que verificava e esclarecia a ocorrência
do crime juntamente com sua autoria. Todavia, antes da criação do Conselho
de Jurados houve a instituição da Lei de 18 de setembro de 1828, criando o
Supremo Tribunal de Justiça, antecessor do Supremo Tribunal Federal (STF).
Esse tribunal era composto de dezessete ministros, todos letrados, prevalecendo
o critério de antiguidade dos desembargadores das relações. Em face da criação
desse tribunal, João Celso Neto5 informa que:

O Supremo Tribunal de Justiça fora previsto na Constituição


Imperial de 25 de março de 1824, que determinou a sua
criação, ao estabelecer que, “na Capital do Império, além da
relação que deve existir, assim como nas mais Províncias,
haverá também um tribunal com a denominação de
Supremo Tribunal de Justiça, composto de Juízes letrados,
tirados das relações por suas antiguidades, e serão
condecorados com título de Conselheiros”, competindo-
lhe conceder ou denegar revistas nas causas e pela maneira
5
CELSO NETO, João. História do judiciário no Brasil (Supremo). Jus Navigandi, 19 set. 2003. Disponível em: <http://
forum.jus.uol.com.br/17758/historia-do-judiciario-no-brasil-supremo>. Acesso em 18 mai. 2013.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 133
que a lei determinar, conhecer dos delitos e erros de
ofício que cometerem os seus Ministros, os das Relações,
os empregados no corpo diplomático e os Presidentes
das Províncias e conhecer e decidir sobre os conflitos de
jurisdição (Constituição Imperial, art. 164).

Analisando a opinião retro, verifica-se que já havia, desde aquele


período da história, a prerrogativa de um tribunal em conhecer e, ao mesmo
tempo, decidir acerca dos delitos, erros de oficio e conflitos de jurisdição
praticados por Ministros, empregados da diplomacia e demais presidentes das
Províncias. Além disso, outra preocupação do respectivo tribunal era o modo
de disciplinar o recurso de revista. Este último, segundo José Reinaldo de Lima
Lopes6, apresentava uma natureza de cassação, ou seja, qualquer desrespeito à lei
quanto à sua violação, o processo ou a eventual sentença deveriam ser cassados
e anulados, muito embora aquele processo vicioso pudesse ser corrigido pelo
processado para, em seguida, ser julgado novamente.
Posteriormente, criou-se o Supremo Tribunal Federal (STF), pelo
Decreto 848, de 11.10.1890, sendo que sua regulamentação também foi retratada
na primeira Constituição republicada de 1891 (artigos 56 e 59)7 além de ser
considerado como “órgão de cúpula que exerce o papel de tribunal constitucional,
mas também o de solucionador de conflitos entre tribunais superiores ou
unificador de jurisprudências em determinados casos”8. Além disso, nos últimos
anos, apesar do número de juízes que compõem o tribunal ser o mesmo desde
o final do século passado até o presente momento, isto é, onze componentes,
tem-se observado constantemente um aumento extraordinário de processos que
chegam ao respectivo tribunal. Em face desse acontecimento, os membros do
Supremo preferem uma solução mais eficiente que haja “criação de mecanismos
processuais reduzindo a independência dos juízes e tribunais brasileiros. Com
isso, pretende-se, entre outras coisas, diminuir a quantidade de decisões que
possam ocasionar recursos ao Supremo”9. Assim, tem-se presenciado que já
está ocorrendo no cotidiano jurídico nacional a unificação de decisões, sendo
6
LOPES, José Reinaldo de Lima. Op. cit., p. 329.
7
Art 56 – “O Supremo Tribunal Federal compor-se-á de quinze Juízes, nomeados na forma do art. 48, nº 12, dentre os cidadãos
de notável saber e reputação, elegíveis para o Senado”.
Art 59 – “Ao Supremo Tribunal Federal compete: I - processar e julgar originária e privativamente: a) o Presidente da República
nos crimes comuns, e os Ministros de Estado nos casos do art. 52; b) os Ministros Diplomáticos, nos crimes comuns e nos de
responsabilidade; c) as causas e conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes uns com os outros; d) os litígios e as reclamações
entre nações estrangeiras e a União ou os Estados; e) os conflitos dos Juízes ou Tribunais Federais entre si, ou entre estes e os dos
Estados, assim como os dos Juízes e Tribunais de um Estado com Juízes e Tribunais de outro Estado. II - julgar, em grau de
recurso, as questões resolvidas pelos Juízes e Tribunais Federais, assim como as de que tratam o presente artigo, § 1º, e o art. 60;
III - rever os processos, findos, nos termos do art. 81”.
8
DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 112.
9
Ibidem, p. 114.
134 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
que a grande maioria delas é prolatada pelos próprios ministros do Supremo
através das Súmulas vinculantes, cujo enfoque é reduzir a autonomia dos demais
tribunais inferiores brasileiros no que tange ao julgamento de suas causas.
Outro importante tribunal que ajudou no fortalecimento da estrutura
judicial brasileira foi o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esse tribunal nasce
com o advento da Constituição de 1988, tendo por finalidade suprir eventuais
anormalidades e imperfeições de organização advindas desde a Constituição de
1946, logo é considerado como “órgão de cúpula da justiça comum”. No que
tange a sua competência, José Afonso da Silva10 explica “o que dá característica
própria ao STJ são suas atribuições de controle da inteireza positiva, da
autoridade e da uniformidade de interpretação da lei federal (...)”. Com base na
opinião mencionada, coube a esse tribunal a tarefa de apreciar e julgar aqueles
casos que contrariam os ditames da lei federal. Com isso, o STJ assume o
compromisso de rever aqueles julgamentos originários de tribunais federais e
estaduais, decidindo até, em certas ocasiões, eventuais conflitos jurisdicionais de
competência envolvendo esses tribunais. Destaca-se também que o federalismo
é fator preponderante que determina o ingresso dos membros no STJ, cuja
composição atual é de trinta e três ministros.
Em face das breves explanações acerca da origem e do papel
desempenhado pelos tribunais brasileiros no funcionamento do Judiciário
brasileiro, não se deve deixar de explanar que a legislação constitui outro fator
preponderante, haja vista que é utilizada por aqueles tribunais na apreciação
e julgamento das causas sociais com a finalidade de dar respostas satisfatórias
aos anseios da sociedade, muito embora haja em certas ocasiões um excesso de
legalismo em algumas decisões proferidas por aqueles tribunais.

4. A INFLUÊNCIA DO LEGALISMO NO PODER JUDICIÁRIO


BRASILEIRO

Inicialmente, verifica-se que o termo “legalismo” se refere a uma


ideologia jurídica, utilizando-se do dogma do monismo estatal, isto é, o Estado é
considerado como a única fonte mediata do Direito, tendo não só o monopólio
de realizar o poder jurisdicional, mas também o monopólio do direito de punir.
Além disso, observa-se que as normas legais são tidas como verdades absolutas,
independentemente de quaisquer manifestações sociais que possam vir refutá-
las. Destarte, Júlio da Silveira Moreira1110 elucida que:

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2004, p. 562
10

MOREIRA, Júlio da Silveira. Legalidade e legitimidade – a busca do direito justo. Revista Jus Vigilantibus, 01 set. 2008.
11

Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/35755>. Acesso em 17 mai. 2013.


Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 135
O legalismo é utilizado muitas vezes como uma estratégia
autoritária, de impor uma ação estatal justificada apenas na
necessidade de cumprimento “da lei”. É o argumento que
se esconde na autoridade da lei estatal para ter validade,
quando na verdade há interesses que não podem ser
expostos, devido à ausência de consenso. Pressupõe-se que,
se a tese está fundada numa lei, e as leis (conforme essa
ideologia) são verdades absolutas, então a tese nela fundada
também é uma verdade absoluta.

O respectivo comentário retro remete a fazer uma análise acerca da


influência do legalismo na estrutura judicial brasileira. Atualmente, apesar de está
se vivendo um Estado democrático de direito, cuja democracia é representativa,
muitos cidadãos brasileiros têm sido vítimas da prevalência do rigorosismo
do arcaico legalismo manifestado em contradição de julgados e outros erros
processuais presentes em sentenças e acórdãos dos tribunais, prejudicando, com
isso, os anseios particulares. Dessa forma, a presença do legalismo chega a ser
exagerada em alguns julgamentos realizados a tal ponto que se tem aumentado
constantemente o número de recursos processuais nas prateleiras dos tribunais
nacionais, refletindo a indignação da sociedade frente à atitude de descaso
proporcionada pela manifestação do comportamento dos representantes do
Poder Judiciário.
Por outro lado, a história do legalismo brasileiro remonta suas origens
desde o período do Brasil – colônia, quando a metrópole portuguesa assumiu
a responsabilidade de impor sua ordem jurídica, a fim de que pudesse ser
cumprida pela população nativa colonial. Isso pôde ser constatado através das
Ordenações Afonsinas (1446), Ordenações Manuelinas (1521) e Ordenações
Filipinas (1603). Adentrando-se no período imperial, a presença do legalismo
era evidente através do advento do Poder Moderador, uma espécie de quarto
poder, superior aos demais poderes, que dava efetividade de comando e controle
na figura do imperador. Com a proclamação do regime republicano, verificou-
se que o legalismo era instrumento de dominação das elites latifundiárias, isto
é, o poder estatal refletia apenas os anseios da classe dominante através de uma
legislação que mantinha o restante da população afastada da cidadania.
Apesar da existência do legalismo nesses vários momentos de
construção da história nacional, José Eduardo Faria12 ensina que a partir dos anos
90 houve um crescimento de novas matérias reguladas por textos legais, as quais
seus dispositivos passaram a fazer novas “cadeias normativas”, ingressando-
as na estrutura judicial brasileira, como exemplo do Estatuto da Criança e do

12
FARIA, José Eduardo. Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 61.
136 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Adolescente, Lei de Execuções Penais, etc. O resultado desse acontecimento
foi que o sistema jurídico do país ficou assoberbado de novas normas legais,
muitas das quais acabaram sobrecarregando o trabalho do judiciário durante
o desenvolvimento do trâmite processual. Para dar solução a esse problema,
muitos juízes e tribunais socorreram-se na uniformização de seus julgamentos13
com o objetivo de torná-los mais eficientes e desprovidos de eventuais prejuízos
que possam prejudicar os interesses sociais.
Por outro lado, dentro dessa perspectiva de atuação do legalismo,
verifica-se que atualmente o Poder Judiciário vem vivendo momentos de
crise, influenciando negativamente o cenário social por não proporcionar, na
maior parte das vezes, a resolução dos conflitos que envolvam os interesses
das maiorias carentes desprovidas de justiça e cidadania. Por conta disso, faz-se
a seguir breves considerações acerca do funcionamento desse poder no atual
cenário social juntamente com os fatores responsáveis pelo advento de sua crise.

5. O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO NA ATUAL DEMOCRACIA


REPRESENTATIVA

No Brasil, a idéia da democracia representativa está ligada à própria


idéia de  liberdade. De acordo com as lições de José Afonso da Silva14:

É no regime de democracia representativa que se


desenvolvem a cidadania e as questoes de representatividade,
que tende a fortalecer-se no regime de democracia
participativa (...). A democracia representativa pressupoe
um conjunto de instituiçoes que disciplinam a participação
popular no processo politico, que vem a formar os direitos
politicos que qualificam a cidadania, tais como as eleiçoes,
o sistema eleitoral, os partidos politicos etc.

Com base na opinião retro, apesar do conceito de democracia


representativa estar associado aos cidadãos que, periodicamente, outorgam
o exercício de se autogovernarem à representantes que decidem em seus
nomes, contudo o atual cenário social tem presenciado a crise desse modelo
de democracia. Infelizmente, dentre os fatores determinantes dessa crise,
cita-se, como exemplo, a infidelidade partidária e o financiamento público de

13
Pode-se citar como exemplo o posicionamento favorável do STJ que propõe a criação de mecanismo de uniformização de
jurisprudência nos casos em que houver decisões divergentes entre turmas recursais dos Juizados Especiais estaduais (PLC- Projeto
de Lei da Câmara, nº 16 de 2007). Informações extraídas no sítio do Senado Federal em: <http://www.senado.gov.br/sf/
atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=80250>. Acesso em: 17 mai. 2013.
14
SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 137.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 137
campanhas políticas durante o período eleitoral. Felizmente, o Poder Judiciário
de um modo geral tem combatido essas práticas antidemocráticas, utilizando
instrumentos de repressão, como à “Lei de Ficha Limpa” (Lei Complementar
135/2010), sancionada pelo Poder Executivo para a finalidade de fazer com
que o Poder Judiciário proíba candidatos condenados por órgãos colegiados da
justiça de se candidatarem e concorrerem às eleições. Mesmo com a aprovação
dessa lei, o Poder Judiciário continua sofrendo os efeitos da crise da democracia
representativa. Isto ocorre em virtude do mau funcionamento do aparelho
judiciário verificado no reduzido número de juízes e servidores, da falta de
investimentos e modernização da infraestrutura dos fóruns, delegacias, etc.,
enfim, através de tal situação degradante, percebe-se que tal poder continua
funcionando desregulamente, embora esteja beneficiando apenas o sistema
dominante (como sempre foi ao longo da história do Brasil), ou seja, os interesses
de uma minoria detentora do poder econômico e político, em contraposição
a maioria excluída dos valores democráticos, infringindo assim os ditames da
“regra da maioria”. Esta última é:

Uma prática social compartilhada pelas pessoas de um


mesmo grupo, da mesma região, ou da mesma cidadania,
além de respeitarem também os valores democráticos da
liberdade e igualdade. Dessa forma, trata-se de um “produto
social”, cujas decisões são tomadas pela participação da
sociedade como um todo.15

Por outro lado, conforme é ressaltado por Antônio Carlos Wolkmer1614


em seu comentário a seguir acerca da atuação do Poder Judiciário:

Trata-se de uma instância de decisão não só submissa


e dependente da estrutura do poder dominante, como,
sobretudo, de um órgão burocrático do Estado, desatualizado
e inerte, de perfil fortemente conservador e de pouca
eficácia na solução rápida e global de questões emergenciais
vinculadas, quer às reivindicações dos múltiplos movimentos
sociais, quer aos interesses das maiorias carentes de justiça e
da população privada de seus direitos.

Analisando a opinião relatada anteriormente, não há dúvidas de que o


Poder Judiciário ainda se comporta como um órgão conservador, manipulado
pelo Estado e que, em virtude disso, impõem-se obstáculos de acesso à justiça

15
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 41-42.
16
WOLKMER, Antônio Carlos. Op. cit., p. 99.
138 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
para aquelas pessoas desprovidas de recursos financeiros. Todavia, apesar da
evidente crise, é importante frisar que atualmente o Poder Judiciário vem sendo
“chamado à responsabilidade solidária do Executivo e Legislativo nos projetos de
transformação das condições materiais de vida da comunidade”1715. Isso significa
dizer que o Poder Executivo e o Poder Legislativo não vêm respondendo
satisfatoriamente como deveria ser aos interesses sociais através da realização de
suas tarefas especificas estipuladas constitucionalmente. Por esse motivo, tem-
se observado que o Poder Judiciário acaba assumindo a responsabilidade de
preencher as omissões de atividades deixadas por aqueles outros demais poderes
em beneficio da sociedade. Assim sendo:

Diante da inoperância legislativa em realizar a modificação


formal da norma para atendimento da dinamicidade inerente
aos fatos sociais, que se abre espaço de ação do Judiciário
na realização dos direitos fundamentais, entendidos como
indeclináveis pelo Estado18.

