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Revista Jurídica
UNIGRAN
ISSN 1516-7674
Revista Jurídica UNIGRAN Dourados v.15 n.29 p. 1- 190 Jan./Jun. 2013
Publicação Semestral
ISSN 1516-7674 - impresso
ISSN 21769184 - on line
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2013
4 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Editorial
Público-alvo
A Revista Jurídica UNIGRAN é voltada para professores,
pesquisadores, estudantes, advogados, magistrados, promotores, procuradores e
defensores públicos. Trata-se de um público abrangente, mas que compartilha a
busca constante por aprofundamento e atualização.
Meio e periodicidade
A Revista Jurídica UNIGRAN é publicada com periodicidade
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revistajuridica, com acesso público e gratuito.
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Coordenador do Curso de Direito José Gomes da Silva
Loreci Gottschalk Nolasco – UEMS
Maurinice Evaristo Wenceslau - UFMS
Valério de Oliveira Mazzuoli – UFMT
Wanise Cabral Silva- UFF
Editor Responsável
Ana Cristina Baruffi - UNIGRAN
Capa e Diagramação
D.D.I
Departamento de Diagramação/ Impressão
Unigran
APRESENTAÇÃO........................................................................................ 7
1
Doutorando em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor da Especialização em Direito Processual Civil da PUC-RJ.
Professor da Escola Paulista de Direito- EPD. Pesquisador do Núcleo de Direito Processual Civil da PUC-SP. Professor da
UNICEUMA e UFMA.
2
Mestrando em Direito pela PUC-SP. Professor Assistente na graduação do Curso de Direito da PUC-SP. Membro do
Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – CONPEDI e da Associação Brasileira de Propriedade
Intelectual – ABPI. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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Abstract: This study presents a critical reflection on aspects relating to
extraordinary appeal, the use of defensive case law and the crisis caused
by overload appeal under Supremo Tribunal Federal. The analysis of
these problems took place from the solutions presented in the Draft of
the New Code of Civil Procedure and the Draft Law. 8046/2010,
which in essence argued ideas on improving the existing appeal system,
eliminating the excesses procedural incisors without impacting the
appellate structure, tackle of defensive case law, promote the development
of stable jurisprudence, and fix some point defects. For this purpose we
examined the structure of the extraordinary appeal on Draft of New
Code of Civil Procedure and the Draft Law. 8046/2010, and which
identified case law obstacles have been removed. The methods adopted
for the design of this study was to review the doctrine and documents,
combined with critical reflection on the object of the research, this being:
the crisis caused by overloading of the Superior Courts, the importance
of the extraordinary appeal and the role to be undertaken by the
brazilian’s Supreme Court.
1. INTRODUÇÃO
3
A pauta de conduta é uma das formas de compatibilização interpretativa, pois apresenta igual interpretação, igual solução a
conflitos quando identificados ambientes decisionais iguais. É inadmissível que a “liberdade de decidir” seja encarada somente
como poder juiz, sem que seja adotada uma conduta responsável por esses ao utilizá-la. Como sustenta a professora Teresa
Arruda Alvim Wambier, “aceitar, de forma ilimitada, que o juiz tem liberdade para decidir de acordo com sua própria convicção,
acaba por equivaler a que haja várias pautas de conduta diferentes (e incompatíveis) para os jurisdicionados.” (WAMBIER,
2009, p. 144).
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encarregada de elaborar o anteprojeto de novo Código de Processo Civil, faremos
um recorte e analisaremos estes aspectos somente quanto ao recurso extraordinário,
tendo em vista que um exame horizontal de todos os meios de impugnação
direcionado aos Tribunais Superiores poderia prejudicar a reflexão crítica sobre
instrumentos processuais específicos e que exigem uma apreciação vertical.
4
Conferir estudos de Barbosa Moreira (2010) sobre o juízo de admissibilidade nos recursos.
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Para os fins deste ensaio, analisam-se detidamente os pressupostos
intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade do recurso extraordinário, assim como
os ditos pressupostos especiais de admissibilidade5.
2.4.1 Tempestividade
Inexiste alteração substancial quanto a tempestividade do recurso
extraordinário. Portanto, o recurso extraordinário deverá ser interposto no prazo de 15
(quinze) dias, a contar da publicação do acórdão que se pretende impugnar, ex vi do § 1º do art.
948 c/c art. 957, do PL nº. 8046/2010. Nos casos em que exista feriado, também
o art. 948 do PL nº. 8046/2010 apresenta solução, em seu § 2º, dispondo que nos
casos dos recursos direcionados ao STF ou STJ, deve-se comprovar a ocorrência do feriado local.
5
Desde logo destaca-se que as alterações mais incisivas afetaram principalmente os pressupostos extrínsecos e especiais de
admissibilidade do recurso extraordinário.
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O prazo para interposição do recurso extraordinário poderá ser
interrompido se da decisão recorrida se opuser embargos de declaração. Parece que de
uma maneira geral os Tribunais têm firmado entendimento de que a interposição do
recurso, antes da oposição dos embargos de declaração, obriga o recorrente a renovar
a apresentação das razões recursais após a publicação do acórdão embargado, sob
pena de não se conhecer do recurso excepcional. Este problema obteve tratamento
específico pelo do PL nº. 8046/2010, como demonstraremos a frente.
2.4.2 Preparo
O preparo consiste no pagamento antecipado das despesas relativas ao
processamento do recurso demonstrado no ato de interposição do recurso, salvo
nos os casos de isenção; assim dispõem os arts. 57 e seguintes do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal. Ocorrendo o não recolhimento das despesas, isto
implicará na aplicação de sanção de deserção.
De acordo com o artigo 59 do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal, serão devidas custas nos processos de sua competência originária ou
recursal. Quanto ao recurso extraordinário, o inciso I do art. 57 do Regimento
Interno Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o preparo será feito no
tribunal de origem, perante as suas secretarias e no prazo previsto na lei processual.
Portanto, se exige o pagamento das custas no caso de recurso
extraordinário. Requer-se, ainda, a demonstração do pagamento do porte de
remessa e retorno, pois o conceito de custas não inclui essas despesas, que são
aquelas relacionadas com o traslado dos autos do tribunal de origem ao STF e,
após o julgamento, encaminhamento para o tribunal recorrido, de acordo com os
arts. 57, § único, e 59, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Certo é que pagamento do preparo e do porte de remessa e retorno,
assim como sua comprovação, é notadamente exigido no art. 551 do Código de
Processo Civil em vigor, o que também se extrai na leitura dos arts. 57, 58, 59, I e
§ 1º e § 2º, e 65 regimento Interno do STF.
Percebe-se que o PL nº. 8046/2010, na versão aprovada no Senado
Federal, não impõe alterações incisivas neste tema. Nos termos do art. 961
disciplina-se a matéria determinando que no ato de interposição do recurso, o recorrente
comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de
remessa e de retorno, sob pena de deserção, sobrevindo, de forma esclarecedora no inciso
II do mesmo dispositivo, que a insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o
recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias. Verificaremos qual a solução
apresentada pelo o PL nº. 8046/2010 quanto às situações de justo impedimento
e equívoco no preenchimento da guia de custas do preparo e porte de remessa e
retorno do recurso extraordinário.
2.5.2 Prequestionamento
É exigência da rubrica constitucional causas decididas, inserta no inciso III,
do art. 102 da Constituição Federal, que a matéria versada no recurso extraordinário
tenha sido debatida no acórdão impugnado. Para Dantas:
6
Conferir o posicionamento de Teresa Arruda Alvim Wambier, ao afirmar que “Justamente com o objetivo de se proporcionar
que o jurisdicionado obtenha decisão de mérito (e isso é fazer o processo render) é que se criou no projeto uma regra interessante,
que terá, no mínimo, duas importantes finalidades. Tornará ainda mais relevante e operativo o instituto da repercussão geral,
ou seja, na verdade, recolocará esse instituto tão importante no seu devido lugar, de molde a retirar a verificação da existência de
repercussão geral de uma questão da dependência exclusiva da atividade da parte. Ademais, esta nova regra com certeza diminuirá
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Para coibir esta índole adotada pelos tribunais superiores, o PL nº.
8046/2010 aconselham a desconsideração de causas de inadmissibilidade não tão
graves, por partes dos tribunais. Em verdade, é nítida a intenção, mas ao mesmo
turno suave, a intenção dos elaboradores do anteprojeto de inibir a prática da
jurisprudência defensiva, atualmente deveras criticada pela doutrina nacional.
Esta inovação é um alento para os jurisdicionados, pois corrigirá o
formalismo excessivo das Cortes Superiores que, sem amparo legal, ao inadmitirem
recursos, deixam de prestar a tutela justa e efetiva que se espera do Poder Judiciário.
Importa destacar o deslocamento do dispositivo que trata do saneamento
de nulidades em âmbito de apelação, para o Capítulo “Da Ordem dos Processos
no Tribunal”, art. 893 do PL nº. 8046/2010, o que permite afirmar a preocupação
de tornar incontroversa a aplicação desta técnica para os demais recursos.
4. CONCLUSÃO
O Supremo Tribunal Federal vivencia uma crise ocasionada pela
sobrecarga recursal. Contudo, este é um fenômeno que já o atinge a certo tempo,
tanto o é que a Constituição Federal de 1988, ao inserir o Superior Tribunal de
Justiça na estrutura do Poder Judiciário brasileiro, almejou dividir a carga de
trabalho entre dois Tribunais Superiores.
Neste panorama, questiona-se as medidas que foram adotadas para
combater os efeitos negativos decorrentes desta situação de sobrecarga recursal. É
evidente que a divisão ocorrida a vinte e cinco anos atrás, com a inserção de outro
Tribunal Superior, não foi suficiente para conter a crise do Supremo. Tratou-se de
um paliativo, que por não ter sido acompanhado por outras ações no sentido de
colaborar com a resolução efetiva da situação, ocasionou outro problema: agora,
não se existe um Tribunal em crise, mas dois Tribunais Superiores em colapso.
O quadro se agravou quando os problemas quantitativos relacionados com
os recursos, além de ocasionar uma morosidade no julgamento e a diminuição da qualidade
dos julgados, pois STF e STJ se encontram abarrotados de feitos, acarretou a utilização
de óbices jurisprudenciais, que em muitos manifestam-se como negativa de acesso à
Justiça. Como alternativa para solucionar este problema, esses Tribunais Superiores
passaram a elaborar um portfólio jurisprudencial defensivo, tornando ainda mais estreita a
trajetória de alcance do julgamento de mérito dos recursos excepcionais.
a quantidade de acórdãos em que se adota a tal jurisprudência dita “defensiva”. Os tribunais superiores com uma frequência
infinitamente superior à desejável, deixam de julgar o mérito de recursos excepcionais em virtude de causas de inadmissibilidade
cuja existência e qualificação jurídica é duvidosa, ou seja: causas tidas como de inadmissibilidade que, na verdade, não o são.
Trata-se de prática apelidada de jurisprudência “defensiva”, pois tem o objetivo de “defender” os tribunais superiores do absurdo
número de processos e de recursos que têm que julgar, da carga de trabalho dos ministros, que é, efetivamente, excessiva. Por
isso, incluímos no projeto uma regra que autoriza (na verdade, aconselha), a que sejam desconsiderados motivos menos graves de
inadmissibilidade, se a questão veiculada no recurso é relevante, por se tratar de casos de recursos ou de ações repetitivas ou por ser
relevante em si mesma. (WAMBIER, 2010, p. 276).
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No que se refere ao recurso extraordinário, o STF montou um arsenal
jurisprudencial de inadmissibilidade recursal, pautados em argumentos como (i)
ofensa indireta ou reflexa à Constituição, (ii) impossibilidade de reexame de fatos
e provas ou revolvimento de provas, (iii) inexistência de prequestionamento, (iv)
existência de súmula ou jurisprudência do STF que não possibilita a admissibilidade
do respectivo recurso (v) irregularidades formais etc.
Todavia, é perceptível que esta realidade tem se alterado, principalmente
a partir a inserção da repercussão geral da questão constitucional como requisito especial
de admissibilidade do recurso extraordinário. Desde então, os debates doutrinários
e jurisprudenciais passaram a adotar uma postura de resgate da figura do recurso
extraordinário no sistema recursal brasileiro, tratando-o não simplesmente como
outros recursos de revisão, mas como instrumento objetivo na apresentação de
pautas de condutas para a sociedade e para o Poder Judiciário.
Aliado a isto, observamos também que, cada vez mais, o STF tem se
preocupado com a sua função de guardião da Constituição, agindo como órgão
paradigmático e estabilizador da interpretação do texto constitucional.
Certamente, os debates em torno da repercussão geral apresentaram a
ideia de que, o recurso extraordinário, instrumento desenhado constitucionalmente,
deve ser utilizado e julgado com mais atenção. Neste intuito, a importância da
repercussão geral como filtro qualitativo tem ocasionado a reflexão crítica sobre a
utilização de filtros meramente defensivos e assim ilegítimos ao julgamento do recurso
extraordinário. Não é por menos que se observa a flexibilização, e às vezes o
afastamento da aplicação de sua jurisprudência defensiva, pelo STF.
A estes fenômenos se direcionou a atenção da Comissão de Juristas
encarregada de elaborar o anteprojeto de novo Código de Processo Civil, o que se
manteve na versão aprovada no Senado Federal, visualizada no Projeto de Lei nº.
8046/2010.
Na leitura dos textos apresentados, quanto ao sistema recursal e
especificamente ao recurso extraordinário, o anteprojeto de novo Código de
Processo Civil e o PL nº. 8046/2010 atuaram e três frentes: (i) aperfeiçoar o sistema
já existente, reestruturando os institutos comuns e os institutos especiais como a
repercussão geral e o incidente de julgamento de recursos repetitivos; (ii) eliminar
os excessos sem causar impactos incisivos na estrutura recursal; (iii) combater a
jurisprudência defensiva; (iv) estimular a elaboração de jurisprudência estável; e (v)
corrigir alguns defeitos pontuais.
Como pudemos demonstrar brevemente neste estudo, estas opções
objetivaram pensar e constituir os recursos como instrumentos capazes de fazer
render o processo; ou, mais precisamente nas palavras da relatora do anteprojeto
do novo Código de Processo Civil, Teresa Arruda Alvim Wambier, fazer “isso, na
5. REFERÊNCIAS
Autores convidados
1
Mestrando em Gestão Pública e Sociedade pela Universidade Federal de Alfenas-UNIFAL, campus Varginha/MG. Bacharel
em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano-UNIFENAS. Advogado.
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social, como o fez a Constituição de 1988, proporcionou a potencialização de
determinadas questões, eis que o jurista, até então afeto aos códigos, foi instado
a lidar com um novo objeto, que exigiu um arcabouço teórico próprio (que até
então não havíamos formado).
O constitucionalismo surgido após a Segunda Guerra2 promoveu uma
verdadeira mudança de paradigma, ocasião em que os textos constitucionais de
diversos países ocidentais positivaram normas de índole marcadamente moral,
alçando a dignidade da pessoa humana ao centro do sistema. O Brasil, por sua
vez, reflete este conjunto de conquistas a partir da redemocratização (1985),
formalizando-o já na Constituição de 1988.3 O Estado Democrático de Direito
será o projeto no qual se desencadearão tais mudanças (art. 1º). A efetivação dos
direitos fundamentais passa a ser o foco e a razão do Estado, cujas instituições
devem estar permeadas pelo ideário democrático.
É certo que a realidade demonstra que ainda há um gap a ser superado
relativamente à efetividade da Constituição, o que se justifica nos mais variados
fatores, aos quais não será objetivo deste ensaio adentrar. No entanto, é esta
mesma realidade que deverá servir de horizonte ao jurista no momento de
sua atuação, mormente ao magistrado, autêntico intérprete do Direito, para
recordar Kelsen.
A (necessidade de) superação dos positivismos jurídicos4, sobretudo
aquele de cariz normativista, é fundamental, porque o Estado Democrático
de Direito somente poderá por em execução seu projeto com um marco que
possibilite a adequada interpretação/aplicação da Constituição, concebendo-a
como centro e razão das políticas públicas, sociais e econômicas. Além disso,
sem esta transposição positivista, torna-se impossível a compreensão das funções
estatais, cujos Poderes, independentes e harmônicos entre si, devem possuir por
foco a plena efetividade dos direitos fundamentais-sociais.
O pós-positivismo, que, por sua vez, pode ser concebido como um
marco filosófico desse novo paradigma (BARROSO, 2006), traz um tempo
2
Barroso (2006) traz como marco filosófico do novo direito constitucional a reconstitucionalização da Europa após a 2ª Guerra
Mundial, tendo como marcos principais a Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemã), de 1949, e a Constituição da Itália,
de 1947.
3
Não obstante estabelecer-se neste trabalho a redemocratização pós-Segunda Guerra como um marco histórico comum entre os
diversos Estados ocidentais, não se deve descurar da atenta observação de Miguel Carbonell, de que cada processo constituinte
possui razões diversas em cada Estado, pois que somente os respectivos contextos políticos e sociais poderão propiciar a compreensão
do acontecimento, in verbis: “Cada proceso constituyente responde a circunstancias muy diversas. Aunque es certo que los problemas
que se pretendem resolver o enfrentar a través de la expedición de nuevas constituciones son parecidos, los impulsos que las hacen
surgir son particulares de cada país e incluso de cada momento histórico.” (CARBONELL, 2010, p. 71). A despeito de
trazermos estas duas Constituições como as principais deste período, Sarmento (2010) observa que as maiores influências para a
Constituição brasileira de 1988 foram as Constituições de Portugal (1976) e da Espanha (1978).
4
Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 31 e ss.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
Uma das principais tendências no moderno direito brasileiro são as
técnicas para “desafrouxar” o Poder Judiciário. Devido a inúmeras críticas de um
modelo eivado pela pecha da morosidade, busca-se incansavelmente alternativas
extrajudiciais para a solução de conflitos no tempo e no espaço.
1
Mestre em Direito Público, Pós-graduada em Direito Público, Direito Tributário, Direito Empresarial e Direito do Trabalho.
Pós-graduanda em Direito Notarial e Registral, Direito Empresarial e Direito Administrativo. Professora assistente na
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Procuradora da Fazenda Nacional.
