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Ray Edmondson

Filosofia e
princípios
da arquivística
audiovisual
| Filosofia e princípios
da arquivística audiovisual
| Filosofia e princípios
da arquivística audiovisual

Ray Edmondson
Tradução de Carlos Roberto de Souza

ab associação brasileira de preservação audiovisual


pa
Copyryght © 2004, UNESCO | Sumário
Copyright © 2013, Associação Brasileira de Preservação Audiovisual/
Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro

Copyright do texto: Ray Edmondson


Tradução: Carlos Roberto de Souza
Revisão: Carlos Roberto de Souza, com a colaboração de José Francisco
de Oliveira Mattos
Apresentação...............................................................................9
Projeto gráfico e diagramação: Avellar e Duarte Consultoria e Design
Introdução à edição brasileira...................................................11
Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP-Brasil)
Prefácio da primeira edição.......................................................15
Ficha catalográfica elaborada por João Paulo Borges Paranhos
Prefácio da segunda edição........................................................19
2013
Todos os direitos desta edição reservados a
Notas editoriais.........................................................................22
Associação Brasileira de Preservação Audiovisual – ABPA e Informações complementares na Internet..................................23
Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
Avenida Infante Dom Henrique, 85 Agradecimentos........................................................................25
Parque do Flamengo
CEP 20021-140 1. Introdução............................................................................31
Rio de Janeiro – RJ – Brasil
1.1 O que é filosofia?........................................................................32
1.2 Filosofia e princípios de arquivos audiovisuais............................33
E24 EDMONDSON, Ray
1.3 O estado atual da profissão de arquivística audiovisual...............36
Filosofia e princípios da arquivística audiovisual / Ray Edmondson ;
Tradução de: Carlos Roberto de Souza. – Rio de Janeiro: Associação Brasi- 1.4 Principais questões atuais...........................................................37
leira de Preservação Audiovisual/Cinemateca do Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro, 2013. 1.5 Contexto histórico......................................................................41
224 p. : il. ; 23 cm.
2. Fundamentos.........................................................................43
Bibliografia: p. 206. 2.1 Premissas básicas........................................................................43
ISBN 978-85-825400-27-2
2.2 As profissões de coleta e conservação..........................................46
1. Arquivística Audiovisual. 2. Documentação. 3. Preservação. 4. Or-
ganização de Arquivo 5. Gestão de arquivos. I. Título 2.3 Valores.......................................................................................48
CDD²³ 025.1773 2.4 A arquivística audiovisual como profissão...................................51
CDU²: 791.02(086)
2.5 A formação de arquivistas audiovisuais.......................................57
2.6 As associações profissionais.........................................................60
Índice para Catálogo Sistemático
2.7 Produtores e difusores.................................................................61
Arquivística Audiovisual : Documentação : Preservação : Organização de arquivos :
Gestão de arquivos 2.8 Reflexão.......................................................................................63
3. Definições e terminologia......................................................65 7. Ética....................................................................................179
3.1 A importância da precisão.............................................................65 7.1 Códigos de ética....................................................................... 179
3.2 Terminologia e nomenclatura........................................................66 7.2 A ética na prática..................................................................... 181
3.3 Conceitos fundamentais.................................................................80 7.3 Questões de ordem institucional............................................... 182
7.4 Ética pessoal.............................................................................187
4. Arquivos audiovisuais............................................................91
7.5 O poder....................................................................................192
4.1 Histórico....................................................................................91
4.2 Campo de atividades..................................................................96 8. Conclusão...........................................................................195
4.3 Tipologia....................................................................................98
4.4 Visão de mundo e paradigma................................................... 110 Anexo 1 – Glossário e índice.............................................................200

4.5 Principais perspectivas dos arquivos audiovisuais...................... 115 Anexo 2 – Quadro comparativo: arquivos audiovisuais,

4.6 Base de apoio........................................................................... 127 arquivos generalistas, bibliotecas e museus........................................202

4.7 Governo e autonomia............................................................... 130 Anexo 3 – Relatório de reconstituição............................................... 204


Anexo 4 – Bibliografia selecionada....................................................206
5. Preservação: características e conceitos...............................137 Anexo 5 – Mudança e obsolescência de alguns formatos................... 208
5.1 Princípios objetivos e subjetivos................................................137
5.2 Degradação, obsolescência e duplicação................................... 140
5.3 Conteúdo, suporte e contexto................................................... 144
5.4 As tecnologias analógicas e digitais........................................... 151
5.5 O conceito de obra................................................................... 155

6. Princípios de gestão.............................................................159
6.1 Introdução...............................................................................159
6.2 Políticas....................................................................................159
6.3 A constituição das coleções: seleção, incorporação,
exclusão e descarte...................................................................161
6.4 Preservação, acesso e gestão dos acervos................................... 166
6.5 Documentação......................................................................... 171
6.6 Catalogação.............................................................................173
6.7 Aspectos jurídicos..................................................................... 175
6.8 Nenhum arquivo é uma ilha..................................................... 177
| Apresentação

A Associação Brasileira de Preservação Audiovisual tem a honra e a


felicidade de entregar ao público leitor de língua portuguesa a obra
de Ray Edmondson Filosofia e Princípios da Arquivística Audiovisual.

Poder-se-ia pensar que esta publicação vem um pouco tarde, déca-


da e meia após o aparecimento de sua primeira edição e quase dez
anos após a segunda. Nada disso. Este livro nasceu clássico. Sem
espaço para nos emaranhar pelas inúmeras definições do que seria
um “clássico”, lembremos apenas das palavras de Ítalo Calvino:
“um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que
tinha para dizer” (Por que ler os clássicos?) e complementemos com a
afirmação de Ezra Pound de quem um clássico o é “devido a uma
certa juventude eterna e irreprimível” (ABC da literatura).

Pois é exatamente uma sensação de novidade e descoberta que nos


invade a cada nova leitura que fazemos deste trabalho de Edmond-
son. Longe de ser um frio e distante manual didático, o texto pulsa
de vida e emoção, humor e sentimento. Sem nunca deixar de ser
absolutamente claro e preciso nas afirmações, ele próprio se ques-
tiona sobre a correção de seu raciocínio, pede nossa ajuda para o
contestarmos quando necessário e nos lança alertas preocupantes.
Aqui e ali, ainda, o autor lembra que o livro não é definitivo, não
é a “palavra final” sobre um processo dinâmico que ninguém sabe
que rumo tomará.
Esta tradução começou a ser feita em 2005, por ocasião de uma | Introdução à edição brasileira
oficina que Ray Edmonson coordenou em São Paulo sob o título
“A Cinemateca Brasileira discute uma filosofia de arquivos audio-
visuais”, discussão que poderia ter representado uma nova etapa
na vida da instituição, com equipes integradas na construção co-
letiva de um arquivo moderno. Mas esse não era o modelo que os No início dos anos 1990, uma rede informal de arquivistas au-
então gestores almejavam implantar. diovisuais começou a discutir a necessidade de um corpo teórico
documentado que fundamentasse sua profissão. Nos dias antes do
Aos capítulos selecionados por Edmondson para a oficina e por e-mail, as ideias eram trocadas por fax e em discussões pessoais
mim traduzidos a toque de caixa, acrescentei posteriormente o res- aproveitando-se encontros em conferências. Em 1994, com o apoio
tante do texto. Sob a orientação do autor atualizei também alguns da Unesco, o projeto assumiu uma forma mais concreta e comecei
anexos e o conjunto da obra foi revisado cuidadosamente por José a redigir blocos de texto e circulá-los para comentários entre um
Francisco de Oliveira Mattos, companheiro de muitas lutas pela grupo de trabalho ad hoc de colegas da Europa e da América do
preservação do patrimônio audiovisual brasileiro. Eis a gênese do Norte. O resultado final foi a primeira edição deste livro, publicada
trabalho que ora recomendamos aos arquivistas audiovisuais e a to- em 1998. A segunda edição, aumentada, é de 2004.
dos os interessados, para que seja lido com toda atenção e carinho.
Em uma profissão que precisa ser exercida com recursos abaixo
Carlos Roberto de Souza, abpa dos necessários e trabalhos acima dos normais, onde todos apren-
dem na prática, houve a princípio pouco tempo e pouca simpatia
para teorizações e reflexões. Mas a importância de uma filosofia
foi progressivamente compreendida, à medida que foram surgin-
do cursos universitários de treinamento e qualificação formal, e
tornou-se cada vez mais obrigatória para os que procuram uma
carreira em arquivos de filmes, de televisão e de som.

Quando aquele primeiro mirrado volume apareceu em 1998, pou-


cos de nós prevíamos a carreira que o livro teria a seguir, com
edições completas em francês, espanhol, alemão, japonês, farsi e
macedônio, e traduções parciais em outras línguas. Esta recente

13
tradução para o português torna a obra imediatamente acessível | Prefácio da primeira edição
para outro grande grupo linguístico. Eu gostaria de agradecer o dr.
Carlos Roberto de Souza por seu dedicado trabalho ao preparar
esta edição e entregá-la para o que, eu confio, será uma ampla
comunidade de leitores.
1.“Filosofia”, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Por-
No prefácio da edição de 1998, observei que esta tuguesa, é o “estudo que se caracteriza pela intenção de ampliar
incessantemente a compreensão da realidade, no sentido de
...poderá ser apenas a “primeira palavra”, não a “palavra fi- apreendê-la na sua totalidade, quer pela busca da realidade ca-
nal”. Se ela ganhar alguma aceitação e estimular o debate, paz de abranger todas as outras, o Ser [...], quer pela definição
terá provado seu valor. As práticas e experiências dos arquivos do instrumento capaz de apreender a realidade, o pensamento
audiovisuais, e a contribuição intelectual de indivíduos e gru- [...], tornando-se o homem tema inevitável de consideração”. A
pos continuarão a enriquecer a teoria. Definir os princípios exemplo de outros aspectos do trabalho de coleta e preservação
de qualquer nova disciplina é um processo de longo prazo. da memória da humanidade, a arquivística audiovisual tem, em
sua base, certas “causas e princípios gerais”. Para serem abertos
À medida que nos movemos rapidamente para a era digital, este ao exame e ao reconhecimento geral, eles precisam ser conve-
sentimento permanece mais verdadeiro do que nunca. nientemente codificados.

Ray Edmondson 2. A necessidade de empreender esta codificação ganhou nos úl-


Camberra, Austrália, 2013 timos anos alguma aceitação à medida que arquivistas audiovi-
suais – em vários fóruns internacionais – começaram a refletir
sobre sua identidade, sua imagem e filiação profissional, a consi-
derar a base teórica e a ética de seu trabalho, e a enfrentar ques-
tões práticas de formação e certificação. Este documento é uma
resposta específica a esta necessidade de codificação: a primeira
publicação de uma filosofia da arquivística audiovisual.

3. Seus antecedentes diretos foram as trocas de ideias e observa-


ções, nos últimos cinco anos, no interior da Audiovisual Archiving

15
Philosophy Interest Network (Avapin), uma rede informal que reú- de Arquivos de Televisão) em Bogensee, Alemanha, em setem-
ne mais de 60 arquivistas de filmes e sons, e outros interessados bro. As discussões nas oficinas foram documentadas e, juntamen-
na pesquisa e definição da base teórica do campo da arquivística te com outros aportes subsequentes, foram utilizadas como base
audiovisual. Embora esta seja uma rede de pessoas que se iden- para revisão. O segundo documento foi debatido numa oficina
tificam e exercitam seus interesses em base estritamente indivi- na conferência da Amia (Association of Moving Image Archivis-
dual, a maioria de seus membros tem também relações pessoais ts) em Toronto, Canadá, em outubro de 1995.
e institucionais com as principais associações profissionais ativas
no campo (elas são mencionadas ao longo deste documento). 5. Preparei o presente texto sob os auspícios da Unesco e em
Até o momento, funcionei como o coordenador da rede Avapin, consulta com um grupo editorial composto por Ernest J. Dick
e a instituição em que trabalho, o National Film and Sound (Canadá), Annella Mendoza (Filipinas), Robert H.J. Egeter-van
Archive da Austrália (nfsa), assumiu os custos de secretaria e Kuyk (Países Baixos), Paolo Cherchi Usai (Estados Unidos), Die-
correio. trich Schüller (Áustria), Roger Smither e Helen Harrison (Reino
Unido) e com contribuições de alguns outros membros do “1994
4. No final de 1993, surgiu a oportunidade – através da concessão Philosophy Working Group” original. Embora todas essas pes-
de uma bolsa da Australian Public Service Commission – para soas tenham feito suas contribuições em caráter estritamente
que eu passasse algum tempo na Europa, durante 1994, dedica- pessoal, sua situação profissional deu-lhes acesso aos pontos de
do a colocar no papel algumas das discussões. Nessa tarefa, jun- vista de virtualmente todas as maiores associações profissionais
taram-se a mim os membros da Avapin, Sven Allerstrand, Helen no campo da arquivística audiovisual. Sou grato aos comentá-
Harrison, Rainer Hubert, Wolfgang Klaue, Dietrich Schüller, rios detalhados que Wanda Lazar e Paul Wilson fizeram ao tex-
Roger Smither e Paolo Cherchi Usai, e formamos o “1994 to e a colegas do nfsa e de outras instituições por suas sugestões
Philosophy Working Group”. Cada membro do grupo deu, ao durante a gênese deste trabalho.
longo de extensos debates e/ou através de reações escritas aos
diferentes estágios do rascunho, sua contribuição à síntese que 6. A partir de setembro de 1994, a primeira e depois a segunda re-
constituiu o documento inicial. O projeto de 1994 começou em dação deste documento tiveram uma circulação cada vez maior,
reuniões durante o congresso da Fiaf (Federação Internacional ainda que informalmente. Partes foram traduzidas para uso em
de Arquivos de Filmes) em Bolonha, Itália, em abril/maio; o tex- diferentes países, e versões integrais foram incorporadas aos
to foi concluído no final de julho e submetido a críticas em três programas de formação desenvolvidos pelo NFSA, pela Asso-
oficinas durante a conferência conjunta da Iasa (International ciation of South East Asian Nations-Committee on Culture and
Association of Sound Archives) e Fiat (Federação Internacional Information (Asean-Coci), pela University of New South Wales,

16 17
Sydney, Austrália, e pela George Eastman House School of Film especial a secretaria em Bruxelas) que tornaram possível o pro-
Preservation, Rochester, Estados Unidos. Partes da segunda re- jeto de 1994 e a primeira redação deste documento. Agradeço
dação foram incluídas no livro Audiovisual archives: a practical rea- os muitos colegas da Avapin pelas contribuições que deram à
der (Unesco, 1997). A publicação do presente texto pela Unesco segunda redação. Quero agradecer os companheiros acima cita-
é um passo lógico e vital na formalização do documento em sua dos que deram seu tempo e sua energia para contribuir editorial-
integralidade e na ampliação do acesso a ele. mente na formatação das diferentes redações e/ou na edição do
texto ora em publicação – em ambos os casos foi um trabalho de
7. Ao oferecer uma base teórica documentada ao campo e à profis- amor dedicado por pessoas muito ocupadas. Finalmente, quero
são da arquivística audiovisual, esta publicação poderá ser ape- agradecer a Unesco pelo apoio e abrangência de visão ao publi-
nas a “primeira palavra”, não a “palavra final”. Se ela ganhar car este documento.
alguma aceitação e estimular o debate, terá provado seu valor. As
práticas e experiências dos arquivos audiovisuais, e a contribui- Ray Edmondson
ção intelectual de indivíduos e grupos continuarão a enriquecer Camberra, abril 1998
a teoria. Definir os princípios de qualquer nova disciplina é um
processo de longo prazo. Esperemos que, no futuro, haja tenta-
tivas mais abrangentes e melhores de codificação da teoria da
arquivística audiovisual.

8. A própria natureza de um documento como este significa que


sempre existirão limites à pesquisa e à reflexão. Espero que estas
provoquem reações e sugestões. Ter essas reações e sugestões le-
vantadas e debatidas na literatura profissional e levadas em con-
ta em futuras revisões é parte do processo de desenvolvimento
de uma filosofia madura. Ficarei agradecido se tais sugestões me
forem encaminhadas.

9. Ao entregar para publicação este trabalho de aproximadamente


cinco anos, gostaria de agradecer o apoio financeiro e material
da Australian Public Service Commission, do nfsa e da Fiaf (em

18 19
| Prefácio da segunda edição

1. “Esta foi a primeira tentativa de codificar a base filosófica da


arquivística audiovisual enquanto profissão. Não será surpre-
sa ou ofensa para nenhum dos envolvidos em sua criação se
ela rapidamente se demonstrar incompleta ou necessitada de
modificações. Parte de seu propósito é estimular discussões e
debates, encorajar análises, convidar ao questionamento de seus
pressupostos.”

2. Este sentimento final, reproduzido da primeira edição, com-


provou estar correto. A arquivística audiovisual – a coleta, pre-
servação, gestão e uso do patrimônio audiovisual – conquistou,
por assim dizer, suas credenciais como profissão distinta. Num
campo tão dinâmico quanto este, os pressupostos precisam ser
constantemente testados, e incorporadas as implicações de no-
vos desenvolvimentos. Respostas, formais e informais, foram re-
cebidas de todo o mundo e ficou evidente que a primeira edição
comprovou-se útil como ponto de referência na defesa da pro-
fissão bem como em questões de administração prática e ética.
Tudo isso foi levado em conta na revisão e na ampliação do
texto. Embora sejam numerosas e diversas demais para agrade-
cê-las formalmente, sou grato por todas as reações à primeira
edição. Fico especialmente contente com o fato de a discussão
de conceitos filosóficos ser agora um aspecto mais natural e mais
central na vida profissional de arquivistas audiovisuais.

21
3. Nos poucos anos que se seguiram à primeira edição, mudanças nossa área, em sua diversidade geográfica e cultural. Suas con-
significativas ocorreram no campo da arquivística audiovisual. tribuições foram feitas graciosamente e sou devedor a eles pelo
O desafio da digitalização e as mudanças tecnológicas associa- tempo que lhes roubei de suas agendas sobrecarregadas e pelos
das a ela colocam em questão a continuidade da existência dos conselhos ponderados. Quero agradecer também Crispin Jewitt,
suportes tradicionais. Filmes em nitrato, considerados instáveis coordenador do ccaaa (Co-Ordinating Council of Audiovisual
e efêmeros no passado, estão sobrevivendo a materiais de pre- Archives Associations) por seus valiosos comentários do texto
servação em acetato feitos a partir deles. Em alguns países, a final, e Mme. Joie Springer, interlocutora na Unesco, por seu
formação em arquivística audiovisual ao nível de pós-graduação apoio ao projeto. Esta publicação aparece sob os auspícios con-
está implantada e se tornou a norma para os que querem en- juntos da Unesco e do ccaaa . A recente criação deste último,
trar para a profissão. Estes e outros desenvolvimentos levantam um órgão máximo de coordenação da profissão, é em si mesma
questões filosóficas que precisam ser levadas em conta. uma prova das mudanças e do amadurecimento em curso.

4. A primeira edição foi publicada pela Unesco em inglês, francês 6. A 27 de outubro de 1980, a Conferência Geral da Unesco ado-
e espanhol, com uma tradução portuguesa posterior prepara- tou a Recomendação sobre a Salvaguarda e Preservação das
da e publicada pela Associação Portuguesa de Bibliotecários, Imagens em Movimento, um considerável avanço internacional
Arquivistas e Documentalistas. A edição em papel do texto em no reconhecimento legal e cultural da arquivística audiovisual.
inglês está esgotada e logo as outras também estarão. Esta nova Esta publicação, apropriadamente, aparece no 25º aniversário
edição responderá à demanda e esperamos que atinja um públi- desse documento e a ele deve muito dos princípios aqui formu-
co ainda mais amplo. lados.

5. Como na primeira edição, tive o privilégio de me beneficiar dos 7. Todas as opiniões, erros e omissões do texto são meus, obvia-
conselhos e das reações de um grupo internacional de referência mente. Como antes, comentários e reações serão muito bem-
formado por companheiros que leram e comentaram o texto vindas, já que nenhum texto desse tipo é “definitivo”.
em vários estágios: Sven Allerstrand, Lourdes Blanco, David
Boden, Paolo Cherchi Usai, David Francis, Verne Harris, Sam Ray Edmondson
Kula, Irene Lim, Hisashi Okajima, Fernando Osorio e Roger Camberra, abril 2004
Smither. Embora cada um deles tenha contribuído individual-
mente, suas atividades, como se verá, refletem acesso aos pontos
de vista de quase todas principais associações profissionais de

22 23
Notas editoriais Informações complementares na Internet

Ao longo deste texto, muitas referências são feitas a várias organiza-


AV ou audiovisual: Ao longo deste texto, a palavra audiovisual é usa- ções profissionais, associações internacionais e arquivos individuais.
da preferencialmente a sua abreviação AV. No campo da arquivísti-
ca audiovisual, ambos os termos são usados no mesmo sentido, mas A maioria desses organismos possui páginas informativas na Internet.
achamos melhor nesta publicação, em nome de sua consistência, pa- Muitas também editam uma série de publicações, incluindo periódi-
dronizar o uso de um ou outro. cos e boletins, e possuem listas de divulgação às quais se pode facil-
mente associar. Os serviços que oferecem merecem ser pesquisados.
Mídia, documento ou material: Da mesma forma, o termo do-
cumento audiovisual foi em geral preferido ao termo mídia audiovi- Existem alguns portais muito úteis para acessar esses recursos e
sual ou material audiovisual, embora a escolha tenha dependido do essas redes.
contexto. Além disso, documento é usado no sentido de um registro
criado com intuito deliberado, não no sentido de um fato oposto O portal de arquivos da Unesco (http://www.unesco.org/new/
a uma ficção. en/communication-and-information/portals-and-platforms/unes-
co-archives-portal/) contém links para dezenas de organizações e
arquivos de dimensão internacional, regional e nacional, mantém
um calendário de eventos e disponibiliza publicações e recursos.

Consultar também a página do programa Memória do Mundo (www.


unesco.org/webworld/mdm) que facilita acesso a várias publica-
ções mencionadas neste documento.

A página do ccaaa (www.ccaaa.org) – Co-Ordinating Council of


Audiovisual Archives Association é o fórum das associações inter-
nacionais que possuem relações oficiais com a Unesco. Sua página
remete às destas federações.

24 25
| Agradecimentos

As pessoas a seguir são membros do grupo de referência interna-


cional que atuaram como leitores e conselheiros durante a prepa-
ração desta publicação. Embora suas trajetórias profissionais e fi-
liações a associações na área estejam indicadas, enfatizo que todos
prestaram colaboração a título estritamente pessoal.

Sven Allerstrand
Arquivista. Diretor geral do Arquivo Nacional Sueco de Sons Gra-
vados e Imagens em Movimento desde 1987. Membro dos conse-
lhos da Sociedade Sueca de Arquivos desde 1993 e da Biblioteca
Nacional Sueca desde 1995. Secretário Geral (1991-1996) e Presi-
dente (1997-1999) da Iasa.

Lourdes Blanco
Curadora de arte pré-hispânica e contemporânea e ensaísta. Ex-
diretora do Centro de Conservação e de Arquivos Audiovisuais da
Biblioteca Nacional da Venezuela. Membro do comitê regional
para América Latina e Caribe do programa Memória do Mundo.

David Boden
Administrador de arquivos. Chefe do setor de Preservação e Serviços
Técnicos do National Screen and Sound Archive da Austrália. Mem-
bro do Conselho Executivo e tesoureiro da Seapavaa desde 2002.

27
Paolo Cherchi Usai Irene Lim
Arquivista, ensaísta e professor. Curador Chefe do Departamento Diretora adjunta (Audio Visual Archives/Exhibitions) do National
de Cinema e diretor da L. Jeffrey Selznick School of Film and Vi- Archives de Singapura. Membro do Conselho Executivo da Seapa-
deo Preservation da George Eastman House, Rochester, Nova Ior- vaa de 2000 a 2002. Atualmente termina um mestrado em ciências
que, desde 1994. Membro do conselho das Giornate de Cinema da informação na Nanyang Technological University.
Muto de Pordenone desde 1982. Membro do Comitê Executivo
da Fiaf. Hisashi Okajima
Ensaísta de cinema, professor e crítico. Curador do arquivo de fil-
David Francis OBE mes e chefe do setor de Programação/Difusão do National Film
Consultor em arquivística. Curador do National Film Archive (In- Center, National Museum of Modern Art, Tóquio, Japão. Mem-
glaterra) até 1990. Diretor da Motion Pictures, Broadcasting and bro do Conselho de diretores da Japan Society of Image Arts and
Recorded Sound Division da Library of Congress até 2001. Mem- Sciences desde 2000.
bro honorário da British Kinematograph and Television Society.
Ganhador dos prêmios Jean Mitry e Mel Novikoff. Membro hono- Fernando Osório
rário da Fiaf. Professor de arquivística e conservação audiovisuais. Professor
de preservação fotográfica na Escola Nacional de Conservação,
Verne Harris Restauração e Museologia, Cidade do México. Diretor de con-
Arquivista e ensaísta sobre assuntos arquivísticos. Diretor do South servação da Coleção Manuel Alvarez Bravo do Centro de Cul-
African History Archive, um arquivo independente que documenta tura Casa Lamm. Ganhador da bolsa Fulbright – Gracia Robles
as lutas contra o apartheid. Conferencista sobre arquivos da Uni- (1994-96).
versity of Witwatersrands. Diretor adjunto do South Africa State
Archives/National Archives até 1993. Roger Smither
Ensaísta e arquivista. Conservador do Imperial War Museum Film
Sam Kula and Video Archive desde 1990. Editor do Código de Ética da Fiaf
Ensaísta, consultor em arquivística. Presidente (2003-2004) e mem- (1998). Membro da Comissão de Catalogação da Fiaf (1979-1994),
bro do Conselho da Amia. Ocupou vários cargos executivos na do Comitê Executivo da Fiaf (1993-2003) e secretário geral/vice
Fiaf e na Fiat. Participou de missões de estudo para a Unesco e presidente da Fiaf (1995-2003).
Ica. Diretor do National Film and Television Archives/National
Archives do Canadá até 1988.

28 29
| Filosofia e princípios
da arquivística audiovisual
1 | Introdução

1.1 O que é filosofia?

1.1.1
Toda atividade humana baseia-se em valores, crenças ou no conhe-
cimento de certas verdades, ainda que estas sejam percebidas ins-
tintivamente e não verbalizadas (“se não respirar, eu sufoco”). Da
mesma forma, todas as sociedades funcionam porque existem valo-
res compartilhados e regras aplicadas em comum, frequentemente
expressas em fórmulas escritas, como leis e constituições. Essas, por
sua vez, fundamentam-se em valores que, independentemente de
estarem ou não expressos nesses textos, constituem sua base, bem
como a base de sua aplicação.

1.1.2
A filosofia coloca a problemática dos valores e crenças em um pa-
tamar mais elevado ao fazer perguntas do tipo “por quê?”, “quais
os princípios fundamentais e a natureza de...?”, “o que é esse todo

33
do qual eu vejo apenas uma parte?”, e de propor respostas que De outra forma, a ação nos arquivos corre o risco de ser arbitrária
se articulam num sistema lógico ou numa determinada visão de e inconsistente, baseada em intuições não verificadas e em políticas
mundo. As religiões, os sistemas políticos e a jurisprudência são caprichosas. Tais arquivos não teriam condições de garantir confia-
expressões de filosofias. Também o são os campos de atividades bilidade, previsibilidade e seriedade.
que habitualmente chamamos de “profissões” – a prática da me-
dicina, por exemplo, tem uma base filosófica que reconhece a su-
perioridade da vida e o bem-estar do indivíduo como um estado 1.2 Filosofia e princípios de arquivos
normal e desejável. audiovisuais 1

1.1.3 1.2.1
As filosofias têm força porque as teorias, as visões de mundo e os Foi durante a década de 1990 que, por diversos motivos, o desen-
quadros de referência que elas criam são base de ações, decisões, volvimento de uma base teórica codificada para a profissão tor-
estruturas e relações. Os arquivistas audiovisuais, assim como os nou-se finalmente uma preocupação. Em primeiro lugar porque
bibliotecários, os museólogos e outros profissionais de coleta e con- a importância óbvia e crescente da mídia audiovisual como parte
servação, exercem um tipo particular de poder sobre a sobrevi- integrante da memória do mundo provocou uma rápida expan-
vência, o acesso e a interpretação da memória cultural do mun- são da atividade arquivística, sobretudo em contextos comerciais
do (estudaremos isso no capítulo 7). Compreender as teorias, os e semicomerciais além do âmbito dos tradicionais arquivos ins-
princípios, os postulados e realidades que influenciam seu trabalho titucionais. Grandes somas de recursos foram gastas mas talvez
tem, portanto, importância não somente para os próprios arquivis- nem sempre tenham sido obtidos os melhores resultados devi-
tas mas também para toda a sociedade. do à ausência de normas profissionais definidas e reconhecidas.
Décadas de experiência prática acumulada em arquivos audio-
1.1.4 visuais forneciam agora uma base sobre a qual firmar mais so-
A teorização é uma ferramenta para explorar e entender um domí- lidamente – através da codificação dessa experiência – as possi-
nio profissional e esse objetivo é o propósito deste texto. A hipótese bilidade de maximizar os ganhos potenciais e os inconvenientes
inicial é que os arquivistas audiovisuais precisam entender e refle- de perder oportunidades.
1. O termo arquivo
tir sobre os fundamentos filosóficos de sua profissão para exercer audiovisual como
definição de um campo
seus poderes com maior responsabilidade, estar abertos à discussão 1.2.2 de atividade será
discutido no Capítulo 3,
e ao debate em defesa de seus princípios e práticas, e ao mesmo Em segundo lugar, os profissionais de arquivos audiovisuais por mui- juntamente com outras
terminologias usadas
tempo evitar a tentação de se esconder atrás de dogmas rígidos. to tempo careceram de uma identidade clara e de reconhecimento neste texto.

34 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução | 35


2. Neste documento, profissional entre as profissões correlatas, o governo, as indústrias de informação”. Os arquivos de “múltiplas mídias”6 cada vez mais facing audiovisual
os termos “associações” archives (Questões
e “federações” em audiovisuais e a comunidade em geral. Careciam também de um aumentam de número e às vezes substituem os antigos arquivos de legais enfrentadas pelos
geral se referem a arquivos audiovisuais)
ongs (organizações
vital quadro de referências crítico para obter aquele reconheci- filmes, de televisão e de sons gravados, ao mesmo tempo que diver- (1991).
não governamentais)
internacionais que mento: uma síntese teórica definindo valores, éticas, princípios e sificam suas formas de organização e prioridades. 5. A Fiaf foi pioneira,
operam exclusivamente
em 1973, na criação
no espectro audiovisual percepções inerentes a seu campo de atividades. Isso os tornava de cursos e seminários
– Iasa (Associação
Inter nacional de Arquivos
Sonoros e Audiovisuais),
intelectual e estrategicamente vulneráveis, além de prejudicar a 1.2.5 intensivos, estilo “escola
de verão” internacional,
que continuam a
Fiat (Federação imagem pública e o status da profissão, que resultavam da apa- Esta preocupação cristalizou-se, entre outras formas, na instala- f u n c i o n a r. D e p o i s
Inter nacional de Arquivos
d e Te l e v i s ã o ) , F i a f rente ausência de fundamentos. Ainda que várias associações de ção da Avapin (Rede sobre a Filosofia dos Arquivos Audiovisuais), dela, outros usaram o
mesmo formato como,
(Federação Internacional
2
de Arquivos de Filmes) arquivos audiovisuais , bem como arquivos individuais, tivessem no início de 1993, bem como numa maior visibilidade de discus- por exemplo, o ciclo
de seminários de três
e Amia (Associação de
anos no Sudeste da Ásia
Arquivistas de Imagens desenvolvido políticas, regras e procedimentos, tradicionalmente sões teóricas e filosóficas na literatura profissional. Embora os durante 1995-7, sob os
em Movimento). Quando
o c o n t e x t o i n d i c a r, tinha-se pouco tempo para retroceder e refletir sobre a teoria em primeiros arquivos audiovisuais tenham surgido há cerca de um auspícios da Asean-Coci.
To r n a r a m - s e f r e q u e n t e s
incluem também os
3
comitês relevantes da Ifla que se baseavam. O surgimento de organizações com o objetivo século, e se possa dizer que a atividade desenvolveu consciência os seminários e oficinas
de curta duração
(Federação Internacional
de Associações de de atender essas necessidades profissionais e individuais foi um profissional a partir da década de 1930, seu crescimento com con- organizados por
federações ou arquivos
Bibliotecas) e do Ica
(Conselho Internacional sinal de mudança. tinuidade é essencialmente um fenômeno da segunda metade do individuais. No momento
em que escreve, o autor
de Arquivos) e órgãos
regionais como a século XX. É, portanto, um campo novo, que se desenvolve com tem conhecimento de
programas permanentes
Seapavaa (Associação
de Arquivos Audiovisuais
do Sudeste da Ásia
1.2.3 rapidez e que possui recursos e competências desigualmente dis- de pós-graduação em
arquivística audiovisual
e do Pacífico). Em terceiro lugar, a falta de padrões e de cursos de treinamen- tribuídos pelo planeta. oferecidos pela University
of East Anglia (Grã-
Estas organizações
têm representantes to formal para profissionais práticos emergiu como uma questão Bretanha), L. Jeffrey
Selznick School of Film
no Conselho de
Coordenação das
Associações de Arquivos
significativa e estimulou a Unesco a iniciar processos que resulta- 1.2.6 Preservation, George
E a s t m a n H o u s e , N e w Yo r k
Audiovisuais (ccaaa). ram em publicações sobre a função e a situação legal dos arquivos A visão das gerações pioneiras que estabeleceram os conceitos di- U n i v e r s i t y, U n i v e r s i t y o f
Califórnia Los Angeles
4
3. Como a Amia, audiovisuais , e no desenvolvimento de programas de formação ferenciados de arquivo de filmes, de televisão e de som enriqueceu- (todas nos Estados
Unidos) e Charles Sturt
Seapavaa e Sociedade de
Arquivistas de Filmes das de quadros. Tais cursos5, à medida que surgiam, necessitavam de se, modificou-se e foi testada pelo tempo e pelas experiências, pelas University (Austrália), este
último oferecido através
Filipinas (Sofia).
textos e quadros de referência teóricos assim como de formas de tentativas e pelos erros. Os arquivistas audiovisuais de hoje formam de educação à distância,
pela Internet.
4. As publicações são ensinar atividades práticas. Diversos programas desse tipo encon- um círculo muito mais amplo, ainda pioneiro, mas que enfrenta
Curriculum development 6. Usa-se o termo
for the training of tram-se estabelecidos atualmente. tarefas mais complexas, com novas e crescentes necessidades colo- “múltiplas mídias”
personnel in moving para evitar confusão
image and recorded sound cadas pela época e pelas circunstâncias. O desafio é ir ao encontro com “multimídia”, que
arquives (Desenvolvimento habitualmente significa
de programas para o 1.2.4 dessas necessidades num ambiente audiovisual profundamente mo- uma mistura de sons,
treinamento de pessoal imagens em movimento,
em arquivos de som e de Em quarto lugar, as rápidas mudanças tecnológicas desafiaram ve- dificado e em constante transformação à medida que avançamos textos e gráficos
imagens em movimento) procedentes de uma
(1990) e Legal questions lhos postulados à medida que se abriam as chamadas “autopistas pelo século xxi . fonte digital.