Partindo da reflexão do comentário anterior, verifica-se a insistência de


normas arcaicas, desatualizadas, que continuam convivendo com o ordenamento
jurídico, prejudicando a operacionalização dos direitos fundamentais em benefício dos
interesses sociais. Além disso, Jorge Miranda1917 chama atenção para o fato de que
“não há verdadeiros direitos fundamentais sem que as pessoas estejam em relação
imediata com o poder, beneficiando de um estatuto comum e não separadas em razão
dos grupos ou das condições a que pertençam (...)”. Isso é fruto do descaso, na maior
parte das vezes, da atuação legislativa em realizar tais atualizações, de adaptar a norma
jurídica infraconstitucional às situações do cotidiano, o que tem provocado constantes
intervenções do Poder Judiciário a fim de tentar melhorar o panorama social.
Por derradeiro, é importante lembrar que o desenvolvimento de uma
satisfatória atuação do Poder Judiciário depende também do bom funcionamento
de outros meios alternativos de resolução de litígios, quer seja na esfera judicial
(presença dos juizados especiais) ou extrajudicial (presença dos institutos
da mediação e da arbitragem), quer seja em outras instâncias judiciais a nível
internacional (presença dos tribunais internacionais). Com isso, a parceria desses
demais componentes ajuda no fortalecimento de tal poder a partir do momento
que é criado fontes alternativas de redistribuição da justiça, impulsionando o
crescimento da democracia2018.
17
ROCHA, Luiz Alberto G. S. Novo perfil do Poder Judiciário brasileiro. Revista de Direito Constitucional e Internacional,
n. 67. São Paulo: RT, 2009, p. 176.
18
ROCHA, Luiz Alberto G. S. Op. cit., p. 177.
19
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. t. IV, p. 08.
20
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. A crise da democracia representativa. O paradoxo do fim da modernidade. Jus
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 139
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Poder Judiciário, conforme discutido no decorrer desse trabalho,


sempre esteve atrelado aos interesses dos detentores do poder dominante desse
país. Não obstante estar convivendo em um regime de democracia participativa,
contudo muitos cidadãos brasileiros continuam sendo vítimas do descaso,
da morosidade e do corporativismo da justiça que, de um modo geral, tem
proporcionado a “inclinação da balança” apenas para um lado deixando o outro
desprovido dos valores da cidadania.
Além disso, os constantes escândalos de tal poder noticiados na
mídia e demais meios de comunicação têm atrapalhado o funcionamento
de toda estrutura jurídica brasileira, uma vez que em alguns momentos há o
desvirtuamento da conduta de juízes, desembargadores e demais funcionários
por se envolverem em práticas de estelionato, lavagem de dinheiro, jogos de
azar, enfim, atos ilícitos que têm contrariado os fundamentos dos princípios
constitucionais da legalidade, moralidade e igualdade.
Dentre essas irregularidades do Poder Judiciário, fato curioso ocorreu
no município de Olímpia/SP em que o ex-juiz Júlio César Afonso Cuginotti
foi condenado a devolver tudo o que gastou, já que seu combustível e moradia
eram bancados pela prefeitura local. A referida decisão foi da 1ª Vara de Olímpia
que condenou Cuginotti por improbidade administrativa em Ação Civil Pública
movida pelo Ministério Público paulista. O réu recorreu ao STJ, porém a decisão
do respectivo tribunal foi mantida. O teor da decisão do STJ está presente na
jurisprudência do STJ – 6ª. Turma – Resp. nº. 956.854 /SP – Rel. Ministro
Nilson Naves, Diário da Justiça, Seção I, 23/09/2008, p. 01-04.
Outro fator ressaltado e que certamente ajudará a democratizar o Poder
Judiciário é aquele que diz respeito à participação popular no procedimento de
escolha dos representantes daquele Poder. Deve haver uma democratização
nessa forma de procedimento administrativo, isto é, a sociedade de forma
institucionalizada também passaria a ser consultada no momento de proceder
à escolha dos ministros dos tribunais do Poder Judiciário para ocupação dos
respectivos cargos, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos. Verifica-se
naquele país que há uma efetiva participação da sociedade civil na escolha dos
futuros magistrados da Suprema Corte norte americana, onde se tem um espaço
institucional reservado para entidades de classes poderem participar das audiências
públicas com os senadores, na qual são feitas críticas ou elogios a respeito das
características profissionais, culturais e ideológicas do jurista indicado.

Navigandi, Teresina, ano 8, n. 223, 16 fev. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4828>.


Acesso em: 16 mai. 2013.
140 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Infelizmente, tal tipo de política norte-americana ainda não serviu
de modelo de inspiração para o ordenamento jurídico pátrio. Ao longo de
sua história, o povo brasileiro principalmente o setor de baixa renda sempre
funcionou como uma espécie de “fantoche” de manipulação e controle do
poder público (principalmente durante o período eleitoral) tendo este último
operado negativamente não apenas nas classes subalternas como também em
boa parte da estrutura do próprio Poder Judiciário. Como consequência, tem-se
a postergação da resolução das causas sociais e prejuízos materiais e morais na
concretização dos valores democráticos da representatividade popular. Dessa
forma, a crise da democracia representativa se agrava também em virtude da
influência de grupos econômicos, nacionais ou estrangeiros, que contribuem no
financiamento das campanhas eleitorais, cujo resultado é práticas delituosas de
corrupção e lavagem de dinheiro.
Por outro lado, há a resistência que surge com a força dos fóruns
populares dialógicos e democráticos, pois a partir de organizações que surgem
em torno de questões locais se ganha à perspectiva da indissociabilidade dos
níveis territoriais das soluções, ou seja, a construção de um novo ser humano que
perceba a precariedade do materialismo, do consumismo e do desenvolvimentismo
capitalista frente às necessidades ambientais, ecológicas e espirituais.
Dessa forma, é preciso modernizar o Poder Judiciário, isto é, construí-
lo de um modo neutro e eficiente, composto de juízes comprometidos com a
democracia e que devam ter consciência de seu papel político e institucional
que a Constituição lhes atribuiu, respeitando os princípios constitucionais e os
direitos e deveres fundamentais da pessoa humana.
Por conseguinte, o Poder Judiciário que a sociedade almeja é aquele que
deve executar sua atividade jurisdicional com agilidade, qualidade e eficiência,
combatendo todas as formas de impunidade, para que seja oportunizado o
acesso à justiça a todos, independente de seu status social e de sua condição
socioeconômica. Afinal, não se pretende que a nação brasileira continue sendo
reconhecida apenas, perante a comunidade internacional, como o “país do
futebol, samba e carnaval”, mas sim como uma nação que honra e priva pelos
seus compromissos em garantir a efetividade do cumprimento da justiça social
para todos e não para alguns.

7. REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia. 2. ed. São Paulo: Max


Limonad, 2000.
CELSO NETO, João. História do judiciário no Brasil (Supremo). Jus Navigandi, 19

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 141


set. 2003. Disponível em: <http://forum.jus.uol.com.br/17758/historia-do-
judiciario-no-brasil-supremo>. Acesso em 18 mai. 2013.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
FARIA, José Eduardo. Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros
Editores, 2002.
LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: Lições introdutórias. São
Paulo: Max Limonad, 2000.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. A crise da democracia representativa. O
paradoxo do fim da modernidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 223, 16 fev.
2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4828>.
Acesso em: 16 mai. 2013.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra
Editora, 2000. t. IV.
MOREIRA, Júlio da Silveira. Legalidade e legitimidade – a busca do direito justo.
Revista Jus Vigilantibus,  01 set. 2008. Disponível em: <http://jusvi.com/
artigos/35755>. Acesso em 17 mai. 2013.
ROCHA, Luiz Alberto G. S. Novo perfil do Poder Judiciário brasileiro. Revista de Direito
Constitucional e Internacional, n. 67. São Paulo: RT, 2009, p. 162-213.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo:
Malheiros Editores LTDA, 2004.
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova
cultura do direito. 3. ed. São Paulo: Alfa Omega, 2001.

Recebido em: 23-05-2013


Aceito em: 16-07-2013

142 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


A QUERELA DOS DESPROVIDOS: POBRES E
INCULTOS BATEM ÀS PORTAS DA JUSTIÇA

Emerson Benedito FERREIRA1


Waldomiro CAMILLOTI NETO2

Resumo: O objetivo deste artigo é realizar um exame


substancial de um dispositivo jurídico e de cunho social
denominado Assistência Judiciária Gratuita, dispositivo
este que vem permitindo paulatinamente a ampliação
dos direitos políticos e sociais dos menos favorecidos,
possibilitando-lhes o acesso ao arcabouço do Poder
Judiciário, tão reservado durante anos à Elite Brasileira.

Palavras-chave: Assistencialismo Jurídico, Cidadania,


Direitos individuais, Poder Judiciário.

Abstract: The aim of this paper is to undertake a substantive


examination of a legal mechanism called a social and Free Legal
Assistance, which device comes gradually allowing the expansion
of political and social rights of the underprivileged, allowing them
access to the infrastructure of the judiciary, so booked for years to
Elite Brazilian.

Keywords: welfare law, Citizenship, Individual Rights, Judiciary.

1. INTRODUÇÃO

Seguindo uma definição defendida por Plácido e Silva3, entendemos


como assistência judiciária “a faculdade que, por lei, se assegura às pessoas
provadamente pobres, que não estiverem em condições de pagar as despesas ou
custas processuais sem prejuízo do sustento próprio e de sua família”.
1
Advogado, Mestrando em Educação pela UFSCar, e Especialista em Direito Educacional e Filosofia da Educação pela
FESL. Desenvolve investigações vinculadas à linha de pesquisa “Diferenças: relações étnico-raciais, de gênero e etária” e participa
do grupo de estudos sobre a criança, a infância e a educação infantil: políticas e práticas da diferença vinculado à UFSCar
2
Advogado, Especialista em Direito Processual do Trabalho pela FESL, tutor dos cursos de Direito Processual do Trabalho,
Direito Administrativo e Direito Educacional pela FESL.
3
SILVA, D. P. Vocabulário jurídico. 26. ed., Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 151.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 143
Neste contexto, quando da propositura da ação judicial, a parte
processual, como regra geral, deve estar assistida por advogado legalmente
habilitado, salvo as exceções observadas em lei. Assim, para que as partes
funcionem nesta relação processual, ambos os polos, (passivo e ativo) devem
necessariamente recolher as chamadas custas processuais, bem como as demais
despesas provenientes desta lide (despesas com honorários advocatícios,
diligencias, perícias etc). Com efeito tais custas via de regra devem ser antecipadas
pelas partes antes da prática dos atos processuais ou quando ordenadas pelo juiz
de oficio e muitas vezes as partes não disponibilizam de tais valores e, pior,
muitas vezes a falta de recursos financeiros inviabiliza a própria busca pela tutela
de seu direito.
Então, aqui reside a importância do instituto, pois sem o seu alcance, a
classe mais desfavorecida não teria como buscar os seus direitos, e desta forma,
o alcance judicial seria de mão única.
Com o passar dos anos, e com a necessidade de se efetivar a cidadania,
melhoras foram pleiteadas e disseminadas no ordenamento jurídico mundial e
brasileiro, o que acabou por possibilitar um alcance efetivo da justiça social.
Agora, a parte que provar que o gasto com custas e despesas processuais lhe
causa prejuízo a seu sustento e de sua família faz jus a este benefício que o
dispensa de arcar com estes valores, possibilitando, assim, a busca pela defesa
de seu direito.
Para entender melhor o que é isso devemos ter noção que existem duas
formas de pobreza que podem ser observadas, a pobreza de fato e a pobreza
legal, ou seja, a pobreza prevista em lei. Ferreira4 expõe que pobreza é “estado
ou qualidade de pobre” e, ainda, que pobre é o “que não tem o necessário à
vida; sem dinheiro ou meios”. Desta forma pobre é aquele que não possui os
meios materiais mínimos para garantir o seu próprio sustento em sua condição
primária que é a manutenção de sua própria vida. Assim, podemos dizer que esta
é a pobreza que podemos chamar de pobreza de fato. Desta forma, ficou bem
definido que pobreza de fato não se confunde com pobreza legal, de forma que
o pobre de fato está inserido na pobreza legal, mas nem sempre o legalmente
pobre é pobre de fato. A assistência judiciária não leva em conta a pobreza de
fato, ficando adstrita a pobreza legal.
Neste trabalho, de forma sintética, trataremos do instituto denominado
Assistência Judiciária, seu início e seu uso na atualidade.