2
Pós graduando lato sensu em Direitos Humanos e Cidadania na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Advogado.
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Cita-se como exemplo de tal preocupação a elaboração de projetos de
lei dos novos Código de Processo Civil e Código de Processo Penal, a experiência
positiva de mediação e arbitragem e, com o advento da lei 11.977/09, a figura da
usucapião administrativa.
O presente trabalho irá realizar uma análise bibliográfica dessa nova
figura introduzida no Direito brasileiro que veio para facilitar a resolução de um
dos grandes problemas nacionais – a distribuição do sistema de habitação – com
fulcro na celeridade e economia dos atos administrativos para a pacificação social.
2. A LEI N. 11.977/09
3
A lei é a conversão da medida provisória n. 459/09, e, a cada ano desde sua vigência vem sofrendo alterações legislativas, dentre
elas, cita-se em ordem cronológica: Lei n. 12.249/10, Lei n. 12.424/11, e, Lei n. 12.693/12.
4
WOLF, Guilherme Eidelwein. A regularização fundiária urbana no Brasil e seus instrumentos de alcance. Notas introdutórias
acerca do direito fundamental à moradia frente às políticas públicas de regularização fundiária. Jus Navigandi, Teresina, ano
17, n. 3376, 28 set. 2012 . Disponível em:<http://jus.com.br/revista /texto/22699>. Acesso em: 7 abr. 2013.
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Por regularização fundiária, entende-se a intervenção governamental
pautada na legalização da situação de populações que vivem em áreas urbanas
de forma irregular.
Para um melhor aproveitamento do presente trabalho, faz-se
necessário, antes de se abordar a usucapião administrativa, que é uma das
inovações traçadas pela Lei 11. 977/09 em prol da regularização fundiária,
discorrer sobre o direito de propriedade e sua função social, bem como o direito
de moradia e a função social da posse.
5
SCIORILLI, Marcelo. Direito de propriedade e política agrária. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007. p. 14.
6
VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reformo agrária. Leme: Led, 1998. p. 31.
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individualista. Ocorre, todavia, que esse caráter absoluto, mesmo naqueles
primitivos tempos, não significava a inexistência de restrição, porque o
proprietário não podia usar livremente seu terreno e devia, por exemplo deixar
um espaço (confínum) em volta para circulação7. Em fase posterior do direito
romano - conhecido como direito pós-clássico -, pode ser apontada a restrição
pela qual “[...] o proprietário do imóvel que não cultiva seu terreno perde a
propriedade sobre ele em favor de quem o cultivou por mais de dois anos”8.
Assim, percebe-se clara evolução do direito de propriedade ao longo
das fases do direito romano, tendo migrado a propriedade em um só sentido:
“[...] do individual para o social”9. Não obstante, com forte restrição, é possível
dizer que essas limitações representaram um prenúncio do que se entende hoje
por função social, pois o cunho privatista da propriedade iria ganhar força com
o passar do tempo para depois evoluir para a compreensão atual.
Nesse sentido, na Idade Média, a propriedade era sinônimo de poder,
visto que, com as invasões bárbaras, surgiu uma situação de insegurança em que as
porções de terras eram transferidas para quem tinha condições de dar assistência
e proteção, tornando-se, cada vez mais, a propriedade um sinônimo de poder; os
nobres eram senhores em suas terras - nas quais trabalhavam os servos - inclusive
com poderes políticos e de justiça10, havendo a sustentação, por parte da Igreja, de
que a propriedade foi dada por Deus à humanidade como um todo e a missão de
reparti-la caberia aos homens, o que lhe atribuía a origem divina11.
Nesse período histórico, surgiram dois importantes documentos que
repercutiram em relação à propriedade: a Magna Charta e a Summa Theologica.
A Magna Charta tem relevância por ter imposto limitações ao poder
estatal, especialmente em relação à propriedade imóvel. Por sua vez, a Summa
Theologica, de Santo Tomás de Aquino, trouxe a preocupação quanto à destinação
dos bens e, aperfeiçoando a ideia de Aristóteles, introduziu a noção de bem
comum, representando este um limitador ao direito de propriedade12.
Na Idade Moderna, houve a centralização do poder nas mãos do
monarca, que não se submetia à lei, exceção feita à divina, e era senhor de tudo
o que estivesse na área territorial de seu reino, permitindo que, na prática, não
houvesse barreira ao poder de expropriar13 e, em reação às arbitrariedades do
absolutismo, passou-se a garantir o direito de propriedade de forma absoluta.
7
CRETELLA JÚNIOR, |osé. Curso de direito romano. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 170-171.
8
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. 1. p. 288.
9
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 173.
10
SCIORILLI, Marcelo. Direito de propriedade e política agraria. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007. p. 17.
11
ARRUDA, José Jobson de. História antiga e medieval. 15. ed. São Paulo: Ática, 1991. p. 359-360.
12
PEREIRA, Rosalina Pinto da Costa Rodrigues. Reforma agrária: um estudo jurídico. Belém: Cejup, 1993. p. 53.
13
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Desapropriação para fins de reforma agrária. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2008. p.
27-29.
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Com a Revolução Francesa, houve a tentativa de democratização da
propriedade, por meio da abolição de privilégios, do cancelamento de direitos
perpétuos, sendo um grande fruto o Código de Napoleão, que chegou a ser
apelidado de “código da propriedade” e fazia ressaltar, acima de tudo, o prestígio
do imóvel14. Instaurou-se a visão liberal de propriedade, em que ela existia como
um direito absoluto e intocável.
De outro lado, a propriedade passou a sofrer fortes críticas pela
doutrina socialista. Nessa esteira, por exemplo, podem ser destacados Pierre-
Joseph Proudhon, para quem a “propriedade é um roubo”, afirmando que
o produto da obra é social, mas o proprietário dos meios de produção fica
com ele por inteiro e, também, Karl Marx, sustentando que a situação de
alienação do produtor em relação ao bem produzido dá origem a todos os
males sociais 15.
Entre os extremos apontados nas concepções do liberalismo e do
socialismo, a Igreja, com sua doutrina social, retoma a doutrina tomista, até
então adormecida, destacando-se a carta encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão
XIII, em que é sustentado que -”[...] o direito de propriedade ‘é fruto do trabalho
humano”’16, que é um direito natural do homem, uma garantia da liberdade e da
dignidade humana, um importante instrumento de proteção da família e que,
por outro lado, a propriedade não é destinada somente a satisfazer os interesses
do proprietário, mas também é uma maneira de se alcançar as necessidades
coletivas, isto é, deve possuir uma função social17.
Segundo Leandro Bartoleto18, tal posicionamento ganhou corpo, no
direito, com Augusto Comte e Leòn Duguit. A ideologia do uso social da
propriedade adquiriu força no meio jurídico com a ocorrência da Primeira
Guerra. Naquela época mostrou-se a necessidade de reforma agrária na
Europa como uma forma de minimizar a miséria e a fome ante a insuficiência
da produção de alimentos, fazendo com que essa concepção de propriedade
fosse incutida e aceita pela sociedade europeia e passasse a ser incluída nos
textos constitucionais da época, salientando-se a Constituição de Weimar
(1919). Posteriormente, a chegada de outro conflito no mundo, a Segunda
Guerra, colaborou para a extensão dessa acepção de propriedade para o resto
do mundo, especialmente em razão da criação da ONU e do surgimento da
14
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. v. 4. p. 66.
15
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A propriedade e sua função social. Revista de Direito Agrário, Brasília, DF,
ano 9, n. 8, p. 32, jul./dez. 1982.
16
ALVARENGA, Octávio Mello. Política e direito agroambiental.- comentários à nova lei de reforma agraria - Lei n°
8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 46.
17
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A propriedade e sua função social. Revista de Direito Agrário, Brasília. DF,
ano 9, n. 8, p. 32, jul./dez. 1982.
18
BARTOLETO, Leandro.Direito Administrativo. JusPodivm, 2012, p.556.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 39
Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo a concepção atualmente
consagrada no mundo.
O desenvolvimento do princípio da função social da propriedade
não pode ser visto como antítese do direito de propriedade, pois, na verdade,
são complementares.
De fato, o conceito de propriedade não é fixo, imutável, porque, para
se buscar a definição de propriedade, é necessária a delimitação de seu conteúdo,
que se refere às prerrogativas do proprietário, as quais variam conforme a
conjuntura econômica, o regime jurídico adotado ou o modelo estatal assumido.
Dessa forma, o conceito de propriedade acaba sendo extraído em razão de como
tal conteúdo se apresenta em determinado contexto jurídico, social, econômico
e político e, assim, são legítimas tanto as novas definições de conteúdo quanto
a fixação de limites destinados a garantir a sua função social, pois o conceito
constitucional de propriedade deve ser necessariamente dinâmico19.
Na lição de Ives Gandra da Silva Martins:
19
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 19.
20
SILVA MARTINS, Ives Gandra da. Direitos fundamentais. in: Tratado de direito constitucional vol. I, coordenado por Ives
Granda da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, Carlos Valder do Nascimento. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2.012. p. 465.
40 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
relativização de “seu conceito e significado, especialmente porque os princípios
da ordem econômica são preordenados à vista da realização de seu fim: assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”21
Quanto à função social da propriedade, a Constituição a garante tanto
em relação à propriedade urbana quanto em relação à propriedade rural, tratando
de maneira específica de cada uma.
No que se refere à propriedade urbana, o art. 182, § 2°, determina que
a “propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, podendo,
ainda, exigir do proprietário o adequado aproveitamento de solo urbano não
edificado, subutilizado ou não utilizado.
Já, quanto à propriedade rural, o art. 186 estabelece que a função social
é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, conforme
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais
disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que
regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos
proprietários e dos trabalhadores.
A Constituição Federal de 1.988 busca assegurar os fins da justiça social
e participação da coletividade mesmo no direito de propriedade anteriormente
sempre defendido como um direito subjetivo puro.
Nesse diapasão colaciona-se entendimento esposado por Daniela
Rosário Rodriguês:
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 271.
21
22
RODRIGUES, Daniela Rosário. Função social da propriedade privada diante do meio ambiente artificial. In: Revista de
Direito Imobiliário Instituto de Registro Imobiliário do Brasil. São Paulo. v. 34. n. 70. jan/jul 2.011. p. 83-171.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 41
4. O DIREITO DE MORADIA E A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE
23
SILVA, José Afonso da. Direito urbanistico brasileiro. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Malheiros. 2010. p. 375-376.
24
SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 376.
25
COSTA, Samara Danitielle. A função social da posse. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 104, set 2012.
Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id= 12222>.
Acesso em abr 2013.
42 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
de fato de uma coisa, e um estado capaz de durar indefinidamente, desde que
não advenham circunstâncias aptas a fazê-lo cessar.
A funcionalização da posse, dessa forma, seria ditada pela necessidade
social, pela necessidade da terra para o trabalho, para a moradia, enfim,
necessidades básicas que pressupõem o valor de dignidade do ser humano, o
conceito de cidadania, o direito de proteção à personalidade e à própria vida.
Conforme aponta Ana Rita Vieira Albuquerque, citada por Samara
Danitelle Costa26:
28
COSTA, Samara Danitielle. Op. cit.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 45
5. USUCAPIÃO ADMINISTRATIVA
32
Sobre a iniciativa da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR) da usucapião via administrativa:
<http://registradores.org.br/valor-economico-cartorios-querem-tirar-usucapiao-do-judiciario/>.
33ANDREAZZA, Gabriela Lucena. Usucapião administrativa: reflexos no registro de imóveis. Jus Navigandi, Teresina, ano
17, n. 3387, 9 out. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22767>. Acesso em: 7 abr. 2013.
34
Art. 47. Para efeitos da regularização fundiária de assentamentos urbanos, consideram-se:
(...)
III – demarcação urbanística: procedimento administrativo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de
interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a
finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses.
48 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
do imóvel demarcado com as áreas já matriculadas e
certidão da matrícula ou transcrição da área35.
35
ANDREAZZA, Gabriela Lucena. Op. cit.
36
Art. 57. (...):
§ 3° São requistos para a notificação por edital:
I – resumo do auto de demarcação urbanística, com a descrição que permita a identificação da área a ser demarcada e seu desenho
simplificado;
II – publicação do edital, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, uma vez pela imprensa oficial e uma vez em jornal de grade
circulação local, e;
III – determinação do prazo de 15 (quinze) dias para apresentação de impugnação à averbação da demarcação urbanística.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 49
Caso observado na impugnação apresentada que há apenas
manifestação sobre parcela da área objeto dos autos, o procedimento seguirá em
relação à parcela não impugnada. “Nesta etapa a formação jurídica, a fé-pública
e o bom senso do Registrador Imobiliário devem prevalecer, pois a Lei atribuiu
ao Oficial a responsabilidade de intermediar interesses conflitantes e promover
tentativa de acordo entre o impugnante e o poder público”37.
Não ocorrendo acordo, a demarcação será encerrada em relação à área impugnada.
Realizada a averbação dos autos de demarcação urbanística no Serviço
de registro de imóveis, passar-se-á à elaboração do projeto de regularização
fundiária, o qual deverá definir, nos termos do artigo 51, os seguintes elementos:
I – as áreas ou lotes a serem regularizados e, se houver necessidade, as edificações
que serão relocadas; II – as vias de circulação existentes ou projetadas e, se
possível, as outras áreas destinadas a uso público; III – as medidas necessárias
para a promoção da sustentabilidade urbanística, social e ambiental da área
ocupada, incluindo as compensações urbanísticas e ambientais previstas em lei;
IV - as condições para promover a segurança da população em situação de risco,
considerando o artigo 3°, parágrafo único da lei n. 6.766/79, e; V – as medidas
previstas para adequação da infraestrutura básica.
A regularização fundiária pode ser implantada por etapas e o Município
definirá os requisitos para elaboração do projeto, no que refere aos desenhos,
ao memorial descritivo e ao cronograma físico de obras e serviços a serem
realizados, também, em relação aos assentamentos antes da lei 11.977/09, o
Município pode autorizar a redução de percentual de áreas destinadas ao uso
público e da área mínima dos lotes definidos na legislação de parcelamento do
solo urbano.
Após a elaboração do projeto de regularização, o parcelamento dele
decorrente deverá ser apresentado ao Registrador Imobiliário. Na hipótese
de projeto de regularização de interesse específico o requerimento deverá
obedecer os termos da lei 11.977/09, como também da lei n. 6.766/79, que
trata do parcelamento do solo urbano. Já, caso se tratar de interesse social, o
requerimento deve vir instruído com os documentos elencados no artigo 65,
independentemente do atendimento aos requisitos constantes da lei n. 6.766/79.
O registro do parcelamento resultante do projeto de regularização
fundiária deverá importar na abertura de matrícula para toda a área objeto de
regularização, se não houver, e, na abertura de matrícula para cada uma das
parcelas resultantes do projeto de regularização fundiária.
Feito isso, nos termos da lei, o Poder Público deverá conceder título
de legitimidade de posse aos ocupantes cadastrados.
37
ANDREAZZA, Gabriela Lucena. Op. cit.
50 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Para Gabriela Lucena Andreazza, a legitimação da posse se trata de um
direito real, uma vez que o ato de registro estaria reservada a atos constitutivos,
translativos, ou de renúncia de direitos reais sobre imóveis. Ademais, em respeito
ao princípio da taxatividade que norteia os direitos reais, a Lei n. 6.015/73, traz
em seu artigo 167 a possibilidade de registro stricto senso da legitimação de posse
em propriedade, como também a possibilidade de averbação de extinção da
legitimidade de posse38.
O registro da legitimação de posse constitui um direito em favor do
detentor da posse para fins de moradia, sendo que apenas será concedido àqueles
moradores que estiverem cadastrados pelo Poder Público e que não sejam
concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural, como
também não sejam beneficiários de legitimidade de posse concedida anteriormente.
Ainda, como aponta o § 2° do artigo 59, a legitimação da posse também
será concedida ao coproprietário de gleba, titular de cotas ou frações ideais,
devidamente cadastrados pelo Poder Público, desde que exerça seu direito em
um lote individualizado e identificado no parcelamento registrado.
Após realizado o registro da legitimação de posse, como aponta o
artigo 60, caput, o detentor do título, sem prejuízo dos direitos decorrentes da
posse exercida anteriormente, após o prazo de 5 (cinco) anos de seu registro,
poderá requerer ao oficial de registro de imóveis o registro da conversão desse
título em propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos
do artigo 183 da Constituição Federal. Porém, no caso de área urbana de mais
de 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), o prazo para requerimento
do registro da conversão do título de legitimação de posse em propriedade será
o estabelecido na legislação pertinente sobre usucapião.
Para requerer a conversão do título de legitimação de posse em
propriedade, ainda, o adquirente deverá apresentar a documentação exigida no
artigo 60, § 1°.
Caso o Poder Público constate que o beneficiário não está na posse
do imóvel e não houve registro de cessão de direitos, o título de legitimidade de
posse poderá ser extinto. Após esse procedimento, o Poder Público solicitará ao
oficial de registro de imóveis a averbação do seu cancelamento, nos termos do
inciso III, do art. 250 da Lei n. 6.015/73, a Lei de Registros Públicos.
Assim sendo, a medida é exclusivamente processada na esfera extrajudicial,
contribuindo para a desjudicialização dos procedimentos, desafogando o Judiciário
e valorizando o caráter jurídico da carreira de registros públicos.
38
ANDREAZZA, Gabriela Lucena. Op. cit.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 51
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. INTRODUÇÃO
Mestre em Direito Coletivo, Cidadania e Função Social pela Universidade de Ribeirão Preto/SP. Membro do Instituto
2
6
RESOLUÇÃO Nº 198/2010 – TCE – Pleno. Processo n° 3287/2008. Relatora: Conselheira DORIS DE MIRANDA
COUTINHO. (...) Se a entidade civil for uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, com a qual a
Administração efetue um termo de parceria, a resposta será que não se aplicam as regras insertas nas Leis nº 8.666/1993 e
10.520/2002, nem as previstas no Decreto Federal nº 5.504/2005. Consequentemente também inaplicáveis as normas relativas
aos Convênios, especificamente a Instrução Normativa TCE/TO nº04/2004, quando forem adquirir bens ou contratar serviços
e obras junto à iniciativa privada com recursos públicos.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 61
No nosso ordenamento jurídico a competência para legislar sobre licitações
é privativa da União. O art. 22 da Constituição, em seu inciso XXVII, estabelece:
Essa competência já foi exercida com a criação da lei n.º 8.666/93. Tal
norma, nos termos do artigo 70 da Constituição Federal, aplica-se a todos as pessoas
físicas ou jurídicas de direito público ou privado, que utilizem, arrecadem, guardem,
gerenciem ou administrem dinheiros, bens e valores públicos, ou pelos quais a União
responda, ou que em nome desta, assumam obrigações de natureza pecuniária7.