36 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução | 37


1.3 O estado atual da profissão de arquivista 1.3.4
audiovisual A literatura específica, que inclui manuais práticos, rigorosos estudos
de caso, teses de doutorado e uma série de recursos técnicos, não pára
1.3.1 de crescer. Pode-se tomar conhecimento da existência desses mate-
Diante das necessidades que rapidamente se ampliam, as federa- riais e obter parte deles através de pesquisa nos portais na Internet
ções (muitas das quais hoje possuem comissões de formação) e o das federações, da Unesco e de arquivos individuais.
ccaaa esforçam-se no desenvolvimento de políticas, orientações
e na organização de diferentes modalidades de oficinas e semi- 1.3.5
nários para arquivos individuais ou grupos de arquivos em todo Contudo, há pouca evidência de que este crescimento tenha se
o mundo. As maiores dificuldades são o custo e a disponibilidade transformado em reconhecimento formal da profissão por parte
de profissionais qualificados e experientes que possam ser libera- de governos ou de autoridades reguladoras do trabalho. Se é pro-
dos pelas instituições em que trabalham pelos períodos de tempo vável que arquivos gerais, bibliotecas e museus sejam geridos por
necessários. especialistas reconhecidos e adequadamente qualificados nesses
campos, isso parece menos verdade no que respeita os arquivos
1.3.2 audiovisuais, que são frequentemente dirigidos por pessoas sem as
A arquivística audiovisual apenas nos últimos anos começou a necessárias competências.
emergir como disciplina acadêmica. O número de programas de
pós-graduação existente é ainda pequeno, mas tudo indica que
crescerá. Habitualmente envolvem um ou dois anos de dedicação
em tempo integral, seguidos de estágios práticos. A julgar pela cres- 1.4 Principais questões atuais
cente visibilidade que esses programas adquirem nas federações, a
perspectiva de emprego para os graduados é alta. 1.4.1
Em muitos países – talvez a maioria – já não é mais necessário ar-
1.3.3 gumentar que os filmes e registros precisam ser preservados e exigem
As federações começam a enfrentar agora a difícil, mas inevi- armazenamento correto e outros cuidados para que tenham sua
tável, questão da exigência de graduação formal para os ar- sobrevivência garantida. Este princípio recebe pelo menos apoio
quivistas audiovisuais. Ainda que não seja resolvida em curto verbal, ainda que as verbas não venham junto com este apoio.
prazo, a etapa é tão necessária nesse campo quanto o foi no de Sem esquecer esta última circunstância, uma ampla diversidade
outras profissões. de outras questões e problemas que surgiram recentemente merece

38 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução | 39


atenção. Muitos serão analisados posteriormente em seus contex- exemplo, cópias em nitrato sobreviventes e ao conjunto de normas
tos, mas estão agrupados abaixo de forma sumária, sem nenhuma relativas a padrões de projeção, competências e habilidades.
ordem específica, com o objetivo de chamar a atenção para eles e
colocá-los em evidência. (O autor não tem a pretensão de ser capaz 1.4.5
de adivinhar o futuro quando algumas questões comprovar-se-ão Países em desenvolvimento: Existe uma crescente consciência
menos importantes do que outras.) sobre o fato de que a arquivística audiovisual obedeceu tradicio-
nalmente a uma pauta sobretudo euro-americana que deu pouca
1.4.2 atenção às realidades dos países em desenvolvimento. Instalações,
Digitalização: “Você ainda não digitalizou seu acervo?” é a per- padrões e competências disponíveis no hemisfério norte simples-
gunta feita sistematicamente aos arquivistas por políticos, adminis- mente não estão disponíveis no hemisfério sul, onde soluções mais
tradores e supervisores dos orçamentos dos arquivos. A pergunta e simples, baratas e sustentáveis precisam ser encontradas. Atraves-
seus pressupostos são muito reveladores de sua desinformação, mas sar esse abismo e compartilhar recursos, habilidades e descobertas
o movimento para a tecnologia digital por parte das organizações é atualmente um grande desafio para a profissão.
da mídia tem um efeito profundo sobre a prática arquivística, as
demandas de acesso e o planejamento estratégico. 1.4.6
Regionalização e proliferação: Um número crescente de fede-
1.4.3 rações regionais reúne-se às antigas federações internacionais, o
Obsolescência: A digitalização coloca o dilema da obsolescência que pode ser sinal de um importante redirecionamento de papéis e
cada vez mais rápida dos formatos, com os arquivos precisando prioridades. Além disso, novos eventos relacionados com arquivos
lidar com os mistérios da preservação digital, por um lado, e, por – como festivais de filmes silenciosos realizados na Europa – au-
outro, com a necessidade de continuar preservando e atendendo mentam a complexidade do campo e de suas possibilidades.
às demandas de acesso aos “formatos tradicionais”, mais antigos.
1.4.7
1.4.4 Comercialização e acesso: Prover acesso é, em suas muitas for-
Valor de artefato: As cópias de filmes, os discos de vinil e ou- mas, uma prova visível – e muitas vezes a justificativa política – da
tros suportes anteriormente encarados e administrados como bens manutenção de recursos públicos para os arquivos audiovisuais. É
de consumo substituíveis e descartáveis começaram a ser perce- também a razão de ser do arquivo, e o status da profissão depende
bidos como artefatos que exigem abordagens e manuseios muito em grande medida de quão bem o acesso é propiciado. A pressão
diferentes. Esta mudança de percepção deu um novo status a, por para que os arquivos gerem receitas, que tenham consciência de

40 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução | 41


sua imagem, e a introdução de estratégias de cobrança de servi- livre se retrai à medida que restrições legais tornam-se mais amplas
ços são sintomas de um tempo em que se espera que a preserva- e complexas, e os governos ampliam a duração do controle do di-
ção do patrimônio cada vez mais pague suas próprias despesas. reito autoral diante da pressão das empresas. Observa-se também
As tendências e imperativos do mercado colocam novas questões um aumento paralelo na pirataria de imagens e sons.
que abrem desafios éticos e de gestão.

1.4.8 1.5 Contexto histórico


Estatutos: Diferentemente da maior parte das bibliotecas, arqui-
vos de documentos e museus, muitos dos arquivos audiovisuais do 1.5.1
mundo carecem de uma base legal, estatutos, decretos de criação Os conceitos de biblioteca, arquivo e museu são heranças da an-
ou documentos equivalentes que definam seu papel, sua segurança tiguidade. O desejo de acumular e transmitir a memória de uma
e sua missão. Eles são vulneráveis aos desafios e mudanças, e sua geração para outra cresceu ao longo da história humana. O século
continuidade pode ser bastante ilusória. xx caracterizou-se por novas formas técnicas de memória: a grava-
ção sonora e a imagem em movimento. Sua preservação e acesso
1.4.9 dependem de uma nova disciplina, síntese das três tradições men-
Desafios éticos: Em tudo – da política de acesso à possibilidade cionadas. A filosofia e os princípios da arquivística audiovisual, da
de mudar a história pela manipulação digital – o arquivista audiovi- guarda e conservação desse novo tipo de memória emanam daque-
sual enfrenta um leque cada vez maior de dilemas e pressões éticas. les fundamentos. A filosofia praticada na arquivística audiovisual – o
que é feito ou não, e por que – é consequência daqueles princípios
1.4.10 e valores fundadores.
A Internet: A rede mundial, atualmente um importante instru-
mento de prestação de serviços e de pesquisas, coloca também no- 1.5.2
vas questões relativas à seleção, incorporação e preservação, bem Este documento pode ser encarado como uma contribuição a um
como questões de ordem conceitual e ética. vasto e respeitável corpo de escritos, discussões e debates sobre a
filosofia, os princípios e a prática de algo que chamo de profissões
1.4.11 de coleta e conservação, e sobre o papel e a responsabilidade de
Propriedade intelectual: As novas tecnologias e suas variadas arquivos, bibliotecas e museus na sociedade. Parte das intenções do
formas de distribuição e acesso criaram novas oportunidades co- autor estará realizada se o texto for útil para introduzir o leitor a
merciais para velhas imagens e sons. O direito público ao acesso esse amplo universo.

42 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução | 43


1.5.3 2 | Fundamentos
Os próximos capítulos explorarão os valores e princípios e, de-
pois, a definição de conceitos e da terminologia da arquivística
audiovisual. Em seguida, discute-se sua aplicação em contextos
de organizações e em relação à natureza das mídias audiovisuais.
Finalmente, considera-se a base ética do campo, tanto a nível pes-
soal quanto institucional.

1.5.4
A discussão, contudo, não tem uma postura distante e fria. Paixão,
poder e política são tão inseparáveis da arquivística audiovisual
quanto de quaisquer outras disciplinas mais tradicionais de coleta e
conservação. O desejo de proteger a memória coexiste com o dese- 2.1 Premissas básicas
jo de destruí-la. Já foi dito que “ninguém e nenhuma força poderão
abolir a memória”7. Mas a história mostrou – e nunca mais dra- 2.1.1
maticamente do que nos últimos cem anos – que a memória pode Este documento baseia-se necessariamente em determinadas pre-
7. “O fogo não pode
matar os livros. As ser distorcida e manipulada e que seus suportes são tragicamente missas que precisam ficar claras desde já.
pessoas morrem, mas
os livros nunca morrem. vulneráveis à negligência e à destruição proposital.
Ninguém e nenhuma
força poderão abolir 2.1.2
a memória. [...] Nesta
guerra, sabemos, os 1.5.5 Ele tenta sintetizar os pontos de vista de profissionais que falam em
livros são armas. Parte
de nossa dedicação Em outras palavras: a preservação consciente e objetiva da memó- seu próprio nome e não como representantes oficiais de institui-
é sempre mantê-los
como armas usadas ria é um ato intrinsecamente político e pleno de valores. Não há ções ou federações (o que teria exigido uma abordagem diferente e
em defesa da liberdade
do homem.”. Franklin poder político sem controle sobre os arquivos e sobre a memória. muito mais complexa). Em consequência, ele não representa uma
Delano Roosevelt,
Message to the A democratização concreta sempre poderá ser medida à luz deste posição “oficial”, salvo se alguma organização o adotar explicita-
booksellers of América
[Mensagem aos livreiros critério essencial: o grau de participação na formação dos arquivos, mente como tal.
da América], 6 de maio
de 1942. o acesso a eles e a participação em sua interpretação 8.
8.Jacques Derrida, 2.1.3
Archive fever: a Freudian
impression, University O documento adota a postura da Unesco que considera a arqui-
of Chicago Press, 1996,
p.4, n.1. vística audiovisual como um campo único, no qual operam várias

44 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual 45


federações e diversos tipos de instituições de arquivo, e que pode Essas mudanças, como não poderia deixar de acontecer, colocam
ser encarado como uma área profissional única com pluralidade e em cheque tanto os princípios quanto a prática.
diversidade internas. (Outros pontos de vista, sabemos, encaram, por
exemplo, os arquivos de filme, os de televisão e os de som como 2.1.7
campos tradicionalmente separados.) A intenção é, na medida do possível, documentar o que existe
mais do que inventar ou impor teorias e modelos: ser mais descriti-
2.1.4 vo do que prescritivo 9. A filosofia da arquivística audiovisual pode
Independentemente do grau de seu reconhecimento acadêmico ter muito em comum com as outras profissões de coleta e conser-
ou oficial atual efetivo, a arquivística audiovisual será tratada vação, mas é lógico que emane da natureza dos documentos audiovisuais
aqui como uma profissão com seus direitos específicos. Donde, mais do que de uma analogia automática com aquelas outras profissões 10. Se-
não será encarada como um subconjunto especial de uma outra profis- guindo o mesmo raciocínio, os documentos audiovisuais merecem
são existente como, por exemplo, a biblioteconomia e a museolo- ser descritos em termos do que são e não do que não são. Termos
gia – também profissões de coleta e conservação da arquivística tradicionais como “não-livros” “não-texto” ou “materiais espe-
clássica –, embora estreitamente relacionada a elas. Sobre isso ciais” – comuns na linguagem das profissões de coleta – são inade-
falaremos no parágrafo 2.4. quados. Não seria igualmente lógico descrever livros ou arquivos
de correspondência como materiais “não-audiovisuais”? Não há 9. Ao estabelecer
adiante, princípio
2.1.5 lógica na implicação de que um tipo de documento é “normal” ou éticos, passei da
descrição para ju
As respectivas federações são fóruns apropriados para a discussão e “padrão” e que tudo o mais, definido em relação a ele, tem uma de valores sobre
comportamentos
o posterior desenvolvimento da filosofia e dos princípios da arqui- posição hierárquica inferior. desejáveis, embo
baseado na abord
vística audiovisual. Contudo, sabemos que muitos arquivos e arqui- descritiva seguida
conjunto do docu
vistas audiovisuais, por diversas razões, não pertencem a nenhuma 2.1.8
dessas associações. Este documento tem a mesma relevância para A arquivística audiovisual é um campo que tem sua própria termi- 10. Essa ideia po
ser melhor trabal
tais instituições e profissionais, e suas opiniões também devem ser nologia e seus próprios glossários (isto será tratado no Capítulo 3). Ve r n e H a r r i s a r g u
“Eu discutiria a n
levadas em consideração. O jargão audiovisual é um vocabulário dinâmico que se modifica de uma filosofia q
emana da naturez
no tempo e com as mudanças da área. Palavras como filme, cine- mídia. Nenhum re
fala por si. Sua ‘f
2.1.6 ma, audiovisual, programa e registro podem ter uma ampla gama mediada por indiv
instituições, disc
Este debate sobre teoria e princípios da arquivística audiovisual de significados e conotações de nuances diferentes em função do etc. Então, é mel
dizer: uma filosof
acontece num momento em que o panorama mundial está mu- contexto e do país. que emana das
mediações espec
dando, e as federações, antigas e novas, adaptam-se às mudanças. ao audiovisual”.

46 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Fundamentos | 47


2.2 As profissões de coleta e conservação para os profissionais, mas as sutilezas da definição têm importân-
cia apenas em círculos restritos. Os arquivistas audiovisuais, en-
2.2.1 quanto grupo, carecem de uma imagem pública de maior clareza.
A arquivística audiovisual é uma das profissões pertencentes ao Nos círculos profissionais, têm a necessidade e o direito de ser
grupo geral das profissões chamadas de coleta e conservação. A reconhecidos como diferentes dos arquivistas e de não se tornarem
nomenclatura difere de um país para outro mas, de maneira geral, vítimas da semântica 11.
essas profissões incluem:
2.2.4
p a biblioteconomia Algumas vezes, a identidade manifesta-se a nível institucional e
p a arquivística está estreitamente ligada ao caráter, finalidade e filosofia da ins-
p a conservação de materiais tituição em que opera. É o caso das bibliotecas, arquivos e mu-
p a documentação seus nacionais. Algumas vezes, manifesta-se em nível de um setor
p a ciência da informação dentro de um quadro maior, onde a profissão coexiste com outras
p a museologia, a curadoria de arte e seus subconjuntos. mas mantém sua própria integridade e filosofia. Nesse caso estão
as bibliotecas de galerias ou museus de arte, arquivos de manus-
Essa lista não é exaustiva! critos em vários tipos de instituição, e arquivos internos de orga-
nizações comerciais.
Conceitos padrão 11. Ao dar um nome,
em 1998, para seu novo
2.2.2 2.2.5 curso de arquivística
audiovisual, a School of
Os conceitos padrão tendem à simplificação. Nesse sentido, o arqui- Acima dessas considerações, o arquivista audiovisual opera como Information, Library and
Archive Studies (Silas) da
vista é a pessoa que cuida de arquivos e localiza papéis ou registros. um profissional nesses contextos, utiliza suas competências, co- University of New South
Wa l e s e o N a t i o n a l F i l m
O bibliotecário é a pessoa que fica atrás de um balcão de empréstimo nhecimentos e filosofia nesses diversos contextos. A autonomia and Sound Archive da
Austrália decidiram-se
ou organiza livros em uma estante. O arquivista de som ou arquivista profissional – ou seja a liberdade de expressar sua identidade sobre o termo “gestão
audiovisual”. Embora
de filmes talvez ainda não possua uma imagem tão clara e definida e integridade profissionais, aplicar suas competências e agir de não seja uma solução
ideal para o dilema
na consciência coletiva. forma ética e responsável, independentemente das circunstân- da nomenclatura, na
época o termo evitou
cias – pode ser mais fácil em alguns lugares do que em outros, a confusão com os
cursos de arquivos e
2.2.3 mas é relevante em todos. biblioteconomia que
existiam na Silas, criando
A forma como os profissionais se definem a si mesmos para go- um terceiro curso com
status equivalente
vernos, autoridades ou diante de seus colegas pode ser importante ao daqueles.

48 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Fundamentos | 49


2.3 Valores ideológicas como, por exemplo, noções do que seja num determi-
nado momento considerado politicamente correto. O passado é
2.3.1 fixo. Ele não deve ser alterado.
A arquivística audiovisual compartilha valores com as profissões
de coleta e conservação e com os programas, recomendações e 2.3.4
convenções da Unesco relativos à proteção e acesso ao patrimô- Os documentos audiovisuais são muitas vezes efêmeros por sua
nio documental e cultural, sobretudo a Convenção para a salvaguar- própria natureza. Desta forma, as ações de coleta e preservação
da do patrimônio imaterial (2003), Memória do mundo: diretrizes para a podem exigir vigilância e presteza.
salvaguarda do patrimônio documental (2002) e a Recomendação para a
salvaguarda e preservação das imagens em movimento (1980). Expomos, a 2.3.5
seguir, os valores característicos da profissão. Aspectos éticos serão Num contexto em que a propriedade e a exploração dos direitos
tratados no Capítulo 7. patrimoniais têm grande importância comercial, os arquivistas au-
diovisuais procuram um equilíbrio entre a legitimidade de tais di-
2.3.2 reitos e o direito universal de acesso à memória coletiva. Este inclui 12. A Declaração de
Singapura, adotada pela
Os documentos audiovisuais são tão importantes – em alguns ca- o direito de assegurar a perenidade de uma obra editada sem neces- conferência conjunta
da Iasa e Seapavaa
sos mesmo mais importantes – quanto outros tipos de documentos sariamente ter de levar em conta aqueles direitos patrimoniais. Esse de 2000, esclarece:
“A Iasa e a Seapavaa
e artefatos. A relativa novidade de sua invenção, seu caráter fre- valor inspirou o conceito de depósito legal, aplicado amplamente a apoiam o princípio
do desenvolvimento
quentemente popular e sua vulnerabilidade às rápidas mudanças livros e outros suportes escritos, conquistado pelas bibliotecas e que adequado e equitativo
das práticas e das
tecnológicas não diminuem sua importância. Consequentemente, vem sendo progressivamente estendido para a área audiovisual. infraestruturas de
arquivística audiovisual
sua conservação e o acesso a eles devem ser garantidos, assim como em todos os países
do mundo. A memória
os recursos necessários para isso. 2.3.6 audiovisual do século XXI
deveria ser verdadeira
Como adequado a uma profissão nova e relativamente pouco desen- e equilibradamente o
reflexo de todos os
2.3.3 volvida, ligada a uma indústria de dimensões mundiais, existe entre os países e de todas as
culturas. O fracasso do
Os arquivistas audiovisuais, entre outras responsabilidades, preci- arquivistas audiovisuais uma consciência internacional: a perspectiva século XX em assegurar
essa memória em
sam garantir a autenticidade e a integridade dos materiais sob seus da produção audiovisual local e nacional com relação a um patrimô- muitas partes do mundo
n ã o p o d e s e r e p e t i r.
cuidados, que precisam ser protegidos de danos, de censura ou de nio internacional. Têm também a consciência do contexto histórico Este princípio está
em consonância com
alterações intencionais. Sua seleção, proteção e acesso em nome no qual recursos e oportunidades foram distribuídos desequilibrada- o desenvolvimento de
apoio e estímulo mútuos
do interesse público devem ser orientados por diretrizes objetivas mente entre o “primeiro mundo” e o “terceiro mundo”, o que resul- que são parte da razão
de ser de ambas as
e não submetidas a pressões políticas, econômicas, sociológicas ou tou na perda da memória audiovisual em muitas partes do planeta12. instituições”.

50 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Fundamentos | 51


2.3.7 Ele não recebe todos os recursos de que necessita, não é ampla-
Boa parte do trabalho dos arquivistas audiovisuais não pode ser mente conhecido, e a maior parte das vezes seu trabalho demanda
controlada ou validada. Os riscos de conflitos de interesse são, por- tempo e energia. Ele atrai e conserva pessoas motivadas por um
tanto, consideráveis. Por isso, o exercício da profissão demanda sentimento de vocação, para as quais o trabalho realizado repre-
um rigoroso senso de ética e de integridade pessoais. Elementos senta a própria recompensa.
integrantes dessa postura são a clara demonstração de trabalhos
executados, a transparência, a honestidade e a precisão.

2.3.8 2.4 A arquivística audiovisual como profissão


Os arquivistas audiovisuais trabalham em contextos comerciais e
não comerciais. Esses contextos não são mutuamente exclusivos e 2.4.1
os arquivistas precisam muitas vezes conciliar julgamentos de va- Ao afirmar o status profissional da atividade do arquivista audiovi-
lor cultural com imperativos de uso comercial. Algumas empresas sual, é necessário definir o conceito aplicado na prática às atuais
comerciais levam o trabalho dos arquivos audiovisuais a sério: ao profissões de coleta e conservação. Para a construção de uma defi-
proteger seu próprio patrimônio audiovisual estão também agindo nição, propomos que as características de uma profissão incluam:
em seu próprio interesse. Outras dão pouca relevância ao assunto.
O contexto cria suas próprias questões éticas e práticas. p um corpo de conhecimentos e uma literatura
p um código de ética
2.3.9 p princípios e valores
Na coleta e no uso de materiais de acervo, os arquivistas audiovi- p terminologia e conceitos
suais, como outros profissionais de coleta e conservação, operam p perspectivas ou paradigmas gerais
numa área onde regras, relacionamentos e propriedades nem sem- p uma filosofia codificada por escrito
pre estão claras, e a privacidade e o sigilo devem ser respeitados. p procedimentos, métodos, padrões e códigos das melhores
Espera-se que o arquivista tenha a capacidade de merecer a con- práticas
fiança nele depositada e mantenha sua discrição. p fóruns de discussão, de estabelecimento de padrões e de
resolução de problemas
2.3.10 p normas de formação e de verificação de conhecimentos
O trabalho do arquivista audiovisual raramente compartilha o compromisso: membros utilizam seu próprio tempo perseguin-
charme e o prestígio das indústrias das quais protege a produção. do os melhores interesses em prol de sua atividade.

52 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Fundamentos | 53


Profissionais são, por definição, pagos por seu trabalho. O amador, 2.4.4
também por definição, dedica-se por puro amor a uma tarefa ou a Ou seja, os arquivistas audiovisuais – coletivamente ou em suas res-
um campo de atividade mas é possível que o trabalho e a motiva- pectivas especialidades – ainda estão longe de ter uma identidade
ção de ambos sejam os mesmos. profissional clara e sem ambiguidades. Contudo, muitos profissio-
nais com formação universitária que ocupam cargos de responsa-
2.4.2 bilidade têm a firme convicção de que não são bibliotecários, arqui-
Como demonstrará este documento, esses elementos participam vistas generalistas ou museólogos, e isso inclui mesmo aqueles que
efetivamente da definição da arquivística audiovisual, mesmo que tiveram educação formal nessas áreas. A frequente identificação
um ou dois deles – sobretudo as normas de verificação de conheci- pessoal com frases como arquivista de filmes ou arquivista de som é uma
13. As normas mentos – ainda estejam em embrião 13. Antes de discutir esses ele- forma de afirmar uma identidade percebida.
de verificação de
conhecimentos mentos, convém destacar alguns pontos de história e percepção.
podem independer
de qualificações 2.4.5
acadêmicas. No
campo das artes 2.4.3 Quando é, então, que um novo campo de atividade torna-se uma
e da conservação
de materiais, por A arquivística audiovisual originou-se de vários contextos institu- profissão válida e deixa de ser – ou de ser encarada como – parte
exemplo, as sociedades
profissionais cionais. Na falta de alternativas, foi, e ainda é, natural que os que de alguma outra coisa? Na falta de circunstâncias externas que o
estabeleceram seus
próprios exames de a praticam encarem e interpretem seu trabalho à luz de suas dis- definam, em último caso a resposta pode estar na imagem e na
certificação antes do
surgimento dos cursos ciplinas formadoras ou de suas instituições-mães. Essas disciplinas própria afirmação disso: nós somos o que acreditamos ser, o que
universitários. No
campo da arquivística incluem, em sua variedade, formação em biblioteconomia, museo- dizemos que somos e demonstramos que somos. Num mundo em
audiovisual, o processo
será inverso. logia, ciência de arquivos, história, física e química, administra- que a produção audiovisual explode, os arquivistas audiovisuais es-
ção e as práticas técnicas envolvidas nas atividades de rádio e tão hoje em boa posição para serem ouvidos e reconhecidos como
14. A título de registro,
o autor tem um diploma teledifusão, registro de imagens e sons. Podem excluir também um grupo diferente de todas as profissões análogas.
de pós-graduação
em biblioteconomia, algum tipo de treinamento formal, ou seja, podem ser fruto uma
obtido em 1968,
quando a atividade de formação autodidata e entusiasta 14. Pressionado a especificar sua 2.4.6
arquivamento de filmes
era responsabilidade filiação profissional, o arquivista audiovisual pode amparar-se Uma parte do processo consiste em responder às reações de pessoas e
da instituição em que
trabalhava, a Biblioteca em sua qualificação formal – se ele a tiver – ou identificar-se de grupos profissionais existentes que discordam de que a arquivísti-
Nacional da Austrália.
Contudo, a teoria e a com os termos arquivista ou conservador de sons, de filmes, au- ca audiovisual seja uma profissão à parte. O debate é legítimo e pode
prática da arquivística
audiovisual foi uma diovisual, de televisão, ou similares. Alguns podem mencionar ter efeitos benéficos e esclarecedores para ambas as partes, quando se
conquista autodidata –
ou, mais precisamente, suas relações com uma ou mais federações como prova de seu busca a verdade. Uma nova profissão inevitavelmente muda a situa-
descoberta – na prática
de muitos anos. status profissional. ção existente e deixa claro que antigas analogias não se aplicam a um

54 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Fundamentos | 55


novo modelo. Os adversários poderão afirmar o contrário, e tentar cumentais, animação. Áreas específicas de rádio e televisão incluem
adequar as novas realidades a um modelo existente. Algumas vezes, ficção, noticiário, atualidades, publicidade. Restauração física, copia-
esses pontos de vista podem ser abertamente discutidos; outras vezes, gem e revelação, tratamento de materiais de áudio e vídeo, restau-
15. Por exemplo, o o “novo” pode ser caracterizado como um desvio do “ortodoxo” e ração óptica ou digital, manutenção de equipamentos são algumas
capítulo “Managing
records in special ser discutido nesses termos . Nossa posição é que os arquivistas au-
15
das especialidades técnicas. Habilidades gerenciais e administrativas
formats”, in Ellis, J.
(ed.) Keeping archives diovisuais deveriam defender objetivamente seu modelo e avaliar os na área de prestação de serviços, incorporação e gestão de acervo,
( D . W. T h o r p e / A u s t r a l i a n
Society of Archivists, argumentos com objetividade. É inevitável que aqui haja questões de difusão e comercialização constituem outros tipos de especialização.
1993), discute a
“separação dos princípio mas também questões políticas envolvidas.
suportes” em oposição
a uma abordagem do Reconhecimento
“arquivo total”, no qual
termos como “arquivo de Especializações 16
2.4.9
filmes”, “arquivo de som”
e “arquivista de som” 2.4.7 A obtenção de reconhecimento formal por parte de organismos de
são sistematicamente
colocados entre aspas. Como também acontece nas outras profissões de coleta e conser- âmbito acadêmico, governamentais e industriais é um importante
Quando se refere a
estes, anota que se vação, a especialização em temas ou suportes é uma característica sinal de maturidade e um processo ainda em curso. Até que isso
trata “quase de uma
disciplina à parte, [com tradicional dos arquivistas audiovisuais, e isso continuará aconte- seja conseguido junto à administração pública de diferentes paí-
intersecções] com a
gestão de arquivos e a cendo, tanto em razão de preferências individuais quanto da ne- ses, os arquivistas audiovisuais, por exemplo, devem ser assimila-
biblioteconomia”.
cessidade de atender carências e objetivos institucionais. Em conse- dos, por analogia, à categoria mais próxima17. As situações podem
16. Um tema muito quência disso, há arquivistas de filmes, de som, de televisão e de rádio que variar muito, e isso eventualmente resulta em assimilações inade-
debatido é a qualificação
ou formação dos encontram nesses termos sua identidade profissional básica. Há quadas que desqualificam a complexidade e a responsabilidade do
diretores e vice-diretores
de arquivos audiovisuais. pessoas que se especializam em determinadas áreas de conteúdo, trabalho, ou exigem que os arquivistas audiovisuais tenham quali-
Alguns defendem que
tais pessoas deveriam em uma combinação de mídias, em áreas de difusão ou de técnicas ficações formais inapropriadas ou desnecessárias (excluindo com
ser profissionais
treinados na área e ter específicas. Essas especializações têm a ver com preferências e com isso quadros potencialmente valiosos).
um diploma adequado
ou experiência como necessidades. Num campo de conhecimentos tão vasto e que se ex-
técnicos ou historiadores
ou curadores ou pande rapidamente não há lugar mais para especialistas universais. Bibliografia e conhecimentos
especialistas no assunto, 1 7 . To d o s t ê m s u a s
e, consequentemente, 2.4.10 anedotas prediletas.
ter um adequado quadro Eis a minha: em 1913,
de referências para as 2.4.8 Há vinte e cinco anos, a bibliografia específica de um arquivista o governo australiano
tarefas administrativas. nomeou seu primeiro
Alguns se preocupam Os exemplos são inúmeros, mas basta citar alguns. Os arquivistas audiovisual ocuparia pouco espaço numa estante: alguns manuais e operador cinematográfico
com a crescente oficial, posto inédito.
tendência de indicar de som podem se especializar em sons da natureza, documentos et- estudos técnicos, e nada mais. Atualmente, uma bibliografia básica Como classificá-lo? Fácil:
como diretores de ele receberia o mesmo
arquivos administradores nológicos, história oral ou em alguns gêneros musicais. Arquivistas que cresce exponencialmente está além da capacidade de ser domi- s a l á r i o d e u m a g r i m e n s o r,
sem nenhuma porque ambos
especialidade na área. de filmes podem escolher gêneros de filmes de longa metragem, do- nada por uma única pessoa. Uma grande variedade de questões de usavam tripés.