4
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da língua portuquesa. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1993, p. 428.
144 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
2. OS PRIMÓRDIOS DO ASSISTENCIALISMO JURÍDICO NO
BRASIL

Ada Pellegrini Grinover disse certa vez que “não existem pessoas
de primeira e segunda categoria (...). A assistência Judiciária permite que o
indigente exerça, dentro do processo, as idênticas prerrogativas facultadas aos
que podem pagar”5.
Inobstante a enxurrada de críticas feitas todos os dias ao assistencialismo
jurídico voltado aos mais carentes, muitas vezes tentando compará-lo ao serviço
jurídico privado, temos que reconhecer os avanços nesta seara, tanto no âmbito
Criminal como nos demais ramos do direito. Se a Assistência Judiciária é
fundamental nos dias atuais para dignificar os menos afortunados, imagine sua
importância em tempos pretéritos.
Se tomarmos como ponto referencial o final do século XIX onde a
Escola Positivista em Criminologia encabeçada por Cesare Lombroso teorizava
a possibilidade do caráter médico do crime6, com o diagnóstico de correção da
natureza delinquente de alguns seres humanos pelo Estado, tínhamos o perigozo
arbítrio da inferioridade bio-psico-social, onde a delinquência era característica
de raças inferiores, e esta delinquência deveria ser extirpada da sociedade através
de programas de purificação de raças, como a Teoria Eugenista,7 tendo em Nina
Rodrigues8 o seu principal representante no Brasil.
Em um país que oferecia cidadania a poucos, pois poucos possuíam
dignidade financeira e pertencimento político9, as classes menos favorecidas
frequentemente era alvo de atentados e prisões ilegais. Neste ponto, se fez
imprescindível o instituto da Gratuidade Judicial, dispositivo que distribuiu o
mínimo de dignidade entre os pobres e indigentes do Brasil.
No início do Segundo Reinado, encontramos a semente do instituto
assistencialista no país. Foi exatamente por meio da Lei 261 de 3 de dezembro de
1841 que o setor desfavorecido do Brasil pôde respirar ares somente dispensados

5
Autora citada por Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior na obra Processo Civil, 2008, p.164.
6
Neste sentido, conferir Adorno (1996) em sua obra Racismo, Criminalidade Violenta e Justiça Penal: Réus Brancos e Negros
em Perspectiva Comparativa.
7
A teoria Eugenista foi difundida por Francis Galton (1822-1911) no final do século XIX, e consistia em uma “ciência do
melhoramento da hereditariedade humana. (...) Para Galton, este melhoramento não implicava apenas na eliminação de doenças
mas também na seleção de características favoráveis a partir do encorajamento de determinadas uniões (...) Considerava que as
características físicas, mentais e morais eram herdadas” (MARTINS et al, 2007, p.445)
8
Segundo Martins, um dos representantes de uma posição favorável ao Eugenismo e consequentemente ao embranquecimento de
raça foi Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), pois de “acordo com sua visão do mecanismo de herança (com mistura) o
mestiçamento provocaria uma diluição dos elementos antropológicos puros. Isso ainda acarretaria degeneração”. (MARTINS
et al, 2007, p. 448).
9
Sobre cidadania no Brasil, especificamente na transição de Império para República, conferir a excelente obra de José Murilo de
Carvalho. Os Bestializados; O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 145
a elite do país. Nesta lei, especificamente no artigo 9910, bastava o réu comprovar
sua pobreza para ser dispensado de pagar custas do processo. Ratificando
este direito e Regulando a Lei Imperial antecessora, o Império promulga o
Regulamento 120 em 31 de dezembro de 1842, trazendo em seu artigo 46911 a
mesma isenção de custas para o réu pobre condenado em juízo.
Do século XIX para a segunda década do século XX, eis que o Estado
de São Paulo dá o pontapé inicial em direção á uma cidadania voltada aos
necessitados, primeiro, dando guarita jurídica aos pobres através da Assistência
Jurídica Acadêmica, e logo depois, criando a Lei Estadual 1.76312, que passaria a
organizar a Assistência Judiciária em todo o Estado.
Da década de 20 aos direitos Constitucionais, a Carta Política de 1934
passou a prever em seu artigo 11313, a possibilidade de concessão da Gratuidade
Jurídica aos mais necessitados. Este ganho Constitucional, verdadeiro símbolo
de cidadania foi seguido pela Constituição Federal de 1946, em seu artigo 148,
passou a transcrever:

Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos


estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos
concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à
propriedade, nos termos seguintes:
§ 35 - O Poder Público, na forma que a lei estabelecer,
concederá assistência judiciária aos necessitados.14

Mas, inobstante o apelo Constitucional, o país necessitava de uma


Lei Federal que tratasse especificamente da defesa judicial dos direitos dos
desfavorecidos. Assim, em 5 de fevereiro de 1950, finalmente o Legislador
tupiniquim aprovou a Lei nº 1.060/50, um marco da cidadania Brasileira.

3. DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA DA LEI 1.060/50


10
Diz o referido artigo da Lei Imperial 261 em sua redação original: Art. 99. Sendo o réu tão pobre que não possa pagar as
custas, perceberá o Escrivão a metade dellas do cofre da Camara Municipal da cabeça do Termo, guardado o seu direito contra o
réo quanto á outra metade. (BRASIL, 2013a).
11
O artigo 469 do Regulamento 120, assim tratava o assistencialismo jurídico: Se o réo condemnado for tão pobre, que não possa
pagar as custas, o escrivão haverá metade d´elas do Cofre da Camara Municipal da cabeça do Termo; ficando-lhe salvo o direito
para haver a outra metade do mesmo réo, quando melhore de fortuna. (BRASIL, 2013b).
12
A referida Lei é de 29 de dezembro de 1920 e apregoa já em seu artigo primeiro: “As pessoas desprovidas de meios pecuniários
para a defesa judicial de seus direitos são admitidas a impetrar o benefício da Assistência Judiciária”. O artigo segundo define o
alcance da lei e disserta sobre o direito gratuito de custas processuais, de taxas e designação de advogado. (ESTADO DE SÃO
PAULO, 2013).
13
Diz o referido Artigo: A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos
concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:  § 32 - A União e os
Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais assegurando, a isenção de
emolumentos, custas, taxas e selos. (BRASIL, 2013c).
14
BRASIL, 2013d.
146 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Esta verdadeira bandeira de cidadania passa a estabelecer normas
gerais e específicas para a concessão da Assistência Judiciária Gratuita e aclama
que os poderes públicos federais e estaduais deverão conceder aos necessitados
a assistência judiciária independentemente da participação dos Municípios
e da Ordem dos Advogados do Brasil, amparando os nacionais e também os
estrangeiros residentes no país que tenham necessidade de recorrer a justiça
penal, civil, militar ou do trabalho.
O §2º do art. 2º da Lei 1.060/50 expõe quem se considera necessitado
aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo
e os honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.
O art. 3º da Lei 1.060/50 enumera quais são as isenções que o beneficiário da
assistência possui, sendo elas das taxas judiciárias e dos selos; dos emolumentos e
custas devidos aos juizes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça;
despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação
dos atos oficiais; das indenizações devidas às testemunhas quando empregados
que receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem,
ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito
Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados; dos
honorários de advogados e peritos e das despesas com a realização do exame de
código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações
de investigação de paternidade ou maternidade.
Para receber o benefício é necessária a simples afirmação, na própria
petição inicial, de que se encontra em situação que o impossibilite de arcar com
as custas e despesas processuais sem que ocorra dano ao sustento próprio e da
família. Esta afirmação acarreta a presunção de pobreza e sendo falsa acarreta
ao declarante a pena de pagamento de até o décuplo das custas judiciais. Esta
presunção pode ser afastada por prova em contrário. Com isso podemos
entender que a regra é o deferimento do benefício.
O beneficiário da assistência fica obrigado a pagar as custas desde que
possa fazê-lo sem prejuízo próprio ou da família no prazo de cinco anos, contados
da sentença final, não podendo satisfazer o pagamento dar-se-á a prescrição,
ficando completamente livre do pagamento de qualquer valor a este respeito.

4. DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA DA LEI 5.584/70

A Lei 5.584 de 26 de junho de 197015, entre outras matérias, disciplina


a concessão e prestação de assistência judiciária na Justiça do Trabalho. Esta lei
foi criada especificamente para regulamentar o beneficio em análise no âmbito da

15
BRASIL, 2013f.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 147
Justiça do Trabalho, excluindo, assim, qualquer aplicação em outra área do direito
e suprimindo, em parte, a aplicação de dispositivos da Lei 1.060/50 nesta esfera
judiciária. Como seu principal artigo temos o 1416 regulamentando a prestação da
assistência judiciária referendada na Lei 1.060/50 pelos sindicatos da categoria
profissional a que pertence o trabalhador, e o mesmo artigo em seu parágrafo
primeiro17, impondo de uma maneira taxativa a obrigatoriedade da prestação
jurisdicional gratuita ao trabalhador que perceber salário igual ou inferior ao dobro
do mínimo legal, podendo ser ampliada também tal direito àquele que receber um
salário de maior vulto se o mesmo provar que a demanda jurídica lhe causará prejuízo.
A comprovação da situação econômica do requerente deveria ser
realizada por meio de atestado fornecido pela autoridade local do Ministério
do Trabalho, mediante diligência sumária, que não poderia exceder quarenta
e oito horas para sua efetivação. Na inexistência, no local, de autoridade do
Ministério do Trabalho, o atestado deverá ser expedido pelo Delegado de Polícia
da circunscrição da residência do empregado.
Por meio do art. 17 da Lei 5.584/70 restou estabelecido que onde
não houvesse Varas do Trabalho ou Sindicato da categoria profissional a qual
pertence o trabalhador competiria aos Promotores ou Defensores Públicos o
encargo de prestar a assistência judiciária prevista na lei.

5. DA DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA DA LEI 7.115/83

A lei 7.115 de 29 de agosto de 198318, que dispõe sobre prova


documental nos casos que indica e da outras providências, deu força e forma
à declaração de pobreza que se faz uso nas ações ajuizadas perante os órgãos
judiciários, possuindo, por força desta lei, presunção de veracidade.
O art. 1º da Lei 7.115/7319 expõe que a declaração que tem por finalidade
fazer prova de vida, residência, pobreza, dependência econômica, homonímia ou
bons antecedentes, quando firmada pelo próprio interessado ou por procurador
com poderes para tal afirmação, e sob as penas da lei, presume-se verdadeira.
Suas disposições não possuem aplicabilidade para fins de prova em
processos de natureza penal, o que se extrai da busca, no processo penal, pela
16
Art 14. Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada
pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador.
17
§ 1º A assistência é devida a todo aquêle que perceber salário igual ou inferior ao dôbro do mínimo legal, ficando assegurado
igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem
prejuízo do sustento próprio ou da família.
18
BRASIL, 2013 - g
19
Interiro teor do artigo citado: Art. 1º - A declaração destinada a fazer prova de vida, residência, pobreza, dependência
econômica, homonímia ou bons antecedentes, quando firmada pelo próprio interesse ou por procurador bastante, e sob as penas
da Lei, presume-se verdadeira. Parágrafo único - O dispositivo neste artigo não se aplica para fins de prova em processo penal
(BRASIL, 2013g).
148 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
verdade real. Em seu art. 2º20, que o declarante se sujeitará às sanções civis,
administrativas e criminais aplicáveis ao caso quando sua declaração for
comprovadamente falsa.

6. DA ASSISTÊNCIA JUDICÁRIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL


DE 1988

A nova Ordem Constitucional, estabelecida pela Constituição Federal de 05


de outubro de 198821, trouxe para o Brasil um grande desenvolvimento em matéria de
direitos de forma que é tida como a Constituição Cidadã, pois resguarda plenamente
os direitos dos cidadãos brasileiros, bem como protege até mesmo os estrangeiros
residentes no país, demonstrando uma preocupação com o ser humano em si.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, incisos XXXIV22,
“a” e LXXIV23, trás os pilares da atual Assistência Judiciária expondo que a
todos são assegurados, independentemente do pagamento de taxas, o direito
de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou
abuso de poder e que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos
que comprovarem insuficiência de recursos.
Neste diapasão, todo cidadão tem direito a recorrer aos Poderes
Públicos, não importando qual a esfera de competência, Federal, Estadual ou
Municipal, exercitando seu direito de petição, para a defesa de seus direitos
ou contra ilegalidade ou abuso de poder independentemente de pagamento
de qualquer taxa por meio da assistência jurídica integral e gratuita quando
comprovadamente demonstrado a insuficiência de recursos.
Trata-se de um postulado que se coaduna fortemente com o Estado
Democrático de Direito, pois visa o livre e irrestrito acesso a justiça, tanto perante
o Poder Judiciário quanto a questões administrativas frente a Administração
Pública. Qualquer norma que dificulte, criando embaraços ou procedimentos
por demais burocráticos ou impossibilite o acesso do cidadão à defesa de seu
direito perante qualquer Poder Público será inconstitucional.
Moraes24 expõe que o direito de petição “constitui uma prerrogativa
democrática, de caráter essencialmente informal, apesar de sua forma escrita,

20
Interiro teor do artigo 2º - Se comprovadamente falsa a declaração, sujeitar-se-á o declarante às sanções civis, administrativas e
criminais previstas na legislação aplicável. (BRASIL, 2013g).
21
BRASIL, 2013 – h.
22
Diz o inciso XXXIV: são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes
Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para
defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; (BRASIL, 2013h).
23
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; (BRASIL,
2013h).
24
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17. ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.164/165.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 149
e independe de pagamento de taxas”. Este direito pode ser exercido perante
qualquer órgão judiciário ou da Administração Pública.
Impedir o acesso de quem quer que seja ao Judiciário, seja qual
for o motivo, reputa-se ato ofensivo a Constituição, ato este eivado de
inconstitucionalidade e ilegalidade.
É dever do Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos, sendo a forma desta prestação regulada
pelas leis já estudadas, devendo-se chamar a atenção a qualquer dispositivo legal
que gere eventuais contrariedades à nova ordem Constitucional e que possam
criar dificuldades ao acesso irrestrito à justiça e a concessão dos benefícios da
assistência judicial gratuita.
A legislação vigente deve adequar-se ao mandamento Constitucional
sob pena de ser eivada de inconstitucionalidade.

7. DA ASSISTÊNCIA JUDICÁRIA NA PRÁTICA

No intuito de exemplificar o dispositivo legal da Assistência Judiciária


Gratuita, arrolamos duas decisões jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, demonstrando os direitos aqui estudados sendo suplantados
de forma integral pelo Estado. No primeiro caso, o Agravo de Instrumento
0083092-22.2013.8.26.0000 da Comarca de São Paulo, em recente decisão
(2013), temos no voto 13.861 o deferimento da Assistência Judiciária Gratuita
a Alexandre Pinheiro de Faria, que apesar de não ser considerado miserável, era
pobre na acepção legal do termo, vejamos:

AGRAVO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. DECLARAÇÃO


DE POBREZA NÃO INFIRMADA POR OUTROS
ELEMENTOS. DIREITO AO BENEFÍCIO. INTELIGÊNCIA
DA LEI Nº 1.060/50. DECISÃO DE INDEFERIMENTO
INSUBSISTENTE. AGRAVO PROVIDO. Nos termos da
legislação de regência sobre a matéria, o benefício da assistência
judiciária não é concedido apenas aos miseráveis, mas
também àqueles que estejam em situação econômica que
não lhes permitam pagar despesas processuais sem prejuízo
do sustento próprio ou da família (grifo nosso).25

Em um segundo momento, temos no Agravo de Instrumento


0048888-49.2013.8.26.0000 a necessidade de comprovação pela parte de sua
hipossuficiência econômica, exatamente para impedir que pessoas com condições
de adimplir as custas processuais possam pleitear a justiça gratuita.
25
ESTADO DE SÃO PAULO, 2013b.
150 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Assistência judiciária
Hipossuficiência econômica Declaração de pobreza que
goza de presunção relativa Efetiva necessidade comprovada
por parte dos recorrentes RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO. 1. A declaração de pobreza goza de presunção
relativa, nos termos do art. 4º, Lei nº 1.060/50; entretanto,
o julgador, para averiguar a realidade da assertiva,
pode diligenciar ou exigir a juntada de documentos
comprobatórios da hipossuficiência econômica, e até
indeferir a pretensão, por fundadas razões pautadas
em elementos de convicção contrários à miserabilidade
apenas alegada, sendo indispensável a comprovação
da efetiva necessidade (art. 5º, LXXIV, CF), sob pena de
ser indeferido o benefício. 2. No caso dos autos, a efetiva
necessidade está comprovada para parte dos recorrentes,
conforme se observa dos holerites juntados (grifo nosso).26

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tudo que foi exposto, percebe-se neste trabalho uma


tentativa sucinta de trazer ao leitor a historicidade básica da Assistência Judiciária
Gratuita, desde os primórdios ainda no Império, até a Constituição tida por
muitos como a principal lei já promulgada em nosso país, denominada por vezes
de Constituição Cidadã.
Sabemos que os institutos que geram cidadania aos menos favorecidos
em nosso país ainda está engatinhando, porém, como restou observado no corpo
deste texto, vem paulatinamente sendo implementado, e a Assistência Judiciária
Gratuita é um dos claros exemplos da tentativa desta implementação de uma
cidadania mais justa e igualitária no Brasil.