A própria Lei n.º 9.790/99 instituiu, no artigo 4º, inciso VIII, “d”, que
“a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos
pelas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público será feita conforme
determina o parágrafo único do artigo 70 da Constituição Federal”.
Dessa forma, os regulamentos próprios mencionados no artigo 14 da
Lei n.º 9.790/99, subordinam-se às normas estabelecidas na Lei n. 8.666/93,
quanto à contratação serviços e obras, com a utilização de recursos públicos.
No mesmo sentido, os ensinamentos de Maria Sylvia Zanela Di Pietro
(p. 339), ao defender que os recursos repassados a entidades privadas não
modificam sua natureza:
7
CF. Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da
administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas,
será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie
ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de
natureza pecuniária.
62 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Essa necessidade de controle se justifica em relação aos
convênios precisamente por não existir neles a reciprocidade
de obrigações presente nos contratos; as verbas repassadas
não têm a natureza de preço ou remuneração que uma das
partes paga à outra em troca de benefício recebido. Vale dizer
que o dinheiro assim repassado não muda a natureza por
força do convênio; ele é utilizado pelo executor do convênio,
mantida a sua natureza de dinheiro público. Por essa razão, é
visto como alguém que administra dinheiro público, estando
sujeito ao controle financeiro e orçamentário previsto no
artigo 70, parágrafo único, da Constituição.
8
Em sentido contrário, pugnando pela ilegalidade do Decreto 5.504/05: RESOLUÇÃO Nº 198/2010 – TCE – Pleno.
Processo n° 3287/2008. Relatora: Conselheira DORIS DE MIRANDA COUTINHO 2.6.3 – Embora seja louvável
a iniciativa do Governo Federal, entendemos que o decreto ora enfocado é ilegal, por diversos aspectos, e jamais poderia instituir
validamente a obrigatoriedade de licitar às OSCIPS, em relação às contratações de bens e serviços com recursos financeiros federais
derivados dos Termos de Parceria eventualmente firmados com o Poder Público o Decreto nº 5.504/05 afronta o inc. XXVII
do art. 22 e o inc. XXI do art. 37, ambos da Constituição da República. Os dois preceitos constitucionais são de clareza solar
quando estipulam como destinatários da obrigatoriedade de licitar os órgãos e entidades da Administração Pública direta e
indireta.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 63
União em face do termo de parceria, conforme determina
o §5º do art. 1 do Decreto federal n. 5.504, de 5 de agosto
de 2005. Esse decreto vai mais além, pois determina que
a aquisição de bens comuns e a contratação de serviços
comuns sejam promovidas via pregão eletrônico, consoante
prescreve o §1º desse artigo, mandando observar o
mencionado §5º. (GASPARINI, p. 528)
Por conta disso, alegam que a licitação deixou de ser obrigatória para
a aquisição de bens e serviços, sendo suficiente a cotação prévia de preços no
mercado e a observância dos princípios aludidos no artigo.
Contudo, a interpretação de que essa regra genérica derrogou a
regra específica para as Oscips contida no Decreto 5.504/2005 é equivocada,
vez que se trata de uma relação de norma geral e norma especifica. Em casos
como esse, o §2 do art. 2 da Lei de Introdução as Normas de Direito Brasileiro
estabelece que a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par
das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. Portanto, as duas irão
coexistir. (ALEXANDRINO e PAULO, p. 153).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
6. REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
1
Doutoranda e Mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP, professora e advogada.
E continua:
5
Neste sentido, o PLS 236/2012, p. 3.
6
PLS 236/2012, p.6.
70 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Em 27 de junho de 2012, o trabalho foi encerrado e resultou no
Anteprojeto de Código Penal, entregue ao Presidente do Senado Federal que,
atualmente, tramita como PLS n. 236/2012.
Apresentado, o anteprojeto foi duramente criticado, principalmente
pelo açodamento com que o texto foi formulado: 180 dias.7 Miguel Reale Jr., um
dos maiores críticos do código projetado, afirma que este novo Código Penal não
pode ser “consertado”8, e caso se pretenda uma nova lei penal, que se proponha
outra, desprezando-se o atual projeto.9
Em que pesem as críticas dirigidas ao código proposto, é certo que
já tramita perante o Senado Federal e poderá ser promulgado. Com base neste
cenário, o escopo do nosso texto é apontar algumas inovações de crimes e penas
sugeridas pela Comissão. Todavia, ressaltamos que serão analisadas apenas
algumas propostas da parte especial do projeto.
7
REALE JÚNIOR, Miguel; SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; LIVIANU, Roberto. BARTOLETTI, Fernando
Figueiredo. Por um Código Penal democrático. In: Folha de São Paulo. Tendências e Debates. 4 out. 2012. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1163516-tendenciasdebates-por-um-codigo-penal-democratico.shtml>. Acesso em: 18
out. 2012; ZILIO, Jacson. Metodologia e orientação do anteprojeto de Código Penal Brasileiro. In: Boletim IBCCRIM. São
Paulo : IBCCRIM, ano 20, n. 239, p. 07-08, out., 2012; LEITE, Alaor. Formalismo, democracia e cinismo na reforma
penal. In: Consultor Jurídico. Publicado em 18 out. 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-out-18/alaor-
leite-formalismo-democracia-cinismo-reforma-codigo-penal>. Acesso em: 20 out. 2012. Em sentido contrário: GONÇALVES,
Luiz Carlos dos Santos; GOMES, Luiz Flávio; ELUF, Luiza Nagib. Democracia e Código Penal. In: Folha de S.Paulo.
Tendências e debates. 17 out. 2012. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1170305-tendenciasdebates-
democracia-e-codigo-penal.shtml>. Acesso em: 19 out. 2102; DOTTI, René Ariel. Respostas e equívocos e ofensas pessoais.
In:Boletim IBCCRIM. São Paulo: IBCCRIM, ano 20, n. 241, p. 2-4 , dez.2012.
8
Em entrevista concedida ao site Consultor Jurídico, em 2set. 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-set-02/
entrevista-miguel-reale-junior-decano-faculdade-direito-usp>. Acesso em: 29 out. 2012.
9
REALE JÚNIOR, Miguel. Erros e absurdos do projeto de Código Penal. Portal G1. Publicado em: 11 jan. 2013.
Disponível em: <http://g1-globo-com.jusbrasil.com.br/noticias/100368355/debates-sobre-codigo-penal-comecam-com-duras-
criticas>. Acesso em: 5 mar.2013.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 71
trânsito. Assim, se por um lado temos um problema grave no país, por outro
sabemos que não é solução doutrinária e jurisprudencial acerca do dolo e da
culpa que irá resolvê-lo. No entanto, o Direito Penal, como responsável pela
prevenção geral e especial, tem a sua parcela de responsabilidade na questão.
Antes de abordarmos o dolo e a culpa, conforme requer o estudo da
culpa gravíssima,analisaremos as alterações sugeridas pela comissão, ao defini-
los na parte geral do código projetado. Sobre o dolo e a culpa, dispõe o futuro
artigo 18:
Diz-se o crime:
I - doloso, quando o agente quis realizar o tipo penal ou
assumiu o risco de realizá-lo, consentindo ou aceitando de
modo indiferente o resultado.
II - culposo, quando o agente, em razão da inobservância
dos deveres de cuidado exigíveis nas circunstâncias, realizou
o fato típico.10
Culpa gravíssima
§ 5º Se as circunstâncias do fato demonstrarem que o
agente não quis o resultado morte, nem assumiu o risco de
produzi-lo, mas agiu com excepcional temeridade, a pena
será de quatro a oito anos de prisão.
10
O atual artigo 18 do Código Penal estabelece:
Diz-se o crime:
Crime doloso
I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
Crime culposo
II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o
pratica dolosamente.
11
Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral I. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 352.
72 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
§ 6º Inclui-se entre as hipóteses do parágrafo anterior a
causação da morte na condução de embarcação, aeronave ou
veículo automotor sob a influência de álcool ou substância
de efeitos análogos, ou mediante participação em via
pública, de corrida, disputa ou competição automobilística
não autorizada pela autoridade competente.
12
PLS 236 de 2012, p. 277.
13
PLS 236 de 2012, p. 277.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 73
3.2 Eutanásia
De acordo com o projeto de Código Penal:
3.3 Aborto
A depender do Código Penal projetado, o aborto seguirá sendo crime
no Brasil. Mas não em todas as hipóteses. Os artigos 125, 126 e 127 descrevem a
prática de crime de aborto consentido, e de aborto provocado por terceiro com
ou sem o consentimento da gestante.15 A novidade proposta é o aumento das
hipóteses de exclusão de crimes. Atualmente são dois os casos em que o aborto
14
Id., p.278-279.
15
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento- Art. 125. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem
lhe provoque.
Pena de prisão de seis meses a dois anos.
Aborto consensual provocado por terceiro- Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena de prisão de seis meses a dois anos.
Aborto provocado por terceiro - Art. 127. Provocar aborto sem o consentimento da gestante:
Pena de prisão de quatro a dez anos.
74 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
não é crime: a) quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (art. 128,
inc. I, do CP); e b) em caso de gravidez resultante de estupro (art. 128, inciso II,
do CP). As hipóteses propostas são as seguintes:
16
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 54.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 75
Art. 147. Perseguir alguém, de forma reiterada ou
continuada, ameaçando-lhe a integridade física ou
psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção
ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua
esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – Prisão, de dois a seis anos.
Parágrafo único. Somente se procede mediante representação.
cuja pena é de quinze dias a dois meses de prisão simples, ou multa. No entanto,
entendeu por bem a Comissão tipificar a perseguição obsessiva.
Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por motivo reprovável:
17
3.7 Terrorismo
Há muito que se espera definir o crime de terrorismo. A Constituição
Federal, no artigo 5º, incisos XLIII e XLIV25, refere-se expressamente a
ele. Ademais, o Brasil é signatário da Convenção Interamericana Contra
o Terrorismo, (Decreto- Legislativo nº 890, de 1º de setembro de 2005 e
promulgada pelo Decreto Presidencial nº 5.639, de 26 de dezembro de 2005). Na
verdade, a necessidade da previsão legal do crime de terrorismo é uma exigência
internacional, vez que a realidade do terrorismo é distante do solo pátrio.
O terrorismo, em que pese a atual falta de tipificação legal, é equiparado
ao crime hediondo, conforme o artigo 5º, inciso XLIII da Constituição. Ele
recebeo mesmo tratamento legal daqueles crimes, previstos, atualmente, na Lei
24
Neste sentido, as opiniões de Estefam, André. Direito penal.volume 3, São Paulo:Saraiva, 2011, p. 145-146; Delmanto,
Celso. CódigoPenal comentado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 692.
25
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores
e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional
e o Estado Democrático;
78 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
n. 8072/90. Cabe ressaltar que, neste tópico, a Comissão alargou a rol de crimes
hediondos incluindo o terrorismo, a tortura e o tráfico de drogas, deixando,
portanto de ser considerados “equiparados a hediondos”. Serão hediondos
como os demais crimes previstos no artigo 56 do código projetado.26A previsão
legal é a seguinte:
Terrorismo
Art. 239. Causar terror na população mediante as condutas
descritas nos parágrafos deste artigo, quando:
I – tiverem por fim forçar autoridades públicas, nacionais
ou estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer
o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não
proíbe, ou;
II – tiverem por fim obter recursos para a manutenção
de organizações políticas ou grupos armados, civis ou
militares, que atuem contra a ordem constitucional e o
Estado Democrático ou;
III – forem motivadas por preconceito de raça, cor, etnia,
religião, nacionalidade, sexo, identidade ou orientação
sexual, ou por razões políticas, ideológicas, filosóficas
ou religiosas.
§ 1º Sequestrar ou manter alguém em cárcere privado;
§ 2º Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar
ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos,
conteúdos biológicos ou outros meios capazes de causar
danos ou promover destruição em massa;
§ 3º Incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir
qualquer bem público ou privado;
§ 4º Interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática
e bancos de dados;
§ 5º Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave
ameaça ou violência a pessoas, do controle, total ou parcial,
ainda que de modo temporário, de meios de comunicação ou
Além dos crimes hediondos previstos na atual legislação serão também incluídos nesta categoria, segundo o Projeto de CP:
26
Crimes hediondos
Art. 56. São considerados hediondos os seguintes crimes, consumados ou tentados:
(...)
IX – redução à condição análoga à de escravo;
X – tortura;
XI – terrorismo;
XII – tráfico de drogas, salvo se o agente for primário, de bons antecedentes, e não se dedicar a atividades criminosas, nem integrar
associação ou organização criminosa de qualquer tipo;
XIII – financiamento ao tráfico de drogas;
XIV – racismo;
XV – tráfico de pessoas;
XVI – contra a humanidade.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 79
de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias
ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios
esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem
serviços públicos essenciais, instalações de geração ou
transmissão de energia e instalações militares.
Pena – prisão, de oito a quinze anos, além das sanções
correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal
ou morte, tentadas ou consumadas.
Forma qualificada
§6º Se a conduta é praticada pela utilização de arma de
destruição em massa ou outro meio capaz de causar
grandes danos:
Pena – prisão, de doze a vinte anos, além das penas
correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal
ou morte, tentadas ou consumadas.
Exclusão de crime
§ 7º Não constitui crime de terrorismo a conduta individual
ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou
reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam
compatíveis e adequados à sua finalidade.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
Diz-se que a coisa julgada torna uma decisão judicial imutável, impedindo
seu reexame no próprio processo em que foi prolatada, bem como impede que a
mesma causa seja objeto de novo exame em outro juízo. É instituto protegido pela
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG. Especialista em Direito Constitucional pela
1
UNAES/FESMP-MS. Especialista em Ciências Penais pela UNISUL-SC/LFG. Mestre em Processo Civil pela
UNIPAR. Professor de Direito Processual Civil e Direito Ambiental no Centro Universitário da Grande Dourados –
UNIGRAN. Professor nos cursos de especialização em Direito Processual Civil e Direito Ambiental da Universidade Gama
Filho e na UNIDERP/MS . Promotor de Justiça. E-mail: amil_jr@globo.com.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 83
Constituição da República e, ao lado dos institutos do direito adquirido e do ato
jurídico perfeito, é previsto como garantia fundamental que consagra os princípios
constitucionais da segurança e da certeza jurídicas. A coisa julgada constitui
cláusula pétrea, não podendo ser abolida nem mesmo por Emenda Constitucional.
Justifica-se, portanto, em dois fundamentos: um de natureza política;
outro de ordem jurídica. O primeiro diz respeito à verdadeira finalidade do
processo, que é a de solucionar os conflitos existentes na sociedade e o segundo
em razão da segurança do Estado em relação as suas decisões.
Sem embargo disso, a ação rescisória é um instituto que se presta a
desconstituir a coisa julgada, de acordo com o campo de incidência previsto nos
incisos do artigo 485, do Código de Processo Civil.
Com o reconhecimento de outros direitos ou interesses transindividuais
(difusos, coletivos e individuais homogêneos) foi criado um sistema legislativo
integrado pelas Leis 4.717/65, 7.347/85 e 8.078/90 (Sistema Único Coletivo),
que interagem e se complementam naquilo que for aplicável, estabelecendo um
novo regime de coisa julgada coletiva (secundum eventum litis) para o qual não
existe um sistema rescisório próprio. É tomada de empréstimo a disciplina da
ação rescisória sob a perspectiva dos direitos individuais, a qual não se ajusta
perfeitamente às ações coletivas.
Tramitou o Projeto de Lei sob n.º 5.139/2009, que previa uma nova
tratativa para as ações coletivas, inclusive, disciplinando a ação rescisória nas
ações coletivas, assunto do qual se cuida neste trabalho.
Porém, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ)
rejeitou o projeto que era de iniciativa do Poder Executivo, encontrando-se
atualmente aguardando o julgamento de um recurso interposto no dia 12.05.2010.
2. AÇÃO RESCISÓRIA
4
Ibidem, p. 19.
5
LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e autoridade da sentença. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 142.
6
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 100.
7
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, 5
v, p. 99.
8
Ibidem, p. 107.
9
Ibidem, p.107.
10
WAMBIER, Luiz Rodrigues et. al. Curso de processo civil avançado. 6. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 606.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 85
Para Marcos Destefenni11, a ação rescisória não deixa de ser uma forma
de relativização da coisa julgada material cujos fundamentos estão previstos
taxativamente na lei.
Apesar disso, o sistema permite outras hipóteses de relativização da
coisa julgada típica. A lei 11.232/2005, por exemplo, disciplinou situação na qual
se permite ao executado impugnar o cumprimento de sentença em seu desfavor
com base no artigo 475-L, caso em que tal impugnação assume caráter rescisório,
não condicionado ao fator tempo.
Deve restar claro que a ação rescisória não se presta a impugnar a
injustiça de qualquer decisão transitada em julgado, mas sim naqueles casos
insculpidos no artigo 485 do Código de Processo Civil:
Também deve restar claro que a ação rescisória não se confunde com recurso.
Na ação rescisória instaura-se nova relação processual, sendo necessária
a análise de condições da ação e pressupostos de desenvolvimento válido e
11
DESTEFENNI, Marcos. Curso de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 241. 1 v. t. II.
86 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
regular do processo. É um meio de impugnação de uma decisão já transitada
em julgado não podendo enquadrar-se como recurso, pois não se pode admitir
um recurso para rescindir a decisão já sedimentada e que já foi alvo de todos
os recursos cabíveis, por vezes. Ademais, vige no direito processual brasileiro
o princípio da taxatividade recursal, assim, para que fosse considerado recurso
deveria constar do rol de recursos previstos na legislação processual.