56 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Fundamentos | 57


história, teoria e prática está documentada e é debatida em uma Os profissionais desses arquivos, por sua vez, contribuem cada vez
série enorme de monografias, manuais e compêndios, bases de da- mais com monografias e periódicos19 que formam hoje uma litera-
dos técnicos, dissertações, guias e normas da Unesco, bem como tura abundante e distinta de seus campos correlatos.
em jornais e boletins profissionais. Entre esses últimos estão as pu-
blicações das principais federações. 2.4.14
Deve-se reconhecer, contudo, que a riqueza desses conhecimentos
2.4.11 não é igualmente disponível para todos. Como a maior parte deles
A disseminação da Internet estimulou muito a expansão do conhe- é escrita em inglês, profissionais que não dominam esse idioma
cimento ao tornar disponível para consulta (aos que têm acesso à estão em desvantagem.
rede) uma grande quantidade de catálogos, sites, bases de dados e
outros recursos. Além disso, o crescente número de servidores de
listas18 consolidou o sentimento de comunidade profissional, esti-
mulou a tomada de consciência, multiplicou muito a velocidade da 2.5 A formação de arquivistas audiovisuais
troca de informações e da resolução de problemas.
2.5.1
2.4.12 A existência de cursos universitários credenciados é uma das carac-
A enorme bibliografia e a soma de conhecimentos das profissões de terísticas de uma profissão. Existem, há muito tempo e no mundo
coleta e conservação estão disponíveis aos arquivistas audiovisuais inteiro, cursos universitários que preparam profissionais de coleta
e são importantes nas áreas de habilidades e necessidades comuns, e conservação de documentos, e muitas instituições exigem um di-
como as atividades de conservação de materiais, catalogação e ad- ploma de graduação ou de pós-graduação para a contratação de
ministração de acervos. Os arquivistas audiovisuais também po- profissionais. A titulação acadêmica também é necessária para a
dem contribuir para essa massa de conhecimentos, sobretudo em afiliação a algumas associações profissionais que oferecem fóruns
18. A quantidade e
a especialização dos áreas de sua atividade que têm aplicação em contextos mais tradi- de discussão, debates e aperfeiçoamento profissional e defendem os
servidores de listas
crescem sem parar e cionais, como é o caso por exemplo da preservação de microfilmes interesses coletivos de seus membros.
incluem listas operadas
pelas federações e e de registros de história oral.
por várias sociedades
p r o f i s s i o n a i s . Ta l v e z 2.5.2
a maior e mais ativa 19. A base de dados Pip
delas seja a da 2.4.13 Os arquivistas audiovisuais evoluíram num contexto muito diferen- mantida pela Fiaf indexa
Amia, que apresenta mais de 200 publicações
diariamente dúzias Os vastos domínios de estudos sobre cinema, televisão, rádio e som te. Oriundos de formação diversificada, nem sempre diplomados em relativas a cinema
de mensagens novas e televisão de todo
( w w w. a m i a n e t . o r g ) . valem-se muito dos recursos e serviços dos arquivos audiovisuais. disciplinas de coleta e de conservação, em geral foram obrigados o mundo.

58 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Fundamentos | 59


a aprender seu trabalho em condições que exigiam que se pri- a história do audiovisual
vilegiassem os aspectos práticos de funcionamento do arquivo e as tecnologias de registro utilizadas pelos diferentes suportes
se relegasse para segundo plano sua dimensão teórica. Cursos e audiovisuais
seminários de curta duração ofereceram a possibilidade de com- as estratégias e políticas de gestão de acervos
partilhar uma capacitação teórica a pessoas que já exerciam a pro- as técnicas fundamentais de conservação e acesso
fissão, e continuaram a fazê-lo 20. Esses cursos respondem a uma aos acervos
necessidade fundamental mas, por sua própria natureza, não po- a história dos arquivos audiovisuais
derão nunca proporcionar uma base global de conhecimentos de a física e a química básicas dos suportes audiovisuais
amplitude profissional. um panorama da história contemporânea.

20.Os cursos de
verão organizados 2.5.3 2.5.5
pela Fiaf em 1973, no
Staatlichesfilmarchiv Os cursos de nível universitário em arquivística audiovisual, que Como ocorre com outras profissões, um conhecimento amplo e
der DDR, em Berlim,
inauguraram um se multiplicaram a partir de meados da década de 1990, vieram diversificado constitui base prévia para uma especialização poste-
conceito que continua a
ser aplicado atualmente preencher uma lacuna21. Oferecem uma formação prática e teórica rior e permite aos arquivistas audiovisuais localizarem-se no con-
e que, sob os auspícios
da Unesco ou de que, ao final de um ou dois anos, é consagrada por um diploma. junto dos profissionais especializados na coleta e conservação de
diversas federações,
ou por iniciativa de Paralelamente, cursos mais gerais em biblioteconomia e arquivísti- documentos. Os conhecimentos de história são essenciais para a
serviços de arquivos,
reúnem especialistas ca começaram a incorporar elementos audiovisuais à medida que compreensão e a apreciação pessoal da importância social dos do-
internos e externos.
estes passaram a ocupar um lugar cada vez maior nas coleções ge- cumentos – para responder à pergunta: “para o que serve o que es-
21. Um estudo da rais das bibliotecas, dos arquivos e dos museus. Evidentemente, aos tou examinando?” A natureza dos documentos audiovisuais exige
Unesco intitulado
Curriculum development olhos dos potenciais empregadores, uma especialização desse tipo uma formação técnica universal; de outra maneira seria impossível
for the training of
personnel in moving constitui vantagem para os que aspiram trabalhar nesse campo. A entender o acervo com o qual se ocupa e explicá-lo para os outros.
image and recorded
sound archives obrigatoriedade de possuir uma qualificação na área será em breve Um conhecimento da história contemporânea em geral e de seu
estabeleceu um
programa “modelo” de definitiva para qualquer pessoa que quiser ocupar um lugar dentro próprio país em particular fornecerá um quadro para avaliar fil-
um curso universitário.
Boa parte dos cursos de um arquivo audiovisual. mes, programas e gravações. A capacidade de apreciar, criticar e
organizados seguiu
esse modelo em julgar a qualidade dos materiais dá coerência a todo esse conjunto.
estabelecimentos de
e n s i n o s u p e r i o r, m a s 2.5.4
existe também um curso
à distância pela Internet. Todo arquivista audiovisual deveria adquirir, numa carreira aca- 2.5.6
A lista de cursos
existentes figura no dêmica ou assemelhada, uma bagagem elementar que englobasse, A formação de arquivistas audiovisuais tem relações intrínsecas com
final dessa publicação
da Unesco. entre outros, os seguintes domínios do conhecimento: a informática e a arquivística, a conservação e a museologia, de modo

60 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Fundamentos | 61


que os cursos existentes nessas áreas são parte inerente de suas ne- a evolução dentro dos próprios arquivos reorientaram as percep-
cessidades de conhecimento. Além disso, as necessidades específicas ções e as focou nas semelhanças, não nas diferenças.
da arquivística audiovisual exigem conhecimentos especializados. Por
outro lado, com a convergência das tecnologias, as profissões tradicio- 2.6.2
nais de coleta e de conservação de documentos devem adaptar-se a As federações proporcionam fóruns de debate, cooperação e de-
novas necessidades. A história, porém, demonstra que elas possuem senvolvimento, e tomam parte na definição da identidade do ar-
um caráter conservador e resistente às mudanças tecnológicas. quivista audiovisual. Nenhuma delas, contudo, tem ainda o papel
de credenciar arquivistas individuais. O assunto está em debate.
Talvez uma das federações existentes assuma esse papel; talvez a
2.6 As associações profissionais CCAAA estimule a criação de alguma outra estrutura. O papel
e o potencial desse organismo central como porta-voz de toda a
2.6.1 profissão ainda estão se definindo ao mesmo tempo que se procura
Diferentemente das outras profissões de coleta e conservação, que superar as limitações da tradicional fragmentação sem perder os
possuem um único organismo central internacional, o campo da benefícios de sua diversidade.
arquivística audiovisual é fragmentado 22. Federações ou associa-
ções internacionais de arquivos de filmes (Fiaf), de televisão (Fiat),
de arquivos e arquivistas de som (Iasa), de profissionais individuais 2.7 Produtores e difusores
que trabalham com arquivos de imagens em movimento (Amia),
todos têm origens históricas diferentes. Paralelamente a elas, as- 2.7.1
sociações regionais atendem uma diferente área de interesses. Es- Dependendo da natureza de seus acervos e de suas atividades, os
22. O International
Council of Archives tas incluem a Seapavaa, a Association of European Cinemathe- arquivos audiovisuais podem ter relações de trabalho muito pró-
(Ica), International
Federation of Library ques (Ace), a Association for Recorded Sound Collections ( rsc) e ximas com vários setores das indústrias audiovisuais. Na verdade,
Associations (Ifla) e
International Council o Council of North American Film Archives ( cnafa ). Alguns são eles existem por causa dessas indústrias, ainda que não comparti-
of Museums (Icom) são
as ONGs reconhecidas fóruns de organizações, outros de profissionais individuais, outros lhem da sua influência e poder de penetração.
pela Unesco para as três
profissões tradicionais. ainda de ambos. Embora essa fragmentação tenha uma série de
No campo da arquivística
audiovisual, a Unesco causas, a mais importante talvez se deva às mudanças de percep- 2.7.2
tem atualmente relações
diretas com a Fiaf, Iasa, ção. O que antes foi visto como mídias diferentes, que exigiam As indústrias de difusão, registro, cinema e relacionadas, como ou-
Fiat e Seapavaa. Junto
com a Amia, o Ica e a tipos de organização e campos de experiência diferentes, com o tras indústrias, não são monolíticas nem fáceis de definir, de forma
Ifla, esses organismos
formam a CCAAA. tempo encontraram um terreno comum. A mudança tecnológica e que qualquer esquema que se queira aplicar a elas será sempre

62 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Fundamentos | 63


arbitrário e inevitavelmente incompleto. A título simplesmente in- Associações e fóruns: corporações e associações profissionais,
dicativo, sugerimos o modelo abaixo: sindicatos, grupos de pressão
O “setor amador”: realizadores e produtores amadores de fil-
Radiodifusores e difusores: estações e redes de rádio e de televisão, mes, vídeos e programas, cineclubes
seja por emissão, cabo ou satélite, e suas subsidiárias O “setor cultural”: grupos, revistas e boletins, festivais,
Companhias produtoras: as empresas que produzem filmes, universidades.
registros sonoros, documentários, séries de rádio e de televisão
Gravadoras e produtoras de vídeo: empresas que produzem e Os arquivos podem se relacionar com várias das categorias acima.
comercializam cds, dvds e vídeos
Distribuidores: os intermediários – companhias que ad- 2.7.3
ministram a comercialização, as vendas e o aluguel de filmes de A indústria também pode ser descrita, de outro ponto de vista,
cinema, registros de som e de vídeo e séries de televisão como abrangendo as seguintes atividades e áreas de trabalho (em
Exibidores: os cinemas ordem decrescente de pertinência):
Provedores de serviços via Internet: oferecem música e vídeos
para downloads p Atividade criativa (artistas, escritores, diretores etc.)
Varejistas: lojas de venda ou de locação de discos e vídeos p Programação (conteúdo e linha editorial)
Fabricantes: de equipamentos e fornecedores de material p Promoção (comercialização, vendas, imagem)
de consumo p Serviços técnicos (engenharia, operações)
Estúdios e outras instalações de produção: incluem empre- p Administração (produção, planejamento, políticas)
sas especializadas, grandes ou pequenas p Serviços de apoio (administração, finanças).
Infraestrutura: o enorme conjunto de serviços de apoio à in-
dústria – os laboratórios de processamento de película, ser-
viços de publicidade, fabricantes de computadores, especia- 2.8 Reflexão
listas em tecnologia de informática, fabricantes de trans-
parências para publicidade cinematográfica e até os fabri- 2.8.1
cantes de cadeiras para os cinemas Por que, embora a arquivística audiovisual exista há um século,
Agências governamentais: organismos de apoio, financiamento apenas recentemente colocaram-se as questões relativas à identida-
e promoção, autoridades de censura e regulamentação, or- de, à filosofia e à teoria profissionais, bem como as relativas à for-
ganismos de formação mação universitária e seus atestados? Em um campo inicialmente

64 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Fundamentos | 65


desbravado por individualistas apaixonados, a evolução das menta- 3 | Definições e terminologia
lidades foi lenta e as teorias e estruturas formais adotadas muito
gradualmente. O desenvolvimento de arquivos institucionais en-
cerra a época em que prevaleciam a intuição, a personalidade dos
arquivistas, a improvisação e a aprendizagem prática, assim como
práticas não viáveis a longo prazo. A era do individualista apaixo-
nado termina, enquanto se abre a do indivíduo apaixonado. Apenas
mediante a colaboração entre indivíduos poderemos construir ins-
tituições estáveis e sólidas, necessárias para garantir a longo prazo
a proteção e o acesso ao patrimônio audiovisual.

3.1 A importância da precisão

3.1.1
A arquivística audiovisual tem sua própria terminologia e seus pró-
prios conceitos, mas eles são frequentemente usados – e mal usados
– com pouco cuidado para com a precisão, de forma que a comuni-
cação nem sempre é clara. Este capítulo estuda esses pontos de refe-
rência fundamentais e propõe uma série de definições e princípios.

3.1.2
O Anexo I contém um glossário com alguns termos comuns. Glos-
sários maiores podem ser encontrados em algumas outras publica-
ções. Nem todos são concordes; além disso, a terminologia varia de
acordo com os idiomas. Nem todos os conceitos – sobretudo os abs-
tratos – podem ser traduzidos com precisão. Estimulamos o leitor
a abordar com cuidado esse tópico, tanto ao analisar os conceitos
quanto ao aplicá-los no curso de seu trabalho cotidiano.

66 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual 67


3.1.3 nificação. Dessa forma, atualmente, o vocábulo “arquivo” contém
A terminologia e a nomenclatura transmitem mensagens, intencio- em si uma grande variedade de conotações dentro de um mesmo
nal ou não intencionalmente. As palavras têm conotações e cargas idioma e cultura e que variam entre idiomas e culturas 23. Arquivo
afetivas, significam coisas diferentes para diferentes pessoas. Pen- pode significar:
sem, por exemplo, nas várias conotações que tem, para diferentes
grupos sociais, a simples palavra “arquivo”. Devemos ter muito um edifício ou parte de um edifício onde são guardados e
cuidado ao empregar termos, com o mais completo entendimento ordenados documentos históricos e registros públicos –
de como serão interpretados. um depósito
um receptáculo ou contêiner no qual são guardados
documentos físicos, como um móvel para pastas suspensas
3.2 Terminologia e nomenclatura ou uma caixa
uma localização digital, como um lugar num diretório de com-
3.2.1 Arquivo, biblioteca ou museu? putador, onde os documentos do computador são armazenados
os próprios registros e documentos, quando deixam de ser
3.2.1.1 O título desta publicação define a profissão como arquivísti- de uso corrente, mas podem ter relações com atividades,
ca audiovisual. O que significam estas duas palavras? O adjetivo qua- direitos, posses etc. de uma pessoa, de uma família, corpo-
lificativo audiovisual será analisado mais abaixo. Primeiro devemos ração, comunidade, nação ou outra entidade
dar atenção à palavra arquivística. a agência ou organização responsável pela coleta e guarda
de documentos.
3.2.1.2 A palavra arquivo origina-se do latim archivum, que significa 23. As fontes de
referência do autor para
“edifício público” e “registro”, e do grego archeion, literalmente “lu- 3.2.1.3 Os termos registro e documento são tratados abaixo. O verbo esta seção incluem The
Concise Oxford Dictionary
gar ocupado pelo archeon [magistrado superior]”. Ambas, por sua arquivar também pode, por extensão, ter uma grande variedade de (1951), The Macquarie
Dictionary (1988), The
vez, originam-se da palavra arche que tem múltiplos significados significados que incluem a colocação de documentos num receptá- Oxford paperback Spanish
D i c t i o n a r y ( 1 9 9 3 ) , R o g e r ’s
incluindo “origem”, “poder” e “começo”. culo, numa localização ou num depósito; a guarda, a organização, Thesaurus (1953). O ensaio
“Instituições de arquivo”,
a manutenção e a recuperação desses documentos; e a administra- de Adrian Cunningham,
incluído em Recordkeeping
Em chinês, a palavra utilizada para designar arquivo é ziliaoguán ção do organismo ou do lugar onde os documentos são guardados. in Society (ed. Michael
P i g g o t t e t a l , Wa g g a
(資料館) que poderia ser traduzida como “sala onde se organizam Wa g g a , C h a r l e s S t u r t
University Press, 2004),
os bens”. Cada caractere que forma o vocábulo tem uma série de 3.2.1.4 Arquivística audiovisual é, portanto, um campo que abarca todos acompanha a evolução do
conceito desde a aurora da
significados alternativos que, em alguns casos, enriquecem sua sig- os aspectos da guarda e recuperação de documentos audiovisuais, história escrita.

68 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Definições e terminologia | 69


a administração dos locais onde eles são guardados e das organi- têm imagens em movimento e sons gravados. Alguns termos estão
zações responsáveis pela execução dessas tarefas. Ela adquiriu suas em evolução, outros são específicos de instituições ou de determi-
próprias gradações particulares à medida que se desenvolveu e à nados países. Abaixo estão alguns termos-chave.
medida que os termos preservação e acesso, no seu âmbito, ganharam
significados particulares. 3.2.2.2 Referimo-nos em geral aos itens físicos discretos – discos,
rolos de teipe ou de filme, cassetes etc. – como suportes. O material
3.2.1.5 Tendo em vista o exposto, é importante nos referirmos a específico usado – vinil prensado, filme fotográfico, videoteipe etc.
dois outros termos, também centrais para as profissões de coleta e – é a mídia. Uma coleção típica compõe-se de uma grande varie-
conservação: biblioteca e museu, cada um deles com seu próprio mun- dade de mídias de formas, configurações e dimensões – formatos –
do de significados. Na tradição greco-romana, biblioteca originou-se diferentes.
do grego biblionthiki, depósito de livros. Museu é uma palavra latina
derivada do grego mouseion, o lugar das Musas, ou lugar de estudos. 3.2.2.3 Filme refere-se, em termos físicos, à tira perfurada de nitra-
O conceito moderno de biblioteca talvez seja o de uma fonte de to, acetato ou poliéster na qual se inscrevem imagens sequenciais
referências ou de estudos composta de materiais publicados numa e/ou trilhas sonoras. Engloba também as várias formas de negativo
grande variedade de formatos e não apenas livros. O de museu, um ou positivo transparente usadas em fotografia fixa.
local para a guarda, estudo e exibição de objetos de valor histórico,
científico ou artístico. 3.2.2.4 Teipe significa a tira de poliéster com uma camada magne-
tizada na qual se inscrevem informações de áudio ou de vídeo. É
3.2.1.6 Foi por motivos históricos que nossa atividade escolheu usada numa grande variedade de tipos de carretéis abertos ou em
identificar-se fundamentalmente com o termo genérico arquivo cassetes.
mais do que com as duas alternativas (ver, contudo, 3.2.4). Os três
termos, entretanto, são poderosos e evocativos, e sugerem sua vin- 3.2.2.5 Disco refere-se a uma vasta gama de formatos de suporte
culação com profissões, padrões e identidades de âmbito mundial, de som e/ou imagem desenvolvidos há mais de um século e que
e com a guarda, a responsabilidade e a continuidade culturais. engloba dos registros analógicos de som de 78rpm [rotações por
minuto] aos atuais formatos de discos compactos digitais ( cd) e dis-
3.2.2 Descritores de suportes e de mídias cos digitais de vídeo (dvd).

3.2.2.1 Uma ampla gama de termos é usada para descrever os itens 3.2.2.6 Alguns suportes são mais conhecidos por acrônimos co-
físicos das coleções ou acervos dos arquivos audiovisuais que con- muns ou patenteados, como cd , cd - r , dvd , vcd , vcr , vhs .

70 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Definições e terminologia | 71


3.2.2.7 Grupos de suportes tecnicamente idênticos relacionados cumentos – inclusive os audiovisuais – possuem dois componentes:
entre si para formar um todo coerente – como os diversos rolos de o conteúdo da informação e o suporte no qual esta se inscreve. Ambos
filme que compõem o negativo de imagem de um longa-metragem são igualmente importantes24.
– são algumas vezes chamados de elementos ou componentes.
3.2.3.4 Registro é um termo conexo e também pode ser aplicado a
3.2.3 Descritores conceituais qualquer mídia e a qualquer formato. É tradicionalmente usado
na arquivística com o sentido de comprovação duradoura de tran-
3.2.3.1 Há diversas maneiras de descrever conceitualmente as sações, decisões, compromissos ou processos, frequentemente na
imagens em movimento e os sons gravados. De novo, as gra- forma de documentos originais únicos25.
dações de termos particulares variam em função de cada país,
idioma e instituição. 3.2.3.5 Filme foi o termo original usado para descrever o suporte
transparente de nitrato de celulose ao qual se aplicava a emulsão
3.2.3.2 O termo audiovisual – dirigido aos sentidos da visão e da fotográfica (filme fotográfico). O significado do termo ampliou-se
audição – ganhou uso crescente como uma palavra simples, con- para abarcar as imagens em movimento em geral, assim como de-
veniente para abarcar todos os tipos de imagens em movimento terminados tipos de obras, como por exemplo filmes de longa metra-
e de sons gravados. Com alguma variação de conotação, é usada gem, independentemente do seu suporte. As produções televisivas
no nome de alguns arquivos e associações profissionais da área. É utilizam alguns termos cinematográficos como metragem e filmagem.
o termo adotado pela Unesco para reunir os campos de atividade Termos conexos como cine, cinema, imagem em movimento, tela e vídeo,
dos arquivos de filme, de televisão e de som que, embora de origem em graus variados, compartilham o mesmo território.
diversa, encontram cada vez mais pontos comuns em virtude das 24. Para uma discussão
mais extensa sobre os
mudanças tecnológicas. 3.2.3.6 Som é, literalmente, a sensação produzida no ouvido pela termos documento e
patrimônio documental,
vibração do ar circundante. Ele pode ser gravado e reproduzido de ver Memória do mundo:
diretrizes para a
3.2.3.3 Originalmente, documento aplicava-se à palavra escrita – um forma a recriar essas sensações. salvaguarda do patrimônio
documental (Unesco,
registro de informação, comprovação, atividade criativa ou intelec- 2 0 0 2 ) w w w. u n e s c o . o r g /
webworld/mdm.
tual. No século xx , tendo em vista sobretudo os trabalhos audiovi- 3.2.3.7 Radiodifusão diz respeito à televisão e ao rádio, independen-
suais, seu âmbito ampliou-se para incluir a apresentação factual de temente de a transmissão ser feita pelo ar ou através de cabos. Es- 25. Em inglês, o termo
record – verbo e
acontecimentos, atividades, pessoas e lugares reais – o documentário sas duas mídias possuem em comum a capacidade de transmissão substantivo – relaciona-
se também às gravações
é um tipo específico de filme, de programa de rádio ou de televisão. ao vivo – por exemplo, em noticiários, atualidades, conversas te- sonoras de qualquer
tipo e aos objetos delas
O programa Memória do Mundo da Unesco estabelece que os do- lefônicas e programas de entrevistas –, o que não é, nem pode ser, resultantes: os discos.

72 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Definições e terminologia | 73


característica das criações estudadas, como as gravações de mú- nematek, kinemathek) para arquivos de filmes, phonothèque ou discoteca para
sica, os filmes de longa metragem ou os programas documentais. arquivos de som, médiathèque para arquivos de mídias audiovisuais26.

3.2.3.8 Vídeo pode significar uma imagem em movimento eletrô- 3.2.4.3 Pelo mesmo motivo, a palavra museu é empregada por inúme-
nica (em oposição à fotográfica) exibida numa televisão ou numa ros arquivos. Há, por exemplo, vários museus de cinema na Europa. Em
tela de computador, ou ser uma abreviação para uma mídia ou um alguns, mas não em todos, há uma ênfase na coleção e exibição de arte-
formato relacionado, como registro de vídeo, videoteipe ou videocassete. fatos como figurinos, objetos de cena e equipamentos técnicos antigos.

3.2.3.9 Materiais especiais, não-livros, não-texto e outros termos seme- 3.2.4.4 Como unidade administrativa dentro de uma organização
lhantes são habitualmente usados para identificar suportes audiovi- maior, um arquivo audiovisual pode às vezes ser chamado de cole-
suais no jargão das bibliotecas e às vezes em arquivos tradicionais. ção – literalmente, um grupo de objetos ou documentos colocados
Do ponto de vista do arquivista audiovisual, esses termos não são juntos. Dependendo do contexto, o termo pode ter diversas cono-
úteis e, dependendo do contexto, podem mesmo ser pejorativos e tações, inclusive o sentido de itens selecionados individualmente de
ofensivos (ver 2.1.7). acordo com uma política, em oposição a um fundo de arquivo, ou a
um grupo de registros relacionados que forma um todo orgânico.
3.2.4 Descritores institucionais Em termos de organização, a palavra enfatiza a dependência com
relação a uma organização ou conceito maiores, mais do que suge-
3.2.4.1 Na medida em que os arquivos audiovisuais são instituições re uma organização com direitos próprios.
ou parte de instituições, eles são habitualmente identificados por
um descritor. O descritor é algumas vezes neutro (por exemplo: 3.2.5 Nomes de instituições
organização, instituto, fundação), mas, com mais frequência, é um
termo específico da profissão, como arquivo, biblioteca ou museu. 3.2.5.1 Os nomes institucionais dos organismos públicos de coleta e
Isso tem o efeito de dar a conhecer a natureza da instituição (ou do conservação preenchem várias funções importantes, entre as quais:
departamento competente) e, ao mesmo tempo, declarar os valores
associados a ela. descrever a instituição, declarar seu caráter profissional,
seu status, sua missão e eventualmente outros atributos 26. Foi provavelmente a
Cinémathèque Française,
3.2.4.2 Em alguns países, os arquivos audiovisuais utilizam um tipo informar e comunicar; são um ponto de referência através um dos primeiros
arquivos de filmes do
específico de descritor originado dos termos franceses ou espanhóis do qual a instituição é encontrada (em catálogos, pesquisas mundo, que deu origem
a essa tendência, na
para biblioteca (bibliothèque, biblioteca). Daí, cinémathèque (cinemateca, si- na Internet etc.) década de 1930.

74 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Definições e terminologia | 75


posicionar a instituição em face de órgãos do mesmo tipo, p Cinémathèque Française
nacionais e internacionais, e demarcar seu “território” p National Film, Video and Sound Archives (África do Sul)
evocar qualidades intangíveis, como valores profissionais, p Ucla (University of Califórnia, Los Angeles) Film and
responsabilidade e prestígio Television Archive
exercer uma função simbólica, possuída e valorizada por p Österreichische Phonogrammarchiv
um grupo de apoio, e que representa suas relações, sua his- p The National Library of Norway/Sound and Image
tória e seus sentimentos Archive
em consequência, são bens valiosos pois têm o duplo valor p Gosfilmofond (da Rússia)
de “marca” da instituição e de declaração de sua identida- p New Zealand Film Archive / Kaitiaki o Nga Taonga
de. A formalização dos nomes através de uma legislação Whitiahua27
reconhece sua significação a longo prazo e serve para inibir p National Archives of Malaysia / National Centre for
mudanças precipitadas. Documentation and Preservation of Audiovisual Material
p Nederlands Filmmuseum
3.2.5.2 De acordo com essas funções, os nomes institucionais ten- p Discoteca di Stato (da Itália)
dem a compartilhar certas características: p Library of Congress: Motion Picture, Broadcasting and
Recorded Sound Division.
não são ambíguos mas únicos e autoexplicativos
são traduzíveis e seguem um padrão estabelecido (ver abaixo) Nomes institucionais, como outros nomes, são muitas vezes abre-
são estáveis: a mudança é rara e, quando acontece, é pau- viados. Isso pode resultar numa sigla útil, especialmente se for um
latina – a menos que haja uma transformação fundamental nome eufônico e fácil de ser lembrado. Por definição, a sigla indica
no caráter ou no status da instituição (como uma fusão ou a existência de um nome mais extenso e convida à sua descoberta.
uma mudança de papel ou de status).
3.2.5.4 Alguns arquivos, bancos de imagens para venda e outras
3.2.5.3 O padrão habitual consta de um descritor profissional instituições usam marcas ou razões sociais, ou recebem o nome de
(biblioteca, arquivo, museu) e um qualificativo (de som, de filme, au- pessoas (como o de um antigo benfeitor). Exemplos:
diovisual etc.) – ou de uma palavra que combine ambos (cinemate-
ca, phonogrammarchiv) – mais um definidor de status (governamental, p Walt Disney Archives
27. O título em maori
nacional, universitário etc.) e/ou o nome de um país ou de uma p George Eastman House / International Museum of pode ser literalmente
traduzido por “guardiões
região. Exemplos: Photography and Film dos tesouros de luz”.

76 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Definições e terminologia | 77


p Smithsonian Institution visuais, assim como as restrições jurídicas e comerciais que pesam
p Filmworld [um banco de imagens] sobre o acesso, colocam essas funções no centro da gestão e da
p Archimedia [um programa de ensino para arquivistas cultura dos arquivos audiovisuais.
audiovisuais]
p Memoriav [uma associação de arquivos audiovisuais suíços] 3.2.6.3 Podemos dizer que a preservação abarca o conjunto de opera-
p Steven Spielberg Jewish Film Archive ções necessárias para perenizar o acesso a documentos audiovisuais
28. Para uma análise
p ScreenSound Australia [arquivo nacional de cinema e som]28. no maior grau de sua integridade. Ela pode englobar um grande
das confusões
provocadas pelo uso de
número de procedimentos, de princípios, de atitudes, de equipa-
uma marca comercial
por uma instituição
Nomes e marcas corporativas são em geral impostos pela orga- mentos e de atividades. A preservação engloba, por exemplo, a con-
pública, ver meu artigo
“A Case of mistaken
nização superior, sobretudo no caso de arquivos comerciais. Eles servação e a restauração de suportes; a reconstituição de uma versão ori-
identity: Governance,
guardianship and
também podem ser usados quando um nome descritivo é muito ginal; a copiagem e o processamento do conteúdo visual e/ou sonoro; a
the ScreenSound
saga” in Archives and
difícil de ser encontrado, ou quando o contraste é proposital. Uma manutenção dos suportes em condições adequadas de armazenamen-
Manuscripts, Journal
of the Australian
limitação das marcas pessoais ou corporativas é que elas não são to; a recriação ou imitação de procedimentos técnicos obsoletos, de
Society of Archivists,
vol.30, n.1, maio 2002,
autoexplicativas: elas necessitam de explanações e da construção equipamentos e de condições de apresentação; a pesquisa e a coleta
p . 3 0 - 4 6 . h t t p : / / w w w.
afiresearch.rmit.edu.
de uma imagem29. de informações para conduzir a bom termo todas essas atividades.
31. Ironicamente, esse
au/archiveforum/
sentido tem sua origem
pdfs_new/Case_of_
talvez numa campanha
M i s t a k e n _ I d e n t i t y. p d f .
3.2.6 Preservação e acesso 30 3.2.6.4 Em inglês, por razões históricas, o termo preservation (preser- pública de sensibilização
realizada há bastante
29. Existe muita vação) é utilizado amplamente, mesmo pelos arquivistas, num sen- tempo pelos arquivos
literatura sobre cinematográficos.
a construção e a 3.2.6.1 A preservação e o acesso são as duas faces de uma mesma tido muito restrito, como sinônimo de reprodução ou duplicação 31. Essa campanha difundia
administração de a mensagem clara e
marcas. Um bom moeda. Por comodidade, esses conceitos serão examinados separa- Infelizmente, isso tende a reforçar a ideia errônea segundo a qual enfática segundo a
ponto de partida qual a única maneira
p o d e s e r w w w. damente, mas guardam entre si uma relação de interdependência, a reprodução de um suporte em perigo coloca um ponto final na de preservar (ou seja,
brandchannel.com. salvaguardar) os filmes
pois o acesso é parte integrante da preservação. questão, quando na verdade essa é apenas uma primeira etapa. A de nitrato em perigo era
copiá-los num suporte
30. O autor agradece a preservação não é uma operação pontual mas uma tarefa de gestão de acetato: “nitrate
K a r e n F. G r a c y p o r s u a won’t wait” (o nitrato
tese de doutorado The 3.2.6.2 A preservação não é um fim em si. Ela é necessária para que não acaba nunca. A manutenção a longo prazo da integridade n ã o e s p e r a ) . Tr a t a v a - s e
Imperative to preserve: de um grito de alerta
competing definitions assegurar o acesso permanente e careceria de sentido sem esse ob- dos registros ou dos filmes – quando sobrevivem – depende da cor- pertinente na época e que
of a value in the world deu resultados. Sabemos
of film preservation jetivo. Os dois termos possuem, não obstante, uma ampla gama de reção e do rigor da política de preservação levada a cabo ao longo hoje que a realidade é
(University of California, bem mais complexa e,
Los Angeles, 2001) e significados e os profissionais tendem a dar-lhes diferentes sentidos dos anos por sucessivos gestores. Nunca se termina de preservar consequentemente, mais
em particular a sua difícil de ser explicada.
análise aprofundada segundo o contexto em que trabalham. Além disso, a natureza re- uma obra; na melhor das hipóteses, ela está sempre em processo As ideias antigas
da definição do termo não desaparecem
“preservação”. lativamente frágil e efêmera dos suportes e das tecnologias audio- de preservação. com facilidade.