9. REFERÊNCIAS

ADORNO, S. Racismo, Criminalidade Violenta e Justiça Penal: Réus Brancos e


Negros em Perspectiva Comparativa. REH. Vol. 9, n18 (1996): Justiça e Cidadania.
ALMEIDA, A. L. P. Direito do trabalho: material, processual e legislação especial.
3. ed., São Paulo: Rideel, 2008.
ANGHER, A. J. (org.) Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel. 14.ed.atual. e ampl.
São Paulo: Rideel, 2012.
BRASIL. Lei 261 de 3 de Dezembro de 1841. Reformando o Codigo de Processo
26
ESTADO DE SÃO PAULO, 2013c.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 151
Criminal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/
LIM261.htm. Acesso em 12 de Abril de 2013 (a).
______. Regulamento nº 120 de 31 de Janeiro de 1842. Regula a execução da parte
policial e criminal da Lei 261 de 3 de dezembro de 1841. Disponível em: http://
www.prpe.mpf.gov.br/internet/Legislacao-e-Revista-Eletronica/Criminal/
Regulamentos/REGULAMENTO-N.-120-DE-31-DE-JANEIRO-DE-1842.
Acesso em 12 de abril de 2013 (b).
______. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de Julho de
1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constitui%C3%A7ao34.htm. Acesso em 12 de abril de 2013 (c).
______. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de Setembro de 1946. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm.
Acesso em 12 de Abril de 2013 (d).
______. Lei nº 1.060 de 5 de Fevereiro de 1950. Estabelece normas para a concessão
de assistência judiciária aos necessitados. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/L1060compilada.htm. Acesso em: 12 de Abril de 2013 (e).
______. Lei nº 5.584 de 26 de Junho de 1970. Dispõe sobre normas de Direito
Processual do Trabalho, altera dispositivos da Consolidação das Leis do
Trabalho, disciplina a concessão e prestação de assistência judiciária na Justiça
do Trabalho, e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/l5584.htm. Acesso em 12 de Abril de 2013 (f).
______. Lei nº 7.115 de 29 de Agosto de 1983. Dispõe sobre prova documental nos
casos que indica e da outras providências. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Leis/L7115.htm. Acesso em: 12 de Abril de 2013 (g).
______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso
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CARVALHO, J. M. Os bestializados; o Rio de Janeiro e a República que não foi. São
Paulo: Companhia das Letras, 1987.
ESTADO DE SÃO PAULO. Lei nº 1.763 de 29 de Dezembro de 1920. Organiza a
Assistencia Judiciaria. Disponível em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/
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FERREIRA, A. B. H. Minidicionário da língua portuguesa. Coordenação Maria Baird
Ferreira, Margarida dos Anjos; equipe Elza Tavares Ferreira...[et.al]. 3.ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

152 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


GIGLIO, W. D. Direito processual do trabalho. 16.ed. ver., ampl., atual. e adaptada.
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MARTINS, L. A. P; PRESTES, M. E. B; STEFANO, W.; MARTINS, R. A
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WAGNER JÚNIOR, L. G. C. Processo civil – curso completo. 2. Ed. revista e
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Recebido em: 30-05-2013.


Aceito em: 16-07-2013.

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 153


154 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
SOFTWARE LIVRE E SUA ADOÇÃO PELA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: REFLEXÕES A
PARTIR DA LEI ESTADUAL N. 11.871/2002
(RS), QUESTIONADA PELA ADI Nº 3059-11

Bruno Nunes CARDOSO2

RESUMO: O desenvolvimento das tecnologias da


informação e dos meios de telecomunicação trouxeram
não apenas novos questionamentos para o cenário político
e jurídico brasileiro, mas geraram profundas e relevantes
mudanças para a sociedade global, que afetam a todos e todas,
direta ou indiretamente. Nessa conjuntura, de uma sociedade
que valoriza, organiza-se e se desenvolve através de meios
informacionais, cujo núcleo de todo esse processo são os
softwares, dá-se o advento de uma forma de licenciamento de
programas de computador para terceiros, chamado de software
livre, que inova ao garantir amplas liberdades aos usuários
e desenvolvedores, através das próprias prerrogativas do
direito de autor, assunto este, porém, um tanto quanto
desconhecido, em razão do ineditismo do tema, inclusive, até
mesmo, no meio jurídico. Em face disso, enquanto análise
de Acórdão, o escopo deste artigo será evidenciar o suporte
e amparo jurídico-constitucional presente no formato de
licenciamento do software livre, através da análise da Lei nº
11.871/2002, contestada no STF pela ADI nº 3059-1, que
trata sobre a utilização de software pela Administração
Pública gaúcha, demonstrando-se que, apesar das alegações
da parte requerente e da decisão liminar em Plenário, o
modelo jurídico-negocial do software livre é o que melhor
atende aos princípios basilares que emanam da Carta
Constitucional da República.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Digital – Software Livre –


Direito Constitucional – Administração Pública.

1
Artigo produzido para a disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à banca examinadora da Faculdade de
Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados, como pré-requisito para obtenção do título de
Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Gassen Zaki Gebara.
2
Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados
– UFGD. E-mail: bruno.ibraheem@gmail.com.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 155
ABSTRACT: The development of information technologies and
media have brought not only new questions for the political and legal
Brazilian scene, but generated relevant and profound changes to global
society, affecting all people, directly or indirectly. At this conjuncture, of a
society which values, organizes and develops itself through informational
means, and the softwares as the core of this whole process, there’s the
advent of a software computer licensing form, named free software, which
innovates to ensure broad freedoms to users and developers, through the
own prerogatives of copyright; however, this issue is somewhat unknown,
due to the novelty of the theme, even including the legal means. Given
this, while analysis of Judgement, the scope of this article will be to
highlight the support and legal-constitutional backing which is in the free
software licensing format, through analysis of Law Nº 11.871/2002,
impugned in the Brazilian Supreme Court by ADI nº 3059-1, which
regulates the use of software by the Public Administration of Rio
Grande do Sul state, demonstrating that, despite the allegations of the
petitioner part and the preliminary decision in Plenary, the business
and legal model of free software is what best attends the fundamental
principles from the Constitucional Charter of the Republic.

KEY WORDS: Digital Law – Free Software – Constitutional


Law – Public Administration.

1. INTRODUÇÃO

Diante do avanço sem precedentes dos meios de telecomunicação e da


revolução tecnológica vivenciada pela atual Sociedade da Informação, torna-se
patente a relevância jurídica dos novos paradigmas sociais baseados na tecnologia
da informação, bem como a utilização destas ferramentas pelo poder público. Tais
transformações revolucionam nossa forma de pensar e agir.

Entretanto, a exploração dos conceitos de “sociedade de


informação” e a emergência de uma sociedade digital,
com suas fundações em facilidades de comunicação
exemplarmente anunciadas pelo fenômeno Internet,
apresenta certo denominador comum – seu arcabouço
repousa sobre os programas de computador, o software.

Assim, o software está, indissociavelmente, ligado ao modo como


funciona e opera a sociedade na atualidade – e é, portanto, um fator político.
Opções de software, a partir do momento em que existem, são consideradas opções
estratégicas, verdadeiramente.3
3
BLUM, R.; BRUNO, M.; ABRUSIO, J. (Orgs.), Manual de Direito Eletrônico e Internet. Editora Lex, 2006, p. 490.
156 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
O ciberespaço, enquanto infoestrutura em redes digitais regularizadas
pelos softwares e seus códigos, apresenta-se atualmente como local de exercício
da cidadania e ambiente do agir democrático, ensejando novas formas de
organização, produção e reprodução da informação em âmbito global, causando
profundas transformações na estrutura das sociedades e economias hodiernas,
transformações estas ocorridas e evidenciadas nas últimas duas décadas do século
XX. Perante isso,

O conhecimento tornou-se, hoje mais do que no passado, um dos


principais fatores de superação de desigualdades, de agregação
de valor, criação de emprego qualificado e de propagação do
bem-estar. A nova situação tem reflexos no sistema econômico
e político. A soberania e a autonomia dos países passam
mundialmente por uma nova leitura, e sua manutenção – que é
essencial – depende nitidamente do conhecimento, da educação
e do conhecimento científico e tecnológico.4

Neste cenário, surge o software livre enquanto maximizador das


possibilidades de construção, desenvolvimento e disseminação do conhecimento,
vinculado a uma relativização dos direitos autorais decorrentes do próprio
desenvolvimento das tecnologias da informação e de rede. É, pois, dentro do
contexto globalizado da sociedade informacional, que a adoção do software livre
pelas diversas esferas da Administração Pública deverá ser pesquisada, possuindo
notável importância jurídica a relação entre o software livre e a Administração
Pública, em decorrência do ineditismo da temática. Desta feita,

O advento do software livre trouxe consigo uma profunda


transformação nos debates sobre os escopos e fundamentos
da propriedade intelectual, especialmente no contexto das
modificações legais sofridas por esta nas últimas décadas. O
software livre foi também responsável por novas perspectivas
de desenvolvimento econômico e social, em que a produção
econômica é descentralizada e apresenta incentivos globais
diferentes dos incentivos que historicamente sempre foram
tidos como mais importantes para a criação intelectual.5

Neste sentido, enquanto estudo de caso, na busca de determinação mais


apurada do tema, analisa-se a problematização decorrente da Lei estadual gaúcha
4
TAKAHASHI, Tadao (Org.). Sociedade da Informação no Brasil: Livro Verde. Brasília, Ministério da Ciência e Tecnologia.
Setembro de 2000. Disponível em: <http://www.inst-informatica.pt/servicos/informacao-e-documentacao/biblioteca-digital/
gestao-e-organizacao/BRASIL_livroverdeSI.pdf>. Acesso em: 15 de maio de 2012, p. 5.
5
FALCÃO, J.; LEMOS, R.; JUNIOR, T. (Coords.). Direito do Software Livre e a Administração Pública. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, p. 1.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 157
11.871, de 19 de dezembro de 2002, que determinou a utilização preferencial
de software livre na Administração Pública direta e indireta no Estado do Rio
Grande do Sul, Lei esta que foi contestada no Supremo Tribunal Federal em Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3.059-1) ajuizada pelo partido PFL, atual
Democratas (DEM), tendo seus efeitos suspensos liminarmente pelo plenário do
STF, porém julgado improcedente, após pedido de vistas pelo Ministro Luiz Fux,
no dia 31 de outubro de 20126, com publicação da decisão no dia 28 de novembro
de 2012. Para o partido requerente, a Lei estadual invade competência exclusiva
da União para legislar sobre licitação e limita o poder de escolha sobre produtos
pela Administração Pública, o que ocasionaria uma possível, mas não constatada,
infringência ao princípio da isonomia entre os licitantes.
O desenvolvimento da pesquisa, apesar do que fora sustentado pelo
partido requerente na ADI 3059-1, se prestará a demonstrar a prescindibilidade
de lei da União para que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possam
disciplinar a adoção de software livre e a não existência de violação ao princípio
da isonomia dos licitantes, indicando, por fim, o software livre como principal
concretizador dos princípios constitucionais da Administração Pública.
Com a presente investigação acadêmica, apesar da escassez bibliográfica
que ainda persiste em relação à temática abordada, dado seu ineditismo, buscar-
se-á restar demonstrado, através de uma apropriação crítica e reflexiva, que, apesar
das alegações da parte requerente e apesar do que fora decidido liminarmente em
plenário do STJ, a Lei gaúcha não padece de inconstitucionalidade, sendo o software
livre, este sim, um formato negocial concretizador dos princípios fundamentais,
dos objetivos e dos valores estatuídos na Carta Constitucional da República
Federativa do Brasil.
Tais são os pressupostos teóricos que fundamentam a presente análise de
Acórdão e que fornecem os parâmetros necessários à problematização da temática
abordada, apresentando-se, assim, o software livre enquanto alternativa técnico-
jurídica economicamente viável, socialmente eficaz e constitucionalmente embasada.

2. SOFTWARE LIVRE: DIFERENCIAÇÃO E CONCEITO

De modo geral, o modelo negocial do software livre não se distingue


tecnicamente do software denominado proprietário ou não-livre. A diferenciação
se dá apenas quanto ao modo que se processa seu licenciamento para uso de
terceiros. Sendo assim, a compreensão dos mecanismos de licenciamento do
software livre e a análise da política de migração para o software livre adotada pela

6
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=222735>. Acesso em: 18 de
fevereiro de 2013.
158 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
atual Administração Pública é crucial na compreensão das questões aqui propostas.
À vista disso,

O art. 1º da Lei nº 9609/98 define software como “a


expressão de um conjunto organizado de instruções em
linguagem natural ou codificada”. O termo “software” nos
remete a um produto da imaginação tecnológica. Já “software
livre”, por outro lado, coloca-nos diante de um produto da
imaginação jurídica. Consiste na normativização, pública e
privada, de como se adquire, usa, goza e distribui o software
na sociedade.7

Ambos, software livre e o software proprietário são programas de


computadores, enquanto conjunto organizado de comandos em linguagem
computacional codificada, porém o grande diferencial reside no formato jurídico-
negocial em relação ao contrato de licenciamento adotado quanto ao programa de
computador. Lembrando-se que, de acordo com o art. 9º da Lei 9.609/98, “o uso
de programa de computador no País será objeto de contrato de licença”8. Isto é,
seja qual for o modelo negocial, proprietário ou livre, o software não será vendido,
mas sim licenciado.
Indispensável conceituar o que vem a ser software livre, o que remonta
ao aclamado programador Richard Matthew Stallman, graduado em Física pela
Universidade de Harvard, no ano de 1974. Foi fundador do projeto GNU,
que se iniciou em janeiro de 1984, projeto este que se orientava pela busca do
desenvolvimento de um sistema operacional totalmente livre. Foi fundador da
Free Software Foundation (FSF – Fundação para o Software Livre) que visava unir
programadores de software livre através da promoção, do desenvolvimento e uso de
software livre. É também autor da GNU General Public License9 (GNU GPL ou GPL
– Licença Pública Geral), a licença livre com maior utilização no mundo, devido,
principalmente, à sua adoção pelo projeto GNU e pelo sistema operacional GNU/
Linux. Em relação à definição do software livre, para Richard Stallman10,