2.2. Legitimidade
O Código de Processo Civil, no artigo 487, estabelece a legitimidade
ativa para a propositura da ação rescisória: quem foi parte no processo ou o seu
sucessor a título universal ou singular, terceiro juridicamente interessado e o
Ministério Público.
Em primeiro lugar, está legitimado a ingressar com a ação rescisória
quem foi parte no processo no qual surgiu a decisão rescindenda. Parte inclui
autor e réu, os litisconsortes e assistentes, quando for o caso. Esses sujeitos
deverão estar presentes no processo no momento em que foi proferida a
sentença. O réu revel também é parte, possuindo legitimidade de rescindir.12
A sucessão poderá ser inter vivos ou causa mortis, a título universal
ou singular.
Em segundo lugar, detêm legitimidade os terceiros juridicamente
interessados, porque os efeitos da decisão viciada poderão atingi-los.
Em terceiro lugar, é legitimado a ingressar com a ação rescisória o
Ministério Público, mesmo que não tenha sido parte do processo anterior, em
alguns casos.
Quando o Ministério Público atuar como parte, será legitimado para
a ação rescisória em todas as situações propostas pelo artigo 485 do Código de
Processo Civil. No entanto, quando atuar como fiscal da lei, estará restrito ao
caso em que haja conluio entre as partes para fraudar a lei.
O inciso III, do artigo 82, do Código de Processo Civil, autoriza o
Ministério Público a intervir, fiscalizando o processo, quando identificar interesse
público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
Mesmo que à primeira vista o interesse aparente ser privado, há
casos que o legislador diz serem públicos, exigindo não só a intervenção do
Ministério Público como custos legis — artigos 82, 84 e 1.104 do Código de
Processo Civil, a título exemplificativo — mas também como órgão agente,
como se depreende dos artigos 9º, VIII, do artigo 988 do Código de Processo
Civil, dentre outros.
12
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 5 v.,
p. 168-169.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 87
A possibilidade de propositura de ação rescisória pelo Ministério
Público, preceituada no artigo 487, inciso III, letra “b”, do Código de Processo
Civil, evidencia o interesse público, ainda que as partes sejam privadas, quando
houver fraude à lei, pois ofende a ordem pública.
Cabe lembrar que, em caso de fraude contra a lei, as partes e terceiros
prejudicados igualmente estão legitimados a propor a rescisória, não sendo
legitimidade exclusiva do. Ministério Público. Quando a sentença rescindenda
for complexa, e o pedido de rescisão visar apenas um de seus capítulos, não será
necessário a citação daqueles que não digam respeito aos demais capítulos. Da
mesma maneira, com a cumulação subjetiva de ações, e litisconsórcio sujeito ao
regime comum, e só se pretende a rescisão no tocante a um litisconsorte, será
analogicamente aplicado o que foi anteriormente exposto.13
Por óbvio, apesar de não estar expresso no Código de Processo Civil,
deverão integrar o contraditório todos aqueles que foram partes no feito anterior,
quando foi proferida a sentença rescindenda.
2.3. Objeto
Segundo Wambier14 “O objeto da ação rescisória consiste em sentença
de mérito, sobre a qual pesa a autoridade de coisa julgada material”. Decisão que
transitou em julgado formal e materialmente.
Para Yarshell15 “(...) o que a lei exige para a desconsideração é que
a decisão seja de mérito, e não que o dispositivo legal violado seja de direito
material. Fundamentos de ordem processual também justificam a propositura
de ação rescisória, desde que, pela cognição empreendida, a decisão seja apta a
projetar efeitos para fora do processo, isto é, para o plano substancial”.
Isto não significa que a decisão tenha de ser prolatada exclusivamente
no processo como pronunciamento que encerra a fase de conhecimento. O
termo sentença de mérito pode ser admitido em sentido amplo. O que interessa
é o conteúdo do decisório.
Em relação ao processo cautelar, José Carlos Barbosa Moreira16 ensina que:
13
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 5 v.,
p.174.
14
WAMBIER, Luiz Rodrigues, et. al. Curso avançado de processo civil. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 605.
15
YARSHELL. Flávio Luiz. Ação Rescisória: juízos rescindente e rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 321-322.
16
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 5 v.,
p.111-112.
88 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
processo principal, a que acede o cautelar, mas, guardada
a distinção, pode-se dizer que o juiz profere ‘sentença de
mérito’ toda vez que defere ou indefere a providência
acautelatória pleiteada, por entender satisfeitos ou
não, respectivamente, os seus pressupostos. Apesar
disso, não se nos afigura admissível ação rescisória
contra semelhantes decisões, por lhes faltar o requisito,
a que pouco antes se aludiu, da idoneidade para produzir
coisa julgada material (...).
21
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 113.
22
O Supremo Tribunal Federal nas ADI 2258/DF e ADI 2154/DF (apensadas), sob relatoria do então Min. Sepúlveda
Pertence, na sessão plenária de 14.2.2007, por unanimidade rejeitou a impugnação da inconstitucionalidade do artigo 26, parte
final da Lei 9.868/99, que veda que as decisões tomadas em ADI ou ADC sejam objeto de ação rescisória. Salientando-se a
inconsistência da alegação de ofensa ao art. 5º, XXXV, da CF, aduziu-se que, adstritos os preceitos constitucionais pertinentes
à competência para julgar a ação rescisória (CF, artigos 102, I, j; 105, I, e; e 108, I, b), a extensão e os pressupostos de sua
admissibilidade constituem matéria da legislação processual ordinária, razão por que, não existindo imposição constitucional a
admiti-la, a vedação por lei especial à ação rescisória da decisão de determinados processos não poderia ser reputada inconstitucional,
a não ser que, por ser arbitrária ou desarrazoada, pudesse a exclusão ser considerada ofensiva a garantias constitucionais que lhe
impusessem a admissão. Asseverou-se, ademais, que as decisões de mérito da ADI ou da ADC — ações dúplices —, por sua
própria natureza, repelem a desconstituição por ação rescisória, delas podendo resultar tanto a declaração de inconstitucionalidade
quanto de constitucionalidade. Esclareceu-se que, no caso de se declarar a inconstitucionalidade, a desconstituição dessa decisão
restabeleceria a força da lei antes eliminada, o que geraria insegurança jurídica. Por sua vez, na hipótese de declaração de
constitucionalidade, a segurança jurídica também estaria comprometida se essa decisão, vinculante de todos os demais órgãos
da jurisdição e da administração pública, pudesse ser desconstituída por força de simples variações na composição do STF, sem
mudança relevante do contexto histórico e das concepções jurídicas subjacentes ao julgado rescindido. Atualmente encontra-se com
vista para a Ministra Cármen Lúcia desde 16.08.2007. ( Informativo n. 456, do STF, 12 a 23 de fevereiro de 2007)
90 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
2.4 Procedimento
O procedimento da ação rescisória está previsto no Código de Processo Civil.
À petição inicial (que segue o artigo 282, do Código de Processo Civil)
deve ser juntada imprescindivelmente a certidão da sentença rescindenda com a
prova do trânsito em julgado.
Os pedidos, em regra, se cumulam – o da rescisão da sentença transitada
em julgado e o novo julgamento da causa -, quando o autor da ação quiser
também que nova sentença seja proferida, ele deverá cumular com o pedido feito
na inicial, pois o tribunal não poderá suprir esta falta, quando o autor omitir-se.
Não havendo o segundo pedido, haverá solução de continuidade.
O valor da causa é indispensável, sob pena de indeferimento da inicial
e servirá para o cálculo dos 5% que o autor deverá depositar em juízo ao iniciar
a causa. Tal valor reverterá, a título de multa, em favor do réu, caso a rescisória
seja considerada inadmissível ou improcedente (artigos 488, inc.II, 490, II e 494,
parte final, todos, do Código de Processo Civil).23
Com a proposição da ação rescisória, não se suspenderá a execução
de sentença rescindenda (art. 489, do Código de Processo Civil). Para Barbosa
Moreira24, só será admitido ao autor requerer a suspensão por meio da antecipação
de tutela ou cautelar, quando tiver alguma repercussão na execução da sentença
anterior, que é definitiva.
No entanto, caso a sentença seja rescindida antes de se iniciar a
execução, não terá legitimidade para assim proceder, pois não haverá título
executivo que lhe sirva de base.25
Caso a ação rescisória sobrevenha no curso do processo executório,
o trânsito em julgado do acórdão que rescindir a sentença anterior extinguirá a
execução, sendo desfeitos, quando possíveis, os atos já realizados, não subsistindo
a obrigação de ressarcimento do credor.
O processo da ação rescisória é de competência originária do Tribunal,
sendo distribuída para o órgão previsto no seu regimento interno.
Deferida a inicial, o relator ordenará a citação do réu. O prazo para
contestar deverá ser fixado pelo relator entre 15 a 30 dias (art. 491, do Código
de Processo Civil).
Citado o réu, o procedimento da ação rescisória será similar ao ordinário.26
Não há o efeito principal da revelia.27
23
WAMBIER, Luiz Rodrigues et. al. Curso de processo civil avançado. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 615.
24
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.185.
25
Ibidem, p. 186.
26
Ibidem, p. 193.
27
WAMBIER, Luiz Rodrigues et. al. Curso de processo civil avançado. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 616.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 91
Sendo indisponível o direito, o réu não poderá reconhecer validamente o
pedido de rescisão, ficando preexcluída a incidência do art. 269, inc. II do Código
de Processo Civil28. Porém, mesmo em caso de direitos indisponíveis, caso as
partes resolvam compor-se em relação à forma de cumprimento da sentença ou
até mesmo alterar os efeitos da decisão anterior, poderão fazê-lo, não havendo
reconhecimento tácito de rescisão.
Algumas das causas extintivas do feito, previstas nos artigos 267 e 269,
não serão aplicáveis na rescisória, como o caso de celebração de compromisso
para que se decida em juízo arbitral se a sentença deve ou não ser rescindida.
Em caso de cumulação de pedidos, com a rescisão da sentença anterior
e o novo julgamento da causa, eles serão apreciados em conjunto pelo tribunal
na mesma sessão, analisando-se primeiramente a ação rescisória para depois
proferir a nova sentença.
Com a necessidade de produção de provas para a análise da sentença,
esta será realizada na comarca onde a prova deverá ser produzida, pelo prazo
máximo entre 45 e 90 dias, para a devolução dos autos. Porém, nada impede que
as provas sejam produzidas no juízo de segundo grau para o efeito de celeridade
e economia processual.
Concluída a instrução, o feito retoma seu curso no órgão de origem
mediante a abertura de vista, sucessivamente, para o autor e para o réu, pelo
prazo de 10 dias, de modo que ofereçam as razões finais.
Necessária é a participação do Ministério Público nesta fase, na
qualidade de fiscal da lei, pois existe o interesse público, tendo em vista a
natureza da ação.29 Tal intervenção é ditada pela lei. Sem embargo disso, a
coisa julgada, numa interpretação ampliativa, encarta-se no rol das garantias
constitucionais fundamentais, havendo evidente interesse público que sempre
justifica a intervenção do Ministério Público como custos legis ou custos iuris (fiscal
do direito).
Os recursos contra a decisão proferida pelo tribunal serão os embargos
de declaração, sempre cabíveis em decisões judiciais, e os embargos infringentes,
quando não for unânime a decisão da turma do tribunal, sendo direito exclusivo
do réu.30
2.5. Prazo
A ação rescisória está sujeita ao prazo decadencial de 02 (dois) anos a
partir do trânsito em julgado da sentença rescindenda, de acordo com o artigo
28
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 11. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003,
p. 193-194.
29
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 11. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003,
p. 199-200.
30
Ibidem, p. 213.
92 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
495, do Código de Processo Civil. Portanto, é prazo decadencial que não se
suspende nem interrompe.
Importante ressaltar a Súmula 401/STJ: “O prazo decadencial da
ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último
pronunciamento judicial.” Ou seja, quando a sentença se der por capítulos, o prazo
para a rescisória será contado a partir do trânsito em julgado da última decisão.
MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural,
35
patrimônio público e outros interesses. 18.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 499.
94 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Revogaria a Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e vários
dispositivos da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), trazendo
dispositivo específico em relação à revisão da coisa julgada coletiva (art. 38),
bem como no que diz respeito à ação rescisória coletiva (art. 39).
O artigo 39, do projeto de lei cuidava especificamente da ação rescisória
coletiva, in verbis:
3.1.1. Assistência
Nas ações coletivas sempre será viável a atuação dos demais legitimados
na condição de assistente litisconsorcial.37
Há dispositivos prevendo a intervenção de um terceiro na ação coletiva:
“(...) art. 5º § 2.º da Lei da Ação Pública que utiliza a expressão ‘ (...) habilitar-se
como litisconsorte (...)’; art. 94 do Código de Defesa do Consumidor e art. 6.º, § 5.º
da Lei da Ação Popular que menciona tanto o a atuação como litisconsorte e,
ainda, assistente”.38
O Projeto de Lei n.º 5.139/2009, no art. 39, caput, parte final,
contemplava expressamente a possibilidade dos demais co-legitimados figurarem
como assistentes litisconsorciais.
O co-legitimado poderia ter ajuizado a demanda na qual pretende atuar
como assistente, ademais o co-legitimado deve ingressar na ação coletiva como
assistente litisconsorcial, com todos os direitos e ônus das partes.39
O interesse jurídico do co-legitimado é presumido, tendo em vista que
decorre da lei.
37
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de direito processual civil coletivo. 2. Ed. São Paulo: SRS, 2008, p. 240.
38
Ibidem, p. 240.
39
Ibidem, p. 241.
40
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública – comentários por artigo. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2005, p. 363.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 97
dinheiro, a indenização pelo dano se reverterá a um fundo gerido por um
Conselho Federal ou Estadual.
Eventualmente, no exemplo dado, caso uma ação rescisória coletiva venha
a ser julgada procedente, porque o autor da rescisória estaria exercendo atividade
lícita, como ficará a situação dos beneficiados pela decisão anterior? Em relação
aos titulares do direito, não há como responsabilizá-los, até porque são fluídos, não
havendo como individualizá-los no caso de interesses ou direitos difusos.
Quando se cuida de ação rescisória, deve-se levar em conta que os
pedidos são cumulativos: há um pedido de desconstituição da sentença anterior
– juízo rescindens -, portanto, os efeitos se operam ex nunc, não retroagindo. Um
pedido de novo julgamento – juízo rescissorium – com efeitos também para o futuro.
Igualmente, não há como responsabilizar o ente legitimado41, o que
seria uma verdadeira Espada de Dâmocles, tendo em vista que a lei o obriga
(especialmente no caso do Ministério Público) a tutelar interesses socialmente
relevantes, de outro, desestimulando-o a propor a ação coletiva, o que
representaria verdadeira crise de efetividade da tutela jurisdicional na defesa dos
interesses coletivos42, ferindo o princípio constitucional de acesso à justiça. Claro
que se exige coerência e impessoalidade na atuação do legitimado coletivo ativo,
principalmente do Ministério Público.
Em relação à responsabilidade pelos danos causados em decorrência
do anterior litigante, quaisquer dos co-legitimados somente poderão responder
por comprovada má-fé.
Não se pode punir o ente legitimado que atua exercendo
atividade processual lícita. Há necessidade, na análise das ações coletivas,
de comprovação de má-fé, ou seja, deverá ser afastada a responsabilidade
objetiva. 43 Deve restar demonstrado o dolo ou culpa, o que evidenciará o
abuso de direito passível de responsabilização.
Não havendo a comprovação de má-fé, não se reconhece o dever de o
ente legitimado coletivo indenizar o autor da rescisória.
No caso do Ministério Público, há entendimento na jurisprudência de
que é o Poder Executivo da União ou dos Estados e do Distrito Federal, que
poderá responder por custas, honorários e eventuais despesas.44
41
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de direito processual civil coletivo. 2. ed. São Paulo: SRS, 2008, p. 420.
42
Ibidem, p. 420.
43
Ibidem, p. 439.
44
PROCESSO CIVIL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. MINISTÉRIO PÚBLICO. Ação proposta pelo
Ministério Público que, obrigado legalmente a pedir o arresto de bens do administrador de sociedade liquidanda (Lei nº 6.024/74,
art. 45), foi além disso, atingindo a meação da mulher deste; pelo excesso de atuação do seu agente, o Estado de Minas Gerais
responde pelos honorários de advogado resultantes da
procedência dos embargos de terceiro. Recurso especial não conhecido. (Superior Tribunal de Justiça, REsp. 188695-MG, Rel.
Min. Ari Pargendler – j. 29.05.2001 – DJU de 13.08.2001).
98 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Mazzilli45 leciona que não cabe ação indenizatória do lesado a ser movida
diretamente contra os membros do Ministério Público, quando estes provoquem
danos nesta qualidade – como de resto, também não o cabe em relação aos agentes
públicos em geral, aqui incluindo a própria Defensoria Pública. Neste diapasão a
obrigação de indenizar seria da própria pessoa jurídica a que pertencer o agente46,
caso em que o servidor poderá responder perante a Fazenda Pública em ação
regressiva, nos casos em que se comprove o dolo ou má-fé.
Todavia, estar-se-ia responsabilizando quem não foi parte. Seria
conveniente então que a Fazenda Pública fosse notificada a intervir em toda a
ação coletiva promovida por ente público legitimado processual coletivo, quando
teria então igualdade de oportunidade e participação processual, fazendo com
que fosse possível responder por custas, honorários e outras despesas. Gomes
Júnior47 adere ao entendimento já dominante no Superior Tribunal de Justiça, ou
seja, de que nas ações coletivas em geral, somente se justificará a condenação, do
autor legitimado, em honorários advocatícios, se presente a má-fé processual.