78 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Definições e terminologia | 79


3.2.6.5 O uso impróprio do termo preservação, aliado ao desconhe- coleções (cd, dvd, vídeo) para permitir o acesso universal aos mate-
cimento dos aspectos práticos da preservação, coloca problemas de riais; a digitalização e a disponibilidade de documentos pela Inter-
comunicação aos arquivistas, porque também é suscetível de explo- net; exposições, conferências, apresentações de qualquer natureza.
ração comercial. Por exemplo: a utilização da expressão “remas- O papel do curador é fundamental em todas essas atividades, por-
terização digital” escrita em embalagens de dvd s e de vhs s sugere que cabe a ele interpretar e contextualizar os documentos. O uso
uma operação muito mais elaborada do que a simples reprodução inadequado de itens do acervo, sem nenhuma mediação (como, por
que sem dúvida foi feita. Os serviços que oferecem a “preservação” exemplo, a difusão ou a venda de cópias de má qualidade ou a prá-
de filmes domésticos em Super 8mm através de sua copiagem em tica comum de incluir em documentários de televisão sequências
dvd insinuam muito mais do que a simples mudança de formato de materiais antigos projetados a velocidade errada), desvaloriza
que efetivamente oferecem. o próprio acervo e gera impressões errôneas sobre sua natureza e
sua importância.
3.2.6.6 A palavra acesso possui igualmente um amplo leque de sig-
nificados. Ela designa qualquer forma de utilização das coleções, 3.2.6.8 Os arquivos audiovisuais devem, mais ainda do que as ou-
dos serviços ou dos conhecimentos de um arquivo, notadamente a tras instituições de coleta e preservação, articular sua política de
leitura em tempo real de sons e imagens em movimento e a consul- acesso levando em conta as realidades comerciais ligadas aos direi-
ta de fontes de informação sobre o material sonoro e de imagens tos de autor. Para facilitar o acesso aos acervos geralmente é neces-
em movimento, bem como sobre os campos de conhecimento a sário obter o acordo prévio do titular dos direitos e frequentemente
que se referem. O acesso pode ter um caráter ativo (de iniciativa da pagar aluguéis e percentuais. Muitos filmes e gravações são pro-
própria instituição) ou passivo (de iniciativa dos usuários da institui- dutos comerciais suscetíveis de gerar consideráveis receitas (para o
ção). Num estágio posterior, podem-se fornecer cópias de materiais titular dos direitos, não para os arquivos) e os arquivos devem estar
selecionados, em atendimento a demandas do usuário. alertas para não violar aqueles direitos. O assunto fica mais com-
plexo devido às mudanças tecnológicas e os arquivos devem contar
3.2.6.7 A imaginação é o único limite para uma política ativa de com uma assessoria jurídica sistemática.
acesso. Ela inclui a difusão regular no rádio ou na televisão de do-
cumentos pertencentes aos acervos dos arquivos; as projeções pú- 3.2.6.9 No âmbito da preservação e do acesso, as perspectivas de
blicas; o empréstimo de cópias ou a produção de registros desti- um arquivo não comercial são diferentes das de um arquivo comer-
nados a apresentações fora dos arquivos; a preparação de versões cial. No primeiro caso, as coleções são consideradas bens culturais: o
reconstruídas de filmes ou programas que existem apenas em ver- propósito de conservar o material e facilitar o acesso obedece a con-
sões parciais ou deterioradas; a criação de produtos inspirados nas siderações baseadas no valor cultural e nas demandas de pesquisa,

80 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Definições e terminologia | 81


conceitos que influem amplamente no estabelecimento de priori- materiais relacionados aos filmes, indústrias de radiodifusão e de
dades. No segundo, os arquivos praticam uma espécie de gestão gravação de sons, como publicações, roteiros, fotografias, cartazes,
de ativos e as prioridades de preservação são determinadas por material de publicidade, manuscritos e artefatos como equipamen-
imperativos de comercialização, como cronogramas de lançamen- tos técnicos ou figurinos33.
to de cd , dvd e pelas televisões a cabo.
Conceitos como a perpetuação de procedimentos e ambientes em
vias de desaparecimento associados à reprodução e à apresenta-
3.3 Conceitos fundamentais ção34 desses documentos

3.3.1 Definição de patrimônio audiovisual Materiais não bibliográficos ou gráficos, como fotografias, mapas, manuscritos,
transparências e outros trabalhos visuais, selecionados por seu próprio valor.
3.3.1.1 Os documentos audiovisuais – gravações, filmes, programas
etc., como definido em 3.3.2 abaixo – são parte de um concei- 3.3.1.2 Em consequência, a maior parte dos arquivos audiovisuais,
to mais amplo que pode ser chamado de patrimônio audiovisual. As se não todos, deveria ajustar essa definição a seus parâmetros par-
conotações e o alcance deste conceito variam de acordo com as ticulares de forma a adaptá-la a sua situação – por exemplo, a uma
33. Outra redação para
culturas, os países e as instituições, mas sua essência é que os ar- qualificação geográfica (isto é, o patrimônio de um país, de uma a segunda parte dessa
cláusula foi sugerida por
quivos precisam contextualizar seus acervos de gravações, progra- cidade ou de uma região), a uma limitação temporal (por exemplo, Wolfgang Klaue: “(...) isso
inclui materiais resultantes
mas e filmes através da coleta e da formação de uma série de o patrimônio da década de 1930) ou a uma especialização temática da produção, gravação,
transmissão, distribuição,
itens, informações e competências a eles associadas. Propomos a (por exemplo, o patrimônio radiofônico como fenômeno social an- exibição e radiodifusão
de documentos
seguinte definição : 32
tes do surgimento da televisão). audiovisuais tais como
roteiros, manuscritos,
partituras, desenhos,
documentos de produção,
O patrimônio audiovisual inclui (mas não se limita a) os seguintes componentes: 3.3.2 Definição de mídias, documentos e materiais fotografias, cartazes,
materiais de publicidade,
Sons gravados, produções radiofônicas, cinematográficas, televisivas, videográ- audiovisuais comunicados para a
imprensa, documentos de
ficas e outras que contenham imagens em movimento e/ou sons gravados, des- censura, artefatos como
32. Baseada na definição equipamentos técnicos,
originalmente publicada tinados prioritariamente ou não à veiculação pública. 3.3.2.1 Há muitas definições e outras tantas hipóteses a propósito cenários, acessórios,
em Time in our hands elementos de filmes de
(National Film and Sound destes termos que podem, em combinações variadas, abarcar (a) animação e de efeitos
Archive da Austrália, especiais, figurinos”.
1985), e revista por Birgit Objetos, materiais, trabalhos e elementos imateriais relacionados imagens em movimento, tanto em película quanto eletrônicas, (b)
Kofler em Legal questions
facing audiovisual a documentos audiovisuais, considerados do ponto de vista téc- projeções de transparências acompanhadas de sons, (c) imagens 34. Klaue sugere aqui
archives (Paris: Unesco, “produção, reprodução e
1991, p.8-9). nico, industrial, cultural, histórico ou qualquer outro. Isso inclui em movimento e/ou sons gravados em vários formatos, (d) rádio e apresentação”.

82 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Definições e terminologia | 83


televisão, (e) fotografias e gráficos fixos, (f) video games, (g) CD-Roms o conteúdo visual e/ou sonoro tem duração linear
35. Definição 1 –
Documentos audiovisuais multimídias, (h) qualquer coisa projetada em uma tela, (i) todos os o objetivo é a comunicação desse conteúdo e não a utilização da tecno-
são:
– registros visuais (com anteriores. Damos em nota alguns exemplos de definições. Existem logia para outros fins.
ou sem trilha sonora) na realidade, elas incluem
independentemente de muitas outras. As enumeradas o são a título meramente ilustrativo necessariamente também os
seu suporte físico e do r e g i s t r o s s o n o r o s . ( K o f l e r,
processo de registro da diversidade de perspectivas. Não endossamos nem comentamos 3.3.2.5 A palavra obra supõe uma entidade que resulta de um ato Birgit, Legal questions
utilizado, como filmes, facing audiovisual archives,
diapositivos, microfilmes, nenhuma delas35. intelectual deliberado, e poderia se contestar que nem todos os fil- p.10-13.)
transparências, Definição 2 – [Uma obra
fitas magnéticas, mes ou registros de vídeo ou som possuem um conteúdo ou uma audiovisual] destina-se ao
quinescópios, mesmo tempo a ser ouvida e
videogramas 3.3.2.2 O leque vai de qualquer coisa com imagens e/ou sons, de intenção intelectual deliberada – por exemplo, a gravação dos sons vista e consiste de uma série
(videoteipes, de imagens relacionadas,
videodiscos), discos um lado, a imagens em movimento com som ou uma apresentação de uma rua, onde o conteúdo é incidental. (O contrário também acompanhadas de sons
a laser de leitura registrados num suporte
óptica (a) destinados à sonorizada de transparências, de outro. Em seus respectivos con- poderia ser contraposto: que a intencionalidade – o mero ato de adequado (World Intellectual
recepção pública pela Property Organization/
televisão, por projeção textos essas definições podem ser úteis. Mas em termos práticos e colocar uma câmara ou um microfone para fazer um registro – é Wipo, Glossary of terms of
em uma tela ou por the Law of Copyright and
quaisquer outros meios, filosóficos, os arquivos audiovisuais precisam de uma definição que em si uma prova suficiente da intenção intelectual.) Neighbouring Rights).
(b) destinados a ser Definição 3 – [O patrimônio
colocados à disposição se ajuste à realidade de seus trabalhos e que afirme claramente o audiovisual] engloba
do público. os filmes produzidos,
– registros sonoros caráter das mídias audiovisuais por seu próprio valor. 3.3.2.6 A noção de que uma obra audiovisual só pode ser feita distribuídos, difundidos ou
independentemente de de qualquer outra forma
seu suporte físico e do e percebida diacronicamente – ao longo de uma duração de colocados à disposição do
processo de registro público. (...) [Define-se filme
utilizado, como fitas 3.3.2.3 Palavras como mídia, material ou documento tendem a ser usa- tempo – é difícil de ser definida, especialmente quando a obra como] uma série de imagens
magnéticas, discos, em movimento fixadas ou
trilhas sonoras ou das de forma intercambiável. Em seu sentido mais comum, entre- pode ser percebida como parte de uma página da Internet ou armazenadas sobre um
registros audiovisuais, suporte (qualquer que seja
discos a laser de leitura tanto, mídia e material sugerem sobretudo suporte. Documento, como é de um cd - rom onde o usuário escolhe a ordem segundo a qual o método de registro e a
óptica (a) destinados à natureza do suporte usado
recepção pública por usado pela Unesco, tem o duplo significado de suporte e de conteú- quer que o conteúdo seja mostrado. Entretanto, os registros de inicial ou posteriormente
radiodifusão ou por para isso), com ou sem
quaisquer outros meios, do deliberadamente criado. imagem e de som, por mais curtos que sejam, são lineares por acompanhamento sonoro
(b) destinados a ser que, quando projetada, dá
colocados à disposição sua própria natureza: eles não podem ser percebidos de manei- uma ilusão de movimento
do público. (...). (Primeira versão do
To d o s e s s e s m a t e r i a i s 3.3.2.4 Em consequência do exposto, propomos a seguinte defini- ra instantânea. projeto da Draft Convention
são documentos for the Protection of the
culturais. ção profissional de documentos audiovisuais: European Audio-visual
Essa definição Heritage, redigida pelo
objetiva englobar o 3.3.2.7 Aceita a impossibilidade de chegarmos a uma definição Comitê de Especialistas
máximo de formas em Cinema no Conselho da
e formatos. (...) As Documentos audiovisuais são obras que contêm imagens e/ou sons reprodutí- exata, propomos uma definição formulada de maneira a categori- Europa, em Estrasburgo.)
imagens em movimento
(...) constituem a veis reunidos em um suporte36 e que camente incluir os registros convencionais de som e imagem, ima-
forma clássica do 36. Uma obra individual
documento audiovisual gens em movimento (sonoras ou silenciosas) e programas de radio- pode estar contida em um
e são a principal forma ou em vários suportes;
explicitamente incluída em geral exigem um dispositivo tecnológico para serem registrados, difusão, publicados ou inéditos, em todos os formatos. Formulada algumas vezes um único
na Recomendação da suporte pode conter mais
Unesco de 1980. (...) transmitidos, percebidos e compreendidos também de maneira a categoricamente excluir materiais de texto de uma obra.

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em si, independentemente do suporte utilizado (papel, microfilme, Internet e outros tipos de imagens, reunidos por sua própria qua-
formatos digitais, gráficos ou transparências de projeção etc. – a lidade e por sua relação aos documentos audiovisuais tal como
distinção é mais conceitual do que técnica, embora em grande me- definidos em 3.3.2.4 (ver também a definição anterior de patrimô-
dida também exista uma diferença tecnológica). A definição proposta nio audiovisual). Na Europa, ao contrário, a tendência é reduzir o
exclui também a conotação popular do termo mídia, que inclui jornais as- âmbito do adjetivo.
sim como as atividades de radiodifusão. Programas de rádio e de
televisão – inclusive noticiários – estariam, claro, incluídos na defi- 3.3.3 Definição de arquivo audiovisual
nição de documentos audiovisuais.
3.3.3.1 Talvez por razões históricas, não existe em uso nenhuma
3.3.2.8 Entre esses dois grupos, obviamente, existe um largo espec- definição sucinta e padronizada do que seja um arquivo audiovi-
tro de materiais e obras que são menos automaticamente a preo- sual. Os estatutos da Fiat, Fiaf e Iasa descrevem muitas caracte-
cupação dos arquivos audiovisuais e que, dependendo da percepção rísticas e expectativas de tais organismos para com seus membros,
de cada um, podem ou não se enquadrar plenamente na definição mas não fornecem nenhuma definição relativa ao que deve ser a
acima. Eles incluem fotografias, multimídias em CD-Rom, rolos instituição em si. Os estatutos da Seapavaa (1996) definem os ter-
de música de pianos automáticos e música mecânica, assim como mos audiovisual e arquivo a partir dos requisitos para a filiação a ela.
o “audiovisual” tradicional composto de transparências copiadas É interessante citá-los:
em fitas magnéticas. Os cd - rom s, video games, portais da Internet
e outras criações digitais são, por definição, não-lineares em sua Artigo 1b: Entende-se aqui audiovisual por imagens em movimento
construção, e a possibilidade de “embaralhar” ou fazer a exibi- e/ou sons gravados, registrados em filmes, fitas magnéticas, discos ou
ção aleatória do conteúdo de arquivos de áudio ou de vídeo é um quaisquer outros suportes existentes ou que venham a ser inventados.
aspecto padrão dessa tecnologia. Mesmo assim, os fragmentos de
imagem e som resultantes, não importa quão curtos sejam, perma- Artigo 1c: Entende-se aqui arquivo como uma organização ou unida-
necem lineares em si, e uma sequência – intencional ou não – de de de uma organização que se ocupa em coletar, administrar, preservar
fragmentos também é linear. e facilitar acesso a ou uso de uma coleção de materiais audiovisuais e
relacionados. O termo inclui instituições governamentais e não gover-
3.3.2.9 Variantes culturais também precisam ser consideradas. namentais, comerciais e culturais que cumpram essas quatro funções.
Em alguns lugares da América Latina, por exemplo, o termo au- As regras [dos estatutos] podem exigir a aplicação estrita desta
diovisual tende a designar um leque amplo de documentos visuais definição na determinação da elegibilidade do candidato.
não literários como mapas, fotografias, manuscritos, páginas da

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3.3.3.2 Como ponto de partida, em decorrência do exposto, propo- ou não sejam consideradas como tal –, se forem geridas de acordo
mos a seguinte definição: com a definição indicada, na prática serão arquivos.

Um arquivo audiovisual é uma organização ou um departamento de 3.3.3.5 A tipologia dos arquivos audiovisuais (ver próximo capítu-
uma organização cuja missão, eventualmente estabelecida por lei, con- lo) indica que nesta definição incluem-se numerosas categorias e
siste em facilitar o acesso a uma coleção de documentos audiovisuais preocupações. Por exemplo, alguns arquivos audiovisuais dedicam-
e ao patrimônio audiovisual mediante atividades de reunião, gestão, se a uma determinada mídia, como filmes, programas de rádio e
conservação e promoção. de televisão, ou gravações sonoras; outros englobam várias mídias.
Alguns se ocupam de conteúdos variados enquanto outros se dedi-
3.3.3.3 Esta definição leva em consideração o que foi exposto cam a conteúdos específicos ou especializados. Finalmente, podem
no ponto 3.2.6 e responde à ideia de que a preservação não ser públicos ou privados, e ter ou não finalidades comerciais. O
é um fim em si, mas uma maneira de atingir uma finalidade, que importa é o caráter predominante das funções, não as políticas que
que é o acesso permanente. Também estabelece que a coleta, orientam essas funções. Por exemplo, alguns arquivos audiovisuais
a gestão, a conservação, a promoção e o acesso ao patrimônio de empresas não permitem o acesso público, pois sua política é
audiovisual são funções principais e não uma atividade de menor atender apenas “clientes internos”. Alguns arquivos públicos ou
importância entre várias outras. A palavra que importa aqui institucionais, por outro lado, optam por facilitar o acesso a usuá-
é e não ou: o arquivo faz todas essas coisas, não apenas algu- rios não comerciais, sem objetivo de lucro. Nos dois casos, a função
mas. Isto por sua vez supõe que reúne materiais, ou pretende de possibilitar acesso, em si, é a mesma.
reuni-los, nos diferentes formatos apropriados tanto para sua
preservação quanto para sua consulta. 3.3.4 Definição de arquivista audiovisual

3.3.3.4 Esta definição deve ser aplicada de forma criteriosa e não 3.3.4.1 Embora termos como arquivista de filmes, arquivista de sons e
dogmática. Por exemplo, a atividade de preservação de um arquivo arquivista audiovisual sejam de uso comum na área e em sua biblio-
audiovisual não pode ser confundida com a de uma distribuidora grafia, parece não haver uma definição oficial desses termos adota-
de filmes, vídeos ou gravações sonoras cuja missão é o acesso e não da pelas associações profissionais, pela Unesco ou mesmo entre os
a preservação. Na prática, esse segundo tipo de instituição pode profissionais. Tradicionalmente, são conceitos subjetivos e flexíveis
se converter com o tempo em uma instituição do primeiro tipo, se que evidentemente significam coisas diferentes para pessoas dife-
sua coleção for preciosa ou única, e sua perspectiva se transformar. rentes: uma afirmação de percepção e identidade pessoais mais do
Repetindo: embora as coleções privadas não sejam organizações – que uma qualificação formal.

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3.3.4.2 Para exemplificar: nota-se que a afiliação à Amia é aberta 3.3.4.5 Os arquivistas audiovisuais em atividade provêm de
a “qualquer pessoa, instituição, organização ou corporação inte- vários campos de formação. Alguns são universitários, outros
ressada”, sem outras especificações 37. A categoria de membro indi- aprenderam sua profissão na prática de muitos anos. A longo
vidual efetivo da Iasa é aberta a “pessoas profissionalmente enga- prazo, contudo, a proporção daqueles dotados de qualificação
jadas no trabalho de arquivos e outras instituições que preservam formal na área vai crescer, e a questão do credenciamento formal
documentos sonoros ou audiovisuais ou a pessoas que têm um inte- dos arquivistas em atividade por parte das federações deverá ser
resse sério nos objetivos explícitos da Associação” 38 (o termo arquivo enfrentada, da mesma forma que o foi em outras profissões de
não é definido com mais precisão). A Seapavaa oferece afiliação coleta e conservação: parece lógico que um título de pós-gra-
individual àqueles que “compartilhem os objetivos da Associação e duação ou experiência equivalente seriam um mínimo adequado
respeitem seus estatutos”. Os candidatos devem fornecer informa- para esse credenciamento.
ções sobre a instituição à qual estão ligados, um currículo e uma
referência de apoio de um membro (institucional) pleno 39. A Fiat 3.3.4.6 Aqui é necessário analisar o significado do termo profissio-
não estabelece nenhuma condição para a candidatura de membros nal, amplamente utilizado. Para um bibliotecário tradicional, um
individuais. A Fiaf não os aceita. arquivista ou um museólogo, o termo supõe uma titulação aca-
dêmica e a possibilidade de credenciamento e afiliação a uma as-
3.3.4.3 Cursos universitários estão atualmente formando gradua- sociação profissional. Numa estrutura menos consolidada como
dos em cinema, imagens em movimento e arquivos audiovisuais. é a do audiovisual, o termo pressupõe um nível equivalente de
Embora o número seja relativamente pequeno, cresce a cada ano. treinamento, experiência e responsabilidade – incluindo tomadas
Para esses graduados, a identidade é uma questão de qualificação de decisão qualitativas e de julgamento em qualquer área de ope-
formal mas também de imagem que têm de si próprios. ração do arquivo.

3.3.4.4 Levando em conta o exposto, propomos a seguinte definição: 3.3.4.7 Como os arquivistas em geral, os bibliotecários e os museó-
logos, os arquivistas audiovisuais deveriam poder seguir quaisquer
37. Amia 2002, Diretório Um arquivista audiovisual é uma pessoa formalmente qualificada ou especializações correspondentes a suas oportunidades, preferên-
de membros.
credenciada como tal, ou que exerce, num arquivo audiovisual, uma cias ou conhecimentos temáticos, e identificar-se de acordo com
38. Iasa: Estatuto da
Iasa adotado a 8 de
atividade profissional voltada para o desenvolvimento, a gestão, a con- eles. Dessa forma poderiam, por exemplo, compartilhar uma base
dezembro de 1995.
servação ou a possibilidade de acesso ao acervo, bem como para o comum em teoria, história e conhecimento técnico, mas escolher
39. Seapavaa: Estatuto e atendimento de uma clientela. seguir carreiras como arquivistas de som, de cinema, de televisão,
regimento adotados a 20
de fevereiro de 1996. de radiodifusão, de multimídia ou de documentação.

90 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Definições e terminologia | 91


3.3.4.8 Deveriam também poder escolher as áreas de administra- 4 | Arquivos audiovisuais
ção, promoção e gerenciamento. Existe um debate eterno sobre se
“gerenciamento” e uma disciplina profissional como a arquivística
audiovisual são habilidades distintas, mesmo mutuamente exclusi-
vas. É mais fácil treinar um administrador a partir de um arquivis-
ta, ou um arquivista a partir de um administrador? Muitos da área
(inclusive este autor) acreditam que as habilidades executivas de
gerenciamento, promoção, captação de recursos e administração
são partes inseparáveis da visão de mundo e da bagagem profis-
sional dos arquivistas audiovisuais, e não distintas dela. Existem
muitas provas para atestar que as instituições de arquivo são admi-
nistradas com muito sucesso por profissionais de arquivo.
4.1 Histórico
40. Embora nominalmente
a Fiaf, a Fiat e a
4.1.1 Iasa representem
respectivamente arquivos
Não existe uma data oficial para o nascimento da arquivística au- de filmes, de televisão
e de som, os papéis
diovisual. Ela surgiu de fontes difusas, em parte sob os auspícios de relativos são mais
complexos. A Fiat, com
uma ampla variedade de instituições de coleta e conservação, de uni- efeito, é uma associação
da indústria da televisão.
versidades e de outras, como uma extensão natural do trabalho que A Fiaf é um fórum para
arquivos não-comerciais
realizavam. Desenvolveu-se paralelamente, embora com bastante de filmes e de televisão
que desempenham um
atraso, ao crescimento da popularidade e alcance das próprias mí- papel mais autônomo
como instituições
dias audiovisuais. Arquivos de som, de filmes, de rádio e depois de te- públicas e depositários
culturais. O quadro de
levisão tenderam a ser, a princípio, institucionalmente diferentes uns afiliados da Iasa inclui
organizações interessadas
dos outros, refletindo o caráter distinto e individual de cada mídia em som e, muitas
vezes, outras mídias
e das indústrias a elas associadas. A partir de 1930, ganharam uma audiovisuais. Alguns
arquivos pertencem a
identidade mais visível ao se organizar em associações profissionais várias federações. A
ICA e a Ifla promovem
internacionais que representavam cada mídia em específico40. Com fóruns para arquivos
audiovisuais que têm
o decorrer do tempo, foram também reconhecidos pelas organiza- relações com os mundos
da biblioteconomia e da
ções internacionais de arquivos gerais, museus e bibliotecas. arquivística em geral.

93
4.1.2 gton, a Library of Congress perguntava-se o que fazer com as
Os arquivistas audiovisuais, enquanto grupo profissional, também cópias em papel dos primeiros filmes recebidos para registro de
não têm um nascimento oficial. À medida que a área se desenvol- direitos autorais.
veu, atraiu profissionais de muitos campos: as profissões de coleta
e conservação, a universidade, as indústrias cinematográficas, de 4.1.5
radiodifusão e de som, as ciências e as artes. Alguns tinham titula- Um jornal britânico da época expressou o dilema:
ção formal em seus campos de origem, outros não. O que parecia
reuni-los era provavelmente um sentimento de perda e catástrofe, O filme não era nem um impresso nem um livro – na verdade, qualquer
e uma motivação, em alguns casos um zelo missionário, da neces- um poderia dizer o que ele não era, mas ninguém podia dizer o que ele
sidade de deter a maré. era. O objeto não tinha uma categoria na qual se encaixasse. O verdadeiro
problema era que ninguém sabia dizer a que categoria ele pertencia (The
4.1.3 Era, 17 outubro 1896).
Nos primeiros anos do século XX, não era de modo algum eviden-
te que os registros sonoros e as imagens em movimento tivessem Alguns meses depois, a Westminister Gazette via a questão da se-
qualquer valor permanente. Embora sua invenção tenha sido, em guinte forma:
grande parte, resultado da curiosidade e do empenho científicos,
seu rápido desenvolvimento deveu-se à sua explosão como forma ...a atividade cotidiana da sala de gravuras do British Museum está com-
de entretenimento popular. pletamente atrapalhada pela coleção de fotografias animadas que foram
despejadas em cima dos funcionários atarantados (...) a degradação da
4.1.4 sala consagrada a Dürer, Rembrandt e outros mestres (...) [onde o pessoal]
Algumas tentativas pioneiras foram feitas para que instituições cataloga de má vontade O Derby do príncipe, A Praia de Brigh-
especializadas reconhecessem o valor dos materiais audiovisuais. ton, Os Ônibus de Whitehall e outras cenas atraentes que deliciam
Por exemplo, em Viena, em 1899, a Österreichische Akademie der os olhos do público dos cafés-concerto... Falando seriamente: essa coleção
41. Desde seu início, Wissenschaften estabeleceu um Phonogrammarchiv com a finali- de porcarias não está se tornando uma bobagem absurda?
o objetivo era assegurar
a permanência dos dade de recolher registros etnográficos sonoros (provavelmente o
registros, criar uma
documentação de primeiro arquivo sonoro estabelecido no mundo com essa finali- 4.1.6
apoio à pesquisa
e desenvolver um dade expressa, arquivo até hoje em funcionamento) 41. Ao mesmo Os suportes audiovisuais não se enquadraram facilmente nos pres-
programa. Isso vai ao 42. Como o Imperial
encontro da definição tempo, em Londres, o British Museum esboçou uma coleção de supostos de trabalho das bibliotecas, arquivos e museus do começo Wa r M u s e u m i n g l ê s q u e
de arquivo audiovisual desde 1919 efetivamente
expressa em 3.3.3.2. imagens em movimento de valor histórico, enquanto em Washin- do século XX e, embora houvesse exceções 42, seu valor cultural era coletou filmes.

94 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 95


amplamente desconsiderado43. Em 1978, o pioneiro arquivista de var do desaparecimento o patrimônio cinematográfico. A mudança
filmes Rod Wallace, da National Library da Austrália, recordava a de formatos de registros sonoros e da película virgem de nitrato
década de 1950: de celulose para triacetato de celulose reforçou as crescentes preo-
cupações quanto à sobrevivência e a garantia de acesso futuro.
As atitudes públicas para com os materiais históricos eram então muito di-
ferentes, em especial no mundo cinematográfico. Nós éramos olhados como 4.1.8
doidos, e em muitas ocasiões isso nos era dito. Nunca vou esquecer uma Foi a ação deliberada dos arquivos audiovisuais, frequentemente
vez que uma sala de projeções cheia de gente da indústria cinematográfica diante da indiferença – quando não da oposição direta – dos produ-
assistiu um programa de filmes antigos recuperados pela Biblioteca e um tores de cinema, televisão e discos temerosos de que materiais dos
homem me disse que nós deveríamos ter jogado tudo fora. E as outras quais detinham os direitos patrimoniais ficassem em outras mãos
pessoas concordavam com ele! que não as suas, que resultou afinal em inesperados ganhos para
os mesmos produtores. Isso começou a acontecer quando as redes
4.1.7 de televisão e em seguida os distribuidores de áudio e vídeo para
Os arquivos de filme, como organizações distintas das instituições os mercados de consumidores começaram a explorar as riquezas
tradicionais de coleta e conservação, apareceram primeiro na Eu- do mundo dos arquivos de cinema e de som, demonstrando assim
ropa e na América do Norte – fenômeno que se nota a partir dos o princípio da justificativa econômica da preservação audiovisual.
anos de 1930 –, enquanto os arquivos de som, sob uma grande
44

43. Um fator chave variedade de formas institucionais, desenvolveram-se em separa- 4.1.9


para o desprestígio
com que o grosso das do. Depois da Segunda Guerra Mundial, o movimento espalhou-se O panorama hoje é bastante complexo, como a tipologia abaixo in-
bibliotecas e arquivos
encarava os materiais para o resto do mundo – país a país, instituição por instituição, de dica. O arquivamento audiovisual acontece numa ampla gama de
audiovisuais era a ênfase
que dedicavam ao forma irregular. Lentamente, e por estágios, o valor cultural dos tipos de instituição e está em constante desenvolvimento à medida
documento textual. Os
c a n a d e n s e s Te r r y C o o k suportes audiovisuais adquiriu legitimidade e ampla aceitação. O que se expandem as possibilidades de distribuição, como o cabo, o
e Joan Schwartz estão
entre os pesquisadores desenvolvimento do rádio, de 1920 em diante, com a posterior gra- satélite e a Internet. Um crescente número de produtoras e de re-
desse fenômeno.
vação e distribuição de programas por redes, criou tipos de mate- des de radiodifusão compreende hoje o valor comercial de proteger
44. Arquivos pioneiros riais inteiramente novos para uma potencial preservação, enquanto seu patrimônio e criam seus próprios arquivos.
incluem o Arquivo
Central de Cinema da a popularização da televisão a partir de 1940 fez o mesmo para um
Holanda, que começou
a funcionar em 1917, outro tipo de imagens em movimento. Aliás, fez também algo mais: 4.1.10
e os quatro membros
fundadores da Fiaf, que trouxe de volta ao público conteúdos esquecidos das coleções dos A história da preservação audiovisual difere muito de país para país
surgiu na década de
1930. estúdios e sensibilizou uma geração para a importância de preser- e está muito distante de ter sido pesquisada ou registrada (tarefa

96 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 97


muito além dos objetivos deste documento). Em países geográfica servação. As tarefas de reunir, documentar, administrar e conservar
e culturalmente tão diversos como (por exemplo) a Áustria, a In- um acervo são centrais, e delas decorrem a natural consequência e
glaterra, a China, a Índia, os Estados Unidos e o Vietnã, há insti- o desejo de que a coleção seja tornada acessível.
tuições e programas há muito tempo estabelecidos. Em outros paí-
ses igualmente diversos, essas iniciativas são recentes; em outros, 4.2.2
o trabalho ainda deve ser iniciado. Até o presente, o patrimônio O âmbito e o caráter do acervo serão definidos por uma política
audiovisual da América do Norte e da Europa está em condições – de preferência escrita, embora políticas sempre existam, mesmo
relativamente melhores do que no resto do mundo, tanto em ter- quando não estão escritas. Tipos de conteúdo, de suporte, descrição
mos de conservação quanto de acesso. técnica, origem, limites cronológicos, gênero e situação de direitos
estão entre os muitos elementos que podem definir o âmbito de um
4.1.11 acervo. Sua documentação, conservação, gestão física e acordos de
São vários os motivos para esse desenvolvimento desigual da área. acesso devem ser providenciados. Embora a administração seja de
Entre eles estão as circunstâncias políticas, históricas e econô- responsabilidade do arquivo, o acervo pode estar armazenado em
micas de determinados países e suas indústrias audiovisuais, as um edifício que não esteja sob controle do arquivo: a guarda pode
realidades climáticas (os materiais audiovisuais deterioram com eventualmente ser contratada junto a uma empresa.
mais rapidez em zonas tropicais) e as considerações culturais. A
ampla aceitação do valor da preservação cultural aliada à von- 4.2.3
tade política é essencial para o desenvolvimento da preservação A conservação também será responsabilidade do arquivo embora
audiovisual. Mas em seus princípios exigiu – e ainda exige –, con- novamente algumas atividades ou processos – como a duplicação –
tra todas as opiniões, pioneiros dedicados. Felizmente eles ainda possam ser contratados com prestadores de serviços especializados.
continuam a aparecer. Quando isso acontece, é dever do arquivo exercer um sistema de
controle de qualidade para assegurar que os padrões que estabele-
ceu sejam observados.