“Free software” means software that respects users’ freedom


and community. Roughly, the users have the freedom to run,
copy, distribute, study, change and improve the software.
7
FALCÃO, J.; LEMOS, R.; JUNIOR, T. (Coords.). op. cit. p. 10.
8
BRASIL. Lei n. 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de
computador, sua comercialização no País, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l9609.htm>. Acesso em 29 de março de 2012.
9
Disponível em: <http://www.gnu.org/licenses/fdl.html>. Acesso em: 29 de março de 2012.
10
STALLMAN, R. What is Free Software? GNU Operating System, 1996. Disponível em: <http://www.gnu.org/
philosophy/free-sw.html>. Acesso em: 20 de junho de 2012. Sem data de publicação, apenas com data de atualização de página,
assim descrito: Updated: $Date: 2012/06/10 08:02:43 $.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 159
With these freedoms, the users (both individually and
collectively) control the program and what it does for them.
A program is free software if the program’s users have the
four essential freedoms:
• The freedom to run the program, for any purpose (freedom 0).
• The freedom to study how the program works, and change
it so it does your computing as you wish (freedom 1). Access
to the source code is a precondition for this.
• The freedom to redistribute copies so you can help your
neighbor (freedom 2).
• The freedom to distribute copies of your modified versions
to others (freedom 3). By doing this you can give the whole
community a chance to benefit from your changes. Access to
the source code is a precondition for this.11

Um programa de computador é livre quando sua licença confere


garantias à liberdade de uso, cópia, modificação e redistribuição, liberdades estas
que apenas se efetivam através da abertura e disponibilidade de seu código-fonte,
logo, critério indispensável para sua caracterização, que o diferencia dos softwares
não-livres ou proprietários. Para elucidação,

Esse código é chamado geralmente de código fonte quando


nos referimos a um software. O código fonte é a linguagem
que permite a um determinado programador desenhar
instruções lógicas para um computador sobre aquilo que
ele deverá executar. O computador opera, entretanto, com
o que se chama de “código objeto”, isto é, um conjunto de
0 (zeros) e 1 (uns) na maioria das vezes impenetrável para
o entendimento humano ordinariamente. Dessa forma,
as instruções dadas pelo programador através do “código
fonte” são posteriormente “compiladas” pelo computador,
isto é, traduzidas da linguagem intermediária do código
fonte para a linguagem da máquina, composta de 0 (zeros)
e 1 (uns). (...).
O código objeto é assim aquele que importa para o
computador. Entretanto, é o “código fonte” que permite o
11
Tradução: Por “software livre” devemos entender aquele software que respeita a liberdade e senso de comunidade dos usuários.
Grosso modo, os usuários possuem a liberdade de executar, copiar, distribuir, estudar, mudar e melhorar o software. Com essas
liberdades, os usuários (tanto individualmente quanto coletivamente) controlam o programa e o que ele faz por eles.
Um programa é software livre se os usuários possuem as quatro liberdades essenciais:
• A liberdade de executar o programa, para qualquer propósito (liberdade 0).
• A liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo às suas necessidades (liberdade 1). Para tanto, acesso ao código-
fonte é um pré-requisito.
• A liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao próximo (liberdade 2)
• A liberdade de distribuir cópias de suas versões modificadas a outros (liberdade 3). Desta forma, você pode dar a toda
comunidade a chance de beneficiar de suas mudanças. Para tanto, acesso ao código-fonte é um pré-requisito.
160 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
entendimento do código objeto ligando o computador ao
programador. É ele também que permite o acesso e o estudo
do conhecimento incorporado na construção do software. E
acima de tudo, é o acesso ao código fonte que permite que
modificações possam ser feitas no programa.12

A referida Lei n.º 11.871/2002, que prevê a contratação preferencial de


software livre no Estado do Rio Grande do Sul, em seu art. 1º, § 1º, assim o conceitua:

Entende-se por programa aberto aquele cuja licença de


propriedade industrial ou intelectual não restrinja sob
nenhum aspecto a sua cessão, distribuição, utilização ou
alteração de suas características originais, assegurando ao
usuário acesso irrestrito e sem custos adicionais ao seu código
fonte, permitindo a alteração parcial ou total do programa
para seu aperfeiçoamento ou adequação.13

Os conceitos de programa de computador e software livre correlacionam-


se com os campos do direito autoral, direito econômico, direito administrativo e até
mesmo com o direito privado civil, bem como com os princípios constitucionais
embasadores das ações do poder público. Consequentemente, de valiosa
importância é o estudo da repercussão e das implicações jurídicas decorrentes
do incentivo e utilização do software livre no âmbito da Administração Pública,
mediante o estudo de caso sobre o a Lei gaúcha 11.871/2002 contestada no STF
pela ADI n.º 3059-1, permitindo-se assim uma melhor adequação dos pressupostos
teóricos da pesquisa com a problemática abordada.
O modelo de negócio jurídico do software livre se fundamenta nas próprias
prerrogativas do direito de autor, no Brasil regulamentado pela Lei nº 9.610 de 1998.
Daí a importância da temática ser evidente, visto que, “no paradigma do Software
Livre, o autor do software resguarda seus direitos de criador, mantendo livres o uso
e o conhecimento (do código fonte) do software para quem deles precisar através da
redação adequada de um copyright. O que se efetiva como uma subversão”.14
Para tanto, o software livre não nega os direitos autorais ou deste seja
ausente, pelo contrário, fundamenta-se nestes mesmos direitos para garantir a
livre produção, reprodução e desenvolvimento dos programas de computador. A
garantia das liberdades características desse modelo jurídico-negocial se dá através da

12
FALCÃO, J.; LEMOS, R.; JUNIOR, T. (Coords.). op. cit. p. 2-3.
13
RIO GRANDE DO SUL. Lei n. 11.871, de 19 de dezembro de 2002. Dispõe sobre a utilização de programas de
computador no Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.gesite.rs.gov.br/normas/1128886606LEI_
N11871de19dedezembrode2002.pdf>. Acesso em 04 de abril de 2012.
14
BAHIA, Projeto Software Livre. Cartilha de Software Livre. 2ª Ed. Salvador, 2005. Disponível em: <http://wiki.dcc.
ufba.br/PSL/CartilhaSL>. Acesso em 09 de abril de 2012. p. 22.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 161
própria afirmação dos direitos autorais. É o direito enquanto garantia da liberdade,
isto é “subvertendo as regras de propriedade intelectual preestabelecidas, utilizou-
se das mesmas para garantir que aquele software não poderia sofrer restrições”.15
Com efeito, vale ressaltar que o software livre permite sua comercialização
e outros modelos de negócios empresariais, tal como o modelo proprietário, não
significando necessariamente que software livre seja exclusivamente um software
gratuito. A propósito,

Há certa confusão na percepção do que é o software livre. Em


parte, devido à expressão original em inglês (free software), difundiu-
se uma noção segundo a qual todo software livre é gratuito.
Contudo a palavra “livre” (free, no original) está relacionada
com liberdade, em vez de preço. Software livre se refere à
liberdade dos usuários executarem, copiarem, distribuírem,
estudarem, modificarem, e aperfeiçoarem o software.
Para tanto, o acesso ao código-fonte do programa
de computador tornou-se um pré-requisito. Software
livre, portanto, é aquele cujo contrato de licença prevê
expressamente tais liberdades.
Certas empresas e grupos de pressão, ao se relacionarem
com a mídia, buscaram opor o conceito de software livre ao de
software comercial. Esta oposição é semanticamente incorreta,
e – talvez intencionalmente – induz a erro a opinião pública.
O software livre pode ser comercializado, e existem diversas
empresas ao redor do mundo que estão construindo modelos
de negócios sustentáveis e cada vez mais lucrativos.
Assim, uma definição conceitualmente correta e teoricamente
válida é aquela que opõe software livre ao software proprietário.16

A transformação do software em objeto comerciável ocasionou a


recrudescência da regularização legislativa, gerando muitas vezes entraves
monopolísticos em relação ao livre desenvolvimento dos softwares. Entretanto,
pelo ponto de vista econômico-empresarial, a viabilidade lucrativa do software livre
se exemplifica por meio de empresas como a Red Hat e IBM, que focam seus
negócios em open source software, através da prestação de serviços agregados enquanto
suporte e desenvolvimento de novas funcionalidades, bem como estruturas de
customização ao cliente e treinamento, além da mera venda de licenças de softwares.
Os sistemas operacionais com núcleo (kernel) GNU/Linux possuem
o apoio e colaboração de grandes empresas como Google, IBM, Canonical,
Mandriva, Oracle, Novell, Red Hat, Hewlett-Packard (HP), Sun Microsystems,

15
BLUM, R.; BRUNO, M.; ABRUSIO, J. (Orgs.). op. cit. p. 497.
16
Ibidem, p. 500.
162 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
NVIDIA, Toshiba, Sansung, AMD, Nokia, dentre outras empresas de peso nos
mercados de tecnologia17. No ano passado, a empresa Red Hat obteve receita de
US$ 1 bilhão no ano fiscal de 201218, sendo a primeira empresa fornecedora de
software livre a conquistar tal marca, demonstrando que o software livre pode ser um
modelo viável de negócio, com perspectivas futuras promissoras. É o software livre
enquanto elemento essencial e paradigma de um novo modo de produção, um
formato produtivo de compartilhamento cooperativo, que, economicamente, além
de colaborativo, é lucrativo. Inúmeros são os programas de computador livres,
como por exemplo o servidor Apache, o browser (navegador de Internet) Mozilla
Firefox e a suíte de programas para escritório LibreOffice, dentre muitos outros.
A configuração em redes digitais interoperáveis e abertas nesse
modelo de produção do conhecimento é sua característica fundamental. Manuel
Castells, sociólogo espanhol e um dos grandes estudiosos desses novos modelos
informáticos de sociedade, observa que se trata de uma “nova forma de organização
social baseada em redes, ou seja, na difusão de redes em todos os aspectos da
actividade na base das redes de comunicação digital”19. Tal configuração resulta
na produção de um conhecimento coletivo que se reproduz de forma cooperativa
e colaborativa, denominado de “commons”20, de acordo com Lawrence Lessig,
idealizador do projeto Creative Commons e professor de Direito em Harward.

3. SOFTWARE LIVRE E O ESTADO BRASILEIRO

Como se viu, trata-se de um software compartilhado com toda a sociedade,


que preza pela horizontalidade e pela livre ação colaborativa e cooperativa, com
respeito à diversidade e pautado pela autonomia, independência e protagonismo
tecnológico que, em relação à proteção intelectual, inovou ao trazer um conceito
de propriedade que cumpre sua função social e que é realizador dos princípios
constitucionais da Administração Pública Direta e Indireta, ao favorecer a
erradicação da infoexclusão e por tratar a informação e o conhecimento como
elementos estratégicos, sob o ponto de vista econômico, político e sociocultural
para todo e qualquer País.
A relevância do desenvolvimento das tecnologias da informação e a
Administração enquanto usuária de softwares acarretaram em tentativas legiferantes

17
Disponível em: <http://www.linuxfoundation.org/about/members>. Acesso em: 19 de junho de 2012.
18
O ano fiscal de 2012 se encerrou no dia 29 de fevereiro do mesmo ano. Disponível em: <http://computerworld.uol.com.br/
negocios/2012/03/28/red-hat-obtem-receita-de-us-1-bilhao-no-ano-fiscal-2012/> Acesso em 4 de abril de 2012
19
CASTELLS, M.; CARDOSO, G. (Orgs.). A Sociedade em Rede: Do conhecimento à Acção Política. Conferência. Belém
(Por): Imprensa Nacional, 2005. p. 17.
20
“In mostcases, the commons is a resource to which anyone within the relevant community has a right without obtaining the
permission of anyone else. In somecases, permission is needed but is granted in a neutral way.” LESSIG, L. The Future of
Ideas: The Fate of the Commons in a Connected World. New York: Random House, 2001. 352 p.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 163
de regulação da temática e também ocasionou o surgimento de políticas públicas
de migração para o software livre. A primeira lei no país, também considerada a
primeira lei do mundo sobre software livre, foi a lei municipal de Recife/PE21, de
autoria do vereador Waldemar Borges (PPS), sancionada em 16 de abril de 2001.
Em relação às políticas públicas, o Governo Federal, a partir de 2003,
através do Decreto Presidencial de 29 de outubro de 200322, implementou vários
comitês no contexto do Comitê Executivo do Governo Eletrônico, dentre os
quais podemos citar o Comitê Técnico de Implementação do Software Livre23, que,
conforme planejamento estratégico do Comitê, aprovou o relatório final que define
as diretrizes, objetivos, indicadores e as ações prioritárias para a implementação do
software livre no Governo Federal24, enquanto política nacional de implementação e
migração para programas de computador livres.
Nesse sentido, o Governo Federal, em 2004, lançou o “Guia Livre:
Referência de Migração para Software Livre do Governo Federal”25, contendo
orientações e normas para observância da Administração Pública em geral.
Tal política de migração se encontra no âmbito dos “Padrões de
Interoperabilidade do Governo Eletrônico – e-PING”26, que regulamenta a
utilização de tecnologia de informação e comunicação no governo federal, sendo
a adoção de seus padrões e políticas de caráter obrigatório para os órgãos do
governo federal.
Em entrevista ao jornal “Juventud Rebelde”27, Richard Stallman alerta
que “[…] o software privado é dependência e isso leva à colonização eletrônica.”
Diante desta advertência, o “Guia Livre – Referência de Migração para Software
Livre do Governo Federal”, que foi proveniente dos esforços da Comunidade
Europeia e aperfeiçoado por técnicos brasileiros para consolidar as diretrizes
da política de migração nacional dentre os órgãos públicos, enumera as razões
e benefícios que se apresentam às instituições públicas em função da adoção do
software livre:

• necessidade de adoção de padrões abertos para o Governo


Eletrônico (e-Gov);

21
Disponível em: <http://www.bfsf.it/legislazione/brasile-recife.htm>. Acesso em: 21 de fevereiro de 2013.
22
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/DNN/2003/Dnn10007.htm>. Acesso em: 04 de abril de 2012.
23
Disponível em: <http://www.softwarelivre.gov.br/noticias/comite-de-implementacao-do-software-livre-no-governo-federal-
reune-70-instituicoes/>. Acesso em: 21 de fevereiro de 2013.
24
Disponível em: <http://www.softwarelivre.gov.br/clientes/softwarelivre/softwarelivre/planejamento-cisl/planejamentos-
anteriores-1/copy_of_index_html>. Acesso em: 21 de fevereiro de 2013.
25
Disponível em: <http://www.governoeletronico.gov.br/acoes-e-projetos/guia-livre>. Acesso em: 04 de abril de 2012.
26
Disponível em: <http://www.governoeletronico.gov.br/acoes-e-projetos/e-ping-padroes-de-interoperabilidade>. Acesso em: 21
de fevereiro de 2013.
27
Entrevista retirada de: Folha Online, 16 de fevereiro de 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/
informatica/ult124u21648.shtml>. Acesso em: 19 de junho de 2012.
164 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
• nível de segurança proporcionado pelo Software Livre;
• eliminação de mudanças compulsórias que os modelos
proprietários impõem periodicamente a seus usuários, em
face da descontinuidade de suporte a versões;
• independência tecnológica;
• desenvolvimento de conhecimento local;
• possibilidade de auditabilidade dos sistemas;
• independência de fornecedor único.28

Ao elencar as vantagens do software livre sobre o modelo de negócio


jurídico do software proprietário, Ivo Teixeira Gico Júnior, mestre pela Columbia
University (U.S.A.), sustenta que,