O Superior Tribunal de Justiça, interpretando a regra prevista no artigo
18 da Lei da Ação Civil Pública, maciçamente vem se posicionando no sentido
da isenção, nos casos em que o Ministério Público é autor da ação coletiva,
firmando o entendimento de que o ente legitimado processual coletivo não está
obrigado a pagar honorários advocatícios, seguindo a regra de que na ação civil
pública somente há condenação em honorários, despesas e custas processuais
quando o autor for considerado litigante de má-fé.48
Em relação aos honorários advocatícios, se procedente a ação rescisória,
somente se justificará a condenação da parte-ré em honorários advocatícios, se
presente a má-fé processual do ente legitimado ou, no caso do Ministério Público,
do membro que a propôs. A regra vale para todos os co-legitimados, a teor do
que atualmente prevê o artigo 18 da Lei da Ação Civil Pública. Nas palavras de
45
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 535.
46
O STF já decidiu não admitindo a ação diretamente endereçada ao agente público no RE 327.904-SP, 1.ª Turma,Rel. Carlos
Britto, j. 15.08.2006, Informativo STF n.º 436, ago./2006. No mesmo sentido: RE 228.977-SP, Rel. Min. Néri da Silveira,
DJU 12.04.2002, Informativo STF n.º 263, abril/2002.
47
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de direito processual civil coletivo. 2. ed. São Paulo: SRS, 2008, p. 444.
48
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROCEDÊNCIA.
MINISTÉRIO PÚBLICO. CONDENAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MÁ-FÉ.
NÃO-CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. A ação civil pública julgada
improcedente, quando ajuizada pelo Ministério Público, não implica a condenação ao pagamento de verba honorária, salvo
quando comprovada a má-fé do órgão ministerial, hipótese não-configurada no caso concreto. 2. Precedentes do STJ. 3. Recurso
especial provido. (REsp 439.599/SP, Rel. Ministra Denise Arruda, 1.ª Turma, j. em 06.12.2005, DJ 06.02.2006, p. 198).
No mesmo sentido: REsp 764.278/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 28.5.2008; REsp 896.679/
RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 12.5.2008; REsp 419.110/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de
27.11.2007; AgRg no Ag 542.821/MT, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 6.12.2006. REsp 178.088/
MG, Rel. Ministro Castro Meira, 2.ª Turma, julgado em 04.08.2005, DJ 12.09.2005 p. 261; REsp 493.823/DF, Rel.
Ministra Eliana Calmon, 2.ª Turma, julgado em 09.12.2003, DJ 15.03.2004 p. 237.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 99
Gomes Júnior49 “(...) o conceito de má-fé é vago e impreciso e com ‘alta dose’ de
subjetividade, mas perece-nos que seja, ao menos frente à disciplina normativa
em vigor e ao Sistema Jurídico referente à Ações Coletivas de um modo geral”.
O Projeto de Lei n.º 5.139/2009 disciplinava a matéria referente a
despesas, honorários e danos processuais nos artigos 55 e 5650, prevendo que o
réu poderia ser condenado ao pagamento de custas, despesas e honorários. Já
o autor coletivo não deverá adiantar valor de custas, emolumentos, honorários
ou qualquer outra despesa51, nem será condenado em custas ou demais despesas
processuais, salvo comprovada a má-fé, quando poderá ser condenado ao
pagamento de até o décuplo das custas, sem prejuízo de responsabilização em
perdas e danos.
49
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de direito processual civil coletivo. 2. ed. São Paulo: SRS, 2008, p. 444.
50
Art. 55. A sentença do processo coletivo condenará o réu, se vencido, ao pagamento das custas, emolumentos, honorários periciais
e quaisquer outras despesas, bem como dos honorários de advogado, calculados. §1.º Tratando-se de condenação à obrigação
específica ou de condenação genérica, os honorários advocatícios serão fixados levando-se em consideração a vantagem obtida
para os interessados, a quantidade e qualidade do trabalho desenvolvido pelo advogado e a complexidade da causa. §2.º Os
legitimados coletivos não adiantarão custas, emolumentos, honorários periciais ou quaisquer outras despesas, nem serão condenados
em honorários de advogado e periciais, custas e demais despesas processuais, salvo em caso de comprovada má-fé.
Art. 56. O legitimado coletivo somente responde por danos processuais nas hipóteses em que agir com má-fé processual. Parágrafo
único. O litigante de má-fé será condenado ao pagamento das despesas processuais, dos honorários advocatícios e de até o décuplo
das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.
51
Súmula 232/STJ: A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários
do perito. Em recentes precedentes, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça vem estendendo a obrigação da Fazenda
Pública estabelecida na súmula ao Ministério Público nas ações civis públicas, mesmo quando ocupa a posição de autor,
in verbis: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO MEIO
AMBIENTE. ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
ADMISSIBILIDADE. POSICIONAMENTO DA PRIMEIRA TURMA. ART. 18 DA LEI 7.347/85.
SÚMULA 232/STJ.1. A matéria é conhecida desta Corte e encontra divergência de posicionamento no âmbito das Primeira e
Segunda Turmas. 2. Na esteira do entendimento firmado pela Primeira Turma, tem-se que “o Ministério Público, nas demandas
em que figura como autor, incluídas as ações civis públicas que ajuizar, fica sujeito à exigência do depósito prévio referente aos
honorários do perito, à guisa do que se aplica à Fazenda Pública, ante a ratio essendi da Súmula 232/STJ, “A Fazenda Pública,
quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito”. (REsp 733.456/SP, Rel. Min.
Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 22/10/2007). Precedente: REsp 846.529/MS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ
07/05/2007. 3. Precedentes da Segunda Turma em sentido diverso: REsp 716.939/RN, Rel. Min. Herman Benjamin,
DJ 10/12/2007; REsp 928.397/SP, Rel. Min. Castro Meira, DJ 25/09/2007. 4. Recurso especial não-provido. (REsp
981.949/RS, Rel. Ministro José Delgado, 1.ª Turma, julgado em 08/04/2008, DJe 24/04/2008). No mesmo sentido REsp
846.529/MS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, 1.ª Turma, julgado em 19.04.2007, DJ 07.05.2007 p. 288.
100 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
revisional, com idêntico fundamento, no prazo de 1 (um) ano contado do
conhecimento geral da descoberta de prova técnica nova, superveniente, que não
poderia ser produzida no processo, desde que idônea para alterar seu resultado.
§1.º A faculdade prevista no caput, nas mesmas condições, fica
assegurada ao réu da ação coletiva com pedido julgado procedente, caso em que
a decisão terá efeitos ex nunc.
§2.º Para a admissibilidade da ação prevista no §1.º, deverá o autor
depositar valor a ser arbitrado pelo juiz, que deverá ser não superior a 10%(dez
por cento) do conteúdo econômico da demanda.
52
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 204-209.
53
TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua relativização. 2005, p. 191-192 e 663-665.
54
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 500.
55
Ibidem, p. 500.
56
VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 449.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 101
de provas como razão de decidir, sob pena de nulidade da sentença, sendo
cabível às partes manejar os embargos declaração para que o juiz esclareça qual
o fundamento que o levou a decidir, antevendo-se, até mesmo, a possibilidade
de prequestionamento.
Saliente-se que pela proposta restaria afastada a categoria da coisa
julgada secundum eventum probationis, na medida em que foi criada a ação revisional.57
A solução para o caso descrito linhas acima, viria com a entrada em
vigor do dispositivo sob comento, escoimando quaisquer dúvidas, visto que o
prazo para a propositura de uma ação revisional com idêntico fundamento da
ação coletiva anterior será de um ano a contar da data que se tomou conhecimento
da técnica nova ou da nova prova. Porém, o projeto de lei está arquivado
provisoriamente até que se julge o recurso interposto contra sua rejeição.
Para Luiz Manoel Gomes Júnior e Rogério Favreto58
57
GOMES JR., Luiz Manoel & FAVRETO, Rogério. Anotações sobre o projeto da nova lei da ação civil pública: principais
inovações. RePro 176. São Paulo: RT, 2009.
58
GOMES JR., Luiz Manoel & FAVRETO, Rogério. Anotações sobre o projeto da nova lei da ação civil pública: principais
inovações. RePro 176. São Paulo: RT, 2009.
59
OLIVEIRA, Francisco Antonio. Ação rescisória: enfoques trabalhistas. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.
143.
102 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
3.3. Papel do Ministério Público na ação rescisória - curador especial
Como já se mencionou, na ação rescisória coletiva incidem os
dispositivos do Código de Processo Civil, de maneira supletiva. Assim, diante
de expressa previsão legal, nas hipóteses previstas no artigo 81 do Código de
Processo Civil, diz-se que o Ministério Público deverá atuar no processo como
órgão interveniente, desempenhando a função de órgão responsável por velar
pela justiça, pelos princípios aplicáveis à espécie e pela observância da decisão
judicial às normas constitucionais e infraconstitucionais.60
As demandas coletivas, em especial, têm vocação para tutelar
predominantemente o interesse público primário. Justifica-se por esse motivo
a especial preocupação do legislador com a participação do Ministério Público.
Sem dúvida, a Constituição de 1988, a teor do artigo 127, fortaleceu o
Ministério Público, destinando-o à defesa de interesses indisponíveis individuais
e coletivos.
Atualmente se prevê que na execução de sentença coletiva em ação civil
pública ou coletiva promovida por qualquer dos co-legitimados, o Ministério
Público tem legitimidade para promover a execução se aqueles tiverem desistido
ou abandonado a execução ou liquidação (art. 5.º, da Lei da Ação Civil Pública e
art. 82, do Código de Defesa do Consumidor).
63
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 101.
64
Ação Rescisória. Direito público não especificado. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Legitimidade passiva do
Ministério Público. Alegação de violação a literal disposição de lei. Reapreciação da prova. Descabimento. I - o ministério
público é parte passiva legítima na ação rescisória, tendo figurado como parte autora na ação civil pública. Embora não possua
personalidade jurídica, está investido de capacidade judiciária para atuar em juízo na defesa dos interesses constitucionalmente
previstos, como é o caso dos autos, em que fora ajuizada ação civil pública por atos de improbidade administrativa. II - é incabível
ação rescisória por violação a literal disposição de lei (inciso v do art. 485 do CPC) se, para apurar a pretensa violação, for
necessário reexaminar matéria probatória debatida nos autos. Eventual injustiça da decisão ou mesmo a má interpretação da
prova não dão azo ao manejo da ação rescisória, tampouco serve esta como sucedâneo a recurso não interposto pela parte na forma
e no prazo legal. Preliminar rejeitada. ação rescisória julgada improcedente. (TJRS – Ação rescisória 70025567140, Porto
Alegre – 21.ª Câmara Cível - Rel. Francisco José Moeschdata. – j. 18.11.2009 – DJRS 24.11.2009)
No mesmo sentido: Ação rescisória. Ação Civil Pública. Legitimidade passiva ‘ad causam’ do Ministério Público. Ausência de
104 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Assim, o Ministério Público, bem como os demais co-legitimados para
a ação coletiva, poderá ser réu em ação rescisória visando desconstituir a coisa
julgada coletiva.65
Quando o Ministério Público á parte-ré em ação rescisória coletiva não
está agindo em defesa de interesse patrimonial da instituição ou do Estado, mas
no exercício de legitimidade ordinária própria do sistema coletivo, na defesa de
direitos e interesses coletivos, do conjunto de cidadãos. Como instituição não
responde patrimonialmente, pois é ente despersonalizado, mas possui capacidade
judiciária para a defesa dos interesses coletivos lato sensu¸ em regra, indisponíveis.
Isso já ocorre quando do ajuizamento de embargos de terceiros ou
embargos do devedor, na impugnação do cumprimento de sentença em sede
de ação civil pública, pois se assim não fosse seria impossível ao executado
desconstituir título executivo inidôneo.66
Obviamente que, perante os tribunais deverá funcionar o órgão do
Ministério Público com assento no mesmo, ou seja, o Procurador-Geral da
República ou o Procurador-Geral de Justiça, dependendo da esfera judiciária.
Os chefes das instituições ministeriais poderão exercê-la diretamente ou delegar
esta atribuição a outro membro do Ministério Público, por ato administrativo
interno67 sempre em obediência ao princípio da legalidade.
Não seria coerente obrigar a Fazenda Pública, seja estadual, seja federal,
a assumir o pólo passivo de uma relação processual, sendo que não participou
da ação originária e nem estaria na mesma posição de defesa intransigente de
interesses coletivos. O Estado estará obrigado a indenizar, em ação própria,
somente nos casos de excessos na atuação dos membros do Ministério Público,
já que não há como ressarcir retroativamente o eventual vencedor da ação
rescisória, de acordo com o que exposto linhas atrás.
Ausente o legitimado demandado, assume o Ministério Público o pólo
passivo da relação processual.
Aqui vale o mesmo raciocínio já esposado: pode o Ministério Público
figurar como parte-ré. Pode a lei chamar o Estado expressamente (também co-
legitimado coletivo) e não o Ministério Público.
requisito para rescisão do acórdão. O Ministério Público possui legitimidade passiva na ação rescisória, caso tenha figurado como
autor na ação civil pública originária. O documento, apresentado pela parte, que não assegura, por si só, inversão do resultado do
julgamento, não é apto à rescisão do acórdão. (TJMG – Ação rescisória 1.0000.05.419994-8000(1) – Belo Horizonte – 6.º
Grupo de Câmaras Cíveis – Rel. Des. José Flávio de Almeida – j. 21.02.2007 – DJMG 04.05.2007)
65
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 101-102.
66
Ibidem, p. 101.
67
Fala-se em atos administrativos internos e externos, conforme sejam destinados a produzir efeitos apenas sobre os órgãos
integrantes da Administração Pública ou não. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo:
Saraiva, 2005).
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 105
4. AÇÃO RESCISÓRIA NO PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 1985.3 v.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2003. 5 v.
1. INTRODUÇÃO
3
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4. ed. rev. e atual. São
Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2009. P. 185.
112 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
indicou que: “A condenação genérica se mostra frequente no processo coletivo.
Em particular, no processo coletivo instaurado em prol de interesses individuais
homogêneos, o art. 95 da Lei nº 9.078/90 dispõe que o provimento condenará
genericamente, fixando a responsabilidade do réu pelo dano causado”4
De fato, não se pode exigir de alguém a prestação de alguma coisa
que não se sabe exatamente o que é. Portanto, a liquidez diz respeito à exata
definição daquilo que é devido e de sua quantidade.”5. Em suma, a regra delimita
que o pedido formulado seja específico, mas mesmo o Código de Processo Civil,
permite a formulação de pedidos genéricos, dependentes de liquidação, o que
geralmente acontece nas ações coletivas.6
A liquidação apresenta-se, a nosso ver, como o conjunto procedimental
concatenado destinado à atribuir liquidez à obrigação inserta no édito judicial. De
tal sorte, resta-nos, portanto, a averiguação do conceito de liquidez, importante
para precisar o que se colima conferir ao édito, por intermédio do procedimento
de liquidação.
Em suma, dentro da ciência processual civil, constata-se a liquidez
quando o direito conferido pelo édito judicial reveste-se de precisão na afirmação
do dever (an debeatur), assim como na declaração do objeto de tal condenação (quid
debeatur) e por fim, define de forma clara a quem se deve (cui debeatur) e quanto se
deve (quantum debeatur). Ausente qualquer um desses elementos, também ausente
far-se-á a liquidez, tão somente um título que indique todos esses elementos de
forma precisa, pode ser qualificado como Líquido e, portanto, apto a ensejar seu
cumprimento judicial.
3. DA AMPLA REGULAMENTAÇÃO
7
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. Cit. p. 133.
8
ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro : Forense, 2007. p. 131
9
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: Liquidação e cumprimento. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006. p. 111.
10
MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo : meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio
público e outros interesses. 23. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo : Saraiva, 2010. p. 557.
114 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
sentença coletiva, convém delinear, prefacialmente, uma hermenêutica sistemática
e teleológica das reformas processuais insertas no diploma adjetivo civil, à luz
da Lei nº 11.232/05. Sob esse enfoque, é sintomática a verificação da alteração
topológica das disposições referentes à liquidação do título judicial, agora insertas
dentro do processo de conhecimento, como mais um estágio deste, com vistas à
formação do sincretismo colimado pela supracitada lei.
Tal alteração legal reverberou na doutrina nacional alterando, sob o
manto da doutrina e da jurisprudência, a natureza jurídica da liquidação, outrora
enxergada sob três abordagens básicas: Em primeiro lugar como procedimento
acessório ao processo de conhecimento. Noutro norte, alguns processualistas
também a denominavam como incidente preparatório ao processo de execução
e, ainda, uma corrente minoritária via-a tal qual um legítimo processo de
conhecimento11. Aderindo à ultima corrente, José Frederico Marques indica
que “A liquidação não se insere no processo executivo nem é incidente deste.
Tratando-se de procedimento destinado a completar a sentença condenatória,
a liquidação não mais se cinge a incidente post-decisório (a abolida liquidação
por cálculo do contador) do processo de conhecimento, configurando-se como
processo condenatório complementar (processo de conhecimento, portanto)
para que se forma o título executivo judicial.”12
De fato, conforme explicitou Misael Montenegro Filho “A ratio da
preocupação de se definir a natureza jurídica da liquidação (como processo
ou como mera fase da demanda posterior à sentença condenatória) refere-
se à necessidade de identificação do pronunciamento judicial que lhe põe
termo e, consequentemente, do remédio processual que pode ser utilizado
pelo prejudicado para combate-lo”13. Dessarte, observa-se aqui, elemento
preponderante a retirar da liquidação a autonomia defendida por alguns
doutrinadores, consubstanciado na extirpação, por meio da reforma de 2005,
do Inciso III do Art. 520 do CPC, o qual delimitava como apelação o recurso
cabível contra a decisão que a julgava.
Tais alterações, muito embora não tenham extirpado a celeuma
doutrinária acerca da natureza jurídica da Liquidação, limitaram seu âmbito.
Hodiernamente parte da doutrina a encara como mera fase do processo
de conhecimento e outra defende que esta continua a ostentar autonomia frente
à demais fases processuais, muito embora tenha até mesmo a exposição de
motivos da lei nº 11.232, definindo-a como um “procedimento incidental”.
11
Nesse sentido ver Pontes de Miranda e Alcides de Mendonça Lima
12
MARQUES, José Frederico. Manual de Direito processual civil. 9. ed. Campinas – SP : Millennium Editora, 2003. p.
71 e 72.