4.2 Campo de atividades 4.2.4


Estabelecida a partir dessas atividades, encontra-se uma legião de
4.2.1 outros processos que pode variar de arquivo para arquivo, suas po-
Os arquivos audiovisuais, em seu conjunto, desenvolvem muitas líticas, prioridades e circunstâncias, mas que são, não obstante, ex-
das atividades executadas por outras instituições de coleta e con- pressões de seu caráter essencial. Eis uma relação deles:

98 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 99


p instalações públicas para pesquisa, biblioteca e p com ou sem finalidades lucrativas
serviços p grau de autonomia
p projeção pública, instalações para exposições e debates p status
p catálogo on-line p clientela
p programa de história oral p amplitude de mídias e capacidades
p programa de ensino profissional p caráter e ênfase.
p comercialização de produtos elaborados a partir
do acervo 4.3.1.3 Nenhuma das categorias dessa tipologia coincide com
p programa de publicações as exigências de quaisquer das associações profissionais, embo-
p empréstimo de materiais e objetos para projeções e expo- ra representem fatores que algumas levam em consideração ao
siões externas admitir ou não a afiliação. Muitos arquivos não pertencem a ne-
p programa de eventos públicos: conferências, aulas, festi- nhuma associação.
vais, exposições
p instalações públicas: loja, café, pontos de encontro. 4.3.2 Com ou sem finalidades lucrativas

4.3.2.1 A atividade de preservação audiovisual começou como um


movimento culturalmente motivado, a conservação dos materiais,
4.3 Tipologia 45
por seus valores intrínsecos independentemente de seu potencial
comercial – agindo algumas vezes, na verdade, contra um princí-
4.3.1 Esclarecimento pio comercial predominante que exercia a destruição de filmes e
45. Esta seção aproveita registros “ultrapassados” e aparentemente sem interesse. Esse va-
materiais do artigo
“A brief typology of sound 4.3.1.1 Os arquivos audiovisuais abarcam uma grande diversidade lor altruísta fundamental continua muito importante, embora nesse
archives”, de Grace
Koch (Phonographic de modelos, tipos e interesses institucionais. Embora reconheça- como em outros campos da preservação cultural, a atividade não
Bulletin n.58, junho
1991) e outras fontes de mos que toda organização é única e que qualquer tipologia tem seja economicamente autossuficiente e dependa de dotações públi-
pesquisa citadas nesse
artigo, bem como na um grau de arbitrariedade e artificialismo, a categorização é uma cas e particulares.
tipologia de arquivos de
filme proposta por Paolo forma útil de tentar dar alguma forma ao campo.
Cherchi Usai em seu livro
Burning passion, Londres: 4.3.2.2 Cada vez mais, arquivos sem finalidades lucrativas estão
British Film Institute,
1 9 9 4 [ N T: a m p l i a d o e 4.3.1.2 Como proposta para isso, listamos abaixo vários pontos de sendo complementados por um outro modelo: o arquivo autos-
reeditado como Silent
cinema. BFI, 2000.] referência contra os quais qualquer arquivo pode ser “posicionado”: suficiente, capaz de sustentar-se através da geração de recursos

100 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 101


provindos de seu acervo, através de licenciamentos, segmentação, 4.3.2.5 As duas abordagens não são mutuamente exclusivas. Ar-
reutilização e outras formas de exercer direitos patrimoniais, seus quivos sem finalidades de lucro enfrentam a realidade que os acer-
próprios ou de cedentes. Tais arquivos são geralmente subcon- vos e os programas crescem numa velocidade maior do que os
juntos de vastos empreendimentos produtores como indústrias de orçamentos. A consequência é que eles se engajam em atividades
disco, estúdios de cinema ou redes de televisão. A proliferação da comerciais (como a comercialização de direitos ou o lançamento
demanda por materiais antigos de repertório tornou novamente de CDs ou DVDs baseados em materiais do acervo) ou de capta-
valiosos bens até então negligenciados. ção de recursos de patrocínio como forma de suplementar suas
dotações – e, ao fazer isso, aprendem as úteis habilidades e pers-
4.3.2.3 Um arquivo nacional gerido pelo governo é o exemplo clás- pectivas do empresário comercial. Por outro lado, os arquivos com
sico do modelo sem finalidades lucrativas; o arquivo de uma rádio finalidades lucrativas podem ser capazes de introduzir um grau de
ou de uma televisão o do modelo com finalidades lucrativas. O altruísmo na implementação de suas políticas de coleção, talvez
primeiro persegue objetivos altruístas que são publicamente reco- executando um delicado processo de educação interna nas organi-
nhecidos como meritórios, a despeito de seu retorno financeiro. zações de que fazem parte.
O segundo administra seus ativos com vista à geração de lucros,
em dinheiro ou espécie. Essas diferentes perspectivas e valores in- 4.3.3 Grau de autonomia
terferem em tudo, da política de seleção e serviços de acesso aos
padrões e métodos de preservação. 4.3.3.1 Alguns arquivos são organizações independentes no mais
amplo sentido do termo: são legalmente constituídos como tal, têm
4.3.2.4 A diferença é fundamental para a estrutura da área e dotação assegurada, estatutos e acordos de gestão que permitem
suas associações profissionais. A Fiaf, por exemplo, não aceita que prestem contas a um conselho e à sua base de apoio, e têm
instituições com finalidades lucrativas como membros, enquanto completa autonomia profissional na execução de suas funções. Ou-
a Iasa e a Amia estão abertas para organismos com ou sem finali- tros são claramente setores integrantes de instituições maiores, com
dades lucrativas. Desde que os dois tipos de arquivos participam dotações restritas e âmbito limitado de autonomia profissional. A
de uma mesma tarefa – assegurar a sobrevivência do patrimônio maior parte dos arquivos situa-se entre esses dois extremos.
audiovisual – existem pontos em comum e esferas de coopera-
ção. Arquivistas individuais podem se mover entre os dois tipos 4.3.3.2 A autonomia é um atributo muito valorizado, e um nível
ao longo de sua carreira, e as questões e as tensões criadas pelos mínimo de autonomia profissional é fundamental se o arquivo qui-
dois conjuntos de valores são uma área importante para as dis- ser funcionar com eficiência e ética. O grau de autonomia tam-
cussões profissionais. bém não é imediatamente evidente: há instituições aparentemente

102 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 103


independentes que podem ser departamentos de organismos maio- visibilidade geral e da liderança de personalidades que participam
res e ter pouca autonomia legal e prática. Departamentos de or- de seus trabalhos. Também pode se dever ao papel desempenhado
ganismos maiores, ao contrário, podem algumas vezes gozar de pelo arquivo no mundo profissional e pelo efeito percebido de sua
considerável independência de facto. atuação no campo em geral.

4.3.4 Status 4.3.5 Clientela

4.3.4.1 A palavra não tem aqui um sentido pejorativo ou elitista: é 4.3.5.1 Os arquivos são definidos pelos públicos que atendem. Nes-
unicamente um descritor prático e um componente essencial dos se sentido, cabe estabelecer uma diferenciação paralela à dicotomia
termos de referência do arquivo. com/sem finalidades de lucro estabelecida acima. Os arquivos de re-
des de radiodifusão, por exemplo, podem servir prioritariamente às
4.3.4.2 Status geográfico define o território que o arquivo cobre ou necessidades e estratégias internas de produção da organização maior
representa. Um arquivo nacional tem um âmbito de coleta e de ser- e, em certo grau, estão integrados ao fluxo produtor e técnico cotidia-
viços mais amplo, mas talvez menos detalhado do que um arquivo no da empresa. Também podem fornecer materiais para uma cliente-
que opera em nível regional, estadual ou local. Pode também ter la maior, em termos que reflitam os objetivos de lucro, na eventualida-
outras funções pertinentes à escala nacional como, por exemplo, de provável de que a emissora controle também direitos patrimoniais.
um papel de coordenação ou de formação. O acesso inclusive pode ser negado se estiver em conflito com algum
planejamento (por exemplo, uma estratégia de relançamentos).
4.3.4.3 Muitos arquivos governamentais ou semigovernamentais têm
status oficial: seu papel e mandato são reconhecidos de alguma forma 4.3.5.2 O arquivo sem finalidades lucrativas será motivado por
pelo governo, ou através de uma legislação ou de disposições admi- valores de interesse cultural e público, mas mesmo dentro desses
nistrativas práticas. Esse status pode estar expresso através de meca- parâmetros existe um amplo espectro de clientes. Arquivos ligados
nismos de apoio financeiro (uma subvenção governamental anual a universidades, por exemplo, podem conscientemente voltar-se
fixa), mecanismos de prestação de contas e controle públicos. Podem para o usuário acadêmico, com o desenvolvimento do acervo e de
beneficiar-se do depósito legal e de outras disposições compulsórias. serviços orientado pelos currículos. Outros podem estar sintoni-
zados com as necessidades da indústria de produção audiovisual,
4.3.4.4 Os arquivos consolidam seu status e autoridade com o pas- com a cultura cinematográfica, com a pesquisa, com o turismo, por
sar do tempo. Isso pode se dever aos efeitos conjugados da idade exemplo. Quanto maior o arquivo e o âmbito de sua coleção, maior
institucional, do prestígio do acervo, do âmbito de atividades, da será a variedade de públicos que poderá atender.

104 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 105


4.3.6 Amplitude de mídias e capacidades 4.3.6.3 Como cada arquivo evoluiu em circunstâncias econômicas,
políticas e culturais específicas, seu âmbito de atividades e suas ca-
4.3.6.1 Embora a maioria das instituições de coleta e conservação pacidades são fruto tanto do pragmatismo quanto do idealismo. O
detenha atualmente uma gama ampla de mídias, muitos arqui- que é executado por uma única instituição nacional em um país
vos audiovisuais (e suas associações profissionais) têm uma histó- pode estar distribuído por várias em outro, e há as questões políti-
ria de especialização em cinema, televisão, rádio ou som que é cas entre as instituições bem como dentro de cada uma.
tanto conceitual e cultural quanto prática. Enquanto as mídias
audiovisuais convergem tecnologicamente, o âmbito de especia- 4.3.7 Caráter e ênfase
lizações práticas e de conteúdo no mínimo aumenta. O reparo e
a restauração da película são operações diferentes da restauração 4.3.7.1 Com o risco de aplicar rótulos simplistas, o que vai abaixo
acústica de discos de acetato ou dos primeiros registros em fita. é uma proposta de agrupamento de arquivos tendo em vista suas
Uma especialização na história da ópera chinesa é um campo de características e objetivos prioritários. Alguns arquivos perten-
conhecimento diferente do filme de animação feito em Hollywood cem a dois ou mais desses grupos. Alguns começaram pequenos
antes do surgimento da televisão. e cresceram mediante seleção e coleta sistemáticas, baseadas em
políticas concretas. Alguns começaram incorporando um grande
4.3.6.2 Os arquivos variam muito não apenas em suas áreas de acervo privado ou empresarial. Alguns carregam a marca de uma
foco e especialização mas também em suas instalações e capaci- personalidade fundadora cujas preferências conformaram a cole-
dades. Existem arquivos grandes, com locais adequados para o ção e o caráter do arquivo.
armazenamento das coleções, laboratórios de processamento de
áudio, vídeo e película, salas e auditórios bem equipados, sistemas 4.3.7.2 Arquivos de emissoras: armazenam prioritariamente coleções
de armazenamento digital em massa, instalações públicas de pes- de programas selecionados de rádio e/ou televisão e gravações co-
quisa etc. Por outro lado, há arquivos pequenos que têm poucas merciais, guardadas para preservação (habitualmente como ativos
ou nenhuma dessas coisas, mesmo que aspirem por elas, e que empresariais) e como fontes de emissão e produção. Com algumas
dependem da contratação de serviços para o armazenamento do exceções significativas, muitos são departamentos de organizações
acervo, duplicação e outros trabalhos, seja de empresas comerciais de radiodifusão, de grandes redes a pequenas estações públicas de
seja de outros arquivos ou instituições. Nesse último caso, devem rádio e televisão, enquanto outros têm graus variados de indepen-
desenvolver um sistema de controle de qualidade para assegurar a dência. As coleções podem incluir também material “bruto”, como
aplicação dos padrões que estabeleceram. entrevistas e efeitos sonoros, bem como materiais acessórios como
roteiros e documentação relacionada aos programas.

106 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 107


4.3.7.3 Arquivos de programação: alguns arquivos de filmes ou de televi- cional, com a missão de documentar, preservar e tornar publi-
são caracterizam-se particularmente por um bem pesquisado e cui- camente acessível o conjunto, ou uma parte significativa, do
dadosamente preparado programa de projeções em seus próprios patrimônio audiovisual de um país. São frequentemente finan-
cinemas ou salas de exibição de acesso público. As projeções podem ciados pelo estado e nesta categoria estão incluídos os maiores
conter elementos como uma apresentação verbal, acompanhamento e mais conhecidos arquivos de filmes, de televisão e de som do
musical ao vivo para filmes silenciosos, folhetos de programação, a mundo. Se mecanismos de depósito legal funcionam no país
tentativa de projetar cópias da melhor qualidade e excelência geral em questão, esses arquivos são muito provavelmente os deposi-
das apresentações. Como muitos desses arquivos operam cinemas tários desse material. Os serviços de acesso podem ser amplos
especializados, capazes de projetar formatos obsoletos e recriar uma e cobrir todo o espectro da exibição pública, comercialização,
atmosfera contemporânea ao material que exibem, estão aptos a apoio profissional e serviços privados de pesquisa. Podem in-
cuidar da arte da projeção e da importante dimensão do contexto, cluir serviços e assessoria técnica especializados: muitas vezes
cada vez menos disponíveis nos cinemas comerciais. A característica prestam serviços e coordenam as atividades de preservação au-
é a ênfase na natureza artística do cinema . 46
diovisual de outras instituições do país. O papel é análogo ao
das bibliotecas, arquivos e museus nacionais – em alguns casos
4.3.7.4 Museus audiovisuais: a ênfase dessas organizações é a conservação esses arquivos são departamentos de tais organizações, em ou-
e a exposição de artefatos como câmaras, projetores, fonógrafos, carta- tros casos são instituições independentes, com estatura e auto-
zes, publicidade e outros materiais, roupas e objetos de recordação, e a nomia comparáveis às daqueles.
apresentação de imagens e sons num contexto de exibição pública com
46. De acordo com propósitos educativos e de entretenimento. Artefatos como lanternas má- 4.3.7.6 Arquivos universitários e acadêmicos: em todo o mundo, exis-
a ênfase operacional
da provável matriz do gicas e brinquedos ópticos – o prelúdio do advento do registro sonoro e tem numerosas universidades e instituições acadêmicas que abri-
termo, a Cinémathèque
Française, tais do cinema – são muitas vezes incluídos para ilustrar o contexto histórico. gam arquivos de som, de filmes, de vídeos ou audiovisuais em ge-
arquivos são muitas
vezes – embora não Nesta categoria, os museus de cinema formam um grupo reconhecido ral. Alguns foram fundados pela necessidade de servir os cursos
com exclusividade
– tradicionalmente e crescente, enquanto outros enfatizam a mídia radiofônica ou o som acadêmicos, outros para preservar o patrimônio da localidade
conhecidos como
cinemathèques gravado. Existem algumas coleções e exposições grandes e espetaculares. geográfica ou da comunidade onde funciona a instituição. Al-
ou videothèques.
Mais recentemente, Como a maioria dos arquivos audiovisuais, em certo grau, mantém tec- guns fazem ambos. Muitos se desenvolveram com o passar do
entretanto, esses termos
foram utilizados por nologia em obsolescência, eles são museus audiovisuais que funcionam. tempo e se transformaram em instituições de projeção nacional
outras organizações que,
embora não arquivos e internacional. Alguns diversificaram suas fontes de recursos e
em si, apresentam
programas de projeção 4.3.7.5 Arquivos audiovisuais nacionais: são organizações de âm- estabeleceram importantes programas de conservação, restaura-
de filme de repertório
organizados em mostras. bito amplo, frequentemente grandes, que operam em nível na- ção e promoção. Alguns seguiram a trilha da “programação” e se

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especializaram nesta área. Outros permaneceram pequenos, foca- ter origem em circunstâncias administrativas ou políticas parti-
dos numa área específica, da qual aprofundam o conhecimento47. culares – como uma descentralização de programas de governo
– e seus objetivos tendem a ter um enfoque específico. Eles têm
4.3.7.7 Arquivos temáticos e especializados: este é outro grande e va- a vantagem particular de serem capazes de mobilizar apoios e
riado grupo de arquivos que não lidam com o patrimônio audio- interesses das comunidades locais, que podem se relacionar com
visual em geral, mas que optaram por uma especialização clara e as atividades do arquivo de uma forma que não poderiam fazê-lo
às vezes altamente delimitada. Esta pode ser um tema ou um as- no caso de instituições especializadas nacionais, mais distantes.
sunto, uma localidade, um período cronológico em particular, um Como resultado, materiais inestimáveis, oriundos sobretudo de
formato específico de filme, vídeo ou áudio. Podem ser materiais fontes privadas, podem se tornar conhecidos e encontrar seu ca-
relativos a grupos culturais específicos, disciplinas acadêmicas ou minho para um arquivo. Tais arquivos são abrigados em uma
campos de pesquisa. Exemplos são coleções de história oral, de grande variedade de instituições simpáticas às suas atividades,
música folclórica, de materiais etnográficos. A maioria são prova- como bibliotecas, instituições culturais, educativas, ou departa-
velmente departamentos de organizações maiores, embora alguns mentos municipais.
sejam independentes. A característica é a ênfase no atendimento
de pesquisas privadas ou acadêmicas. 4.3.7.10 Arquivos, bibliotecas e museus em geral: talvez a maior categoria
de todas. Muitas instituições possuem quantidades significativas de
4.3.7.8 Arquivos de estúdios: algumas grandes empresas de produção, materiais audiovisuais destinados à guarda permanente. Algumas
como por exemplo na indústria cinematográfica, tiveram consciên- vezes eles podem ter sido adquiridos como parte integrante de uma
47. Não nos referimos
aqui às coleções de cia da necessidade de preservar seus próprios produtos e estabele- determinada coleção ou fundo. Contudo, pode não existir nenhum
fundos audiovisuais
que as universidades ceram setores ou divisões de arquivo em suas organizações. Como departamento audiovisual ou mesmo qualquer funcionário que en-
possuem, sem intenção
de constituir um arquivo. no caso da maioria dos arquivos de emissoras, o propósito funda- tenda do assunto, ou mesmo locais adequados para sua guarda;
mental é habitualmente o gerenciamento de ativos no serviço dos assim, a longo prazo, a preservação e o acesso ao material repre-
48. Um exemplo
bem conhecido é a objetivos empresariais maiores, mas esses arquivos algumas vezes sentam um problema.
restauração digital
do clássico de Disney têm recursos significativos para dedicar à restauração e à recons-
Snow White/Branca de
Neve, há cerca de dez trução de filmes, programas e registros percebidos como possibili-
anos. O investimento
foi recuperado dades potenciais de comercialização48.
pelo proprietário
com os acordos de
relançamento. O custo
da restauração teria 4.3.7.9 Arquivos regionais, municipais e locais: há muitos arquivos
sido proibitivo para uma
instituição pública. que operam em nível abaixo do nacional. Sua formação pode

110 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 111


4.4 Visão de mundo e paradigma 49 formas. Ocupam-se de materiais que, na maioria dos casos, foram
publicados ou criados para serem difundidos com o propósito espe-
4.4.1 Introdução cífico de informar, persuadir, emocionar ou divertir. A unidade bá-
sica de uma biblioteca é o livro, o periódico, o programa, o registro,
4.4.1.1 Uma característica determinante das diversas profissões de co- o mapa, a imagem, o vídeo etc. Ainda que um mesmo livro possa
leta e conservação de documentos é a perspectiva, o paradigma ou figurar em centenas de bibliotecas diferentes, cada coleção tem um
visão de mundo específicos que lançam sobre a enorme quantidade de caráter único que reflete sua clientela, suas responsabilidades e nor-
materiais suscetíveis de interessá-las e que lhes permite, de forma sig- mas de funcionamento, bem como a qualidade de suas competências
nificativa, selecioná-los, descrevê-los, organizá-los e disponibilizá-los. na seleção do material. A catalogação e a bibliografia propiciam o
Essas profissões têm muitos traços em comum; a constituição de acer- controle e a consulta desses materiais e as informações pertinentes
vos, a gestão e a conservação dos materiais coletados e os mecanis- são o editor, o autor, os temas, a data e o local de publicação.
mos de acesso para os usuários são elementos básicos. Há uma ética e
motivações culturais que transcendem o mecânico e o utilitário; há o 4.4.3 Arquivos
gerenciamento de demandas simultâneas frente a recursos escassos. As
diferenças surgem na maneira de responder a essas funções. 4.4.3.1 Os arquivos ocupam-se de registros acumulados de atividades
sociais ou institucionais. Trata-se essencialmente de materiais não
4.4.1.2 Embora influenciadas pela tradição e pela história, essas pers- publicados, embora hoje em dia formem um conjunto mais comple-
pectivas não são em essência determinadas pelo suporte material dos xo. Seu interesse concentra-se sobretudo em documentos que cons-
documentos: bibliotecas, arquivos, museus e arquivos audiovisuais, tituem traços coletivos de uma atividade, mais do que em obras ex-
todos abrigam, por exemplo, suportes em papel, suportes audiovisuais pressamente criadas para publicação. Esse material inscreve-se num
49. Para essa seção,
utilizamo-nos de J.
e suportes informatizados, e cada vez mais transmitirão e receberão contexto preciso: a ligação com seu autor, uma atividade ou outros
Ellis, Keeping Archives,
D . W. T h o r p e / A u s t r a l i a n
materiais pela Internet. Apesar do risco de uma simplificação excessi- domínios conexos são as considerações prioritárias. E as coleções são
Society of Archives,
1993.
va, propomos abaixo algumas comparações50. Além dos comentários constituídas, ordenadas e consultadas segundo esses critérios. Um
que fazemos, elas demandam uma análise mais aprofundada. dossiê de correspondência arquivado, por exemplo, pode fazer parte
50. A obra citada acima
fornece uma grade das de uma série específica, criada por um órgão governamental em cir-
principais diferenças
entre arquivos, 4.4.2 Bibliotecas cunstâncias ou época particulares. Conhecer esses detalhes e utilizar
bibliotecas e museus
e inspiramo-nos nela o material dentro de um determinado contexto é essencial para sua
para o quadro do Anexo
2, estabelecendo uma 4.4.2.1 As bibliotecas, onde tradicionalmente se depositam escritos compreensão plena e correta. Os instrumentos de pesquisa, mais do
comparação com os
arquivos audiovisuais. e impressos, também fornecem informações sob as mais variadas que os catálogos, são os pontos de apoio do usuário.

112 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 113


4.4.4 Museus 51 tritivos para os arquivos audiovisuais e nem sempre pertinentes a
suas necessidades. Os conceitos de informação e de gestão de cole-
4.4.4.1 Pode-se dizer que os museus, em sua missão de coleta, pes- ções, utilizados em biblioteconomia, têm limitações. Os serviços de
quisa, documentação e exposição, ocupam-se mais de objetos do consulta podem ser caros e o princípio de acesso público gratuito,
que de documentos ou publicações. A conservação tem neles uma tradicional em arquivos e bibliotecas, pode se revelar inviável e de
posição central, e a capacidade técnica de expor ao público seu difícil manutenção frente a aspectos práticos e políticos colocados
acervo contextualizando-o com finalidades educativas é sua razão pelos direitos de autor.
de ser fundamental. O uso de técnicas audiovisuais em exposições
é cada vez mais habitual. 4.4.5.3 As comparações são instrutivas e merecem atenção. Um
exemplo fictício serve de ilustração. Um programa de televisão
4.4.5 Arquivos audiovisuais pode ocupar posição legítima nos quatro tipos de instituição que
descrevemos. Numa biblioteca, ele tem um papel informativo, de
4.4.5.1 Todos os arquivos audiovisuais possuem certos traços dos registro histórico ou de criação intelectual ou artística. Num arqui-
três modelos precedentes. O material de que se ocupam, por exem- vo, ele seria um dos registros de uma determinada organização, o
plo, pode ser publicado ou inédito: a diferença não é sempre fá- resultado de um processo. Num museu, ele constituiria uma obra
cil nem importante; o conceito de “original” (negativo de filme, de arte, um objeto suscetível de ser exposto. Cada um desses con-
matriz sonora) também é relevante. A catalogação e o inventário ceitos é legítimo e adequado em seu contexto. A mesma obra pode
são atividades tão essenciais para os arquivos audiovisuais quanto ser considerada sob diferentes ângulos, de acordo com a disciplina 52. O realizador russo
e teórico do cinema
para as bibliotecas, os museus e os arquivos convencionais. Como envolvida, e tratada segundo diferentes procedimentos. Os arqui- Serguei M. Eisenstein
considerava o cinema
51. Segundo o Icom o material coletado é um suporte tecnológico, torna-se impossível vos audiovisuais veem as coisas de uma maneira diferente 52, legí- como “a síntese de
(Conselho Internacional todas as artes”.
de Museus), “museu separar conceitualmente a tecnologia de seu produto, e por isso as tima dentro de sua cosmovisão, adequada à qualidade de síntese
é uma instituição 53. Este paradigma é
permanente, sem fins disciplinas da museologia também são pertinentes. Mecanismos e dessas disciplinas. fruto de nossa análise
lucrativos, a serviço pessoal mas não nega em
da sociedade e de seu formas de acesso, para particulares ou grupos grandes ou pequenos absoluto a possibilidade
desenvolvimento, aberta de outras opiniões ou
ao público, e que faz de pessoas, são múltiplos. Alguns traços diferenciadores ligam-se 4.4.6 O paradigma dos arquivos audiovisuais 53 modelos conceituais que
pesquisas relacionadas alimentem um debate que
com os testemunhos sobretudo à natureza dos documentos (ver seção seguinte). deve ter prosseguimento.
materiais do homem Entre as recentes
e de seu ambiente; 4.4.6.1 Os arquivos audiovisuais encontram-se em posição de consi- publicações sobre o
conserva-os, comunica- assunto, podemos citar
os e sobretudo os 4.4.5.2. Neste amálgama, há aspectos das disciplinas tradicionais derar aquele hipotético programa de televisão enquanto ele mesmo e não o ensaio de Jacques
expõe, com finalidade Derrida e Bernard
de estudo, de educação que são menos pertinentes. Por exemplo, os conceitos arquivísticos enquanto componente de uma outra coisa. Não classificarão em princípio S t i e g l e r, É c o g r a p h i e s
e de lazer” (http://icom. de la télévision, Paris:
museum/definition.html). de registro, ordem original e respeito aos fundos podem se revelar res- esse programa como uma informação ou um documento histórico Galilée, 1996.

114 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 115


ou uma obra de arte ou um documento institucional, mas o consi- servam sua própria natureza, qualquer que seja o contexto institu-
derarão como uma transmissão de televisão que é tudo isso e ao mesmo tempo cional em que estão inseridos. A questão é saber como esse contex-
muito mais do que isso – e essa classificação determinará seus métodos to pode ou deve refletir a totalidade dessa natureza. (Bibliotecários,
e ações. O caráter dos meios audiovisuais e seus produtos é o pon- arquivistas e curadores de museus que fazem parte de organizações
to de referência primordial que os arquivos audiovisuais levam em maiores confrontam-se com problemas semelhantes.)
conta, da mesma forma que, há séculos, a própria natureza do livro
impresso, enquanto fenômeno, foi o ponto de referência primordial
das bibliotecas tais como hoje as conhecemos.
4.5 Principais perspectivas dos arquivos
4.4.6.2 Avançando mais, pensemos em como os arquivos audio- audiovisuais
visuais tratam, por exemplo, os materiais em papel – revistas,
cartazes, fotografias, roteiros etc. Na maior parte dos casos, esses 4.5.1 Traços definidores
materiais não são entendidos em si mesmos mas pelo valor que
acrescentam aos registros, filmes ou programas a que se referem. 4.5.1.1 Toda profissão lança sobre o mundo um olhar que lhe é
Num arquivo audiovisual, um cartaz de filme tem valor muito específico, tem seu próprio ponto de vista sobre o universo e as
por causa do filme com o qual se relaciona. Numa galeria, pode- questões particulares que lhe dizem respeito, e isso a diferencia
ria ter valor artístico .54
do restante da sociedade. Essa perspectiva específica pode ser sutil
ou rígida. Os arquivos audiovisuais não são exceção a esta regra.
4.4.6.3 A medida pela qual esse modelo se traduz em práticas varia Ao examinarmos os traços distintivos apresentados abaixo, o leitor
segundo as circunstâncias e as decisões dos arquivos. Os arquivos poderá compará-los com os de outras profissões relacionadas com
audiovisuais independentes (quer se consagrem a um ou a vários a coleta e a preservação e observar as diferenças que os distinguem.
suportes), dotados de um status e de uma autonomia comparáveis
54. Isso não significa
que os arquivos aos das grandes bibliotecas, arquivos ou museus, encontram-se em 4.5.2 A indústria audiovisual
audiovisuais ignorem
a dimensão artística posição mais adequada para colocar em prática esse modelo: os
da mesma forma que
uma biblioteca, por documentos audiovisuais têm neles o mesmo valor cultural que os 4.5.2.1 A indústria: os arquivos audiovisuais pertencem ao mundo
exemplo, não ignora o
valor como artefato ou artefatos produzidos por técnicas mais antigas. Os arquivos audio- das instituições de coleta e conservação de documentos e estão
obra de arte de um livro
ou um manuscrito raro. visuais pertencentes a organizações maiores em geral encontram conscientes das responsabilidades sociais e da ética de serviço públi-
Simplesmente isso revela
a óptica particular que um meio termo entre este modelo e a óptica dos organismos dos co que os caracteriza. Mas participam também, em graus variados,
caracteriza a coleção e
fixa suas prioridades. quais dependem. Evidentemente, os documentos audiovisuais con- de outro universo: o das indústrias internacionais do audiovisual

116 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 117


e de sua cultura. Eles recrutam seu pessoal nesse universo, falam ção da paisagem tecnológica e empresarial, a carência de pessoal
sua língua, respondem a suas necessidades, refletem seu espírito diante da enormidade da tarefa, dão aos arquivos e aos arqui-
empresarial e sua paixão pelos meios de comunicação. Ao mes- vistas audiovisuais um sentimento de urgência: “Tanta coisa a
mo tempo, sobretudo para os arquivos audiovisuais que pertencem fazer num tempo tão curto...” Eles confrontam-se permanente-
a uma organização com finalidades lucrativas, o imperativo por mente com as consequências de suas intervenções, omissões e
exemplo de gerar receitas ou de atender a prioridades da empresa limitações; precisam persuadir, transformar atitudes, moldar seu
de que fazem parte pode prevalecer sem questionamento sobre as- próprio entorno.
pectos mais altruístas relacionados com o interesse público.
4.5.3.2 Os arquivistas audiovisuais que decidem exercer sua pro-
4.5.2.2 ...e sua história. Exceto por alguns exemplos notáveis, a expe- fissão apesar desse contexto são movidos por uma vocação, e às
riência demonstra que as indústrias audiovisuais são tão ocupadas vezes por uma paixão, para um domínio ainda novo e que luta
com sua produção corrente que têm pouco tempo, recursos ou in- para obter condições, reconhecimento oficial, estruturas de for-
clinação para se voltar para a história da empresa e sua produção mação, credenciamento e associações de defesa de seus interesses
passada, seja do ponto de vista cultural, histórico ou às vezes mes- profissionais semelhantes aos conquistados pelos profissionais de
mo comercial. Seus interesses tampouco coincidem sempre ou são ramos vizinhos da coleta e da conservação. A arquivística audiovi-
compatíveis com os dos arquivos públicos. Frequentemente, tomam sual não propicia nos dias de hoje nem fama nem riqueza apesar
consciência tarde demais do valor de seus ativos para que possam de sua relação com um setor que o público associa intimamente
preservá-los. Assim, cabe aos arquivos e aos arquivistas audiovi- com essas qualidades. Também não se beneficia do quadro jurídi-
suais, qualquer que seja sua filosofia e seu contexto institucional, co estabelecido há muito para o mundo do mercado editorial e da
adotar e promover uma visão mais ampla e de longo prazo se o ob- burocracia governamental que cerca as bibliotecas e os arquivos
jetivo for preservar a memória coletiva e manter acessível a cultura nacionais. Os arquivistas audiovisuais movem-se no terreno escor-
“popular” (em oposição à cultura “elevada”). Isso pode ser fonte de regadio de uma indústria com regras comerciais e jurídicas pouco
muitas dificuldades e tensões. definidas e que se preocupa sobretudo em controlar seus direitos
de propriedade.
4.5.3 A cultura profissional
4.5.3.3 Por esse motivo, a versatilidade é frequentemente um traço
4.5.3.1 A fragilidade e o caráter efêmero dos documentos audio- característico do arquivista audiovisual. As competências humanas
visuais, o pioneirismo da arquivística audiovisual, a frequente são primordiais em um domínio que depende muito das relações
falta de recursos e a insegurança no emprego, a rápida evolu- pessoais formais e informais. O arquivista audiovisual precisa reunir

118 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 119


as qualidades do político e do advogado. Trabalhar no mundo do siderada, em muitas instituições, como um “extra” em relação ao
espetáculo exige o domínio da arte da encenação, mostrar-se cria- funcionamento da organização, quando na verdade trata-se con-
tivo e audacioso em sua maneira de pensar e de agir, saber vestir ceitualmente da missão prioritária dos arquivos audiovisuais.
a pele de um produtor de televisão ou de um cineasta. A pessoa
que não se sente verdadeiramente atraída pelos meios audiovisuais 4.5.4.2 Como as obras audiovisuais baseiam-se na tecnologia, as
nunca chegará a compreender a natureza íntima nem a se identifi- realidades da preservação impregnam o conjunto das atividades
car com aqueles que consagram sua carreira à criação, exploração dos arquivos, integram seu funcionamento cotidiano. A preserva-
e reunião de obras audiovisuais. ção determina as percepções e as decisões do arquivo: a consulta
ao material tem sempre consequências tecnológicas e econômicas
4.5.3.4 Essas qualidades complementam os elementos mais tradi- maiores ou menores. As modalidades de acesso são inúmeras, des-
cionais e teóricos da cultura das instituições de coleta. Uma base de retirar uma fita de uma estante, fazer uma cópia nova de um
técnica geral e o conhecimento da história do audiovisual e da ar- filme à reserva de uma sala por diversas horas para sua projeção.
quivística audiovisual, por exemplo, constituem bagagem indispen- Qualquer que seja a opção, a consulta nunca pode expor a obra a
sável, qualquer que seja o domínio de sua especialização indivi- um risco inaceitável55. Se o custo for excessivo, a consulta deverá ser
dual. Uma ética exigente e escrupulosa é essencial em um domínio adiada enquanto não se puder assumi-lo ou enquanto ela não for
no qual se manejam constantemente informações comerciais con- considerada decididamente prioritária.
fidenciais, no qual o acesso e as transações de incorporação podem
55. “Inaceitável” é um
colocar em jogo somas consideráveis, no qual é necessário a todo o 4.5.4.3 Em razão de sua base tecnológica, os arquivos audiovisuais conceito relativo.
Alguns arquivos
momento realizar julgamentos, e no qual muitos depositantes im- apresentam-se frequentemente como centros de conhecimento e audiovisuais fixam,
para seus mecanismos
portantes (os colecionadores privados, por exemplo) confiam muito de equipamentos técnicos especializados, onde se guardam e se de acesso, regras
estritas que se revestem
mais no indivíduo do que na instituição. utilizam tecnologias e procedimentos obsoletos, para que se pos- rapidamente de um
caráter absoluto.
sam restaurar e reproduzir materiais audiovisuais de qualquer tipo Entretanto, não existe
nada de absoluto no
4.5.4 Preservação e formato. Não se pode prever a longo prazo por quanto tem- mundo, apenas graus
de risco. Cada arquivo
po isso continuará sendo assim, porque os arquivos dependem de decide por si próprio a
maneira como gerencia
4.5.4.1 Já enfatizamos a importância central da preservação (seção infraestruturas industriais de grande porte para o fornecimento os riscos ligados ao
acesso, e os critérios
3.2.6). A tensão entre preservação e acesso existe na maioria das de matéria-prima, como a película, ou de peças de reposição. Os escolhidos subordinam-
se a considerações
instituições que gerenciam acervos. O acesso comporta riscos e arquivos audiovisuais devem também enfrentar imperativos éti- políticas e estratégicas,
técnicas e econômicas.
custos, grandes ou pequenos, mas a preservação sem o acesso não cos e econômicos à medida que as opções analógicas e digitais se Esses critérios portanto
modificam-se com
teria razão de ser. Nota-se, apesar disso, que a preservação é con- diversificam e novos formatos proliferam. Sem dúvida, o efeito de o tempo.