Da própria análise da definição de software livre podemos


inferir suas vantagens sobre os demais tipos de software, os
programas proprietários. Primeiro, a administração que o
adota não se submete a qualquer condição ou restrição de
uso que não aquele ditado pelo interesse público. Segundo,
como o acesso ao código-fonte é permitido, ou seja, sabe-se
o que está por trás do programa, qualquer um pode estudá-
lo, adaptá-lo a suas necessidades particulares e melhorá-lo
em caso de falhas. Sua adoção representa, em última análise,
uma transferência de tecnologia. Por último, mas não menos
importante, como não se paga pela licença do software livre,
não só o custo de aquisição é nulo, como o de aquisição de
equipamentos (hardware) é muito menor, uma vez que tais
programas exigem menor capacidade de processamento. É
aqui que o princípio da eficiência se faz sentir de maneira
mais forte.
O mercado brasileiro de software movimentou mais de US$
3,2 bilhões em 2000. Dessa quantia, US$ 1 bilhão refere-
se à aquisição de licenças de software proprietário, sendo o
governo federal responsável por mais de R$ 200 milhões
por ano. Uma vez que a adoção do software livre representa
real possibilidade de redução de custos, da exegese do
princípio da eficiência resta cogente sua adoção pela
administração, independentemente de outros fundamentos
como a democratização do conhecimento, desenvolvimento
da indústria local, independência tecnológica, soberania,
segurança nacional (já que é o único efetivamente auditável)
e, com maior razão, se levarmos em consideração o tão
propalado princípio da razoabilidade.29

28
BRASIL. Guia Livre – Referência de Migração para Software Livre do Governo Federal – Versão 1.0. Brasília, 2005. 297
p. Disponível em: <http://www.governoeletronico.gov.br/acoes-e-projetos/guia-livre>. Acesso em: 4 de abril de 2012. p. 46.
29
GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Princípio da eficiência e o software livre. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 165
A discussão sobre a preferência pelo software livre na esfera pública
também chegou ao Tribunal de Contas da União30, que concluiu como possível
a preferência questionada, em relação a produtos informáticos, se devidamente
fundamentada, ancorando-se também no princípio da padronização das compras,
estatuído pelo art. 15, I, da Lei nº 8.666/93.
Em razão da compreensão de que a informação e o conhecimento
são direitos universais que devem ser fomentados pelo Estado e desenvolvidos
colaborativamente por todos os setores da sociedade, o modelo de negócio
jurídico do software livre se apresenta hoje para o poder público como principal
instrumento concretizador da inclusão digital, da dignidade, da cidadania e dos
princípios constitucionais da República. Contribui para o fortalecimento e incentivo
do desenvolvimento tecnológico nacional, constituindo-se por uma cultura
colaborativa de livre comunicação e democratização do conhecimento, realizando-
se assim uma apropriação soberana pelo País das tecnologias da informação, que
se dá por meio da disponibilização do código fonte do programa de computador.
Como observou a Ministra do STF, Ellen Gracie, ao analisar a Lei gaúcha
que visa regulamentar a contratação preferencial pelo software livre:

Essa questão que estamos enfrentando com a legislação


gaúcha, na realidade, se insere numa problemática muito mais
ampla, internacional, que diz respeito à nova formatação
que haverá de surgir da evolução do direito à propriedade
intelectual e artística, não apenas no que diz respeito aos
softwares, como a toda produção intelectual, dada a introdução
de um fator totalmente novo que nós, até bem pouco tempo,
desconhecíamos. O que representou para a civilização humana
a invenção da imprensa de Gutenberg está sendo, hoje – e às
vezes não nos apercebemos disso -, a introdução dos meios
eletrônicos de difusão de conhecimento. A inovação traz
problemas, sem dúvida. Essa legislação do Rio Grande do
Sul – um estado de ponta na área de informática – nos indica
exatamente onde iremos chegar. Muito provavelmente, a um
mundo muito mais compartilhado, em que as informações
circulem livremente, independentemente de valor monetário
e econômico.31

Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2970>. Acesso em: 4 abr. 2012.


30
TC-004.193/01-1, In: Boletim de licitações e contratos, v. 17, n. 2, fevereiro de 2004. Disponível em: <http://www.
prpa.mpf.gov.br/setorial/biblioteca/periodicos/boletim-de-licitacoes-e-contratos-sumarios#sum122>. Acesso em: 19 de junho
de 2012.
31
Julgamento da Medida Cautelar na ADIn 3059-1 (RS), em 15 de abril de 2004. Disponível em: <http://redir.stf.jus.
br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=415147#9%20-%20AC%D3RD%C3O%20-%20liminar%20
deferida>. Acesso em: 18 de fevereiro de 2013. f. 187.
166 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Para tanto, os princípios elencados no art. 2 º da Lei que dispõe sobre
a Política Nacional de Informática, Lei nº 7.232, de 29 de novembro de 1984,
devem ser analisados a partir de seu prisma constitucional, pois apenas por meio
da leitura constitucional das normas infraconstitucionais se encontra o sentido
finalístico sedimentado na Carta Magna da República. Dentre os princípios da
Política Nacional de Informática mais relevantes que se pode elencar, temos:

I – ação governamental na orientação, coordenação e


estímulo das atividades de informática;
II – participação do Estado nos setores produtivos de forma
supletiva, quando ditada pelo interesse nacional, e nos casos
em que a iniciativa privada nacional não tiver condições de
atuar ou por eles não se interessar;
III – intervenção do Estado de modo a assegurar equilibrada
proteção à produção nacional de determinadas classes e espécies
de bens e serviços, bem assim crescente capacitação tecnológica; (...)
XI – fomento e proteção governamentais dirigidos ao
desenvolvimento de tecnologia nacional e ao fortalecimento
econômico-financeiro e comercial da empresa nacional, bem
como estímulo à redução de custos dos produtos e serviços,
assegurando-lhes maior competitividade internacional.32

4. LEI 11.871/2002 E A ADI 3.059-1 (RS)

Pertinente se faz, todavia, estabelecer quais argumentos evidenciam


e corroboram o “respaldo jurídico-constitucional”33 da norma gaúcha nº
11.871/2002, que determina a utilização preferencial de softwares livres pelos órgãos
da Administração Pública direta e indireta do Rio Grande do Sul, questionada pela
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.059-1.

32
BRASIL. Lei n. 7.232, de 29 de outubro de 1984. Dispõe sobre a Política Nacional de Informática e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7232.htm>. Acesso em: 4 de abril de 2012.
33
FALCÃO, J.; LEMOS, R.; JUNIOR, T. (Coords.). op. cit. p. 34-35. “O objetivo deste breve estudo sobre princípios
constitucionais é investigar o respaldo jurídico-constitucional de eventuais iniciativas da Administração Pública que reconheçam e
promovam o software livre. Não se trata de fornecer uma resposta definitiva do tipo “sim/não”, “constitucional/inconstitucional”,
já que não se pretende (nem se precisa) chegar a uma decisão específica sobre o que se deve fazer em um determinado caso concreto.
Não se cogita, portanto, de possíveis conflitos entre princípios constitucionais, que devem ser resolvidos à luz dos elementos trazidos
pelo caso concreto; o que se pretende neste tópico é tão-somente argumentar que, prima facie, o incentivo ao modelo de produção
de conhecimento caracterizado pelo software livre pode ser considerado em alguma medida como obrigatório ao administrador, já
que diversos princípios constitucionais serão bem mais atendidos dessa forma. Assim para o fim deste trabalho, são irrelevantes
muitas das diferenças traçadas por autores como Robert Alexy e Ronald Dworkin, como, por exemplo, o modo específico de conflito
normativo (colisão, que deve ser resolvida sem expulsar do ordenamento um dos princípios conflitantes) e aplicabilidade gradual
(no sentido empregado por Alexy, que encara os princípios como “mandamentos para serem otimizados”). Sobre o tema, confira-
se, entre outros autores nacionais, ÁVILA, Humberto, Teoria dos Princípios. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004; SILVA,
Virgílio Afonso da. “Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção”, in Revista Latino-Americana de Estudos
Constitucionais 1 (2003):607-630; BARROSO, Luís Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de, op. cit.”
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 167
Após a exposição dos argumentos que fundamentam o teor constitucional
da norma gaúcha, desconstruir-se-á as alegações do partido requerente, atual
Democratas (DEM), e analisar-se-á o julgamento pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal, em sede de liminar, concedida no dia 15 de abril de 2004, pela
qual havia sido suspensa a eficácia da lei, inclinando-se pela inconstitucionalidade
da mesma, fatos estes que eclodiram a presente problematização. Acrescenta-se
que, entretanto, no dia 31 de outubro do ano passado, após pedido de vista do
ministro Luiz Fux, o voto do relator presidente, ministro Carlos Ayres Britto,
julgou a ADI improcedente desde então, pronunciando-se assim pela cassação da
liminar, com decisão publicada no D.O.U. no dia 28 de novembro de 2012.
Mais do que uma abordagem sobre a constitucionalidade da norma
contestada, ou um possível conflito e/ou colisão de princípios constitucionais, o
que se pretende é evidenciar que o modelo jurídico-negocial do software livre é o
que melhor atende aos princípios constitucionais de forma total, completa e efetiva,
portanto, trata-se de mecanismo que vincula a Administração Pública. Sua promoção
enquanto política pública está para além da oportunidade e conveniência, mas sim,
vincula-se a todas as esferas administrativas. Tal análise constitucional relaciona-se
diretamente com o compromisso pelo Estado Democrático de Direito, expresso na
Carta Magna, em seu art. 1º. Sem mais delongas, eis a ementa do Acórdão:

Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade.


Legitimidade de Agremiação Partidária com Representação no
Congresso Nacional para Deflagrar O Processo de Controle
de Constitucionalidade em Tese. Inteligência do art. 103,
Inciso VIII, da Magna Lei. Requisito da Pertinência Temática
Antecipadamente Satisfeito pelo Requerente. Impugnação da
Lei nº 11.871/02, do Estado do Rio Grande do Sul, que Instituiu,
no Âmbito da Administração Pública Sul-rio-grandense, A
Preferencial utilização de Softwares Livres ou sem Restrições
Proprietárias. Plausibilidade Jurídica da Tese do Autor que
Aponta Invasão da Competência Legiferante Reservada à União
para Produzir Normas Gerais em Tema de Licitação, Bem
Como Usurpação Competencial Violadora Do Pétreo Princípio
Constitucional Da Separação Dos Poderes. Reconhece-se, ainda,
Que O Ato Normativo Impugnado Estreita, Contra A Natureza
Dos Produtos que lhes Servem de Objeto Normativo (Bens
Informáticos), O Âmbito De Competição Dos Interessados
Em se Vincular Contratualmente Ao Estado-administração.
Medida Cautelar Deferida.34

34
BRASIL. Supremo Tribunal Federal – Pleno. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.059-1, Rio
Grande do Sul. Relator: Min. Carlos Britto. j. 15 de abril de 2004, v.u., DJ 20/08/2004. Disponível em: <http://redir.stf.
jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=387223>. Acesso em 04 de abril de 2012. f. 193.
168 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
O ministro Carlos Ayres Britto, relator da ação, ainda em sede de liminar,
no ano de 2004, seguido por unanimidade, fez alusão aos seguintes vícios, que
assim podem ser organizados:
• Invasão da competência legislativa da União para editar normas gerais
de licitação e contratação (Art. 22, XXVII da CF);
• Violação ao princípio da competitividade licitatória e da igualdade
de condições dos concorrentes em licitações (Art. 37, XXI da CF), ou seja,
“estreita, contra a natureza dos produtos que lhes servem de objeto normativo
(bens informáticos), o âmbito de competição dos interessados em se vincular
contratualmente ao Estado-administração”35;
• Violação material do princípio da isonomia (Art. 5º, CF), dos princípios
da impessoalidade, economicidade e eficiência (Art. 37, caput, CF) e atentado ao
princípio da Separação de Poderes e vício de iniciativa (Arts. 2º e 61, §1º, II, “b”,
CF), que, conforme a Ementa, é tratado como “usurpação competencial violadora
do pétreo princípio constitucional da Separação dos Poderes”36.
Sustenta-se que o Estado gaúcho invadiria competência privativa da
União por editar normas gerais de licitação e contratação. Todavia, tal tese não
se sustenta, pois a referida Lei estadual dispõe sobre a utilização de software pela
esfera gaúcha não abordando os institutos licitatórios. O que se está em questão é
a “utilização preferencial”, assim como descrito no art. 1º da Lei gaúcha:

A administração pública direta, indireta, autárquica e


fundacional do Estado do Rio Grande do Sul, assim
como os órgãos autônomos e empresas sob o controle
do Estado utilizarão preferencialmente em seus sistemas
e equipamentos de informática programas abertos, livres
de restrições proprietárias quanto a sua cessão, alteração e
distribuição.37

No entanto, essa autorização legiferante quanto à utilização preferencial


é condicionada, pois apenas se dá quando o software livre for mais vantajoso que
os programas de computador proprietários e quando favorável ao Poder Público.
A Lei ainda acrescenta que a implantação prevista em seu texto será de forma
paulatina e gradual, de acordo com o art. 1º, em seu § 4º.
Salienta-se que a Lei contestada não exclui ou proibi a utilização
de software proprietário, pois o §3º do art. 1º prevê inclusive a possibilidade de
aquisição de software proprietário, de preferência os que operem em ambiente
multiplataforma. Isto é, o que se busca garantir é o direito de escolha, a liberdade
35
Ibidem.
36
Ibidem.
37
RIO GRANDE DO SUL. op. cit.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 169
de optar por modelos negociais mais favoráveis aos ditames constitucionais. O art.
3º da Lei gaúcha prevê os casos em que a contratação e utilização de programas
de computador com restrições proprietárias será possível, mas desde que haja
vantagens reconhecidas.
Para a Procuradoria-Geral da República, é constitucional a Lei gaúcha,
conforme se extrai do Parecer nº 4.306/CF38, emitido pelo procurador-geral da
República em exercício, Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, no dia 20
de janeiro de 2005. Consoante o raciocínio do Procurador, com arrimo no art.
37, XXI da Carta Constitucional e no art. 2º da Lei nº 8.666/93, que estabelece
que obras, serviços, compras, alienações, concessões, permissões e locações da
Administração Pública serão precedidas de licitação, já que,

Do regulamento federal infere-se que para a utilização de


softwares livres pelo Poder Público não é necessário a prévia
realização de licitação, vez que não se trata de hipótese de
obra, serviço, compra, alienação, concessão ou locação. Seria
possível até supor que a utilização de programas abertos
estaria enquadrada na modalidade compra. Entretanto, pela
própria definição da Lei de Licitações (art. 6º, III), compra
é toda aquisição remunerada de bens para fornecimento
de uma só vez ou parceladamente, então, como não há
remuneração pelo uso dos softwares abertos, não se pode
classificar a aquisição como compra.39