13
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, volume 2: teoria geral dos recursos, recursos em espécie
e processo de execução. 4. ed. São Paulo : Atlas, 2007. p. 356
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 115
Feitas estas considerações passamos à análise legal da matéria objeto
de nosso estudo.
Consoante disposição inserta no Art. 475 do Código de Processo Civil,
a execução terá início mediante mero requerimento da parte exequente, – inviável,
portanto, seu início por impulso oficial - sendo o passo imediatamente seguinte
a intimação do Executado, na pessoa de seu advogado, para tomar ciência do
início da fase de liquidação, sem a qual se revestem de nulidade todos os demais
atos praticados com o escopo de delimitação do quantum debeatur. Importante
destacar aqui a desnecessidade de poderes específicos para receber tal intimação,
estando tal prerrogativa incluída no rol dos poderes conferidos pela cláusula ad
judicia, segundo a mais abalizada doutrina.
Ademais, observa-se que há expressa previsão para a possibilidade de
início da liquidação mesmo antes de transitada em julgado a decisão que se quer
ver liquidada, quando então deverá ser processada em autos apartados. Sente-se
de forma nítida o interesse do legislador em imprimir celeridade ao procedimento,
o que fez em coerência técnica com a natureza do instituto prescrita em sua
exposição de motivos, atribuindo ao patrono da parte sucumbente durante o
processo de conhecimento, o ônus de ser responsável pela comunicação do início
da liquidação, haja vista que, as comunicações realizadas pela imprensa oficial
são, marcadamente, mas ligeiras quando contrapostas aos meios hodiernos de
intimação/citação.
14
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Op. Cit. p. 213.
116 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
prevê, como primeira forma de liquidação, a que é feita por cálculo (art. 475-B).
Esta liquidação, em regra, é realizada extrajudicialmente, a cargo exclusivo do
credor. Neste caso, cumpre ao credor, ao requerer a execução da condenação,
instruir seu pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo que fez
para chegar à determinação exata do quantum debeatur”15.
Observa-se que, nesta hipótese, o papel do executado limita-se
tão somente na entrega de documentos que detiver e assumam contornos
imprescindíveis à elaboração do cálculo, oportunidade em que tais dados
deverão ser requisitados pelo Magistrado, com prazo máximo de 30 dias, tal
qual prescreve o § 1º do Art. 475-B. Em restando inerte o executado, reputar-
se-ão corretos os cálculos apresentados pelo exequente ou, estando em posse de
terceiros, opera-se a hipótese prevista pelo Art. 362 do CPC.
Todavia, por mais que simplório, o procedimento de apuração por
cálculo aritmético está sujeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa,
bem como estão sujeitos a controle do magistrado como preconiza o § 3º,
ao passo que, faculta-se ao devedor a possibilidade de impugnar os cálculos
apresentados pelo credor, bem como se viabiliza a nomeação de contador pelo
juízo, visando mitigar a possibilidade de limitação do patrimônio do devedor ao
arrepio do que efetivamente é devido.
ALVIM, J. E. Carreira; CABRAL, Luciana Gontijo Carreira Alvim. Cumprimento da sentença. 3. ed. Curitiba : Juruá,
16
2007. p. 44 ss.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 117
prova – como uma forma de liquidar a obrigação), feita pelo arbitrador (o qual,
pois, é um perito).17
Vicente Greco Filho, afirma que “no caso da liquidação por
arbitramento, pode-se dizer que o valor já está implícito na sentença, bastando
que sej a declarado. Na liquidação por artigos o valor é expressamente excluído
da sentença, ou claramente não incluído, e é acrescentado por nova sentença,
a sentença de liquidação no sentido material do termo (ato que define a lide
cujo objeto é o valor), e que só pode ser produzida pela instauração de um
processo regular”.18
Assim, apresentado o laudo pericial, o qual deverá satisfazer os
quesitos formulados pelas partes, nos moldes no Art. 421, § 1º, Inciso II do
CPC, bem como permitir a avaliação por assistente técnico, poderá o Juiz desde
logo decidir, a não ser que repute necessário esclarecimentos orais do perito,
quando deverá então, designar audiência de instrução e julgamento e, somente
após, proferir sua decisão.
Referente a “terceira” modalidade denomina-se liquidação por artigos,
cuja hipótese de cabimento também vem fielmente limitada pelas disposições
processuais civis. Em assim sendo, admite-se a formação do procedimento
incidente de liquidação por artigos quando, para determinar o valor da condenação,
houver necessidade de alegar e provar fato novo. O cerne do debate acerca de tal
modalidade de liquidação toca ao conceito de fato novo. Obviamente, tal evento
não diz respeito nem à existência da dívida, nem tampouco à sua espécie, mas
tão somente no que se refere ao que pode influenciar o quanto se deve.
A definição do conceito mais precisa pode ser atribuída a Matteis de
Arruda, para o qual, fato novo:
17
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. II. 14 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro : Editora
Lumen Juris, 2007. p 246.
18
GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 3º volume, São Paulo : Saraiva, 2000. p. 47
118 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
após a própria instauração do processo de liquidação (fato
superveniente à instauração do processo de liquidação, mas
surgido antes da prolação da sentença que julga e põe termo
a esse processo), sendo, portanto, passível de liquidação por
artigos, na medida em que é considerado “fato novo” 19.
6. DA COMPETÊNCIA
Se por um lado, tanto a Lei de Ação Civil Pública, quanto a Lei de Ação
Popular não definem claramente a competência para liquidação, conduzindo
à aplicação das normas insertas no microssistema do CDC, por outro, torna-
se imperioso delimitar as disposições gerais do código adjetivo civil acerca da
competência para julgar e processar as ações de execução e, por conseguinte,
também o procedimento de liquidação, insertas no Art. 575 do citado diploma.
De fato, a letra da lei não deixa dúvidas acerca da necessidade de se manter,
geralmente, a competência para julgar e processar a execução e a liquidação da
sentença, com o mesmo juiz prolator do édito condenatório.
Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso “Não há dúvida de que as
regras determinadoras da competência, sobretudo absoluta (um dos tipos de
competência funcional e, portanto, absoluta, dá-se em função da regra connexitatis
formalis causa ou “competência por conexão sucessiva ratione materiae; funcional)
objetivam preservar o chamado princípio do juiz natural”22. Todavia, observa-se
que pela lacuna legislativa (inexistência de um código de processo coletivo), o
processo coletivo repousa em um sistema normativo complexo, composto pelo
microssistema previsto pelo CDC, com aplicação subsidiária das disposições
processuais civis, as quais, por muitas vezes, podem empreender rota de colisão
entre princípios informadores, no caso característico, colisão entre o Princípio do
Juiz Natural – de aplicabilidade geral e os princípios específicos, como o da tutela
coletiva diferenciada, Princípio da Interpretação Pragmática, mais claramente
ao Princípio da Competência Adequada oriundo do direito estadunidense e do
princípio do Kompetezkompetenz.
Defesa do Consumidor. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 1086
22
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo : Saraiva, 1991. p. 335.
120 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Diante de tal panorama, vale-se aqui das lições de Ronald Dworkin23
e de Robert Alexy para quem “se dois princípios colidem – o que ocorre, por
exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo
com outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa,
contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que
nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre
é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas
condições. Sob outras condições a questão de precedência pode ser resolvida
de forma oposta”.24
De tal sorte, pautando-se por uma hermenêutica sistemática e
teleológica, observa-se que no caso da liquidação individual de sentença coletiva,
o tão caro princípio do Juiz Natural deve ceder aos princípios informadores do
Processo coletivo, com especial relevo ao princípio da competência adequada,
com vistas a garantir, com tal flexibilização, a possibilidade de alteração da
competência para liquidação e execução de sentenças coletivas, permitindo a
efetiva concretização de tais direitos.
Ainda sobre o tema, é fundamental delimitar que o parágrafo único do
art. 97 do Código de Defesa do consumidor, vetado pelo então presidente da
República Fernando Collor de Melo, permitia ao liquidante, em homenagem aos
princípios informadores supradelimitados, a promoção da liquidação de sentença
coletiva em seu domicílio, bem como especificando o que deveria provar para
tal mister. A justificativa apresentada pela Presidência da República para o veto
consubstancia-se na conjectural ofensa ao princípio da vinculação dos processos
de conhecimento, liquidação e execução bem como ao princípio da ampla defesa
assegurado pela Constituição Federal.
Comentando o ocorrido Mazzili explicita que, “a norma vetada, atenta
às peculiaridades do processo coletivo, visava apenas garantir uma comodidade
paras a vítimas e seus sucessores, que podem estar dispersos no território
do Estado ou do País, em casos de danos regionais ou nacionais, e não seria
adequado obriga-las a executar o julgado coletivo, que as beneficia, em foro
muitas vezes diverso daquele que se poderiam valer, segundo as regras do
processo individual”25.
Conquanto tenha sido pautado em argumento de grande relevância, o
veto presidencial acabou, ante seu marcado atecnicismo, por não surtir os efeitos
pretendidos. Isso porque os incisos I e II do §2º do Artigo 98 do Código de
Defesa do Consumidor – não vetados -, conferem competência para execução
23
DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge : Harvard University Press, 1989. p. 28.
24
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva, São Paulo : Malheiros Editores,
2008. p. 93
25
MAZZILI, Hugo Nigro. Op. Cit. p. 568
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 121
da sentença, quando tratar-se de execução individual, tanto para o juízo da
liquidação, quanto para o juízo que exarou a decisão condenatória, de modo
que implicitamente admitiu a possibilidade destes não serem idênticos. Mazzili
afirma que “isso significa que a lei especial está expressamente permitindo ao
credor que liquide a sentença em foro diverso da ação condenatória, assim se
afastando da regra geral.”26
De tal sorte, observa-se que na grande maioria dos casos, caberá ao
liquidante a escolha do foro, isso porque, os casos de liquidação coletiva são
poucos, sendo essa, em regra, meramente subsidiária conforme ver-se-á no
tópico específico. Sobre o tema, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim
Wambier prelecionam que “a liquidação de sentença e a execução das condenações
havidas em ações coletivas sempre serão feitas individualmente, ressalvada apenas
a hipótese de reversão para o fundo de direitos difusos, única hipótese em que
pode se falar de liquidação propriamente coletiva. Nos outros casos, trata-se de
liquidação da sentença coletiva e não de liquidação coletiva da sentença.”27
Portanto, traça-se dois panoramas básicos, em se tratando execução
individual de direitos reconhecidos por sentença coletiva, por força das
disposições do §2º do Art. 98 do CDC, é competente para liquidar o direito,
o juízo escolhido pelo indivíduo como também o juízo que exarou a sentença
coletiva condenatória. Noutro viés, em se tratando de execução coletiva,
notadamente nos casos concernentes a direitos difusos e coletivos em sentido
estrito, permanece a regra de competência do juízo da ação condenatória.
26
Idem. Ibidem.
27
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Op. Cit. p. 272.
122 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
indicados no título liquidando. Como a liquidação não passa da determinação
do quantum debeatur, não implicando constrição a quem quer que seja nem
invasão de qualquer patrimônio, ambas as partes se reputam interessadas em
seu resultado”28.
Contudo, essas regras gerais possuem algumas ressalvas. Em se
tratando de liquidação coletiva de direitos difusos e coletivos, como já delimitado,
inexiste qualquer previsão tanto na LACP, quando na LAP ou no CDC, assim
“a doutrina e a jurisprudência têm entendido ser aplicável à espécie o previsto
no Art. 15 da LACP, que assim dispõe “decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito
em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova
a execução deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos
demais legitimados”29.
Sobre o tema, Hugo Nigro Mazzili esclarece que “Em se tratando de
condenação por danos a interesses individuais homogêneos, também vítima e
seus sucessores podem promover a liquidação individual da sentença na parte
que lhes toque; apenas se não o fizerem, é que os colegitimados à ação civil
pública ou coletiva poderão promover a execução coletiva.”30
Mais adiante informa ainda que “na condenação por danos a interesses
coletivos em sentido estrito, a regra anterior também é aplicável, por analogia.
Com efeito, se a vítima ou seus sucessores têm ação individual suspensa na
forma do Art. 104 do CDC, podem ter interesse na execução individual do
julgado coletivo que os favoreça”.
Por fim, ao tratar dos interesses difusos, o autor faz a ressalva de que,
aqui, “só os colegitimados à ação civil pública ou coletiva podem promover a
sua liquidação; o indivíduo não poderá requerer a liquidação de sentença nessa
hipótese, salvo apenas se, como cidadão, detiver legitimidade para propor ação
popular com o mesmo objeto.” Sobre tal tema, importante destacar a disposição
do Art. 100 do Código de Defesa do Consumidor. Aqui, o legislador previu a
possibilidade de o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios e o
Distrito Federal e demais legitimados pelo Art. 82 do CDC liquidar o direito
reconhecido por sentença coletiva, desde que no prazo, não haja a habilitação de
interessados em número compatível com a gravidade do dano.
A execução aqui prescrita, como bem observaram Teresa Arruda
Wambier e Luiz Rodrigues Wambier “tem por finalidade exatamente definir
28
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 620
29
COUTO, Guadalupe Louro Turos. A efetividade da liquidação e da execução da tutela jurisdicional coletiva na área
trabalhista e o Código Brasileiro de Processos Coletivos. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluísio Gonçalves
de Castro; WATANABE, Kazuo (Coords.) Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos
Coletivos. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 298.
30
MAZZILI, Hugo Nigro, Op. Cit. p. 559
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 123
o quantum da lesão globalmente causada, e não o dano individualmente
sofrido, por caso um dos lesados individualmente considerados.”, Isso porque,
continuam os autores, “a legitimidade prevista no art. 82 do CDC serve, num
primeiro momento, apenas e exclusivamente para a propositura do pedido
genérico de reparação, em razão do que se poderá obter uma sentença genérica
em que como assevera Arruda Alvim, os danos são definidos de modo uniforme.
Com a sentença condenatória trânsita em julgado, como que desaparecesse essa
legitimação, que somente estará novamente presente se se der o decurso do
prazo de um ano sem a iniciativa dos interessados”31.
A importância desse instituto importado do direito estadunidense diz
respeito à não permitir que o desinteresse dos lesados, seja pela pequenez do
dano suportado, seja pelo desconhecimento da decisão judicial, venha por elidir
a efetiva responsabilização do causador do dano ao direito coletivo em sentido
amplo, perseguindo a função de punitiva-pedagógica da sentença. Contudo, o
dispositivo legal em comento atribui ao parquet e demais legitimados, tão somente
a prerrogativa, a faculdade de exigir os direitos atribuídos a uma coletividade. De
forma alguma lhes incumbe o dever de promover a efetiva reparação, ao passo,
nesse viés específico, entendemos ter falhado o legislador.
31
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Op. Cit. p. 274
124 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Inicialmente tal procedimento foi reputado e válido e quando
submetido à apreciação do Superior Tribunal de Justiça assim continuou,
consoante observa-se do aresto a seguir transcrito:
O ponto de interesse aqui toca na salutar medida adota pelo Tribunal de Justiça
gaúcho no sentido de, simultaneamente, desafogar o poder judiciário local, assegurar
credibilidade à justiça, evitando decisões conflitantes ou dissonantes em seu conteúdo, como
também conferindo celeridade ao jurisdicionado em observância aos ditames constitucionais.
De fato, o processo coletivo surge como uma bastante plausível
solução para o abarrotamento do poder judiciário e iniciativas como a observada
não guardam nenhuma ilegalidade, pois apenas fixam de maneira uniforme os
patamares para a solução de conflitos originados em relações homogêneas, em
estrita observância ao princípio da segurança jurídica.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 125
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1
Advogado. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade da Amazônia (UNAMA) e Docente em direito civil.
Email para contato: neresjunior@hotmail.com
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 129
has contributed for the slowdown the progress of procedural acts,
postponing, generally, the trial of processes initiated.
1. INTRODUÇÃO
2
LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: Lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 263.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 131
práticas extralegais, que viessem atender aos objetivos comunitários populares,
porque refletia apenas as forças ideológicas dominantes que predominavam a
época, isto é, o poder estatal e a Igreja, conforme é relatado a seguir:
3
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura do direito. 3. ed. São Paulo: Alfa
Omega, 2001, p. 85.
4
Ibidem, p. 86.
132 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
do órgão singular ou aparato interpretativo oficial o chamado Poder Judiciário
acompanhado da legislação civil. Além de todo esse panorama de transformações
pela qual sofrera o Poder Judiciário brasileiro não se deve deixar de ressaltar
também o papel desempenhado pelos tribunais dentro dessa esfera de Poder que
ajudaram no desenvolvimento da organização e funcionamento de toda aquela
estrutura judiciária ao longo de sua história.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2004, p. 562
10
MOREIRA, Júlio da Silveira. Legalidade e legitimidade – a busca do direito justo. Revista Jus Vigilantibus, 01 set. 2008.
11
12
FARIA, José Eduardo. Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 61.
136 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Adolescente, Lei de Execuções Penais, etc. O resultado desse acontecimento
foi que o sistema jurídico do país ficou assoberbado de novas normas legais,
muitas das quais acabaram sobrecarregando o trabalho do judiciário durante
o desenvolvimento do trâmite processual. Para dar solução a esse problema,
muitos juízes e tribunais socorreram-se na uniformização de seus julgamentos13
com o objetivo de torná-los mais eficientes e desprovidos de eventuais prejuízos
que possam prejudicar os interesses sociais.
Por outro lado, dentro dessa perspectiva de atuação do legalismo,
verifica-se que atualmente o Poder Judiciário vem vivendo momentos de
crise, influenciando negativamente o cenário social por não proporcionar, na
maior parte das vezes, a resolução dos conflitos que envolvam os interesses
das maiorias carentes desprovidas de justiça e cidadania. Por conta disso, faz-se
a seguir breves considerações acerca do funcionamento desse poder no atual
cenário social juntamente com os fatores responsáveis pelo advento de sua crise.
13
Pode-se citar como exemplo o posicionamento favorável do STJ que propõe a criação de mecanismo de uniformização de
jurisprudência nos casos em que houver decisões divergentes entre turmas recursais dos Juizados Especiais estaduais (PLC- Projeto
de Lei da Câmara, nº 16 de 2007). Informações extraídas no sítio do Senado Federal em: <http://www.senado.gov.br/sf/
atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=80250>. Acesso em: 17 mai. 2013.