120 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 121


inércia ligado ao fato de guardar, conservar e reproduzir quanti- rentes em outras profissões de coleta e conservação. Isso parece
dades cada vez maiores de documentos audiovisuais em formatos evidente mas, em decorrência do fato de que a arquivística audio-
obsoletos desencoraja julgamentos apressados quanto ao futuro. visual derivou dessas profissões, algumas premissas divergentes (e
Por outro lado, as competências estéticas, os conhecimentos histó- às vezes incompatíveis) foram aplicadas, por analogia automática,
ricos e os julgamentos éticos exigidos pelo trabalho de preservação ao domínio do audiovisual.
são inerentes ao próprio caráter dos documentos audiovisuais e
sempre serão necessários 56. 4.5.5.2 Um exemplo simples57 é a prática (felizmente abandona-
da) dos bibliotecários de catalogar os filmes segundo o título en-
4.5.4.4 Outra característica decorrente da importância central contrado nas pontas ou nos primeiros fotogramas dos créditos, ou
da preservação é o espírito técnico dos arquivistas audiovisuais. Ou escrito na lata. Os catalogadores dos arquivos audiovisuais tiveram
seja, sua capacidade de pensar a permanência em termos tanto de batalhar muito para que se admitisse que os filmes devem ser
técnicos quanto estéticos, de explorar todo um conjunto de equi- classificados segundo o que efetivamente são e que a pesquisa per-
pamentos técnicos, de apreender as consequências diretas sobre mite determinar – a ponta de um filme pode ter sido emendada
o material de um armazenamento inadequado ou de um erro num rolo trocado, ou o rolo pode ter sido colocado na lata de um
de manipulação ou de utilização de equipamentos. Isso significa outro filme. Esse era um território inteiramente desconhecido para
que os arquivistas que vão ao cinema, assistem televisão ou es- profissionais habituados a trabalhar com objetos com sua página
cutam um registro sonoro percebem imediatamente as caracte- de rosto devidamente encadernada.
rísticas técnicas do que veem ou escutam: as imagens digitais da
televisão, a dinâmica do registro sonoro, a qualidade visual e o 4.5.5.3 A necessidade de voltar aos princípios originais manifes-
estado da cópia do filme. tou-se algumas vezes mais tarde e, para muitos, tudo ainda parece
novidade. Por exemplo, as diferentes abordagens da arquivística e
57. Exemplo tirado da
4.5.5 A abordagem prática da biblioteconomia em matéria de organização e de descrição de experiência do autor
numa biblioteca onde
coleções foram aplicadas ao arquivamento de materiais audiovi- durante algum tempo
tentou-se organizar
56. Essa questão 4.5.5.1 De forma lógica e justificada, os arquivos audiovisuais suais. Muitos arquivos, porém, desenvolveram procedimentos que, as coleções de filmes
suscita um debate em 16mm segundo
ético e prático. Uma aplicam métodos e princípios de incorporação e de administra- embora relacionados às disciplinas anteriores, repousam sobre a classificação
duplicação digital pode d e c i m a l D e w e y. O s
substituir um objeto ção de acervos, de documentação e de prestação de serviços que premissas distintas e conduzem a práticas diferentes. Um método videocassetes, os cds
original? Pode-se e os dvds, cuja forma é
recriar a experiência resultam da própria natureza do documento audiovisual e de seu corrente, por exemplo, consiste em inventariar as coleções usando bastante próxima à dos
original de visão e de livros, são facilmente
audição? Quais são, a contexto físico, estético e jurídico. Em consequência disso, os mé- uma planilha de catalogação, o que permite dissociar as atividades integrados a esse
longo prazo, os limites sistema orientado para o
do digital? todos podem diferir, em grau ou natureza, das abordagens cor- de registro das de descrição intelectual. acesso direto.

122 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 123


4.5.6 O desenvolvimento dos acervos 4.5.7 A gestão dos acervos

4.5.6.1 A exemplo das bibliotecas, os arquivos audiovisuais ad- 4.5.7.1 Por sua própria natureza, diversos suportes audiovisuais
quirem materiais de diversas maneiras e aplicam a seus acervos são caros e sensíveis ao ambiente. Na medida dos recursos dispo-
políticas e mecanismos de seleção e de avaliação. Os mecanis- níveis, os arquivos audiovisuais mantêm sistemas de armazena-
mos de incorporação incluem a compra, a troca, a doação e, em mento com temperatura e umidade controlados e utilizam proce-
alguns casos, regulamentos em matéria de depósito legal. Mas a dimentos de verificação do estado dos documentos no momento
constituição dos acervos audiovisuais apresenta alguns aspectos de sua incorporação e, depois, a intervalos regulares. Os sistemas
específicos. Pode-se mencionar, por exemplo, o sistema de depó- de controle do tipo inventário, que permitem a cada unidade da
sito voluntário (o arquivo tem a guarda do objeto mas não sua coleção ser identificada separadamente, e que cada material seja
propriedade ou os direitos de autor), o registro de programas no classificado por forma, categoria e dimensão, são aspectos especí-
momento de sua transmissão, a produção de registros, a pesquisa ficos dos sistemas de gestão dos arquivos audiovisuais. O estabele-
e a descoberta de materiais efêmeros cuja vida comercial me- cimento de uma ficha técnica detalhada por unidade é necessário
de-se por semanas muito mais do que por dezenas de anos. As para acompanhar as condições de conservação ao longo do tempo
investigações metódicas, as “caças ao tesouro” em lugares susce- e aplicar, quando for preciso, um tratamento apropriado. Nesse
tíveis de guardar materiais antigos são por vezes a única maneira quadro, a unidade-chave é o suporte individual 59, associado a uma
prática de encontrá-los. Os arquivos audiovisuais devem buscar obra identificada por um título. Essa abordagem, em sua teoria e
materiais de forma ativa e seletiva; eles não são meros receptores aplicação, emana da natureza material e conceitual dos documen- 59. Isso significa a menor
unidade física: bobina de
passivos de materiais 58. tos audiovisuais. fita magnética, rolo de
filme, disco, cassete, etc.
Uma obra pode existir
em diversos suportes
4.5.6.2. – Os particulares, sobretudo os colecionadores, consti- 4.5.8 O acesso individuais, de tipos
diferentes. Um filme
tuem uma fonte importante de documentos e as relações que os pode ser constituído de
58.Esse esquema varia diferentes elementos:
segundo a estrutura e arquivos mantêm com eles são fundamentais. As próprias indús- 4.5.8.1 Dada a própria natureza dos documentos audiovisuais, exis- um contratipo de
a política do organismo imagem, um negativo
do qual dependem. trias audiovisuais confiam muito no contato pessoal. A capacidade tem muitas formas de acesso, reais e potenciais, seja do tipo “pas- de som, um positivo
Alguns arquivos intermediário, uma cópia
audiovisuais selecionam de estabelecer e manter relações pessoais e de inspirar confiança sivo” – como a pesquisa e a consulta individuais –, seja do tipo combinada etc. Cada um
pouco e recorrem desses elementos pode
menos à pesquisa é essencial num domínio onde as sensibilidades se exacerbam e a “ativo” – como a exposição pública, a projeção, a transmissão, corresponder a várias
ativa. É o caso, por unidades. Inversamente,
exemplo, dos arquivos confiança se perde com facilidade. As questões éticas relativas ao a comercialização de produtos etc. As competências e conheci- muitas obras podem
nacionais, que recebem existir em um único
obrigatoriamente as direito de propriedade e de uso estão frequentemente em jogo e mentos exigidos nesse setor são, por isso mesmo, muito diversos: suporte individual – por
produções de outros exemplo, as diversas
organismos públicos. exigem muita cautela. por um lado, é necessário possuir sólidos conhecimentos técnicos, faixas de um cd.

124 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 125


profundo conhecimento dos acervos, do conteúdo e da história e, talogação exige muito trabalho e dinheiro e numerosas coleções
por outro, a capacidade de organizar e proteger as coleções, ter es- ainda não estão catalogadas, o conhecimento acumulado que os
pírito empreendedor, dons para criar e organizar exposições. Essa próprios arquivistas têm sobre o acervo é outra fonte fundamental
bagagem deve ser consolidada pelo domínio da legislação relativa de informação. Encontrar um equilíbrio justo entre o catálogo e
aos direitos de autor e dos direitos contratuais. O acesso a uma o conhecimento pessoal continua sendo um dilema. Como muitas
grande parte dos acervos de todos os arquivos é, na verdade, limi- instituições descobriram, às suas próprias custas, as pessoas podem
tado pelas restrições legais derivadas da titularidade de direitos de morrer ou ir embora de repente, levando consigo o seu saber. Como
autor, direitos de distribuição e de difusão. o uso de instalações de audição e de visionamento e a pesquisa dos
documentos podem se revelar dispendiosos, o acesso “gratuito” é
4.5.8.2 Paradoxalmente, numa época em que se pode facilmente frequentemente impossível.
contornar a legislação sobre os direitos de autor pelo registro de
um documento no momento de sua difusão ou capturando-o pela 4.5.8.4 O acesso limitado à informação pode ser um fato, mas certa-
Internet, e em que a pirataria adquiriu amplitude internacional, mente não é o objetivo dos arquivos audiovisuais. As novas tecnolo-
os arquivos – que conservam grande parte desses materiais – de- gias ampliam rapidamente as possibilidades de consulta pela Internet
vem com o maior escrúpulo respeitar esses direitos. Na prática, o a bases de dados, a documentos sonoros e visuais (mediante autori-
acesso é limitado pela necessidade de obter constantemente au- zação do titular dos direitos de autor) e essas possibilidades criam,
torizações para os diversos tipos de utilização de documentos do em contrapartida, novas demandas. O catálogo tradicional está em
acervo suscetíveis de lesar os titulares dos direitos de autor. Em processo de mudança. O texto das entradas enriquece-se com ícones,
numerosos casos, em particular com relação aos materiais antigos, imagens e sons. Também é possível realizar pesquisas simultâneas em
é difícil, às vezes impossível, estabelecer com precisão a identidade múltiplas bases de dados. Esses sistemas, cada vez mais aperfeiçoados,
do proprietário desses direitos. Os arquivos devem, nesses casos, revolucionarão as práticas de catalogação e de acesso dos arquivos
medir os riscos que correm ao facilitar o acesso público a um filme audiovisuais, e oferecerão ao usuário maiores possibilidades e opções.
ou registro.
4.5.9 A contextualização
4.5.8.3 Podemos folhear um livro ou uma série de manuscritos.
Não podemos folhear, pelo menos da mesma forma, um registro 4.5.9.1 O contexto no qual as imagens e os sons foram concebidos
sonoro, um filme, um vídeo ou um objeto. O controle intelectual que constitui um elemento fundamental para sua apreciação. Trata-se
as entradas de catálogo, às vezes muito detalhadas, permitem é aqui talvez da tarefa mais difícil que os arquivos audiovisuais de-
muitas vezes um meio bastante eficaz para o usuário. Como a ca- vem realizar.

126 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 127


4.5.9.2 Ler um livro numa edição encadernada ou em brochura é julgamentos e das escolhas feitas, assim como pela qualidade do
quase a mesma coisa. Examinar um arquivo de texto em versão im- trabalho realizado. Documentar os procedimentos utilizados e as
pressa, em suporte digital ou microforma também não muda muito decisões tomadas ao se copiar de uma geração para outra é funda-
a maneira pela qual se apreende o conteúdo ou a importância de um mental para preservar a integridade de uma obra. Trata-se, talvez,
documento. A integridade e o valor informativo quase não variam, do equivalente audiovisual dos conceitos arquivísticos de respeito
mesmo quando se consulta o documento em formatos variados e nos ao fundo e à ordem original. A mesma lógica vale para a restau-
ambientes mais diversos. No caso dos documentos audiovisuais, po- ração e a reconstituição de materiais audiovisuais; apenas com a
rém, o contexto desempenha um papel extremamente significativo. documentação das escolhas pode-se julgar adequadamente, em seu
contexto, a “nova” versão. Quando o próprio autor da obra retra-
4.5.9.3 Assistir um longa-metragem ou um cinejornal na tela de balha sua produção original60 é necessário adquirir e preservar a
uma televisão numa sala iluminada ou numa cabine de visiona- documentação relativa a esta revisão.
mento constitui uma experiência muito diferente da de assistir à
projeção do mesmo filme em 35mm numa sala de cinema escura,
da mesma época em que a obra foi realizada. A obra foi concebida
para ser vista neste contexto e não no anterior. Não é simplesmente 4.6 Base de apoio
uma questão da qualidade de imagem e som, ainda que esses sejam
elementos importantes. Trata-se também das técnicas empregadas 4.6.1
e do entorno correspondente. Por igual motivo, os arquivos con- Como outras instituições de coleta e conservação, todo arquivo
servam os fonogramas e os gramofones. Uma cópia em cd de um audiovisual possui uma base de apoio, um conjunto de “amigos”
documento sonoro, tocado num aparelho de leitura moderno, si- e pessoas preocupadas com o sucesso da missão do arquivo e que
mulará mas nunca substituirá a experiência de ver e ouvir registros podem, em graus variados, exigir uma prestação de contas. A
reproduzidos em sua tecnologia original. composição dessa base de apoio varia de um arquivo para ou-
tro e inclui, naturalmente, a instituição ou organização à qual o
4.5.9.4 A conservação e o acesso às imagens em movimento e aos arquivo está ligado. Contudo, na maioria dos casos esse grupo
registros sonoros implicam mais cedo ou mais tarde sua reprodu- inclui outras pessoas pois os arquivos de maior eficiência conse-
ção ou transferência para novos suportes. Isso não é um ato neutro. guem diversos tipos de ajuda, patrocínio e promoção de caráter
60. George Lucas
A qualidade e a natureza da cópia dependem de julgamentos técni- voluntário e, frequentemente, representam determinados valores, renovou a primeira
versão da trilogia
cos e de intervenções físicas (tais como o reparo manual). Corre-se sentimentos e ideais compartilhados pela sociedade em seu con- Star wars/Guerra nas
estrelas, acrescentando
o risco de distorcer, mutilar ou manipular a história através dos junto. A base de apoio pode ser integrada por usuários, doadores, sequências e efeitos.

128 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 129


colaboradores, associações profissionais, patrocinadores efetivos e de, eles “são notícia” e têm à sua disposição todos os mecanismos
potenciais, pelo mundo acadêmico, por setores da indústria do de publicidade gratuita, como entrevistas no rádio e na televisão,
cinema, do rádio, da televisão, organizações de “amigos”, outras editoriais de imprensa, artigos em revistas e na Internet. A arte da
instituições de coleta e de conservação, organismos culturais e, às encenação faz parte da profissão e normalmente os próprios arqui-
vezes, políticos e formadores de opinião dos mais diversos tipos. vistas são os defensores mais eloquentes e eficazes de seu trabalho
Ela pode portanto ser considerada como um subconjunto da co- em razão de seus conhecimentos, sua convicção e sobretudo seu
letividade que é servida pelo arquivo e que tem um interesse ativo entusiasmo. As técnicas publicitárias também são aprendidas e se
em seu bom desempenho. baseiam em princípios fundamentais de bom senso sobre a simpli-
cidade e a clareza da comunicação, às quais se alia a compreensão
4.6.2 dos pontos fortes e fracos da mídia que se utilize.
Os arquivos audiovisuais estão, ou pelo menos sentem que estão,
61. Resposta dada em
abaixo das outras instituições de coleta e de conservação mais tra- 4.6.4 numerosas ocasiões pelo
herói constantemente
dicionais na lista de prioridades de financiamento ou de ajuda dos “Quanto mais amigos melhor” é uma resposta famosa dos quadri- angustiado Charlie
Brown, dos quadrinhos
poderes públicos. Devem, por isso, defender seus interesses com nhos do Peanuts61. Os arquivos negligenciam essa obviedade como de Charlie M. Schutz,
com a qual a maior
habilidade e persuasão e, como sua legitimidade e a importância se não lhes dissesse respeito. Um círculo de amizades pode ser mais parte de seus leitores se
identifica.
de suas necessidades nem sempre são reconhecidas, nunca devem amplo do que parece à primeira vista e incluir diversas associações
considerar seus problemas resolvidos. Como qualquer outra com- internacionais e seus membros, entre os quais podem figurar pes- 62. Grupos de pressão,
particulares e homens
petência, a arte de sensibilizar e mobilizar também pode ser apren- soas de autoridade dispostas a se identificar a uma causa ou a uma públicos uniram-se
em 2003 e 2004 na
dida e supõe essencialmente a criação de oportunidades e a perfei- necessidade concreta. Muitos arquivos audiovisuais tiveram sua Austrália para defender
o National Film and
ta compreensão da posição da outra parte. É imprescindível dar a fortuna marcada por esse tipo de circunstância. Várias ações cole- S o u n d A r c h i v e [ N T: o
autor refere-se aqui ao
seu interlocutor uma razão persuasiva e convincente para que você tivas, como cartas e abaixo-assinados conseguiram evitar o fim de quase desaparecimento
do NFSA quando de
seja colocado no centro de suas prioridades, e enfatizar as soluções uma instituição ou a destruição de um acervo. Uma das vantagens sua incorporação
à Australian Film
possíveis muito mais do que os problemas existentes. da Internet é que as necessidades podem ser informadas pronta e Commission]. Essa
ação seria assunto para
amplamente através de e-mails e de listas e as respostas recebidas um estudo de caso
i n t e r e s s a n t e . [ N T: o
4.6.3 podem ser rápidas e em grande quantidade62. assunto é amplamente
analisado por Ray
As bases de apoio podem ser ampliadas através da publicidade, de Edmonson em sua tese
de doutorado – National
modo que um número cada vez maior de pessoas saiba da existên- 4.6.5 Film and Sound Archive:
the quest for identity
cia do arquivo e conheça a natureza de sua missão. Os arquivos É necessário cultivar esses apoios. Os simpatizantes precisam que –, defendida em 2011
junto à University of
audiovisuais relacionam-se com as indústrias da mídia; na verda- alguém simpatize com eles e é necessário cultivá-los no melhor Canberra.]

130 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 131


sentido da palavra. Não se trata apenas de realizar estudos de 4.7.1.2 As instituições públicas de coleta e de conservação de do-
mercado mas sobretudo de construir a longo prazo as relações cumentos são, idealmente, dotadas de disposições equivalentes. A
bilaterais. Os amigos devotados à causa de uma instituição mere- missão, os poderes e a natureza das bibliotecas, dos museus e ar-
cem e têm necessidade de receber mais do que boletins de infor- quivos nacionais são normalmente definidos por um instrumento
mação e comunicados de imprensa. Eles querem saber se sua con- jurídico, uma lei ou algo semelhante, que fixa as disposições rela-
tribuição é apreciada e querem ser consultados sobre problemas tivas à sua modalidade de gestão. Devem prestar contas aos pode-
importantes, através de mecanismos práticos de consulta. Suas res públicos mas beneficiam-se, em contrapartida, de segurança
ideias e críticas devem ser solicitadas, escutadas e levadas a sério. e autonomia profissional no exercício de sua missão. Essas dispo-
A experiência mostra que os esforços investidos nos amigos são sições podem compreender cláusulas relativas ao depósito legal,
largamente recompensados. É o meio mais eficaz de se prevenir o que impõe uma responsabilidade pública concreta à instituição
contra a estreiteza de visão e a arrogância que facilmente tendem e lhe confere certo reconhecimento. Em outros âmbitos, no das
a caracterizar as instituições e pode inclusive ser decisivo para a bibliotecas ou arquivos universitários, por exemplo, pode haver
sobrevivência de um arquivo. dispositivos análogos estabelecidos por uma autoridade máxima,
no caso a reitoria, o conselho universitário ou outro órgão direti-
vo da universidade.

4.7 Governo e autonomia 4.7.1.3 Talvez em razão de sua existência relativamente recente,
os arquivos audiovisuais movem-se com frequência num contexto
4.7.1 Contexto prático menos definido e mais instável. Apenas alguns deles beneficiam-se
de um nível de autonomia ou de reconhecimento jurídico compa-
4.7.1.1 Na maior parte dos países, as estruturas de gestão das em- ráveis em escala nacional. A existência e as atividades de muitos
presas, instituições beneficentes e outros organismos não governa- arquivos dependem da boa vontade da instituição ou organismo
mentais devem cumprir determinadas obrigações legais a respeito ao qual pertencem e não têm senão pouca ou nenhuma garantia
da prestação de contas, transparência, autonomia e competência de autonomia profissional. A maioria dos arquivos com finalidades
administrativas. Os textos que regulam as modalidades de gestão não lucrativas ocupa uma situação intermediária entre esses dois
dessas organizações definem seus objetivos, poderes e estrutura bá- polos. Quanto aos arquivos que fazem parte de organizações maio-
sica. O poder decisório e as responsabilidades emanam em última res, com finalidades comerciais, eles estão naturalmente sujeitos
instância, geralmente, de um conselho ou de um comitê que repre- aos seus princípios de gestão, o que significa que em geral gozam
senta as pessoas interessadas na organização. de muito pouca autonomia.

132 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 133


4.7.2 A semiautonomia como mínimo desejável com grupos interessados. As políticas serão observadas na prática e cons-
tituirão os critérios de avaliação do trabalho realizado. Na falta de uma
4.7.2.1 Levando-se em conta que os dispositivos de gestão aos quais cultura baseada em normas corre-se o risco de que o arquivo constitua
os arquivos devem se adaptar estão longe dos ideais – quais as con- e gerencie seu acervo de forma arbitrária e sem nenhum controle.
dições essenciais mínimas a preencher? em que se baseiam essas
63

condições? –, a experiência sugere que os pontos abaixo consti- 4.7.2.5 O arquivo terá controle sobre a constituição e a gestão de
tuem uma lista de requisitos mínimos. seu acervo. Os critérios profissionais relativos à seleção, incorpo-
ração, descrição, conservação e acesso serão exercidos de forma
4.7.2.2 O arquivo deve ser uma entidade identificável. Deve ter um autônoma, sem que nenhuma autoridade superior interfira nas de-
nome explícito, uma localização física, estrutura organizacional, cisões do arquivo. Sem essa condição, não há nenhuma segurança
quadro de pessoal, acervo, equipamentos e instalações. Deve dis- de que as normas profissionais sejam respeitadas.
por de um estatuto, seja ele uma pessoa jurídica de direito próprio
ou um departamento ou programa de uma organização maior. Na 4.7.2.6 O arquivo será representado por seus próprios profissionais
ausência desses elementos básicos, os grupos de apoio ao arquivo quando tratar com seus grupos de interesse, compreendidos neles
não terão nada concreto com que se relacionar. os meios de comunicação, outras instituições de coleta e conserva-
ção, e fóruns profissionais de âmbito nacional e internacional. Terá
4.7.2.3 O arquivo deve possuir documentos públicos sobre seu siste- acesso direto ao conselho de administração ou ao diretor da orga-
ma de gestão nos quais estejam definidos sua natureza, seu papel e nização à qual pertence e, idealmente, dependerá dessa instância
missão, sua condição e âmbito de responsabilidades. Esses documen- superior de forma direta. Essa condição é fundamental para garan-
63. Até há pouco
tempo, os estatutos e tos serão a garantia essencial da seriedade institucional perante os tir a clareza de comunicação e a capacidade do arquivo em relacio-
regulamentos da Fiaf
exigiam um alto grau de usuários, os patrocinadores, o pessoal, e serão promulgados ou re- nar-se com seus parceiros profissionais e seus grupos de interesse.
autonomia institucional
como condição ferendados pela autoridade máxima competente (um parlamento,
necessária para a
afiliação de arquivos. conselho diretor de uma empresa, reitoria de uma universidade etc.). 4.7.2.7 O arquivo terá fundamentos éticos e filosóficos escritos e
Em 2000 esse critério
foi um pouco atenuado disponíveis ao público, seja sob a forma de compromissos expressos
e a ênfase colocada
na adesão formal a 4.7.2.4 O arquivo deve divulgar publicamente suas políticas relativas, de adesão a códigos ou declarações profissionais existentes seja sob
um novo código de
ética. Os candidatos à no mínimo, às atividades de constituição do acervo, preservação e a forma de documentos que fixem suas próprias linhas de conduta.
a d e s ã o d e v e m f o r n e c e r,
não obstante, muitas acesso. Essas políticas baseiam-se nos documentos de gestão e, de acor- Tanto os grupos de apoio quanto os membros do quadro pessoal
informações sobre o
grau de autonomia do com a evolução das circunstâncias, serão periodicamente discutidas terão direito de conhecer os valores que guiam a ação do arquivo e
profissional de que
gozam. e atualizadas mediante consultas e discussões com os funcionários e pelos quais se podem cobrar suas responsabilidades.

134 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 135


4.7.2.8 Os financiamentos que o arquivo receber serão concedidos preparados com cuidado, documentos desse tipo contribuem para
sem condições. As prioridades serão fixadas por avaliações profis- garantir que o órgão diretivo do arquivo seja composto por pessoas
sionais internas e não ditadas por agentes externos como patro- capacitadas e representativas de seu domínio profissional e que as
cinadores, autoridades ou pela organização de que o arquivo faz coleções estejam protegidas pelo princípio de “sucessão perpétua”:
parte. (Essa condição é, na verdade, problemática pois os arquivos se o arquivo deixar de existir enquanto instituição, um organismo
dependem de múltiplas fontes de financiamento, de patrocinadores de princípios afins assumirá a tutela do acervo.
e de mecenas institucionais que muitas vezes impõem suas próprias
condições e prioridades.) 4.7.3.3 O ideal de uma dotação orçamentária estável, utilizada
apenas mediante as decisões profissionais do arquivo nem sempre é
4.7.2.9 Se o arquivo não for gerido por seu próprio conselho ou uma condição possível64. Em todo caso, o arquivo que conseguisse
comitê diretor deverá contar pelo menos com um órgão consultivo compor seu orçamento com a maior parte de recursos oriunda dos
ou com mecanismos de consulta equivalentes, mediante os quais poderes públicos, naquelas condições, complementada com recur-
manterá contato com as opiniões e as necessidades da coletividade sos de patrocinadores e organismos de apoio mediante projetos,
a que serve e garantirá a confiança de sua base de apoio. aproximar-se-ia desse ideal.

4.7.2.10 O arquivo será dirigido por um diretor ou uma equipe 4.7.3.4 A liberdade profissional para estabelecer e aplicar políticas
executiva com experiência profissional no campo dos arquivos au- também é um ideal. Embora muitas instituições acreditem gozar
diovisuais. Isso garantirá um quadro de referência adequado à ges- dessa liberdade, o certo é que com muita frequência promulga-se
tão do arquivo. uma política mas sua aplicação fica sujeita às numerosas restrições
que constrangem os arquivos. Ou seja, as políticas enunciadas nem
4.7.3 ...e além da prática sempre são aplicadas na prática.
64. O presidente
da Amia, Sam Kula,
formulou essa ideia de
4.7.3.1 O arquivo deveria ter, idealmente, outras características maneira expressiva: “O
lema ‘dê-me dinheiro
que lhe garantissem a autonomia, a continuidade e a viabilidade. e me deixe em paz’
seria muito bonito
numa bandeira (os
anarquivistas poderiam
4.7.3.2 Possuir personalidade jurídica própria definida por um o c u p a r- s e d o a s s u n t o )
mas não é provável
texto legislativo, uma constituição, uma carta, um ato constitutivo que encontrasse
boa acolhida nas
ou equivalente. Tal documento seria a melhor garantia de con- altas esferas”. Amia,
Newsletter nº 61, verão
tinuidade, estabilidade e sistema de gestão responsável. Quando de 2003, p.2.

136 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Arquivos audiovisuais | 137


5. Preservação: características e conceitos

5.1 Princípios objetivos e subjetivos

5.1.1
Nesta seção estudaremos as características definidoras dos suportes
audiovisuais que, por sua vez, conformam a profissão de arquivista
audiovisual e os próprios arquivos audiovisuais.