Visualiza-se então que o Procurador entendeu não haver necessidade do


procedimento licitatório para utilização de software livre, vez que não é necessário
comprá-lo. Logo, está demonstrada a prescindibilidade de lei da União para que o
Estado do Rio Grande do Sul possa disciplinar a adoção de software livre, ou seja,
por assim dizer, não houve violação de competência legiferante privativa da União,
previsto no art. 22, XXVII, da Constituição Federal. Afinal, apenas há autorização
ao uso, não há regulação de procedimento licitatório. Porém, se nos editais de
licitação, o Poder Público priorizar o formato jurídico-negocial do software livre,
então sequer é necessário lei para se adotar essa opção preferencial.
A finalidade da Lei gaúcha não é tratar sobre licitações, mas sim, em
nome do interesse público, priorizar um formato negocial que atenda aos princípios
e objetivos do Estado Democrático de Direito. Outro argumento válido, quanto
à matéria disposta na Lei contestada, é a percepção de que não se trata de matéria

38
BRASIL. Procuradoria-Geral da União. Parecer nº 4.306 (CF). 20 de janeiro de 2005. Disponível em: <http://redir.
stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf ?seqobjetoincidente=13196>.
Acesso em: 18 de fevereiro de 2013.
39
Ibidem. p. 5-6.
170 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
sobre licitações e sim matéria que versa sobre Direito Econômico, que trata de
intervenção estatal no plano econômico, pois,

Consoante destacado, a eleição de uma ou outra forma de


negócio, programas livres ou proprietários, constitui opção
única do Estado, que revela seu planejamento econômico.
Insista-se: ao estabelecer a prioridade legal pelos softwares
livres, o ente público emprega o seu poder aquisitivo para
criar e fomentar o mercado consumidor desses programas.
Cuida-se de típica matéria de intervenção do Estado na seara
econômica, ou seja, de Direito Econômico (art. 174 e 24, I,
ambos da Constituição da República), cuja legislação compete
concorrentemente à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios, acarretando, no ambiente da questão em
exame, a prescindibilidade de prévia edição de lei federal.40

Até mesmo o ministro Carlos Ayres Britto, em seu voto, no dia 31 de


outubro de 2012, quando do pedido de vista do ministro Luiz Fux, que julgou
improcedente a ADI em questão, ao estudar melhor a temática, entendeu não
haver inconstitucionalidade da norma estadual gaúcha. Ele comentou que,

A diferença entre software livre e software proprietário não


está em nenhuma qualidade intrínseca de qualquer das duas
tipologias de programas informáticos, mas em aspectos
relacionados com a licença de uso. O software é livre, se o titular
do respectivo direito autoral repassa ao usuário o código-
fonte do programa, permitindo seu mais desembaraçado
conhecimento, alteração, cessão e distribuição.41

Em relação ao mérito foi sustentada a tese de que haveria violação


do princípio da livre competitividade licitatória (Art. 37, XXI, CF); violação ao
princípio constitucional administrativo da impessoalidade e da eficiência (Art.
37, caput, CF); violação ao princípio da isonomia (Art. 5º. da CF) e violação ao
princípio da Separação de Poderes (Arts. 2º e 61, §1º, II, “b”, CF). Em razão
da alegada violação do princípio da isonomia estaria se ferindo a igualdade de
condições aos concorrentes em um processo de licitação. Todavia, o objeto da Lei
gaúcha não se enquadra nas hipóteses de licitação obrigatória.

40
FÉRES, M. A adoção de softwares livres pelas diversas esferas da administração pública. Alguns aspectos jurídicos de um
ambiente de disputas econômicas. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 853, 3 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/
revista/texto/7533>. Acesso em: 9 de abril de 2012.
41
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.059-1, Rio Grande do
Sul. Relator: Min. Carlos Ayres Britto. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/noticias/100157824/vista-suspende-
julgamento-de-adi-sobre-software-livre>. Acesso em: 18 de fevereiro de 2013.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 171
Além disso, não há restrições à livre concorrência licitatória em relação
a um único fornecedor ou produto. Ou seja, não se trata de discricionariedade
para produtos ou fornecedores específicos, mas sim se elege preferencialmente
determinado modelo ou forma jurídica. O objeto da norma gaúcha não é
a preferência por determinado tipo de programa de computador, mas sim
determinado modelo de contrato de licenciamento de programa de computador.
Para Luís Roberto Barroso, “o fato de a Constituição desigualar pessoas e
discriminar situações – isto é, abrir exceção à regra da igualdade – não constitui,
em si, qualquer anomalia”42.
Daí se entende que a ocorrência de uma lei discriminar determinado
comportamento, conduta, situação ou modelo jurídico-negocial, não é em si
uma afronta ao ordenamento jurídico. Em relação a tal tema, Ferraz e Figueiredo
consideram que,

Na verdade, se a lei desiguala, se a sentença desiguala, deflui


necessariamente do princípio constitucional da igualdade; a
desigualdade não é repelida, o que repele é a desigualdade
injustificada. Tudo está, portanto, em lançar com nitidez
a razão de ser para um fator diferencial; e essa parece ser
uma só: são válidas as eleições discriminatórias, quando
signifiquem o caminho possível, de conexão lógica, para a
realização do fim jurídico buscado, desde que esse fim, por
seu turno, tenha agasalho no ordenamento jurídico.43

Nesse sentido é também o atual entendimento do ministro Carlos Ayres


Britto, ao afirmar que,

Todos os que tenham desenvolvido software e que tenham


interesse em contratar com a administração pública podem
competir em igualdade de condições, sem que a preferência
por um programa livre constitua obstáculo. Basta que, para
tanto, disponibilizem o código-fonte do software.44

Quanto ao princípio constitucional da Administração Pública da


eficiência, não há violação em razão da escolha preferencial pelo software livre da
Lei gaúcha, pois já está esclarecido a exclusão de afronta aos princípios do caput
do art. 37, da Constituição Federal. E, como bem anota Ivo Teixeira Gico Junior,

42
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional
transformadora. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 204.
43
Retirado de: O Princípio da Isonomia nas Licitações Públicas, Edição nº 01 de 2003 – Ano XXI. Disponível em:
<http://200.198.41.151:8081/tribunal_contas/2003/01/-sumario?next=6>. Acesso em: 28 de fevereiro de 2013. p. 24,
44
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. op. cit.
172 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Da própria análise da definição de software livre podemos
inferir suas vantagens sobre os demais tipos de software, os
programas proprietários. Primeiro, a administração que o
adota não se submete a qualquer condição ou restrição de
uso que não aquele ditado pelo interesse público. Segundo,
como o acesso ao código-fonte é permitido, ou seja, sabe-se
o que está por trás do programa, qualquer um pode estudá-
lo, adaptá-lo a suas necessidades particulares e melhorá-lo
em caso de falhas. Sua adoção representa, em última análise,
uma transferência de tecnologia. Por último, mas não menos
importante, como não se paga pela licença do software livre,
não só o custo de aquisição é nulo, como o de aquisição de
equipamentos (hardware) é muito menor, uma vez que tais
programas exigem menor capacidade de processamento. É
aqui que o princípio da eficiência se faz sentir de maneira
mais forte.45

Por fim, muito menos se vislumbra violação ao princípio pétreo da


Separação dos Poderes e violação ao art. 61 § 1º II, b, CF, que determina ser de iniciativa
privativa do Chefe do Poder Executivo leis que disponham sobre organização sobre
organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços
públicos e pessoal da Administração dos Territórios, o que geraria possível vício
de iniciativa. Não há usurpação quanto à competência privativa do Chefe do Poder
Executivo para instalar processo legiferante sobre organização administrativa. Tal
como, mais uma vez, esclareceu o Procurador-Geral:

Ao contrário do sustentado pela requerente, o dispositivo


constitucional trata exclusivamente da administração dos
Territórios, sendo as normas a ela referente privativas do
Presidente da República. Ademais, dispor sobre programa de
computador não viola interesse do serviço público nem a
organização administrativa.46

O que se visa é adequação entre os objetivos da preferência estabelecida


em lei e os valores jurídicos elementares da República. Tal correspondência,
no caso do software livre, em que há livre acesso e livre compartilhamento do
conhecimento, na medida em que favoreça a transparência dos serviços públicos
prestados, enquadra-se na perspectiva do resguardo do interesse público e dos fins
constitucionais últimos da República.

45
GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. op. cit.
46
BRASIL. op. cit. p. 6-7.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 173
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concebe-se então que a opção pelo paradigma jurídico-negocial do


software livre é vinculante ao administrador, pois apenas por meio deste formato
o poder público cumprirá os ditames principiológicos constitucionais de forma
mais eficaz e eficiente. Ou seja, os dispositivos constitucionais que vinculam a
Administração Pública são melhor atendidos por meio do uso e incentivo de
programas de computador livres. Marcelo Thompson, ex-procurador-chefe
do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), quando da análise
do parecer do procurador-geral, afirmou que, “assim, o estado, diante de dois
modelos contratuais distintos, opta por aquele que é compatível com o princípio
democrático, ou seja, pelo mais favorável ao estado e ao cidadão”47.
O uso e incentivo ao software livre e sua adoção pela Administração
Pública ampliam os espaços para o exercício da cidadania (art. 1, II, CF)48.
Promove o desenvolvimento nacional e a promoção do bem comum (art. 3º, I e
IV), diante do caráter colaborativo e cooperativo da produção de software livre, que
possibilita o surgimento de um mercado interno de softwares mais dinâmico, já que
seus mecanismos de inovação privilegiam a descentralização e desconcentração.
Análogo à Política Nacional de Informática, o desenvolvimento da tecnologia
nacional e o fortalecimento da empresa nacional, assegurariam a competitividade
internacional (art. 2º, IV, Lei nº 7.232/84).
O paradigma do software livre é afirmador da soberania (art. 1, I) e da
independência (art. 4, I), pois é o único modelo que realmente é auditável49, dada
a característica de abertura e transparência de seu código-fonte. Tal auditabilidade,
consoante o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, possibilita “a retirada de rotinas
duvidosas, falhas graves ou mesmo backdoors (forma de deixar no programa um
caminho de invasão sem despertar a desconfiança do usuário) e, como consequência
direta, mais segurança”50.
Destarte, promove o desenvolvimento científico (art. 218), o bem-estar
da população e a autonomia tecnológica brasileira (art. 219), ampliando a inclusão
digital e a universalização do direito de acesso (arts. 5º, XIX e 220). Através
do cumprimento dos princípios da Ordem Econômica e da função social da
47
THOMPSON, M. PGR é favorável à lei que dá preferência ao software livre no RS. Revista Eletrônica Consultor Jurídico. 24
de janeiro de 2005. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2005-jan-24/lei_preferencia_software_livre_constitucional>.
Acesso em: 19 de fevereiro de 2013.
48
Nas próximas referências, quando omitido o diploma legal, tratar-se-á da Constituição Federal da República.
49
Conceito de auditabilidade: Capacidade do software de verificar a integridade dos dados e de rastrear as atualizações
significativas nos dados (quem fez, o que fez e quando fez). Retirado de: <http://www.batebyte.pr.gov.br/modules/conteudo/
conteudo.php?conteudo=1282>. Acesso em: 16 de abril de 2013.
50
SILVEIRA, S. Liberdade para o software? - Para Sérgio Amadeu, software livre representa avanço na sociedade democrática.
Revista Eletrônica ComCiência. Entrevistadora Adriana Menezes. n. 55. ed. 281. 15 de junho de 2004. Disponível em:
<http://www.comciencia.br/200406/entrevistas/entrevista1.htm>. Acesso em 16 de abril de 2013.
174 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
propriedade intelectual (arts. 5º, XXIII e 170) há a salvaguarda do desenvolvimento
científico e tecnológico brasileiro (art. 5º, XXVII, XXIX).
Resta comprovado que as alegações do partido requerente e os votos
dos ministros do STF, antes do julgamento pela improcedência da ADI no ano
passado, que decidiu pela manutenção do formato negocial de restrições na
distribuição e modificação dos programas de computador que não facilitam sua
usabilidade, só podem ter seus efeitos considerados negativos à Administração
Pública e que poderia causar sérios danos à sociedade brasileira e sua inserção
na Sociedade da Informação, por meio da usurpação e das nocivas restrições
às liberdades dos usuários decorrentes do modelo negocial do software chamado
proprietário, privado ou não-livre.
Diante do atraso, danos sociais, dependência tecnológica e outros efeitos
negativos que se realizam em razão das restrições monopolísticas ao livre uso e livre
compartilhamento decorrentes do software proprietário, é evidente as vantagens, a
coerência e idoneidade do modelo de licenciamento do software livre em relação
aos princípios constitucionais da Administração Pública e aos fundamentos e
objetivos do Estado Brasileiro. Inclusive a Política Nacional de Informática prevê
a intervenção estatal para se assegurar a capacitação tecnológica (art. 2º, III da
referida Lei).
Conclui-se que a contratação informática por meio do paradigma
do software livre é para o Poder Público, diante dos modelos jurídico-negociais
disponíveis, o melhor ou senão o único mecanismo de concretização dos
direitos fundamentais, do princípio democrático, dos princípios constitucionais
da Administração Pública Direta e Indireta da República Federativa do Brasil,
garantias essas que se dão através do compartilhamento do código-fonte do
programa de computador, gerando assim, um novo paradigma de desenvolvimento,
economicamente útil e produtivo, que se pauta pela segurança nacional, autonomia
tecnológica e independência de fornecedores estrangeiros, ao evitar que o
monopólio do direito de autor impossibilite o desenvolvimento nacional.
Diante de tais considerações, verifica-se que o modelo de software
proprietário, devido ao seu caráter nitidamente monopolístico, é um entrave ao
livre desenvolvimento da informação, do conhecimento e um empecilho jurídico-
econômico à independência tecnológica nacional, conclusões essas que reafirmam as
hipóteses e os objetivos gerais e específicos que embasaram o projeto monográfico.
O desenvolvimento da presente investigação acadêmica objetivou
demonstrar a plausibilidade e “respaldo jurídico-constitucional”51 da Lei gaúcha
nº 11.871/2002, que trata sobre a utilização preferencial de software livre na
Administração Pública direta e indireta do Estado do Rio Grande do Sul, contestada

51
FALCÃO, J.; LEMOS, R.; JUNIOR, T. (Coords.). op. cit. p. 34-35.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 175
no Supremo Tribunal Federal pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº
3.059-1), porém julgada improcedente; descrevendo, juridicamente, as vantagens
que a utilização e o incentivo do software livre podem oferecer ao poder público
e a toda a sociedade brasileira, enquanto formato jurídico concretizador dos
princípios fundamentais, valores e objetivos da Carta Constitucional da República.
Para se conceber um Estado cada vez mais democrático, ético e
transparente, controlado por seus cidadãos e com livre acesso à informação, a
esfera pública deve adotar, enquanto política estratégica nacional, o modelo
jurídico-negocial do software livre, por se tratar de uma tecnologia eminentemente
libertadora e que atende aos reclamos da justiça social, que se coaduna à dignidade
humana (art. 1º, III), promove a construção de uma sociedade livre, justa e solidária
(art. 3º, I) e realiza a hodierna Cidadania Digital.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Disponível em: <http://wiki.dcc.ufba.br/PSL/CartilhaSL>. Acesso em 09 de
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Editora Lex, 2006, p. 489-520.
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sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em 29 de março de 2012.