14
SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 137.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 137
campanhas políticas durante o período eleitoral. Felizmente, o Poder Judiciário
de um modo geral tem combatido essas práticas antidemocráticas, utilizando
instrumentos de repressão, como à “Lei de Ficha Limpa” (Lei Complementar
135/2010), sancionada pelo Poder Executivo para a finalidade de fazer com
que o Poder Judiciário proíba candidatos condenados por órgãos colegiados da
justiça de se candidatarem e concorrerem às eleições. Mesmo com a aprovação
dessa lei, o Poder Judiciário continua sofrendo os efeitos da crise da democracia
representativa. Isto ocorre em virtude do mau funcionamento do aparelho
judiciário verificado no reduzido número de juízes e servidores, da falta de
investimentos e modernização da infraestrutura dos fóruns, delegacias, etc.,
enfim, através de tal situação degradante, percebe-se que tal poder continua
funcionando desregulamente, embora esteja beneficiando apenas o sistema
dominante (como sempre foi ao longo da história do Brasil), ou seja, os interesses
de uma minoria detentora do poder econômico e político, em contraposição
a maioria excluída dos valores democráticos, infringindo assim os ditames da
“regra da maioria”. Esta última é:
15
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 41-42.
16
WOLKMER, Antônio Carlos. Op. cit., p. 99.
138 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
para aquelas pessoas desprovidas de recursos financeiros. Todavia, apesar da
evidente crise, é importante frisar que atualmente o Poder Judiciário vem sendo
“chamado à responsabilidade solidária do Executivo e Legislativo nos projetos de
transformação das condições materiais de vida da comunidade”1715. Isso significa
dizer que o Poder Executivo e o Poder Legislativo não vêm respondendo
satisfatoriamente como deveria ser aos interesses sociais através da realização de
suas tarefas especificas estipuladas constitucionalmente. Por esse motivo, tem-
se observado que o Poder Judiciário acaba assumindo a responsabilidade de
preencher as omissões de atividades deixadas por aqueles outros demais poderes
em beneficio da sociedade. Assim sendo:
7. REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
4
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da língua portuquesa. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1993, p. 428.
144 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
2. OS PRIMÓRDIOS DO ASSISTENCIALISMO JURÍDICO NO
BRASIL
Ada Pellegrini Grinover disse certa vez que “não existem pessoas
de primeira e segunda categoria (...). A assistência Judiciária permite que o
indigente exerça, dentro do processo, as idênticas prerrogativas facultadas aos
que podem pagar”5.
Inobstante a enxurrada de críticas feitas todos os dias ao assistencialismo
jurídico voltado aos mais carentes, muitas vezes tentando compará-lo ao serviço
jurídico privado, temos que reconhecer os avanços nesta seara, tanto no âmbito
Criminal como nos demais ramos do direito. Se a Assistência Judiciária é
fundamental nos dias atuais para dignificar os menos afortunados, imagine sua
importância em tempos pretéritos.
Se tomarmos como ponto referencial o final do século XIX onde a
Escola Positivista em Criminologia encabeçada por Cesare Lombroso teorizava
a possibilidade do caráter médico do crime6, com o diagnóstico de correção da
natureza delinquente de alguns seres humanos pelo Estado, tínhamos o perigozo
arbítrio da inferioridade bio-psico-social, onde a delinquência era característica
de raças inferiores, e esta delinquência deveria ser extirpada da sociedade através
de programas de purificação de raças, como a Teoria Eugenista,7 tendo em Nina
Rodrigues8 o seu principal representante no Brasil.
Em um país que oferecia cidadania a poucos, pois poucos possuíam
dignidade financeira e pertencimento político9, as classes menos favorecidas
frequentemente era alvo de atentados e prisões ilegais. Neste ponto, se fez
imprescindível o instituto da Gratuidade Judicial, dispositivo que distribuiu o
mínimo de dignidade entre os pobres e indigentes do Brasil.
No início do Segundo Reinado, encontramos a semente do instituto
assistencialista no país. Foi exatamente por meio da Lei 261 de 3 de dezembro de
1841 que o setor desfavorecido do Brasil pôde respirar ares somente dispensados
5
Autora citada por Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior na obra Processo Civil, 2008, p.164.
6
Neste sentido, conferir Adorno (1996) em sua obra Racismo, Criminalidade Violenta e Justiça Penal: Réus Brancos e Negros
em Perspectiva Comparativa.
7
A teoria Eugenista foi difundida por Francis Galton (1822-1911) no final do século XIX, e consistia em uma “ciência do
melhoramento da hereditariedade humana. (...) Para Galton, este melhoramento não implicava apenas na eliminação de doenças
mas também na seleção de características favoráveis a partir do encorajamento de determinadas uniões (...) Considerava que as
características físicas, mentais e morais eram herdadas” (MARTINS et al, 2007, p.445)
8
Segundo Martins, um dos representantes de uma posição favorável ao Eugenismo e consequentemente ao embranquecimento de
raça foi Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), pois de “acordo com sua visão do mecanismo de herança (com mistura) o
mestiçamento provocaria uma diluição dos elementos antropológicos puros. Isso ainda acarretaria degeneração”. (MARTINS
et al, 2007, p. 448).
9
Sobre cidadania no Brasil, especificamente na transição de Império para República, conferir a excelente obra de José Murilo de
Carvalho. Os Bestializados; O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 145
a elite do país. Nesta lei, especificamente no artigo 9910, bastava o réu comprovar
sua pobreza para ser dispensado de pagar custas do processo. Ratificando
este direito e Regulando a Lei Imperial antecessora, o Império promulga o
Regulamento 120 em 31 de dezembro de 1842, trazendo em seu artigo 46911 a
mesma isenção de custas para o réu pobre condenado em juízo.
Do século XIX para a segunda década do século XX, eis que o Estado
de São Paulo dá o pontapé inicial em direção á uma cidadania voltada aos
necessitados, primeiro, dando guarita jurídica aos pobres através da Assistência
Jurídica Acadêmica, e logo depois, criando a Lei Estadual 1.76312, que passaria a
organizar a Assistência Judiciária em todo o Estado.
Da década de 20 aos direitos Constitucionais, a Carta Política de 1934
passou a prever em seu artigo 11313, a possibilidade de concessão da Gratuidade
Jurídica aos mais necessitados. Este ganho Constitucional, verdadeiro símbolo
de cidadania foi seguido pela Constituição Federal de 1946, em seu artigo 148,
passou a transcrever:
15
BRASIL, 2013f.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 147
Justiça do Trabalho, excluindo, assim, qualquer aplicação em outra área do direito
e suprimindo, em parte, a aplicação de dispositivos da Lei 1.060/50 nesta esfera
judiciária. Como seu principal artigo temos o 1416 regulamentando a prestação da
assistência judiciária referendada na Lei 1.060/50 pelos sindicatos da categoria
profissional a que pertence o trabalhador, e o mesmo artigo em seu parágrafo
primeiro17, impondo de uma maneira taxativa a obrigatoriedade da prestação
jurisdicional gratuita ao trabalhador que perceber salário igual ou inferior ao dobro
do mínimo legal, podendo ser ampliada também tal direito àquele que receber um
salário de maior vulto se o mesmo provar que a demanda jurídica lhe causará prejuízo.
A comprovação da situação econômica do requerente deveria ser
realizada por meio de atestado fornecido pela autoridade local do Ministério
do Trabalho, mediante diligência sumária, que não poderia exceder quarenta
e oito horas para sua efetivação. Na inexistência, no local, de autoridade do
Ministério do Trabalho, o atestado deverá ser expedido pelo Delegado de Polícia
da circunscrição da residência do empregado.
Por meio do art. 17 da Lei 5.584/70 restou estabelecido que onde
não houvesse Varas do Trabalho ou Sindicato da categoria profissional a qual
pertence o trabalhador competiria aos Promotores ou Defensores Públicos o
encargo de prestar a assistência judiciária prevista na lei.
20
Interiro teor do artigo 2º - Se comprovadamente falsa a declaração, sujeitar-se-á o declarante às sanções civis, administrativas e
criminais previstas na legislação aplicável. (BRASIL, 2013g).
21
BRASIL, 2013 – h.
22
Diz o inciso XXXIV: são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes
Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para
defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; (BRASIL, 2013h).
23
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; (BRASIL,
2013h).
24
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17. ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.164/165.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 149
e independe de pagamento de taxas”. Este direito pode ser exercido perante
qualquer órgão judiciário ou da Administração Pública.
Impedir o acesso de quem quer que seja ao Judiciário, seja qual
for o motivo, reputa-se ato ofensivo a Constituição, ato este eivado de
inconstitucionalidade e ilegalidade.
É dever do Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos, sendo a forma desta prestação regulada
pelas leis já estudadas, devendo-se chamar a atenção a qualquer dispositivo legal
que gere eventuais contrariedades à nova ordem Constitucional e que possam
criar dificuldades ao acesso irrestrito à justiça e a concessão dos benefícios da
assistência judicial gratuita.
A legislação vigente deve adequar-se ao mandamento Constitucional
sob pena de ser eivada de inconstitucionalidade.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
9. REFERÊNCIAS
1
Artigo produzido para a disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à banca examinadora da Faculdade de
Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados, como pré-requisito para obtenção do título de
Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Gassen Zaki Gebara.
2
Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados
– UFGD. E-mail: bruno.ibraheem@gmail.com.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 155
ABSTRACT: The development of information technologies and
media have brought not only new questions for the political and legal
Brazilian scene, but generated relevant and profound changes to global
society, affecting all people, directly or indirectly. At this conjuncture, of a
society which values, organizes and develops itself through informational
means, and the softwares as the core of this whole process, there’s the
advent of a software computer licensing form, named free software, which
innovates to ensure broad freedoms to users and developers, through the
own prerogatives of copyright; however, this issue is somewhat unknown,
due to the novelty of the theme, even including the legal means. Given
this, while analysis of Judgement, the scope of this article will be to
highlight the support and legal-constitutional backing which is in the free
software licensing format, through analysis of Law Nº 11.871/2002,
impugned in the Brazilian Supreme Court by ADI nº 3059-1, which
regulates the use of software by the Public Administration of Rio
Grande do Sul state, demonstrating that, despite the allegations of the
petitioner part and the preliminary decision in Plenary, the business
and legal model of free software is what best attends the fundamental
principles from the Constitucional Charter of the Republic.
1. INTRODUÇÃO
6
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=222735>. Acesso em: 18 de
fevereiro de 2013.
158 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
atual Administração Pública é crucial na compreensão das questões aqui propostas.
À vista disso,
12
FALCÃO, J.; LEMOS, R.; JUNIOR, T. (Coords.). op. cit. p. 2-3.
13
RIO GRANDE DO SUL. Lei n. 11.871, de 19 de dezembro de 2002. Dispõe sobre a utilização de programas de
computador no Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.gesite.rs.gov.br/normas/1128886606LEI_
N11871de19dedezembrode2002.pdf>. Acesso em 04 de abril de 2012.
14
BAHIA, Projeto Software Livre. Cartilha de Software Livre. 2ª Ed. Salvador, 2005. Disponível em: <http://wiki.dcc.
ufba.br/PSL/CartilhaSL>. Acesso em 09 de abril de 2012. p. 22.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 161
própria afirmação dos direitos autorais. É o direito enquanto garantia da liberdade,
isto é “subvertendo as regras de propriedade intelectual preestabelecidas, utilizou-
se das mesmas para garantir que aquele software não poderia sofrer restrições”.15
Com efeito, vale ressaltar que o software livre permite sua comercialização
e outros modelos de negócios empresariais, tal como o modelo proprietário, não
significando necessariamente que software livre seja exclusivamente um software
gratuito. A propósito,
15
BLUM, R.; BRUNO, M.; ABRUSIO, J. (Orgs.). op. cit. p. 497.
16
Ibidem, p. 500.
162 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
NVIDIA, Toshiba, Sansung, AMD, Nokia, dentre outras empresas de peso nos
mercados de tecnologia17. No ano passado, a empresa Red Hat obteve receita de
US$ 1 bilhão no ano fiscal de 201218, sendo a primeira empresa fornecedora de
software livre a conquistar tal marca, demonstrando que o software livre pode ser um
modelo viável de negócio, com perspectivas futuras promissoras. É o software livre
enquanto elemento essencial e paradigma de um novo modo de produção, um
formato produtivo de compartilhamento cooperativo, que, economicamente, além
de colaborativo, é lucrativo. Inúmeros são os programas de computador livres,
como por exemplo o servidor Apache, o browser (navegador de Internet) Mozilla
Firefox e a suíte de programas para escritório LibreOffice, dentre muitos outros.
A configuração em redes digitais interoperáveis e abertas nesse
modelo de produção do conhecimento é sua característica fundamental. Manuel
Castells, sociólogo espanhol e um dos grandes estudiosos desses novos modelos
informáticos de sociedade, observa que se trata de uma “nova forma de organização
social baseada em redes, ou seja, na difusão de redes em todos os aspectos da
actividade na base das redes de comunicação digital”19. Tal configuração resulta
na produção de um conhecimento coletivo que se reproduz de forma cooperativa
e colaborativa, denominado de “commons”20, de acordo com Lawrence Lessig,
idealizador do projeto Creative Commons e professor de Direito em Harward.
17
Disponível em: <http://www.linuxfoundation.org/about/members>. Acesso em: 19 de junho de 2012.
18
O ano fiscal de 2012 se encerrou no dia 29 de fevereiro do mesmo ano. Disponível em: <http://computerworld.uol.com.br/
negocios/2012/03/28/red-hat-obtem-receita-de-us-1-bilhao-no-ano-fiscal-2012/> Acesso em 4 de abril de 2012
19
CASTELLS, M.; CARDOSO, G. (Orgs.). A Sociedade em Rede: Do conhecimento à Acção Política. Conferência. Belém
(Por): Imprensa Nacional, 2005. p. 17.
20
“In mostcases, the commons is a resource to which anyone within the relevant community has a right without obtaining the
permission of anyone else. In somecases, permission is needed but is granted in a neutral way.” LESSIG, L. The Future of
Ideas: The Fate of the Commons in a Connected World. New York: Random House, 2001. 352 p.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 163
de regulação da temática e também ocasionou o surgimento de políticas públicas
de migração para o software livre. A primeira lei no país, também considerada a
primeira lei do mundo sobre software livre, foi a lei municipal de Recife/PE21, de
autoria do vereador Waldemar Borges (PPS), sancionada em 16 de abril de 2001.
Em relação às políticas públicas, o Governo Federal, a partir de 2003,
através do Decreto Presidencial de 29 de outubro de 200322, implementou vários
comitês no contexto do Comitê Executivo do Governo Eletrônico, dentre os
quais podemos citar o Comitê Técnico de Implementação do Software Livre23, que,
conforme planejamento estratégico do Comitê, aprovou o relatório final que define
as diretrizes, objetivos, indicadores e as ações prioritárias para a implementação do
software livre no Governo Federal24, enquanto política nacional de implementação e
migração para programas de computador livres.
Nesse sentido, o Governo Federal, em 2004, lançou o “Guia Livre:
Referência de Migração para Software Livre do Governo Federal”25, contendo
orientações e normas para observância da Administração Pública em geral.
Tal política de migração se encontra no âmbito dos “Padrões de
Interoperabilidade do Governo Eletrônico – e-PING”26, que regulamenta a
utilização de tecnologia de informação e comunicação no governo federal, sendo
a adoção de seus padrões e políticas de caráter obrigatório para os órgãos do
governo federal.
Em entrevista ao jornal “Juventud Rebelde”27, Richard Stallman alerta
que “[…] o software privado é dependência e isso leva à colonização eletrônica.”
Diante desta advertência, o “Guia Livre – Referência de Migração para Software
Livre do Governo Federal”, que foi proveniente dos esforços da Comunidade
Europeia e aperfeiçoado por técnicos brasileiros para consolidar as diretrizes
da política de migração nacional dentre os órgãos públicos, enumera as razões
e benefícios que se apresentam às instituições públicas em função da adoção do
software livre:
21
Disponível em: <http://www.bfsf.it/legislazione/brasile-recife.htm>. Acesso em: 21 de fevereiro de 2013.
22
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/DNN/2003/Dnn10007.htm>. Acesso em: 04 de abril de 2012.
23
Disponível em: <http://www.softwarelivre.gov.br/noticias/comite-de-implementacao-do-software-livre-no-governo-federal-
reune-70-instituicoes/>. Acesso em: 21 de fevereiro de 2013.
24
Disponível em: <http://www.softwarelivre.gov.br/clientes/softwarelivre/softwarelivre/planejamento-cisl/planejamentos-
anteriores-1/copy_of_index_html>. Acesso em: 21 de fevereiro de 2013.
25
Disponível em: <http://www.governoeletronico.gov.br/acoes-e-projetos/guia-livre>. Acesso em: 04 de abril de 2012.
26
Disponível em: <http://www.governoeletronico.gov.br/acoes-e-projetos/e-ping-padroes-de-interoperabilidade>. Acesso em: 21
de fevereiro de 2013.
27
Entrevista retirada de: Folha Online, 16 de fevereiro de 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/
informatica/ult124u21648.shtml>. Acesso em: 19 de junho de 2012.
164 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
• nível de segurança proporcionado pelo Software Livre;
• eliminação de mudanças compulsórias que os modelos
proprietários impõem periodicamente a seus usuários, em
face da descontinuidade de suporte a versões;
• independência tecnológica;
• desenvolvimento de conhecimento local;
• possibilidade de auditabilidade dos sistemas;
• independência de fornecedor único.28
28
BRASIL. Guia Livre – Referência de Migração para Software Livre do Governo Federal – Versão 1.0. Brasília, 2005. 297
p. Disponível em: <http://www.governoeletronico.gov.br/acoes-e-projetos/guia-livre>. Acesso em: 4 de abril de 2012. p. 46.