5.1.2
Os documentos audiovisuais apresentam-se sob diversos supor-
tes físicos característicos (atuais e obsoletos) cujos formatos estão
profundamente enraizados na consciência coletiva. O disco de
vitrola e a película perfurada constituem ícones concretos, re-
conhecíveis e universais, ainda que também se registrem sons
e imagens sobre suportes cuja identidade visual é menos mar-
cante, a exemplo das fitas magnéticas e dos discos rígidos de
computador. Em todo caso, as tecnologias associadas a eles são

139
representadas com a ajuda de ícones visuais fáceis de reconhe- material e a qualidade da informação visual e sonora que contêm.
cer, como o pavilhão do gramofone, o alto-falante, a bobina de Alguns possuem duração de vida limitada a algumas décadas ou
filme, o projetor e o raio de luz que ilumina a tela. ainda menos, enquanto a experiência demonstra que outros são
surpreendentemente resistentes 67. Os arquivos procuram armaze-
5.1.3 nar suas coleções a baixas temperaturas e umidade, condições que
As imagens em movimento e os sons contidos nesses suportes físicos permitem reduzir ao mínimo a degradação e maximizar a duração
65. Não entraremos aqui
nas sutilezas analisadas não têm existência objetiva. As imagens em movimento são na ver- de conservação dos materiais bem como ganhar tempo 68.
pela semiologia
(estudo dos códigos) dade percebidas como tais em função do fenômeno da persistência
e a semiótica (estudo
dos signos). As obras retiniana – a sucessão rápida de imagens fixas cria, a partir de uma 5.1.6
audiovisuais geraram
códigos e convenções certa cadência, uma impressão de continuidade. Da mesma forma, A tecnologia de registro e de leitura é, em muitos sentidos, ainda mais
internas próprias que
se generalizaram até o o som é produto de uma série de deslocamentos do ar que nossos vulnerável do que os suportes. A rapidez com que as tecnologias 67. O tempo de
ponto de normalmente
conservação pode se limitar
não nos darmos conta órgãos auditivos percebem e interpretam como música, fala ou ruído. caem em desuso caracteriza o campo do audiovisual. Os formatos a alguns anos, como é o
de sua existência. Por
caso, demonstrado pela
exemplo, os primeiros mudam sem parar e os suportes – conservados em boas condições experiência, de certos
filmes eram apenas
planos únicos, estáticos 5.1.4 – podem sobreviver à existência industrial da tecnologia de repro- formatos de cd ou de
cassetes, mas pode ser
e sem ininterrupção. A
infinita como o sugerem os
emenda e a justaposição Enquanto fenômeno óptico e acústico percebido pelos canais subjeti- dução, da qual depende o acesso a eles 69. Todos os arquivos enfren- discos em 78 rotações. Os
de planos (a montagem)
materiais mais tradicionais,
e a descoberta dos vos dos olhos e dos ouvidos de uma pessoa, o documento audiovisual tam o problema da manutenção de tecnologias obsoletas, desconti- tais como o papel, a tela,
diversos tipos de
a seda e o pergaminho
movimento de câmara compartilha alguns traços com os documentos visuais estáticos – como nuadas pelas indústrias audiovisuais. parecem poder se conservar
para apresentar diferentes
em bom estado por séculos.
pontos de vista foram a fotografia e a pintura – mas difere radicalmente dos documentos de
elementos destacados da
evolução da gramática base textual, cuja transmissão repousa sobre um código interpretado 5.1.7 68. Existem muitos
cinematográfica. O estudos especializados
leitor pode consultar as pelo intelecto . A percepção dos documentos audiovisuais exige a in-
65
A sobrevivência dos suportes audiovisuais corre perigos aleatórios na conservação que
obras de Umberto Eco, analisam as práticas e
Ferdinand de Saussure e termediação de dispositivos tecnológicos entre o suporte e o especta- superiores aos que correm outros suportes mais antigos. A indús- locais de armazenamento
outros autores sobre e a gestão geral dos
o assunto. dor/auditor. Não se pode ouvir um disco ou uma fita observando-os, tria que os cria nem sempre é sensível aos valores e à dimensão acervos.

nem assistir um filme apalpando-o ou o desenrolando66. prática da conservação. Nem sempre existem muitas cópias de
66. Diferentemente 69. Os filmes são
de outros suportes um mesmo material. Enormes quantidades de filmes foram re- exceção à regra. Os
audiovisuais, o filme filmes e os projetores
é suscetível de leitura 5.1.5 cicladas e suportes de gravação em laca foram utilizados na pa- de 35mm nunca se
humana direta, mas como tornaram obsoletos. O
sequência de fotografias Devido a suas características físico-químicas próprias, muitos su- vimentação de rodovias. Os suportes magnéticos (fitas de áudio, mesmo não se pode dizer
fixas. A sensação de de alguns formatos de
movimento, entretanto, portes audiovisuais são vulneráveis a temperaturas e índices de vídeo, disquetes) são de fácil reutilização e a sobrevivência de menor largura e de seus
continua dependente projetores ou leitores,
da intermediação de umidade inadequados, efeitos de poluição atmosférica, mofo e dife- um programa pode estar constantemente ameaçada por motivos dificilmente encontráveis
um projetor ou de um em bom funcionamento
aparelho semelhante. rentes tipos de degradação e distorção que afetam sua integridade práticos e econômicos. no mercado.

140 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Preservação: características e conceitos | 141


5.1.8 5.2.2
Ainda que as coleções estejam bem armazenadas e bem orde- Esse princípio aparentemente simples coloca problemas comple-

nadas nem por isso prescindem de constante supervisão. Na xos. Existe com frequência uma defasagem considerável entre a du-

ausência de controle das condições de armazenamento, os fe- ração de conservação de um suporte e a duração da vida comercial

nômenos de degradação, como a “síndrome do vinagre”, provo- da tecnologia a ele associada. Na prática, o processo de migração

cam reações em cadeia ao se propagar para materiais contíguos. traz em si alguma perda e degradação da informação sonora e vi-

As alterações bruscas e constantes de temperatura e umidade sual além de uma modificação da experiência de percepção auditi-

colocam em risco todo o acervo. Mofo e fungos alimentam-se va e óptica. As decisões nessa matéria fundam-se necessariamente

das partes orgânicas dos suportes. Os documentos audiovisuais em conhecimentos insuficientes. A experiência posterior nem sem-

deterioram-se com o tempo e exigem medidas ativas de salva- pre confirma as previsões.

guarda que equivalem, mais cedo ou mais tarde, à adoção de


medidas institucionais. 5.2.3
Os arquivos tentaram resolver esses problemas de diferentes ma-
neiras. Primeiro armazenando em condições apropriadas e geren-
5.2 Degradação, obsolescência e duplicação
ciando suas coleções de forma a aumentar a duração de vida dos
materiais e adiar sua copiagem. Procuraram também formas de
5.2.1
manter em funcionamento tecnologias obsoletas e modos adequa-
Em função da inevitável degradação dos suportes e da irresistível dos de operação técnica, o que permite prolongar o acesso aos ma-
alteração dos formatos, os conteúdos sonoros e visuais sobrevivem e teriais e reescalonar os programas de migração. Ao adotar medidas
permanecem acessíveis apenas graças a procedimentos de migração, de conservação, acumularam conhecimentos a partir da experiên-
isto é, cópia ou transferência de um suporte para outro. Essa cons- cia prática, o que levou à modificação de estratégias.
tatação inspirou aos arquivos audiovisuais a criação de programas
de duplicação empreendidos ao longo das últimas sete décadas. 5.2.4
Esses programas têm como objetivo a transferência do conteúdo A mudança na estratégia de conservação dos filmes em nitrato de ce-
dos filmes em nitrato para suportes em acetato ou em poliéster, a lulose constitui ilustração clássica do problema. O filme em nitrato tor-
copiagem do conteúdo sonoro de discos ou cassetes deteriorados nou-se suporte padrão do cinema profissional no final do século XIX,
para suportes analógicos ou digitais, a migração de dados de supor- apesar de sua inflamabilidade. Isso por que era uma película resistente,
tes obsoletos para suportes mais recentes, ainda que os anteriores flexível, transparente e relativamente barata. Pouco se sabia sobre sua
continuem em bom estado. estabilidade a longo prazo e a questão não parecia se colocar, mesmo

142 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Preservação: características e conceitos | 143


que algumas hipóteses fossem levantadas sobre sua viabilidade. Quan- bom estado). Graças ao aperfeiçoamento constante das tecnologias
do ficou evidente a tendência de os filmes em nitrato degradarem-se de duplicação de filmes, obtêm-se hoje resultados muito melhores
quimicamente, os arquivos fílmicos começaram a providenciar cópias do que há uma década. Materiais em nitrato que foram conserva-
de preservação em suporte de triacetato não inflamável na crença de dos estão frequentemente em melhor estado do que suas cópias em
que essa película podia se conservar por séculos. triacetato, realizadas há apenas vinte ou trinta anos. É necessário
mudar a percepção pública sobre a durabilidade dos filmes em ni-
5.2.5 trato – considerados extremamente frágeis há até bem pouco tem-
Na década de 1950, os fabricantes de filme virgem abandonaram po em consequência das campanhas de sensibilização realizadas
paulatinamente a produção de filmes em nitrato em favor dos por arquivos com a melhor das intenções70.
filmes em triacetato, por motivos tanto práticos quanto econô-
micos. Os filmes em nitrato foram considerados cada vez mais 5.2.7
perigosos, o que suscitou a inquietude, às vezes o pânico, em Os arquivos audiovisuais devem fazer frente todo tempo ao efeito de
instituições e autoridades que estimularam sua destruição. A inércia. De um lado, a pressão das necessidades práticas e das no-
maioria dos arquivistas acreditava que todos os filmes em nitrato vas ideias os impele a “modernizar” o acervo, transferindo-o para
estariam decompostos antes do ano 2000 e que urgia realizar formatos mais recentes (“Você ainda não digitalizou o acervo?” é
campanhas de coleta e duplicação do material ainda existente. a pergunta mais frequente que os arquivistas escutam hoje.) De
Considerações de ordem prática e política incentivaram arqui- outro, a transferência repetida da maior parte dos documentos é
vos e companhias cinematográficas a destruir os filmes em ni- não apenas materialmente impossível mas não tem, no plano eco-
trato após copiá-los em acetato, eliminando assim os custos de nômico, o sentido que tem sua conservação. A tarefa dos arquivos
seu armazenamento. é cada vez mais complexa à medida que devem assegurar a viabili-
dade física dos acervos e, simultaneamente, preservar a tecnologia
5.2.6 e as competências técnicas antigas ou obsoletas que possibilitam o
Hoje sabemos que essa política de destruição foi um erro. Na déca- acesso a eles, e sua manutenção. Produzir cópias de consulta nos
da de 1980, os filmes em triacetato começaram, com as primeiras formatos digitais e ao mesmo tempo manter cópias de preservação
70. This film is dangerous,
manifestações da “síndrome do vinagre”, a dar sinais da possibili- nos formatos mais antigos faz parte dessa equação. publicado sob a
coordenação de Roger
dade de sua própria autodestruição. Ao mesmo tempo, ficou evi- Smither e Catherine A.
Surowiec – Bruxelas,
dente que os filmes em nitrato, quando corretamente guardados e 5.2.8 Fiaf, 2002 –, trata em
700 páginas de todos os
gerenciados, conservam-se por muito mais tempo do que se acredi- Ao longo da história, os arquivos audiovisuais adaptaram-se cons- aspectos do filme em nitrato
e constitui hoje a melhor
tava a princípio (alguns rolos com mais de cem anos ainda estão em tantemente à evolução do mercado. Eles não formam um grupo referência sobre o assunto.

144 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Preservação: características e conceitos | 145


suficientemente importante para pesar nos programas de desen- entre eles. Muitos usuários de acervos audiovisuais querem acesso
volvimento das indústrias audiovisuais. Podem fazer propostas e a imagens e sons da maneira que mais lhes convenha e privilegiam
assumir posições, e seus problemas às vezes são levados em conta esse aspecto em detrimento de considerações de outra ordem. Por
no aperfeiçoamento dos suportes e dos sistemas ou na manutenção exemplo, uma sequência de cinejornal filmada em 35mm pode ter
de uma assistência técnica mínima para tecnologias obsoletas. Em sido copiada várias vezes, em filme ou vídeo, antes de fazer parte
última instância, em função de seu poder econômico e político li- de um documentário de televisão. O documento utilizado às vezes
mitado, os arquivos e os arquivistas têm como opção adaptar-se o está na relação altura/largura errada, ou na velocidade incorreta,
melhor que podem às mudanças – situação que é fonte de pressões ou fora de seu contexto e frequentemente não possui a nitidez
e inseguranças enormes em matéria de planejamento e formação da imagem original. Mas isso não importa – a produção está sa-
de pessoal. A evolução dos formatos obedece a ditames comerciais, tisfeita. Isso perpetua estereótipos como a aparência granulada e
não a necessidades dos arquivos. Além disso, essas mudanças histó- esmaecida da imagem e a rapidez com que as pessoas andavam
ricas rápidas nem são tão necessárias nem significam que as tecno- nos “filmes antigos”; pior ainda quando riscos e efeitos especiais
logias que triunfam no mercado sejam sempre as melhores. são acrescentados eletronicamente para dar ao material a aparência
de “filme de arquivo”.
5.3 Conteúdo, suporte e contexto
5.3.3
5.3.1 A mudança de formato pode se traduzir também em mudança de
Os documentos audiovisuais, como quaisquer outros, possuem dois conteúdo. A perda de qualidade da imagem ou do som equivale
componentes: um conteúdo visual e/ou auditivo e um suporte sobre por definição a uma mudança de conteúdo. A manipulação do
o qual aquele se inscreve . Esses componentes podem estar estrei-
71
conteúdo quando do processo de copiagem também pode mo-
tamente ligados, mas é importante que tenhamos acesso a ambos. dificar a natureza intrínseca da obra – a melhoria do som, a
A transferência do conteúdo de um suporte para outro com fins colorização das imagens em preto-e-branco são exemplos disso.
de preservação ou acesso pode ser necessária ou prática, mas a Uma imagem em vídeo possui textura diferente da imagem do
operação envolve riscos de perda de informação e de significados filme do qual foi copiada, e vice-versa; um filme Cinemascope
contextuais da maior importância. rodado em película na relação altura/largura igual a 1:2,35 será
7 1 . Ve r a d e f i n i ç ã o diferente quando formatado a 1:1,33 para ser difundido na te-
completa de documento
na seção 2.6 de Memória 5.3.2 levisão ou distribuído em vídeo – na verdade ele perde metade
do mundo: diretrizes
para a salvaguarda do A crescente facilidade de copiar ou transferir um conteúdo para de seu conteúdo visual, e sua estrutura e composição visuais são
patrimônio documental
(Unesco 2002). um novo suporte faz com que se diminua a importância da relação totalmente alteradas.

146 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Preservação: características e conceitos | 147


5.3.4 te é o disco rígido ou o disquete; o conteúdo, o que vemos e/ou
Como outros objetos, os suportes audiovisuais são artefatos e os atri- ouvimos, é mediado por um programa de computador e depende
butos intrínsecos de um objeto não podem ser transferidos para um das características da máquina que utilizamos. A constante evolu-
novo suporte. Este, no melhor dos casos, comportará equivalências ção dos programas e dos equipamentos poderá modificar sensível
com o objeto original. Podemos lembrar exemplos da primeira me- e mesmo radicalmente o conteúdo audiovisual que percebemos.
tade do século XX, como as particularidades visuais das emulsões
cinematográficas com altos percentuais de prata, tingimentos e vi- 5.3.6
ragens introduzidas por substâncias químicas, alguns procedimen- As restrições de ordem prática a que estão submetidos os arquivos,
tos de cor obsoletos, como o Cinecolor, que usava emulsão dupla, e e em particular a ausência de curadores experientes, levam à elimi-
o Technicolor, baseado na transferência de corantes, que só podem nação de suportes e de embalagens originais após a transferência
ser devidamente apreciados com a projeção de cópias originais. de seu conteúdo. Isso provoca algumas vezes a perda de informa-
Os discos de gramofone feitos em laca ou vinil, e seus invólucros, ções importantíssimas relativas sobretudo à origem dos documen-
são objetos agradáveis ao toque, concebidos para ser olhados, além tos. Algumas películas originais, por exemplo, possuem inscritos na
de escutados. Informações discográficas fundamentais podem estar borda códigos relativos a datas. Algumas informações descritivas
escritas no suporte. A origem de uma película e as técnicas usadas podem estar anotadas na embalagem original de um cassete ou em
na sua produção, a montagem, o processamento químico, só po- etiquetas coladas nas bobinas.
dem ser apreendidos quando examinamos o suporte original.
5.3.7
5.3.5 As obras audiovisuais não são produzidas no vácuo mas em uma
Poderíamos dizer que os suportes magnéticos, como os cassetes de época e em um lugar concretos. Como tais, só poderão ser apre-
áudio e vídeo e os disquetes, têm menos valor enquanto artefatos ciadas corretamente em seu devido contexto. A melhor maneira de
do que os cilindros de fonógrafo, os discos ou os filmes. Talvez isso ouvir uma gravação em cilindros de Edison é reproduzi-la usan-
seja certo na medida em que eles não podem ser “lidos” direta- do a tecnologia original: um fonógrafo acústico. Para assistir um
mente, mas trata-se de uma diferença apenas de grau. Os suportes longa-metragem sonoro da década de 1930, o melhor é projetar
magnéticos têm valor material porque são representativos de um uma cópia 35mm em uma sala de cinema de grandes dimensões e
formato. Como foram concebidos para consumo, possuem também reproduzir o som num sistema da época. Um programa de rádio
valor visual e material como artefatos, da mesma forma que seus dos anos 1930 será mais bem apreciado num aparelho de rádio do-
antecessores. No caso de arquivos de sons e imagens baixados da méstico de grandes dimensões, do tipo daqueles que vinham com
Internet, existe a mesma dicotomia suporte/conteúdo. O supor- seu próprio móvel, não num transistor compacto, aparelho que não

148 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Preservação: características e conceitos | 149


existia na época. Naturalmente, às vezes é difícil, ou pouco práti- fazê-las funcionar e mantê-las. Ao deixarem de ser necessárias na
co, recriar o contexto original de apresentação, entre outras coisas indústria, essas competências tornam-se esotéricas e passam para o
porque a vida de uma pessoa do século XXI é muito diferente da âmbito de entusiastas particulares e dos arquivos audiovisuais. Con-
vida de há cem ou cinquenta anos. Apesar dessa dificuldade, é im- sequentemente, é uma boa estratégia que os arquivos cultivem essas
portante contextualizar a apresentação de uma obra, por exemplo, competências a nível interno e que mantenham contato com parti-
através de explicações que preparem e eduquem o público. culares especialistas de seu círculo de conhecimento. Um número re-
duzido mas crescente de prestadores de serviços especializados man-
5.3.8 tém equipamentos e técnicas correspondentes para realizar trabalhos
A disponibilidade de tecnologia original é elemento essencial na re- de copiagem e restauração de suportes para os arquivos, sobretudo
criação do contexto, circunstância que a longo prazo coloca sérios os que dispõem de uma infraestrutura limitada. Além disso, alguns
problemas para os arquivos. Quando os aparelhos de leitura ficam arquivos grandes oferecem sua própria infraestrutura técnica para
obsoletos, sua manutenção torna-se cada vez mais difícil pois o instituições análogas menores. Fica cada vez mais evidente que esse
fornecimento de peças de reposição diminui e acaba desaparecen- tipo de colaboração é a única solução para esses problemas.
do. Para manter os equipamentos em funcionamento, os arquivos
devem recorrer a expedientes como, por exemplo, “canibalizar” 5.3.10
peças de máquinas inutilizadas ou achar formas de fabricarem As dificuldades inerentes à integridade contextual não nos devem fa-
eles próprios as peças de reposição. Essa estratégia permite ganhar zer esquecer o contraste com a realidade. As obras audiovisuais apre-
tempo mas tem limites. As tecnologias dos projetores de filmes e sentadas em contextos modernos com frequência dizem coisas novas.
dos reprodutores mecânico-acústicos de discos são relativamente Comparemos filmes como O Mágico de Oz e Os Esquecidos72 com as
simples e podem ser mantidas quase indefinidamente. A situação obras de Shakespeare. Aqueles e estas são vistos hoje em contextos
é diferente no caso da tecnologia eletrônica, que depende da exis- muito diferentes daqueles para que foram destinados ou imaginados
tência de infraestruturas industriais sofisticadas. A fabricação de por seus criadores. O público moderno os aceita como são, indepen-
cabeças de gravação e reprodução de áudio e vídeo ou de unidades dentemente de considerações de ordem contextual. Nesse sentido,
laser para leitores de CD, por exemplo, ultrapassa a atual capacida- criam um novo contexto que lhes é próprio e veiculam provavelmente
de dos arquivos audiovisuais. novas mensagens para o público contemporâneo.

5.3.9 5.3.11
72. The W izard of Oz
Contudo, as tecnologias obsoletas, ainda quando funcionam, são O conteúdo é literalmente determinado pelo suporte e pelo contex- (Victor Flaming, 1939),
Los Olvidados (Luis
acessíveis apenas se dispusermos das competências necessárias para to. Os criadores de páginas da Internet exploram as possibilidades Buñuel, 1950).

150 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Preservação: características e conceitos | 151


e os limites do suporte digital. As canções populares duram 3, 4 5.4 As tecnologias analógicas e digitais 75
minutos porque essa era a duração de um cilindro Edison e dos
discos em 78 rotações. Os cinejornais sonoros não tinham mais do 5.4.1
que 12 minutos porque essa era então a duração máxima de um Atualmente, o debate mais controvertido e transcendental na es-
rolo de película padrão em 35mm. Em muitas cenas cômicas de fera dos arquivos audiovisuais gira em torno do impacto da digi-
filmes de longa metragem ou em desenhos animados há momentos talização. As tecnologias analógicas de vídeo e áudio soçobram
em que personagens dirigem-se aos espectadores da sala de proje- diante do avanço digital. A produção cinematográfica emprega
ção, como atores em um teatro, e isso era uma convenção bem co- cada vez mais a tecnologia digital. Assistimos à morte da pelí-
nhecida do público. Fora de contexto, elas são incompreensíveis .
73
cula cinematográfica? Encaminhamo-nos para o arquivamen-
Da mesma forma, o conteúdo de algumas gravações sonoras é de- to digital dos acervos em sistemas de armazenagem de grande
terminado pelo caráter material do disco com um furo central 74. porte? Se a cópia de um documento digital para outro suporte
73. Um exemplo clássico Há muitos exemplos do tipo e o leitor com certeza terá alguns de digital não pressupõe nenhuma perda, todos os problemas liga-
é o desenho animado da
Wa r n e r B r o s . D u c k a m u c k sua própria experiência. dos à preservação estarão definitivamente resolvidos? Esta é a
(Chuck Jones, 1953)
[ N T: c o m o p e r s o n a g e m última palavra? Mais ainda: necessitaremos de arquivos audio-
Duffy Duck, conhecido no
Brasil como Patolino], no 5.3.12 visuais quando tudo, absolutamente tudo estiver reduzido a um
qual todos os efeitos e
brincadeiras baseiam-se A ignorância pode ter consequências graves e embaraçosas. Con- conteúdo digital que pode ser acessado mediante uma simples
no caráter material do
fotograma, no processo ta-se a história apócrifa de um acadêmico que escreveu um en- conexão à Internet? Estas e outras perguntas semelhantes são de 75. Aconselhamos o
de cor e na mecânica leitor a consultar a
própria dos desenhos saio erudito no qual apresentava uma teoria sobre mensagens candente atualidade 76. Carta e as Diretrizes
animados. para a preservação
subliminares escritas por Serguei Eisenstein e inseridas em Bro- do patrimônio digital
da Unesco (http://
74. Na versão original nenosets Potyomkin/O Encouraçado Potemkin (1925). A tese baseava- 5.4.2 unesdoc.unesco.org/
em vinil, o disco dos
images/0013/001300/
B e a t l e s S g t . P e p p e r ’s se em um postulado errôneo. O pesquisador não se dera conta Nosso campo de especialização deveria haver nos ensinado a tratar 130071e.pdf)
Lonely Hearts Club
Band (Emi, 1967) tem de que na realidade essas mensagens eram anotações curtas em com ceticismo qualquer previsão tecnológica. A única orientação
um sulco final no lado 76. Para uma análise
B, feito de modo que o fotogramas brancos e continham instruções ao laboratório de segura a nosso alcance é a experiência acumulada. Não é provável audaciosa, que alguns
braço do toca-discos qualificam como
repete indefinidamente copiagem sobre as viragens desejadas pelo diretor. Se soubesse que exista um formato “definitivo”. Orientados pela experiência assustadora, sobre
o tema até que seja a digitalização e o
levantado. Brincar alguma coisa sobre a origem da cópia ou do vídeo que utilizara anterior, podemos supor que depois dos meios digitais surgirá algu- futuro da preservação
com a mídia e com cinematográfica,
a mecânica do disco e sobre os métodos de trabalho dos laboratórios na década de ma outra coisa, seja o que for, ainda que atualmente não possamos consultar a obra de
giratório enquadrava-se Paulo Cherchi Usai,
perfeitamente à índole 1920, ele não teria cometido esse erro. Mas a distância que o imaginá-la. Entretanto, o auge da digitalização, com as perspecti- The death of cinema:
pouco convencional do h i s t o r y, c u l t u r a l m e m o r y
disco. Copiado em DVD separava da materialidade do suporte original levou-o a inter- vas que abre e os problemas que coloca, convida-nos a examinar and the digital dark age,
ou em cassete, o efeito Londres: British Film
perde todo o sentido. pretar incorretamente o que via. alguns princípios filosóficos fundamentais. Institute, 2001.

152 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Preservação: características e conceitos | 153


5.4.3 5.4.5
Ainda que apenas pelo efeito de inércia, podemos supor que, num fu- Os arquivos audiovisuais empregam cada vez mais a tecnologia di-
turo próximo, os arquivos gerenciarão acervos compostos de materiais gital para facilitar o acesso a seus acervos, tanto através de conexões
em todos os formatos históricos, bem como as tecnologias e competên- via Internet como mediante cds, dvds, vcds e outros suportes digitais,
cias a eles associadas. Isso seria verdade mesmo se amanhã as indús- pois é sob essas formas que um crescente número de usuários dese-
trias parassem de produzir suportes e se voltassem inteiramente para jam consultá-los. Os conteúdos analógicos de suportes magnéticos de
o digital. Com o passar do tempo, os problemas de gestão tornar-se-ão áudio e vídeo em perigo são atualmente transferidos para formatos
mais complexos e os programas de copiagem mais importantes. De digitais com finalidades de preservação e consulta. As tecnologias di-
qualquer maneira, estaremos provavelmente mais atentos ao valor de gitais são, além disso, empregadas para a restauração de conteúdos
nossos acervos enquanto artefatos e à dimensão museológica de nosso sonoros, de filmes e de imagens em vídeo. Suportes analógicos mais
trabalho. Escutar registros sonoros em aparelhos originais ou assistir fil- estáveis como filmes e discos em vinil ou em goma laca continuam
mes silenciosos com um fundo musical apropriado é experiência que os também sendo conservados e consultados em seus suportes originais.
arquivos e as organizações afins são atualmente quase os únicos a poder
propiciar. Essas perspectivas e essas responsabilidades serão crescentes. Dimensões filosóficas
5.4.6
5.4.4 No caso de os arquivos adotarem definitivamente, para o exercício
A transferência do analógico para o digital provoca sempre alguma de sua missão de preservação, as tecnologias digitais e converterem
perda de conteúdo. A copiagem de digital para digital em teoria não gradualmente o conjunto de seus acervos analógicos, cortaremos o
supõe perda. Mas nem sempre é assim na prática. Arquivos e biblio- vínculo com os suportes suscetíveis de leitura humana direta – pra-
tecas de todo o mundo deverão em conjunto enfrentar o desafio de ticamente todos os documentos criados desde a aparição da escrita
conservar um volume quase inconcebível de dados digitais. O digital, até o século xx . As películas, os cilindros e os discos são suportes
ao oferecer possibilidades de preservação a longo prazo, coloca atual- relativamente estáveis e sua integridade pode ser controlada sem
mente tanto questões quanto soluções. Num mundo em que os re- o uso de tecnologias de reprodução. O mesmo não acontece com
cursos digitais, assim como outros recursos técnicos, são tão desigual- os registros de áudio e de vídeo conservados em banda magnética
mente divididos, um ponto de interrogação existe sobre o que será ou em arquivos de computador, não suscetíveis de leitura humana
viável e factível a longo prazo. Certamente deveremos nos confrontar direta. Seu acesso e sua existência dependem da manutenção de
com problemas ligados, entre outros, à evolução dos programas de tecnologias cada vez mais complexas, com os riscos que isso traz.
computador e a seus suportes físicos, ao conflito entre interesse públi- Esses riscos são aceitáveis? Quanto tempo essas tecnologias resisti-
co e interesse comercial, à sustentação econômica e à gestão de riscos. rão ao inelutável processo de obsolescência?

154 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Preservação: características e conceitos | 155


5.4.7 5.4.10
A digitalização rompe o laço com o suporte analógico e sua tecnologia. O maior desafio colocado pela digitalização não é de ordem técni-
O conteúdo dissocia-se de seu significado material e de seu contexto ca ou econômica, mas de ordem intelectual, educativa e ética. Os
físico. Não há mais elemento material a explorar: não se poderá mais pesquisadores e o público têm direito de ser educados e informados
apreender um documento pelo tato, manipulando-o ou examinando-o, sobre a relação entre conteúdo e suporte, e que lhes seja convenien-
nem ter a experiência de sua reprodução pela tecnologia original. Nes- temente explicado o contexto do que estão vendo e ouvindo. Por
se sentido, as experiências sensoriais e estéticas desaparecerão. isso é necessário que arquivos e arquivistas entendam perfeitamen-
te as diferenças de natureza e de textura dos diferentes suportes. O
5.4.8 impulso para a contextualização deve ser parte intrínseca de seu
Da mesma forma, não poderemos mais educar nossos sentidos quadro de valores.
para distinguir um original analógico de uma cópia digital. Como
poderão as gerações futuras saber o que os diferencia, seja em ter- 5.5 O conceito de obra
mos de textura visual ou das sutilezas da qualidade sonora? Em que
medida é importante conhecer essas diferenças? 5.5.1
A gestão de acervos de qualquer tipo deve apoiar-se em uma base
5.4.9 conceitual lógica, que permita a definição de seus componentes.
Alguns dirão que os arquivos audiovisuais há muito abandonaram No plano material, os acervos audiovisuais constam de uma série
qualquer rigor intelectual a respeito disso. Nenhum museu que se de suportes diferentes. No plano intelectual e no que se refere ao
77. “Mesmo a preze exporia uma cópia romana de uma estátua grega como se conteúdo, a unidade lógica básica é o conceito de obra.
reprodução mais perfeita
de uma obra de arte fosse a original. Não se imagina o Louvre expondo uma cópia di-
carece de um elemento:
seu contexto temporal e gital da Mona Lisa como se fosse o original analógico. Por que 5.5.2
espacial, sua existência
única no lugar de os arquivos audiovisuais deveriam contentar-se em projetar cópias O conceito de obra individual – entidade intelectual independente
origem. (...)
A presença do original digitais ou em acetato de um filme nitrato tingido sem explicar que – é por tradição o conceito básico mais utilizado em arquivos au-
é pré-requisito
para o conceito de essas cópias são diferentes do original? O espectador não se impor- diovisuais para a catalogação e o controle dos acervos. Cada obra
a u t e n t i c i d a d e ” : Wa l t e r
Benjamin, A obra de ta com essa diferença? Talvez ele não saiba que existe uma diferen- é identificada por um título único – acompanhado quando neces-
arte na era de sua
reprodutibilidade ça e que essa diferença é importante. Cabe aos arquivos, a exemplo sário de informações adicionais, como data de lançamento ou de
mecânica. A noção de
original, de cópia, de dos museus, fixarem regras éticas mínimas e promover uma política produção – que serve de ponto de referência para qualquer dado
substituto e de simulacro
é objeto de textos de ativa de sensibilização do público. De outra forma, privaríamos o suplementar: quantidade e estado de diferentes materiais, descrição
Wa l t e r B e n j a m i n , J e a n
Baudrillard e outros. pesquisador do direito de acesso a uma informação relevante . 77
de conteúdo, detalhes sobre a forma de incorporação e detentores

156 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Preservação: características e conceitos | 157


de direitos, origem, documentação relacionada, anotação de exa- que um documento específico, uma carta por exemplo, é parte de
mes e duplicações feitas, existência de cópias de consulta ou matri- um conjunto de documentos – integra uma sequência de cartas
zes de duplicação etc. O volume de informações recolhidas sobre que forma um único dossiê de correspondência, o qual por sua vez
cada obra depende dos recursos disponíveis e das prioridades do integra um grupo de dossiês semelhantes – e não uma entidade a
arquivo. O conceito de obra é a expressão prática da capacidade ser tratada individualmente. Em geral uma obra é algo publicado
de um arquivo de individualizar um programa, um registro ou um filme e ou publicável; o fundo não é geralmente publicado. Os arquivos
de organizar as informações em torno deste conceito. O enfoque audiovisuais reúnem tanto documentos publicados quanto inéditos
demonstrou sua utilidade na resposta às necessidades de usuários e e combinam elementos dos dois tipos.
às exigências concretas de gestão dos acervos.
5.5.5
5.5.3 Nesse sentido, os arquivos catalogam os acervos segundo concei-
O assunto merece discussão. Uma obra pode assumir múltiplas tos e normas inspirados na biblioteconomia, embora adaptados às
formas: sinfonia, canção popular, longa-metragem, programa de suas necessidades. Podem também agrupar os materiais em con-
televisão ou de rádio, documentário, propaganda radiofônica ou juntos maiores vinculados a um determinado contexto (5.3.7). Es-
televisiva, gravação oral sobre fatos históricos. Pode-se questionar ses conjuntos maiores podem ser, por exemplo, coleções oriundas
o sentido intelectual do termo ao se considerar como “obra”, por de um doador específico, ou depositadas por um produtor que
exemplo, uma gravação em vídeo, com 24 horas de duração, das impõe obrigações contratuais ou restrições de acesso, a obra de
imagens registradas pelo sistema de segurança de um edifício. Al- um determinado realizador ou a produção de um estúdio, de uma
guns objetos, como gramofones, projetores e roupas não são do- cadeia de televisão ou de rádio ou de um organismo oficial. Os
cumentos audiovisuais mas fazem parte do acervo de muitos ar- sistemas informatizados de controle do acervo facilitam a gestão
quivos e também nesse caso poderíamos dizer que são criações dos dois conceitos e a identificação das relações existentes entre
intelectuais deliberadas. diferentes obras.