176 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


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Inconstitucionalidade 3.059-1, Rio Grande do Sul. Relator: Min. Carlos Ayres Britto. j. 15 de
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Recebido em: 24-05-2013


Aceito em: 16-06-2013

178 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.


RESENHA

DIGNIDADE HUMANA E A UTOPIA


REALISTA DOS DIREITOS HUMANOS

Helder BARUFFI1

A obra “Um ensaio sobre a Constituição da Europa” (Lisboa:


Edições 70, 2012, 175 páginas, R$ 64,24) de Jürgen Habermas, com prefácio do
jurista português José Joaquim Gomes Canotilho retrata, em parte, o esforço e
a capacidade intelectual de Jürgen Habermas, pensador e professor aposentado
de Filosofia na Johan Wolfgang Goethe-Univesität, em Frankfurt am Main. Na
nota introdutória, em forma de Prefácio, José Joaquim Gomes Canotilho ressalta
o “desassossego” e a “inquietação” de Habermas quanto à direção que a Europa
vem seguindo, ao assinalar que um ano depois de os médicos o terem proibido de
ler e de escrever, “arranja forças para continuar o seu longo e brechtiano impulso
de melhorar a Europa e o mundo” (p.9). A imagem de uma “Europa sem Europa”
espicaça as suas inquietações, assinala Canotilho.
Jürgen Habermas nasceu em Düsseldorf em 1929. Estudou Filosofia,
História e Psicologia nas universidades de Göttingen, de Zurique e de Bona, tendo-
se doutorado em Filosofia (1954) com uma tese sobre o filósofo alemão Schelling.
Foi professor de Filosofia na Universidade de Heidelberg e ensinou Filosofia e
Sociologia em Frankfurt, assumindo a cátedra do pensador alemão Horkheimer. É
conhecido por suas teorias sobre a racionalidade comunicativa e a esfera pública,
e considerado como um dos mais importantes intelectuais contemporâneos.
Associado com a Escola de Frankfurt, seu pensamento abarca diversos temas –
direito, política, história, ética – que se entrecruzam chegando ao final a um único
ponto: o homem na sociedade. Suas obras têm influenciado o pensamento brasileiro,
como teoria de base para estudos aprofundados na área do Direito, com destaque
para a obra “Direito e Democracia: entre facticidade e validade”,2 em dois volumes.
A importância de Habermas como teórico que influencia o pensamento
jurídico é assinalada por Gilvan Luiz Hansen e Marcio Renan Hamel,3 “Para

1
Mestre em Direito pela PUC/SP; Doutor em Educação pela USP. Professor Associado IV da Universidade Federal da
Grande Dourados. Vinculado ao Grupo de pesquisa CNPq/UFGD: Direito, Estado e Sociedade.
2
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v.1 e v. 2.
3
Filosofia do direito e teoria jurídica em Habermas: implicações reconstrutivas para uma teoria da sociedade. Veritas, v. 56, n.
3, set./dez. 2011, p. 73
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Habermas, filósofo e sociólogo desse tempo [tempo pós-metafísico], o direito
moderno necessita de uma justificação moral, sustentando sua teoria pela ideia de
um Estado Constitucional Democrático, não renunciando, em momento algum,
seu programa emancipatório, mantendo acesa uma influência marxiana antiga em
sua obra, assim como em todos os pensadores da Teoria Crítica. A partir da obra
“Direito e Democracia”, a Teoria Crítica, por meio de seu herdeiro intelectual direto
– Jürgen Habermas – se vê envolta em uma Filosofia do Direito e do Estado.” E
como destaca Clóvis Lima “[...] Habermas é um homem do seu tempo, e não se
furta a discutir as questões do seu tempo. Agora mesmo ele está entretido com a
questão da dignidade humana na pesquisa genética”,4 em referência à obra “O
futuro da Natureza Humana”.5
Especificamente na obra “Um ensaio sobre a Constituição da Europa”
cabe destaque ao desassossego ou inquietação a que está submetido o pensador
“utópico” de longo curso. Ainda no Prefácio, Gomes Canotilho, com suporte em
uma entrevista que Habermas concedeu a Thomas Assheuer (p. 137-152) revela
a inquietação manifesta de Habermas na implantação cidadã da Constituição da
Europa “A minha maior preocupação é a injustiça social, que brada aos céus, e que
consiste no facto de os custos socializados do falhanço do sistema atingirem com
maior dureza os grupos sociais mais vulneráveis”. A injustiça social paga-se, não com
dólares, libras ou euros, mas com a “moeda forte da existência quotidiana’”(p. 137).
É exatamente esta inquietação, este desassossego frente ao quadro de
injustiças sociais, que provoca Habermas a pensar a pessoa humana. Neste sentido,
antecipando o “Ensaio sobre a Constituição da Europa”, Habermas apresenta
um estudo inicial intitulado “O conceito de dignidade humana e a utopia realista
dos direitos humanos” (p. 27 a 58), texto denso e carregado de vigor, como não
poderia deixar de ser, vindo de um pensador que traz extensa obra, como uma
referência ao enfrentamento da apatia ou “enfado com a política”, tragédia humana
e “escândalo político” ao “programa de submissão desenfreada do mundo da vida
aos imperativos do mercado” (p.10).
Com a precisão peculiar que lhe é inerente, neste estudo preliminar,
Habermas coloca-nos frente a interrogação “Por que é a referência aos
‘direitos humanos’ no direito muito anterior à referência à ‘dignidade humana’?
interrogação que tem sentido quando observa que o atual interesse da sociedade
alemã pela questão da inviolabilidade da dignidade humana, toma assento quando,
no ano de 2006, o Tribunal Federal Constitucional rejeitou a “Lei da segurança
da aviação” aprovada pelo Parlamento federal, considerando-a inconstitucional.
4
Em nota ao “Colóquio Habermas” evento que aconteceu de 04 a 06 de junho de 2013, no Rio de Janeiro, promovido pelo
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia –IBCT. Disponível em: http://www.ibict.br/sala-de-imprensa/
noticias/o-pensamento-de-habermas-em-pauta. Acesso em 10/07/2013.
5
HABERMAS, Jürgen. O Futuro da Natureza Humana. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
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Essa lei, forjada sob o cenário do “11 de setembro” visava proteger um número
indeterminado de pessoas ameaçadas em terra, permitindo o “abate” de aviões de
passageiros que, numa situação desse tipo, se tivessem transformado em bombas.
No entanto, na argumentação do Tribunal, a morte de passageiros causada por
órgãos estatais seria inconstitucional. “A obrigação de respeitar a dignidade humana
dos passageiros tem precedência sobre a obrigação do Estado (segundo o n. 2 do
artigo 2º da Lei Fundamental) de proteger a vida das potenciais vítimas de um
atentado: ‘[a]o dispor unilateralmente das vidas por razões de Estado, é negado [...]
aos passageiros aéreos o valor atinente ao ser humano em si’” (p. 26).
No decorrer do estudo, desenvolve a tese da existência, desde o início,
de um estreito nexo conceitual entre os dois conceitos, embora inicialmente
implícitos (p. 30), como observado no artigo 1º da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948, que começa anunciado que “Todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”, bem como no Preâmbulo
também refere, simultaneamente, a dignidade humana e os direitos humanos,
reafirmando a “fé nos direitos fundamentais dos seres humanos, na dignidade e no
valor da pessoa humana”.
Nesta linha de raciocínio e respondendo a questão de saber se a
“’dignidade humana’ é a expressão de um conceito fundamental e substancial do
ponto de vista normativo, a partir do qual é possível deduzir os direitos humanos
através da especificação de violações à mesma, ou se não passa de uma expressão
insignificante para um catálogo de direitos humanos individuais, selecionados e
sem nexo entre si” (p. 31), assinala razões do ponto de vista do direito que sugerem
que a “dignidade humana” não é uma expressão classificadora a posteriori, um
logro por detrás do qual se esconde uma multiplicidade de fenômenos diversos,
mas sim “a ‘fonte’ moral da qual se alimentam os conteúdos de todos os direitos
fundamentais”; (p. 31) “[...] o papel catalisador [...]na composição dos direitos
humanos a partir da moral da razão e da sua forma jurídica” (p.31); a fonte da
“força explosiva, do ponto de vista político, de uma utopia concreta [...]”(p.31-2)
dos direitos fundamentais .
Destaca Habermas, que os direitos fundamentais necessitam de
concretização em casos específicos, dado o seu caráter geral abstrato. Legisladores
e juízes, em contextos culturais diferentes chegam, frequentemente, a resultados
divergentes, particularmente em questões eticamente polêmicas como eutanásia,
aborto ou manipulação eugênica, o que tem requerido regulamentações, estas
possíveis a partir do conceito de dignidade humana, que permitiu a criação de um
“consenso de sobreposição” entre partidos com diversas origens culturais, como
se observa na fundação das Nações Unidas, ou nas convenções internacionais e
pactos sobre direitos humanos. Aí a força utópica, a utopia concreta dos direitos

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fundamentais, possível quando “agirem em articulação uns com os outros de
forma igual”, em todas as suas categorias (p. 35) ou gerações. E afirmam ainda,
“A dignidade humana, que é mesma em todo o lado e para todos, justifica a
indivisibilidade dos direitos fundamentais” (p.36).
Assinala que “Só a garantia destes direitos humanos [direitos da
liberdade, da igualdade e da fraternidade] confere o estatuto de cidadãos que,
enquanto sujeitos de direitos iguais, têm direito a ser respeitados na sua dignidade
humana” (p. 37). Esta reflexão nos remete a Joaquim Herrera Flores,6 para quem
“Os direitos humanos, mais que direitos ‘propriamente ditos’ são processos; ou
seja, o resultado sempre provisório das lutas que os seres humanos colocam em
prática para ter acesso aos bens necessários para a vida.” Nesta linha de reflexão,
o problema não é como um direito se transforma em direito humano, mas sim,
como um “direito humano’ consegue obter a garantia jurídica para sua melhor
implantação e efetividade.” (p. 34). Para Habermas, “O conceito de dignidade
humana transfere o conteúdo de uma moral de igual respeito por todos para uma
ordem baseada no estatuto de cidadãos que obtêm a sua autoestima do facto de
serem reconhecidos por todos os outros cidadãos como sujeitos de direitos iguais e
exigíveis.” Diferente da obrigação moral, de clemência pelo outro vulnerável, numa
comunidade de direitos, “só se criam obrigações para a primeira pessoa na sequência
de reivindicações que uma segunda pessoa lhe pode dirigir” (p. 41), ou seja, “no
respeito exigido [reivindicado] perante um estatuto merecidamente assumido” (p. 41-
2). Reafirma Habermas o significado de que os direitos humanos não são um dado,
mas um conquistado, ou com suporte em Axel Honneth, “Os direitos humanos
resultaram de lutas violentas – por vezes revolucionárias - pelo reconhecimento”.7
A positivação dos direitos humanos nas Constituições modernas representa
essa conquista e assinalam a utopia realista “na medida em que deixaram de prometer
uma felicidade coletiva retratada como uma utopia social e passaram a consagrar o
objetivo ideal de uma sociedade justa nas instituições do próprio Estado constitucional”
(p. 52), representados, por exemplo, em âmbito internacional, na criação de tribunais
internacionais e, em âmbito interno, nas políticas públicas de reconhecimento dos
direitos civis - o acesso à educação pública de qualidade, à saúde, à moradia.
Confirmando a tese inicialmente proposta, Habermas ressalta que a
luta por reconhecimento se dá a partir da compreensão do caráter universal dos
direitos humanos (moral universalista) “cujos conteúdos penetraram, há muito,
nos direitos humanos e civis das constituições democráticas, através da ideia de
dignidade humana”, força motriz, ligação explosiva da moral ao direito, “na qual é
necessário proceder à construção de ordens políticas mais justas” (p.57).
6
FLORES, Joaquim Herrera. A (re)invenção dos Direitos Humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009.
7
HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: para uma gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34,
2003.
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Como assinala Manuel Monteiro José Domingues, em anotações sobre
a obra, “o livro em questão conduz-nos a um conjunto de reflexões e ideias a
8

que dificilmente podemos ficar indiferentes”. É uma “oportuna reflexão sobre a


natureza distintiva dos direitos civis dos direitos humanos, numa alusão à necessidade
de nunca deixarmos de pensar o Homem em toda a sua plenitude.”
Sem dúvida, a leitura deste estudo sobre “O Conceito de dignidade
humana e a utopia realista dos direitos humanos” que acompanha o livro
“Um ensaio sobre a Constituição da Europa” em muito nos “inquieta” e nos
“desassossega”, afinal, os direitos humanos não são um fardo moral, mas sim,
o estatuto de cidadania necessário à dignidade humana. Daí a utopia realista dos
direitos humanos.

Recebido em: 20-05-2013.


Aceito em: 17-07-2013.

8
In: Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012). Disponível em: http://academia.edu/3314201/Jurgen_HABERMAS_Um_
Ensaio_sobre_a_Constituicao_da_Europa_Prefacio_de_Jose_Joaquim_Gomes_Canotilho_Edicoes_70_Lisboa_2012>.
Acesso em 12/07/2013.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 183
184 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
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do Livro, Local de publicação: Editora, data. Página
inicial-final.
c) Artigo de periódico: SOBRENOME, Nome. Título
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volume do periódico, número do fascículo, página
inicial-página fi nal, mês(es).ano.
Exemplo:
ALMEIDA JÚNIOR, Mário. A economia brasileira.
Revista Brasileira de Economia , São Paulo, v. 11,
n.1, p.26-28, jan./ fev.1995.
d) Teses e Dissertações: Sobrenome, nome. Título
da Dissertação (ou tese). Local. Número de páginas
(Categoria, grau e área de concentração). Instituição
em que foi defendida. Data.
Exemplo:
BARCELOS, M.F.P. Ensaio tecnológico,
bioquímico e sensorial de soja e guandu enlatados
no estádio verde e maturação de colheita. 1998.
160 f. Tese (Doutorado em Nutrição) - Faculdade de
Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de
Campinas, Campinas.
e) Outros: Consultar as Normas da ABNT para
Referências Bibliográficas.

4. As Figuras (desenhos, gráficos, ilustrações, fotos) e tabelas devem


apresentar boa qualidade e serem acompanhados de legendas breves e claras.

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As figuras devem ser numeradas sequencialmente com números arábicos e
iniciadas pelo termo Figura, devendo ficar na parte inferior da figura. Exemplo:
Figura 4 - Gráfico de controle de custo. No caso das tabelas, elas também devem
ser numeradas sequencialmente, com números arábicos, e colocadas na parte
superior da tabela. Exemplo: Tabela 5 - Cronograma da Pesquisa. As figuras
e tabelas quando geradas no computador deverão estar gravadas no mesmo
arquivo do texto original. No caso de fotografias, desenho artístico, mapas, etc.,
estes devem ser de boa qualidade e em preto e branco.

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