29
GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Princípio da eficiência e o software livre. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 165
A discussão sobre a preferência pelo software livre na esfera pública
também chegou ao Tribunal de Contas da União30, que concluiu como possível
a preferência questionada, em relação a produtos informáticos, se devidamente
fundamentada, ancorando-se também no princípio da padronização das compras,
estatuído pelo art. 15, I, da Lei nº 8.666/93.
Em razão da compreensão de que a informação e o conhecimento
são direitos universais que devem ser fomentados pelo Estado e desenvolvidos
colaborativamente por todos os setores da sociedade, o modelo de negócio
jurídico do software livre se apresenta hoje para o poder público como principal
instrumento concretizador da inclusão digital, da dignidade, da cidadania e dos
princípios constitucionais da República. Contribui para o fortalecimento e incentivo
do desenvolvimento tecnológico nacional, constituindo-se por uma cultura
colaborativa de livre comunicação e democratização do conhecimento, realizando-
se assim uma apropriação soberana pelo País das tecnologias da informação, que
se dá por meio da disponibilização do código fonte do programa de computador.
Como observou a Ministra do STF, Ellen Gracie, ao analisar a Lei gaúcha
que visa regulamentar a contratação preferencial pelo software livre:
32
BRASIL. Lei n. 7.232, de 29 de outubro de 1984. Dispõe sobre a Política Nacional de Informática e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7232.htm>. Acesso em: 4 de abril de 2012.
33
FALCÃO, J.; LEMOS, R.; JUNIOR, T. (Coords.). op. cit. p. 34-35. “O objetivo deste breve estudo sobre princípios
constitucionais é investigar o respaldo jurídico-constitucional de eventuais iniciativas da Administração Pública que reconheçam e
promovam o software livre. Não se trata de fornecer uma resposta definitiva do tipo “sim/não”, “constitucional/inconstitucional”,
já que não se pretende (nem se precisa) chegar a uma decisão específica sobre o que se deve fazer em um determinado caso concreto.
Não se cogita, portanto, de possíveis conflitos entre princípios constitucionais, que devem ser resolvidos à luz dos elementos trazidos
pelo caso concreto; o que se pretende neste tópico é tão-somente argumentar que, prima facie, o incentivo ao modelo de produção
de conhecimento caracterizado pelo software livre pode ser considerado em alguma medida como obrigatório ao administrador, já
que diversos princípios constitucionais serão bem mais atendidos dessa forma. Assim para o fim deste trabalho, são irrelevantes
muitas das diferenças traçadas por autores como Robert Alexy e Ronald Dworkin, como, por exemplo, o modo específico de conflito
normativo (colisão, que deve ser resolvida sem expulsar do ordenamento um dos princípios conflitantes) e aplicabilidade gradual
(no sentido empregado por Alexy, que encara os princípios como “mandamentos para serem otimizados”). Sobre o tema, confira-
se, entre outros autores nacionais, ÁVILA, Humberto, Teoria dos Princípios. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004; SILVA,
Virgílio Afonso da. “Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção”, in Revista Latino-Americana de Estudos
Constitucionais 1 (2003):607-630; BARROSO, Luís Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de, op. cit.”
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 167
Após a exposição dos argumentos que fundamentam o teor constitucional
da norma gaúcha, desconstruir-se-á as alegações do partido requerente, atual
Democratas (DEM), e analisar-se-á o julgamento pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal, em sede de liminar, concedida no dia 15 de abril de 2004, pela
qual havia sido suspensa a eficácia da lei, inclinando-se pela inconstitucionalidade
da mesma, fatos estes que eclodiram a presente problematização. Acrescenta-se
que, entretanto, no dia 31 de outubro do ano passado, após pedido de vista do
ministro Luiz Fux, o voto do relator presidente, ministro Carlos Ayres Britto,
julgou a ADI improcedente desde então, pronunciando-se assim pela cassação da
liminar, com decisão publicada no D.O.U. no dia 28 de novembro de 2012.
Mais do que uma abordagem sobre a constitucionalidade da norma
contestada, ou um possível conflito e/ou colisão de princípios constitucionais, o
que se pretende é evidenciar que o modelo jurídico-negocial do software livre é o
que melhor atende aos princípios constitucionais de forma total, completa e efetiva,
portanto, trata-se de mecanismo que vincula a Administração Pública. Sua promoção
enquanto política pública está para além da oportunidade e conveniência, mas sim,
vincula-se a todas as esferas administrativas. Tal análise constitucional relaciona-se
diretamente com o compromisso pelo Estado Democrático de Direito, expresso na
Carta Magna, em seu art. 1º. Sem mais delongas, eis a ementa do Acórdão:
34
BRASIL. Supremo Tribunal Federal – Pleno. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.059-1, Rio
Grande do Sul. Relator: Min. Carlos Britto. j. 15 de abril de 2004, v.u., DJ 20/08/2004. Disponível em: <http://redir.stf.
jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=387223>. Acesso em 04 de abril de 2012. f. 193.
168 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
O ministro Carlos Ayres Britto, relator da ação, ainda em sede de liminar,
no ano de 2004, seguido por unanimidade, fez alusão aos seguintes vícios, que
assim podem ser organizados:
• Invasão da competência legislativa da União para editar normas gerais
de licitação e contratação (Art. 22, XXVII da CF);
• Violação ao princípio da competitividade licitatória e da igualdade
de condições dos concorrentes em licitações (Art. 37, XXI da CF), ou seja,
“estreita, contra a natureza dos produtos que lhes servem de objeto normativo
(bens informáticos), o âmbito de competição dos interessados em se vincular
contratualmente ao Estado-administração”35;
• Violação material do princípio da isonomia (Art. 5º, CF), dos princípios
da impessoalidade, economicidade e eficiência (Art. 37, caput, CF) e atentado ao
princípio da Separação de Poderes e vício de iniciativa (Arts. 2º e 61, §1º, II, “b”,
CF), que, conforme a Ementa, é tratado como “usurpação competencial violadora
do pétreo princípio constitucional da Separação dos Poderes”36.
Sustenta-se que o Estado gaúcho invadiria competência privativa da
União por editar normas gerais de licitação e contratação. Todavia, tal tese não
se sustenta, pois a referida Lei estadual dispõe sobre a utilização de software pela
esfera gaúcha não abordando os institutos licitatórios. O que se está em questão é
a “utilização preferencial”, assim como descrito no art. 1º da Lei gaúcha:
38
BRASIL. Procuradoria-Geral da União. Parecer nº 4.306 (CF). 20 de janeiro de 2005. Disponível em: <http://redir.
stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf ?seqobjetoincidente=13196>.
Acesso em: 18 de fevereiro de 2013.
39
Ibidem. p. 5-6.
170 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
sobre licitações e sim matéria que versa sobre Direito Econômico, que trata de
intervenção estatal no plano econômico, pois,
40
FÉRES, M. A adoção de softwares livres pelas diversas esferas da administração pública. Alguns aspectos jurídicos de um
ambiente de disputas econômicas. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 853, 3 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/
revista/texto/7533>. Acesso em: 9 de abril de 2012.
41
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.059-1, Rio Grande do
Sul. Relator: Min. Carlos Ayres Britto. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/noticias/100157824/vista-suspende-
julgamento-de-adi-sobre-software-livre>. Acesso em: 18 de fevereiro de 2013.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 171
Além disso, não há restrições à livre concorrência licitatória em relação
a um único fornecedor ou produto. Ou seja, não se trata de discricionariedade
para produtos ou fornecedores específicos, mas sim se elege preferencialmente
determinado modelo ou forma jurídica. O objeto da norma gaúcha não é
a preferência por determinado tipo de programa de computador, mas sim
determinado modelo de contrato de licenciamento de programa de computador.
Para Luís Roberto Barroso, “o fato de a Constituição desigualar pessoas e
discriminar situações – isto é, abrir exceção à regra da igualdade – não constitui,
em si, qualquer anomalia”42.
Daí se entende que a ocorrência de uma lei discriminar determinado
comportamento, conduta, situação ou modelo jurídico-negocial, não é em si
uma afronta ao ordenamento jurídico. Em relação a tal tema, Ferraz e Figueiredo
consideram que,
42
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional
transformadora. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 204.
43
Retirado de: O Princípio da Isonomia nas Licitações Públicas, Edição nº 01 de 2003 – Ano XXI. Disponível em:
<http://200.198.41.151:8081/tribunal_contas/2003/01/-sumario?next=6>. Acesso em: 28 de fevereiro de 2013. p. 24,
44
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. op. cit.
172 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Da própria análise da definição de software livre podemos
inferir suas vantagens sobre os demais tipos de software, os
programas proprietários. Primeiro, a administração que o
adota não se submete a qualquer condição ou restrição de
uso que não aquele ditado pelo interesse público. Segundo,
como o acesso ao código-fonte é permitido, ou seja, sabe-se
o que está por trás do programa, qualquer um pode estudá-
lo, adaptá-lo a suas necessidades particulares e melhorá-lo
em caso de falhas. Sua adoção representa, em última análise,
uma transferência de tecnologia. Por último, mas não menos
importante, como não se paga pela licença do software livre,
não só o custo de aquisição é nulo, como o de aquisição de
equipamentos (hardware) é muito menor, uma vez que tais
programas exigem menor capacidade de processamento. É
aqui que o princípio da eficiência se faz sentir de maneira
mais forte.45
45
GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. op. cit.
46
BRASIL. op. cit. p. 6-7.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 173
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
51
FALCÃO, J.; LEMOS, R.; JUNIOR, T. (Coords.). op. cit. p. 34-35.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 175
no Supremo Tribunal Federal pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº
3.059-1), porém julgada improcedente; descrevendo, juridicamente, as vantagens
que a utilização e o incentivo do software livre podem oferecer ao poder público
e a toda a sociedade brasileira, enquanto formato jurídico concretizador dos
princípios fundamentais, valores e objetivos da Carta Constitucional da República.
Para se conceber um Estado cada vez mais democrático, ético e
transparente, controlado por seus cidadãos e com livre acesso à informação, a
esfera pública deve adotar, enquanto política estratégica nacional, o modelo
jurídico-negocial do software livre, por se tratar de uma tecnologia eminentemente
libertadora e que atende aos reclamos da justiça social, que se coaduna à dignidade
humana (art. 1º, III), promove a construção de uma sociedade livre, justa e solidária
(art. 3º, I) e realiza a hodierna Cidadania Digital.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAHIA, Projeto Software Livre. Cartilha de Software Livre. 2ª Ed. Salvador, 2005.
Disponível em: <http://wiki.dcc.ufba.br/PSL/CartilhaSL>. Acesso em 09 de
abril de 2012.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de
uma dogmática constitucional transformadora. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
BLUM, R.; BRUNO, M.; ABRUSIO, J. (Orgs.), Manual de Direito Eletrônico e Internet.
Editora Lex, 2006, p. 489-520.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil:
Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 29 de
março de 2012.
______. Guia Livre – Referência de Migração para Software Livre do Governo Federal
– Versão 1.0. Brasília, 2005. 297 p. Disponível em: <http://www.governoeletronico.
gov.br/acoes-e-projetos/guia-livre>. Acesso em: 4 de abril de 2012.
______. Lei n. 7.232, de 29 de outubro de 1984. Dispõe sobre a Política Nacional de
Informática e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/l7232.htm>. Acesso em: 4 de abril de 2012.
______. Lei n. 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção da
propriedade intelectual de programa de computador, sua comercialização no País,
e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/l9609.htm>. Acesso em 29 de março de 2012.
______. Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação
sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em 29 de março de 2012.
Helder BARUFFI1
1
Mestre em Direito pela PUC/SP; Doutor em Educação pela USP. Professor Associado IV da Universidade Federal da
Grande Dourados. Vinculado ao Grupo de pesquisa CNPq/UFGD: Direito, Estado e Sociedade.
2
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v.1 e v. 2.
3
Filosofia do direito e teoria jurídica em Habermas: implicações reconstrutivas para uma teoria da sociedade. Veritas, v. 56, n.
3, set./dez. 2011, p. 73
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 179
Habermas, filósofo e sociólogo desse tempo [tempo pós-metafísico], o direito
moderno necessita de uma justificação moral, sustentando sua teoria pela ideia de
um Estado Constitucional Democrático, não renunciando, em momento algum,
seu programa emancipatório, mantendo acesa uma influência marxiana antiga em
sua obra, assim como em todos os pensadores da Teoria Crítica. A partir da obra
“Direito e Democracia”, a Teoria Crítica, por meio de seu herdeiro intelectual direto
– Jürgen Habermas – se vê envolta em uma Filosofia do Direito e do Estado.” E
como destaca Clóvis Lima “[...] Habermas é um homem do seu tempo, e não se
furta a discutir as questões do seu tempo. Agora mesmo ele está entretido com a
questão da dignidade humana na pesquisa genética”,4 em referência à obra “O
futuro da Natureza Humana”.5
Especificamente na obra “Um ensaio sobre a Constituição da Europa”
cabe destaque ao desassossego ou inquietação a que está submetido o pensador
“utópico” de longo curso. Ainda no Prefácio, Gomes Canotilho, com suporte em
uma entrevista que Habermas concedeu a Thomas Assheuer (p. 137-152) revela
a inquietação manifesta de Habermas na implantação cidadã da Constituição da
Europa “A minha maior preocupação é a injustiça social, que brada aos céus, e que
consiste no facto de os custos socializados do falhanço do sistema atingirem com
maior dureza os grupos sociais mais vulneráveis”. A injustiça social paga-se, não com
dólares, libras ou euros, mas com a “moeda forte da existência quotidiana’”(p. 137).
É exatamente esta inquietação, este desassossego frente ao quadro de
injustiças sociais, que provoca Habermas a pensar a pessoa humana. Neste sentido,
antecipando o “Ensaio sobre a Constituição da Europa”, Habermas apresenta
um estudo inicial intitulado “O conceito de dignidade humana e a utopia realista
dos direitos humanos” (p. 27 a 58), texto denso e carregado de vigor, como não
poderia deixar de ser, vindo de um pensador que traz extensa obra, como uma
referência ao enfrentamento da apatia ou “enfado com a política”, tragédia humana
e “escândalo político” ao “programa de submissão desenfreada do mundo da vida
aos imperativos do mercado” (p.10).
Com a precisão peculiar que lhe é inerente, neste estudo preliminar,
Habermas coloca-nos frente a interrogação “Por que é a referência aos
‘direitos humanos’ no direito muito anterior à referência à ‘dignidade humana’?
interrogação que tem sentido quando observa que o atual interesse da sociedade
alemã pela questão da inviolabilidade da dignidade humana, toma assento quando,
no ano de 2006, o Tribunal Federal Constitucional rejeitou a “Lei da segurança
da aviação” aprovada pelo Parlamento federal, considerando-a inconstitucional.
4
Em nota ao “Colóquio Habermas” evento que aconteceu de 04 a 06 de junho de 2013, no Rio de Janeiro, promovido pelo
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia –IBCT. Disponível em: http://www.ibict.br/sala-de-imprensa/
noticias/o-pensamento-de-habermas-em-pauta. Acesso em 10/07/2013.
5
HABERMAS, Jürgen. O Futuro da Natureza Humana. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
180 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
Essa lei, forjada sob o cenário do “11 de setembro” visava proteger um número
indeterminado de pessoas ameaçadas em terra, permitindo o “abate” de aviões de
passageiros que, numa situação desse tipo, se tivessem transformado em bombas.
No entanto, na argumentação do Tribunal, a morte de passageiros causada por
órgãos estatais seria inconstitucional. “A obrigação de respeitar a dignidade humana
dos passageiros tem precedência sobre a obrigação do Estado (segundo o n. 2 do
artigo 2º da Lei Fundamental) de proteger a vida das potenciais vítimas de um
atentado: ‘[a]o dispor unilateralmente das vidas por razões de Estado, é negado [...]
aos passageiros aéreos o valor atinente ao ser humano em si’” (p. 26).
No decorrer do estudo, desenvolve a tese da existência, desde o início,
de um estreito nexo conceitual entre os dois conceitos, embora inicialmente
implícitos (p. 30), como observado no artigo 1º da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948, que começa anunciado que “Todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”, bem como no Preâmbulo
também refere, simultaneamente, a dignidade humana e os direitos humanos,
reafirmando a “fé nos direitos fundamentais dos seres humanos, na dignidade e no
valor da pessoa humana”.
Nesta linha de raciocínio e respondendo a questão de saber se a
“’dignidade humana’ é a expressão de um conceito fundamental e substancial do
ponto de vista normativo, a partir do qual é possível deduzir os direitos humanos
através da especificação de violações à mesma, ou se não passa de uma expressão
insignificante para um catálogo de direitos humanos individuais, selecionados e
sem nexo entre si” (p. 31), assinala razões do ponto de vista do direito que sugerem
que a “dignidade humana” não é uma expressão classificadora a posteriori, um
logro por detrás do qual se esconde uma multiplicidade de fenômenos diversos,
mas sim “a ‘fonte’ moral da qual se alimentam os conteúdos de todos os direitos
fundamentais”; (p. 31) “[...] o papel catalisador [...]na composição dos direitos
humanos a partir da moral da razão e da sua forma jurídica” (p.31); a fonte da
“força explosiva, do ponto de vista político, de uma utopia concreta [...]”(p.31-2)
dos direitos fundamentais .
Destaca Habermas, que os direitos fundamentais necessitam de
concretização em casos específicos, dado o seu caráter geral abstrato. Legisladores
e juízes, em contextos culturais diferentes chegam, frequentemente, a resultados
divergentes, particularmente em questões eticamente polêmicas como eutanásia,
aborto ou manipulação eugênica, o que tem requerido regulamentações, estas
possíveis a partir do conceito de dignidade humana, que permitiu a criação de um
“consenso de sobreposição” entre partidos com diversas origens culturais, como
se observa na fundação das Nações Unidas, ou nas convenções internacionais e
pactos sobre direitos humanos. Aí a força utópica, a utopia concreta dos direitos
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In: Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012). Disponível em: http://academia.edu/3314201/Jurgen_HABERMAS_Um_
Ensaio_sobre_a_Constituicao_da_Europa_Prefacio_de_Jose_Joaquim_Gomes_Canotilho_Edicoes_70_Lisboa_2012>.
Acesso em 12/07/2013.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013. 183
184 Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 15 | n. 29 | Jan./Jun.2013.
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