5.5.4
O conceito de obra individual constitui a unidade básica das ativi-
dades de catalogação e de organização dos acervos das bibliotecas,
além de ser o conceito-chave da legislação do direito de autor e do
direito de patentes. Um conceito diferente, o de fundo, é a base da
estrutura do acervo dos arquivos de documentos. Entende-se aqui

158 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Preservação: características e conceitos | 159


6 | Princípios de gestão

6.1 Introdução

6.1.1
Os arquivos audiovisuais, como outras organizações, realizam seu
trabalho apoiados em filosofias, métodos e princípios de gestão.
Cada arquivo é diferente dos demais e seus princípios nem sempre
são formalmente enunciados. Tentaremos nesta seção definir al-
guns princípios fundamentais.

6.2 Políticas

6.2.1
Os arquivos seguem políticas, mas elas nem sempre são enunciadas
e definidas com o mesmo grau de precisão. Sem falar nos casos em
que elas nunca foram definidas. Na ausência de políticas e regras

161
claramente estabelecidas, a tomada de decisões corre o risco de se p definição da missão e dos objetivos explícitos do arquivo
tornar arbitrária, contraditória e escapar a qualquer controle. As menção a autoridades externas e a textos de referência,
políticas servem de guias e estabelecem restrições, o que é dupla- como os estabelecidos pela Unesco ou pelas federações de
mente útil. Na falta de documentos que definam os princípios de arquivos audiovisuais
seleção, incorporação e preservação de um arquivo, o grupo que o p explicação dos princípios relevantes
apoia não terá nenhuma garantia da competência do arquivo para p exposição das intenções, posições e escolhas do arquivo
reunir e preservar seu acervo. Além disso, a formulação de políti- baseadas nos fundamentos acima apresentados
cas permite aos arquivos avaliar suas próprias competências, assim p detalhamentos específicos, simples e concisos, para evitar
como suas práticas e seu rigor intelectual . 78
qualquer ambiguidade, destinados à preparação de normas
de trabalho voltadas ao pessoal (normas que, assim como a
6.2.2 política, devem ser públicas).
Disso decorre que todos os aspectos fundamentais do funciona-
mento de um arquivo – a constituição, a preservação, o acesso e a 6.2.4
gestão do acervo – deveriam estar apoiados em uma política explí- As boas políticas são maleáveis. Resultam de avaliações adequadas
cita. Essas políticas devem impregnar profundamente a cultura do e de consultas aos interessados e devem ser periodicamente atuali-
arquivo de forma que todo seu pessoal as entenda e as siga na prá- zadas para que sejam práticas e eficazes.
78. Existem muitos
pontos de referência tica. Elas são o motor que impulsiona o arquivo e estabelecem seu
disponíveis.
Frequentemente as estado de direito. Infelizmente isso nem sempre acontece. É muito
políticas de instituições
relacionadas à coleta e fácil redigir políticas que são, em essência, obras de ficção, desliga-
conservação estão em
suas páginas na Internet das da realidade da vida do arquivo, vagas e ambíguas, ao invés de 6.3 A constituição das coleções: seleção,
e a comparação entre
as diversas políticas informativas e concretas. Nesse caso, tais documentos apresentam incorporação, exclusão e descarte
institucionais vigentes
é um ponto de partida uma imagem dos arquivos para o público, mas não revelam nada
adequado no processo
de elaboração de uma das políticas realmente praticadas. Esta dicotomia pode ter efeitos 6.3.1
política desse tipo.
Como indicado nas insidiosos do ponto de vista intelectual e ético. A constituição de acervos é uma expressão ampla que abarca qua-
cláusulas 3.1 e 3.2 do
Código de Ética do tro operações distintas:
Conselho Internacional
de Museus – Icom 6.2.3
(http://icom.museum/
the-vision/code-of- As políticas definem de maneira clara e lógica as posições, pers- p a seleção (operação intelectual que consiste em esco-
ethics/) as políticas têm
dimensões éticas (o pectivas e intenções do arquivo. Elas compreendem em geral os lher, ao final de uma avaliação, os documentos que
que será discutido no
Capítulo 7). seguintes elementos: convém incorporar)

162 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Princípios de gestão | 163


p a incorporação (operação prática que pode ser constituída adotar decisões concretas. É necessário levá-la em conta para to-
de escolhas técnicas e físicas, negociações e transações con- mar decisões de seleção fundamentadas, claras e justificáveis. Este
tratuais, expedição de materiais, seu exame e inventário) é um campo da preservação no qual espera-se que os arquivistas
p a exclusão (decisão motivada por considerações novas, audiovisuais exerçam sua responsabilidade profissional. Pode ser
como por exemplo uma modificação na política de se- necessário guardar tudo em alguns casos e mostrar-se seletivo em
leção) a eliminação (operação fundada sobre princípios outros: variar os materiais e os custos em função do conteúdo, da
éticos e que consiste em se desfazer de itens de um acervo). importância percebida e da utilização prevista. (Por exemplo: dado
um mesmo custo financeiro, é preferível adquirir uma seleção de
O arquivo poderá ter políticas diferenciadas para as quatro materiais em formato de alta qualidade ou uma coleção completa
operações ou uma política única, estabelecida num mesmo do- em formato de qualidade inferior?)
cumento normativo.
6.3.4
79. Sobre seleção e
incorporação, consultar 6.3.2 Na prática, os arquivistas audiovisuais devem emitir julgamentos
o livro de Sam Kula
Appraising moving Ainda que o ideal talvez seja reunir e preservar sem nenhuma dis- qualitativos individuais. Nessa tarefa de especialistas, que deve ser
images: assessing the
archival and monetary criminação, isso é frequentemente impossível por razões práticas executada no momento apropriado, eles são influenciados pelos
value of film and video
records, Lanham: The e econômicas. Não existe relação entre o volume da produção e o conhecimentos artísticos, técnicos e históricos que tenham do do-
Scarecrow Press, 2003.
Ele começa com a orçamento dos arquivos. É necessário escolher o que será recolhido cumento em questão e pelo âmbito de sua especialidade, por sua
seguinte afirmação: “Num
arquivo, a única coisa ou não e, portanto, emitir julgamentos de valor. Como as opções de visão pessoal e por limitações práticas. A responsabilidade é enor-
que importa mesmo é
a qualidade do acervo. seleção e incorporação são subjetivas, elas nunca são fáceis. É im- me: pode acontecer de no futuro não ser mais possível recuperar
To d o o r e s t o é q u e s t ã o
de manutenção”. possível julgar adequadamente o presente com os olhos do futuro. um documento a que não se deu a devida importância no presente. 82. Consultar a
Recomendação
De qualquer maneira, mais vale explicitar julgamentos fundados Diferentemente do documento impresso, um documento audiovi- sobre a salvaguarda
80. O autor recorda-se e conservação das
de que este princípio foi em uma política do que fazer escolhas sem nenhuma norma79. sual pode ser exemplar único e não sobreviver o tempo suficiente imagens em movimento
enunciado pela primeira da Unesco – 1980,
vez por Ernest Lindgren, para ser recuperado. da qual é signatária a
fundador e curador do maioria dos países.
National Film Archive 6.3.3 Neste documento,
de Londres, mas não produção nacional é
conseguiu localizar a Um ponto de partida é o princípio da perda80: “se houver algum mo- 6.3.5 definida como o conjunto
referência. das “imagens em
tivo de forma, conteúdo ou relação externa para que se lamente As políticas de seleção e incorporação fundamentam-se sobre di- movimento cujo produtor
ou pelo menos um dos
81.Podem existir razões no futuro a perda de um material, sua preservação deve ser prio- versos critérios. Um dos mais correntes e determinantes é o da pro- coprodutores tenha seu
para a conservação de domicílio social ou sua
muitos materiais, mas rizada” . Trata-se aqui mais de uma advertência para se evitar
81
dução nacional82. Qual o percentual da produção nacional preserva- residência habitual no
nem todos têm o mesmo território do país de
grau de prioridade. qualquer destruição irrefletida, do que de um critério fixo para da? Para responder adequadamente essa pergunta, é necessário que que se trata”.

164 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Princípios de gestão | 165


a própria produção tenha sido recenseada a contento. Em alguns receber? Esta é uma questão legal. Um arquivo deve às vezes acei-
países, relativamente poucos, os arquivos audiovisuais estabelecem tar sem distinção e ainda cumprir a obrigação de garantir a preser-
filmografias, discografias e outros repertórios nacionais, seme- vação do material recebido. Se o arquivo tem o direito de recusar,
lhantes às bibliografias produzidas pela maior parte das bibliote- torna-se possível aplicar uma política de seleção. A lei reconhece o
cas nacionais. A informática permite a reunião de bases de dados direito do arquivo de garantir a preservação do material (princípio
compatíveis, o que por sua vez permite que a massa de trabalho fundamental)83 e o arquivo formula um julgamento sobre o que deve
representada pela catalogação da produção nacional seja dividida ser preservado (responsabilidade profissional). Quando o arquivo é
por diferentes instituições. De qualquer modo, nem sempre os ar- apenas beneficiário indireto do depósito legal – em alguns países,
quivistas audiovisuais estão plenamente informados sobre todos os por exemplo, as bibliotecas e arquivos nacionais são os depositá-
setores da produção nacional que lhes compete. rios oficiais, enquanto os arquivos audiovisuais são os depositários
efetivos dos materiais e das competências técnicas –, o processo se
6.3.6 complica ainda mais.
Um conceito complementar que engloba e vai além do de produ-
ção nacional é o que se poderia chamar de patrimônio audiovisual de 6.3.8
um país, em sentido amplo. Nenhum país vive isolado dos demais. O Com o passar do tempo, independentemente dos motivos que
conjunto de imagens em movimento e de sons gravados distribuído presidiram a incorporação, pode haver necessidade de uma deci-
e emitido em um país qualquer tem uma origem cada vez mais são de exclusão ou eliminação. Os motivos são diversos. Quando
internacional. Isso repercute sobre a cultura nacional e sobre a se incorporam cópias melhores de uma determinada obra, as de
memória coletiva, e influencia a produção nacional. Consequente- qualidade inferior podem ser descartadas; a missão ou a políti- 83. A Recomendação
sobre a salvaguarda
mente, coloca-se com legitimidade a questão de seu arquivamento ca de seleção do arquivo podem mudar; a experiência pode pro- e conservação das
imagens em movimento
e do acesso a ele. Numerosos arquivos consideram como sua tarefa vocar uma revisão dos critérios de incorporação. Seja qual for o da Unesco consagra
esse princípio.
preservar e tornar acessível uma determinada parte desse patrimô- motivo, a decisão de exclusão tem a mesma importância, talvez
nio mais amplo. Esse conceito internacional caracteriza, há muito maior ainda, do que a decisão inicial de incorporação. Ela deve 84. A seção 4 do
Código de Ética do Icom
tempo, as políticas de seleção e incorporação de grandes bibliote- ser documentada minuciosamente e endossada pela autoridade insiste nesse ponto.
O público em geral
cas e galerias de arte em todo o mundo. máxima do arquivo. Também os processos de eliminação devem imagina que os acervos
são “permanentes”, e a
ser realizados de maneira rigorosa e inquestionável do ponto de exclusão e o descarte
de materiais em grande
6.3.7 vista ético. Iniciativas como a venda pública de materiais excluí- escala geram dúvidas
sobre a competência e a
Quando o arquivo é beneficiário direto ou indireto das disposições dos podem parecer contraditórias junto ao público e prejudicar a integridade dos métodos
de formação dos acervos
relativas ao depósito legal, deve aceitar tudo o que tem direito de credibilidade do arquivo 84. dos arquivos envolvidos.

166 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Princípios de gestão | 167


6.3.9 abaixo os resumos de alguns pontos básicos da prática de preser-
Na maior parte dos casos, os arquivos audiovisuais coletam muito vação e acesso inspirados em observações formuladas em seções
mais materiais do que os produzem. Mas não há razão para que anteriores do presente documento.
seja exclusivamente assim. A produção de registros pelo próprio
arquivo, ou por sua iniciativa, pode servir para preencher lacunas 6.4.2
identificadas. A forma mais habitual de registro promovida por Documentação e controle rigorosos dos acervos – a “boa organização” é
arquivos é a entrevista, em versão sonora ou visual, sobre fatos condição prévia indispensável à preservação. Trata-se de uma ta-
históricos. A questão de saber em que medida um arquivo pode refa que exige muita dedicação, mas que não é obrigatoriamente
ser “produtor” e ao mesmo tempo “coletor” é um interessante cara. Consiste, em princípio, na criação de um inventário completo
tema de debate. O registro de programas durante sua transmissão dos acervos, levando em conta cada um dos materiais. Isso pode ser
também é uma prática corrente, mas nesse caso trata-se de uma feito de forma manual ou, de preferência, informatizada86. Outro
forma de incorporação. aspecto importante é a descrição e a documentação da natureza e
do estado dos materiais, de modo a racionalizar sua gestão e con-
sulta. A documentação e o controle dos acervos demandam tempo
86. Os formatos
e disciplina, mas evitam perdas desnecessárias e duplicação de ma- normatizados como
o Marc e outros
6.4 Preservação, acesso e gestão dos acervos 85 nipulações (ver 5.3.7). recomendados por
organismos profissionais
de arquivística e
de biblioteconomia
6.4.1 6.4.3 permitem a entrada, o
tratamento organizado
O acesso permanente é o objetivo da preservação. Sem ele, a As condições de armazenamento – temperatura, umidade, luz, eventual de informações e
seu intercâmbio com
preservação não teria sentido, a não ser como um fim em si presença de poluentes atmosféricos, animais e insetos, e a seguran- outras instituições.
Existem vários sistemas
mesma. Embora existam restrições de ordem prática tanto à ça física – devem, na medida do possível, ser tais que maximizem semelhantes, entre
eles alguns preparados
preservação quanto ao acesso, essas restrições não podem ser a duração de vida dos materiais armazenados. Os requisitos ideais especialmente para
arquivos audiovisuais.
artificiais. Isso seria contrário à Declaração Universal dos Di- variam bastante em função dos tipos de suporte. Por exemplo, os Outra possibilidade é a
utilização do programa
reitos do Homem (1948) e ao Pacto Internacional Relativo aos diversos tipos de papel, os filmes, as fitas magnéticas e os discos gratuito da Unesco, o
85. O leitor poderá W inIsis, ou preparar um
consultar os princípios Direitos Civis e Políticos (1966) das Nações Unidas. Todos os de áudio requerem diferentes níveis de temperatura e umidade. sistema próprio, baseado
diretores do programa em programas de acesso
Memória do Mundo da indivíduos têm direito a uma identidade e consequentemente Infelizmente, a maior parte dos arquivos atua em condições que público. Na medida das
U n e s c o ( w w w. u n e s c o . possibilidades, é útil
org/webworld/mdm) direito de acesso a seu patrimônio documental, entendido o pa- deixam muito a desejar. A questão se reduz a ganhar tempo, ou registrar as informações
e o Código de Ética da em vários idiomas, para
Fiaf. Esta seção inspira- trimônio audiovisual como parte dele. Isso engloba o direito de seja, fazer o melhor possível com os meios disponíveis e procurar facilitar o acesso e o
se parcialmente nesses intercâmbio em escala
dois documentos. conhecer o que existe e de saber como ter acesso a ele. Seguem melhorar as instalações no futuro. Fatores como infiltração de água internacional.

168 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Princípios de gestão | 169


pelo teto, janelas quebradas, instabilidade de fundações, sistemas como estratégia de preservação, a transferência de conteúdo de-
de detecção e extinção de incêndios, prevenção de sinistros e con- veria ser usada com cautela. Ela é necessária quando o suporte
trole ambiental também são aspectos importantes. Em todo caso, original tornou-se instável, mas frequentemente traz consigo perda
métodos adequados de gestão e controle são passíveis de aplicação de informações, reduz o campo de opções futuras, além de po-
ainda que as condições não sejam as ideais. der gerar, a longo prazo, consequências imprevisíveis no caso de a
tecnologia de reprodução utilizada cair em desuso. Essa advertên-
6.4.4 cia vale tanto para processos mais recentes, como a digitalização,
O velho provérbio “melhor prevenir do que remediar” é uma verdade como para os mais antigos, como a reprodução fotográfica. Na
patente no caso dos suportes audiovisuais. As práticas e técnicas medida do possível, as novas duplicações de preservação devem ser
que diminuem a degradação e limitam as deteriorações resultantes réplicas exatas do original e seu conteúdo não deve ser, de modo
de sua manipulação são muito mais vantajosas do que não importa algum, modificado.
quais tipos de operação de restauração, além de muito mais bara-
tas. Trata-se, em particular, de seguir métodos adequados de ar- 6.4.7
mazenamento, manipulação, colocação em prateleiras, segurança Comprometer a preservação a longo prazo de um material com a finalidade
e transporte. de satisfazer demandas de acesso a curto prazo é sempre tentador
e às vezes necessário por razões políticas, mas devemos, na medida
6.4.5 do possível, evitar correr esse risco. Quando o original for frágil e
A conservação dos originais e a preservação de sua integridade garan- não existir nenhuma cópia de consulta é melhor dizer “não” do
tem que nenhuma informação se perca e não colocam em risco as que expor o documento a possíveis danos irreparáveis.
futuras possibilidades de preservação e acesso. Numerosos arqui-
vos lamentam ter destruído prematuramente originais depois de 6.4.8
havê-los duplicado. Muitas duplicações revelaram-se de qualidade Não há procedimento único. Os diferentes tipos de suporte necessitam
inferior e de longevidade mais reduzida. Independentemente do de condições de armazenamento específicas, mas também de di-
número de cópias que tenha sido feito, os originais não deveriam ferentes cuidados de manipulação, gestão e conservação. Cada
ser levianamente destruídos. tipo de material requer um tipo de controle específico. O estabe-
lecimento de normas internacionais – por exemplo, as relativas à
6.4.6 transferência de dados digitais – raramente segue a velocidade das
A transferência de conteúdo ou sua copiagem em formato diferente é útil e mudanças tecnológicas mas, quando existirem normas reconheci-
frequentemente necessária para finalidades de acesso. Entretanto, das, elas devem ser respeitadas.

170 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Princípios de gestão | 171


6.4.9 ou nos alto-falantes dos computadores, com as vantagens corres-
Nada substitui a consulta real e direta a um documento quando o pondentes de pesquisa em base de dados e de captura instantâ-
acesso ao suporte original e seu conteúdo, num contexto adequa- nea, mas também com as limitações de qualidade e de entorno
do, for desejável e possível do ponto de vista prático e econômico. impostas por essa tecnologia.
Motivos de ordem geográfica, de conservação ou de ordem téc-
nica podem impedir isso. Alguns materiais de preservação, como 6.4.11
negativos originais ou fitas matrizes de estúdio, têm formatos que Quando se esgotam as possibilidades de acesso oferecidas pela
não se prestam à projeção ou audição. As cópias de consulta são consulta às bases de dados, pode-se ainda apelar para o elemento
feitas para reduzir a pressão sobre os materiais de preservação e humano: solicitar a ajuda e os conselhos dos curadores dos arquivos,
para superar limitações técnicas. Essa operação é conhecida como bons conhecedores de seus acervos. Catálogos e bases de dados
acervo paralelo e, embora em teoria o ideal seja possuir cópias de nunca substituirão inteiramente esses profissionais. Os conheci-
consulta de todos os materiais de preservação, isso nem sempre é mentos aprofundados e as reflexões originais que desenvolvem
possível, tanto pelo efeito de inércia quanto por limitações de ordem sobre os acervos são, na verdade, insubstituíveis. Seu saber pode
puramente econômica. ser comunicado à distância ou on-line, mas pressupõem, nos dois
casos, uma interação pessoal.
6.4.10
As cópias de consulta, realizadas em um número cada vez maior
de formatos, constituem alternativa necessária mas devem, por
definição, ser substituíveis em caso de perda ou danos, embora 6.5 Documentação
seu custo seja muito variável: uma cópia nova em 35mm é muito
mais cara do que um DVD, além de ter especificidades de arma- 6.5.1
zenamento e gestão. Com o crescente surgimento de novos for- A exemplo de outras instituições de coleta e conservação, os arqui-
matos, será mais necessário do que nunca fornecer aos usuários vos audiovisuais devem seguir normas severas no que concerne a
explicações de contexto que os esclareçam sobre as diferenças que documentos sobre suas incorporações, consultas e outras transa-
a cópia que veem/escutam tem da obra original. Adotados os ções, com o objetivo de registrar a seriedade de sua gestão. Devido
cuidados necessários, as cópias de acesso podem, em teoria, ser à complexidade dos acervos, a exatidão da informação é essencial.
enviadas a qualquer parte, seja por meio físico ou eletrônico. À A natureza dos materiais impõe, além disso, o estabelecimento de
medida que os acervos se digitalizarem e se generalizar o acesso à uma documentação precisa sobre as operações realizadas interna-
Internet, os documentos serão cada vez mais consultados na tela mente com as coleções (ver 5.3.7).

172 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Princípios de gestão | 173


6.5.2 com o objetivo de manter, a longo prazo, a integridade da obra.
Uma vez definidas as características técnicas e o estado de cada Os curadores devem, algumas vezes, basear suas decisões sobre o
material, essas informações devem ser registradas de maneira apro- que fizeram seus antecessores. Poderá às vezes revogar decisões
priada. Isso é muito importante sobretudo para os materiais de tomadas por eles, quando for o caso do surgimento de melhores
preservação. Conceitos e terminologia devem ser precisos, a do- soluções. Os princípios e a ética da conservação de materiais e de
cumentação específica e coerente para que se possa supervisionar, fotografias são aplicáveis aos arquivos audiovisuais. Como sempre
a longo prazo, a deterioração de um sinal de áudio ou de vídeo se tomam decisões subjetivas, e duas pessoas que realizam a mes-
numa fita ou a perda das cores de um rolo de filme. Um erro pode ma tarefa podem adotar soluções diferentes, ignorar essa etapa
acarretar consequências sérias. Por exemplo, se a descrição técnica equivale a reduzir ou negar ao futuro qualquer possibilidade de
de uma determinada película não for exata, isso pode fazer com se realizar pesquisas 87.
aplique a ela um tratamento que a danifique irremediavelmente.
Muitos arquivos elaboraram sistemas de informação codificada efi-
cazes para registrar sem ambiguidade as informações. 6.6 Catalogação

6.5.3 6.6.1
O armazenamento e a movimentação interna de cada material, bem A catalogação é a descrição intelectual do conteúdo de uma
como os movimentos de empréstimo externo, quando for o caso, de- obra, segundo regras coerentes e precisas. Como em outras ins-
vem ser administrados com rigor. Diferentes instituições de coleta tituições de coleta e conservação, o catálogo de um arquivo
e conservação têm graus diversos de tolerância no tocante à perda audiovisual é o instrumento chave de acesso e ponto de partida
de materiais. Nos arquivos audiovisuais, a margem de tolerância é das pesquisas. Nas bibliotecas, as operações de catalogação e
mínima. Que explicação aceitável dar ao proprietário sobre a perda registro de entrada são frequentemente simultâneas. Nos arqui-
de um rolo do negativo de um filme ou de uma fita original que esta- vos audiovisuais, ao contrário, elas em geral são separadas. A
va sob a responsabilidade do arquivo, quando isso significa colocar catalogação é posterior ao registro, pois os materiais não são fa- 87. O Código de
Ética e Conduta do
em risco a exploração comercial de um filme ou de uma obra que cilmente consultáveis antes de serem inventariados. Pode acon- Australian Institute
for Conservation of
perdeu sua integridade? Não se substitui o insubstituível. tecer de os arquivos catalogarem uma obra muito tempo depois Cultural Material –
aiccm constitui um

de feito o registro. A razão é de ordem pragmática e se reduz a entre muitos exemplos


de referência sobre o
6.5.4 uma questão de prioridades. As atividades de catalogação con- a s s u n t o ( h t t p : / / w w w.
aiccm.org.au/index.
Em qualquer trabalho de copiagem, conservação e restauração centram-se prioritariamente em parcelas do acervo geradoras php?option=com_
content&view=article&
é fundamental documentar as operações e as decisões tomadas de maior demanda. id=39&Itemid=38).

174 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Princípios de gestão | 175


6.6.2 de manuais, de regras básicas e de padrões de metadados são ta-
Como em bibliotecas e museus, a catalogação nos arquivos au- refas a que se dedicam coletivamente profissionais de catalogação
diovisuais é uma atividade profissional. Os catálogos são elabo- de todo o mundo.
rados conforme normas profissionais internacionais e o ideal
é que esse trabalho esteja a cargo de pessoas capacitadas para
isso. As normas são frequentemente adaptadas das regras de ca-
talogação de imagens em movimento e de sons gravados elabo- 6.7 Aspectos jurídicos
radas pela Fiaf, Iasa, Amia, Fiat e outras associações, em função
das necessidades dos arquivos e de seus usuários, bem como da 6.7.1
natureza dos acervos. Daí existirem variações na orientação, nas Os arquivos audiovisuais exercem suas atividades no âmbito do di-
normas, na profundidade e no conteúdo dos campos de infor- reito contratual e da legislação dos direitos de autor. O acesso e, até
mação. Em geral, os arquivos audiovisuais adaptam os padrões certo ponto, a preservação são regidos e limitados pelos direitos dos
internacionais segundo suas necessidades particulares ou con- titulares. Em geral, os arquivos não estão autorizados a exibir pu-
texto nacional, sobretudo a língua do país e considerações de blicamente ou explorar materiais do acervo sem autorização prévia
ordem cultural. dos respectivos titulares dos direitos de autor.

6.6.3 6.7.2
A catalogação pode ser descrita como uma especialidade profissio- O arquivo deve respeitar a lei no que se refere aos direitos dos
nal que atravessa as diferentes disciplinas de coleta e conservação. titulares das obras. Quando a titularidade dos direitos é clara, o
Existe uma abundante literatura sobre esta atividade e alguns pro- que acontece em geral no caso de produções recentes, o cumpri-
fissionais consagram a ela toda sua vida profissional, como ocorre mento dessa obrigação não coloca complicações formais. Entre-
em outras áreas de trabalho dos arquivos audiovisuais. Nesse sen- tanto, quanto mais antigos os documentos, mais sua situação legal
tido, o catalogador, que precisa assistir e ouvir os diferentes mate- tende a ser pouco clara. À medida que os direitos são cedidos
riais para preparar a descrição de seu conteúdo, desenvolve muitas ou vendidos, que empresas produtoras se dissolvem, que criadores
vezes um profundo conhecimento sobre o acervo. de obras desaparecem e seus bens passam para mãos de tercei-
ros, torna-se cada vez mais difícil identificar com clareza o titular
6.6.4 dos direitos de autor. Acontece às vezes de ninguém reivindicar
A harmonização, no âmbito audiovisual, de diferentes normas de sua propriedade ou de pessoas que a reivindicam não dispõem de
catalogação – que têm origens históricas diversas – e a preparação nenhuma prova material que apoie suas pretensões. Os arquivos

176 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Princípios de gestão | 177


devem enfrentar essas ambiguidades levando em conta o interesse 6.8 Nenhum arquivo é uma ilha
das partes envolvidas, mas seus valores podem diferir daqueles dos
autores de tais reivindicações. 6.8.1
Embora evidente, vale repetir que os arquivos audiovisuais depen-
6.7.3 dem mutuamente uns dos outros. Todos precisam dos serviços,
Quando isso ocorre, os arquivos devem lembrar-se de sua missão, conselhos e apoio moral que lhes são prestados por seus congêne-
que inclui em geral a obrigação de servir ao interesse público, per- res e por associações internacionais. Mesmo as instituições mais
mitindo a consulta ao acervo. Alguns arquivos preferem não correr importantes sabem da necessidade de se relacionar entre si e de
riscos e restringir o acesso quando a titularidade dos direitos não compartilhar equipamentos e conhecimentos. Alguns arquivos de-
está clara. Outros optam por assumir conscientemente o risco, per- senvolvem especializações e podem prestar serviços rentáveis a ou-
mitindo o acesso a um determinado documento, depois de haver tras instituições. Nenhum organismo pode dar-se ao luxo de viver
tentado em vão descobrir a titularidade dos direitos. Se a opção isolado. Os arquivos adquirem especial força graças ao intercâm-
é posteriormente contestada, o que raramente acontece, podem bio de ideias propiciado por colóquios e visitas recíprocas.
alegar que agiram de forma a atender o interesse público, e reem-
bolsar o titular dos direitos dos recursos financeiros eventualmente 6.8.2
obtidos com o acesso ao documento. Existe igualmente uma relação de interdependência entre os ar-
quivos e as indústrias audiovisuais. Uns precisam dos outros. Essa
6.7.4 relação entre domínios com prioridades e concepções de mundo
Tendo em vista a complexidade crescente dessa área, todos os muito diferentes pode parecer em desequilíbrio e desvantagem
arquivos têm necessidade de uma assessoria jurídica para guiá- para os arquivos. O certo, porém, é que os arquivos têm um papel
los nesse campo potencialmente minado. Mas devem também a desempenhar, estimulando trocas, influenciando prioridades das
confiar em sua própria capacidade de emitir juízos com conhe- indústrias e demonstrando-lhes sua utilidade e seu valor.
cimento de causa, baseados no que sabem sobre o funciona-
mento do setor audiovisual e nos contatos pessoais que tenham
estabelecido.

178 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Princípios de gestão | 179


7 | Ética

7.1 Códigos de ética

7.1.1
A ética de uma profissão é produto de seus valores e motivações
fundamentais (ver Capítulo 2). Alguns aspectos são específicos do
próprio campo de especialização. Outros baseiam-se em regras de
vida e de sociedade mais amplamente aceitas. Em geral, as pro-
fissões codificam suas normas éticas redigindo declarações que
servem de orientação para seus membros e de garantia para os
interessados em seu trabalho. Os organismos profissionais dispõem
com frequência de mecanismos disciplinares com o objetivo de fa-
zer com que as normas sejam cumpridas. A ordem dos médicos e a
dos advogados são os exemplos mais conhecidos.

7.1.2
No âmbito das profissões de coleta e conservação, inclusive nos ar-
quivos audiovisuais, existem códigos de ética a nível internacional,

181
nacional e institucional. Esses códigos centram-se em condutas pes-
7.2 A ética na prática
soais e na ética das instituições e enfatizam alguns temas comuns,
cujos principais são:
7.2.1
p proteção da integridade e preservação do contexto dos Um código escrito, de âmbito internacional ou institucional, define
documentos orientações gerais. Ele não prevê todas as situações, nem oferece
p probidade nas operações de acesso, constituição de acervo soluções prontas para problemas que exigem a formulação de julga-
e outras mentos de valor. Os profissionais aceitam em geral a responsabili-
p direito ao acesso dade de formular julgamentos na esfera ética, bem como em outras.
p conflitos de interesse e proveito pessoal
p respeito à lei e tomada de decisões a partir de normas 7.2.2
p integridade, honestidade, responsabilidade e transparência Em âmbito institucional, os códigos só têm sentido e respeito quan-
p confiabilidade do fazem parte integrante da vida do arquivo, são objeto de pro-
p ideais de excelência e desenvolvimento profissional moção efetiva e são respeitados de forma transparente por todos
conduta pessoal, senso de responsabilidade e relações os escalões da hierarquia. Para isso, pode haver necessidade de um
profissionais. processo de educação das equipes, mecanismos de acompanha-
mento e pesquisa, e implantação de práticas administrativas que
Convidamos o leitor a aprofundar essas questões, reportando-se personalizem a aplicação do código no que respeita cada membro
aos códigos das principais associações da área88.Todos fornecem do quadro. Assim, por exemplo, em algumas instituições prevê-se
interessantes pontos de referência para a elaboração do código ins- que todos os empregados leiam o código interno e o debatam e
titucional de um arquivo audiovisual. Como não é possível, nem comentem, comprometam-se por escrito a observá-lo, e declarem
útil, examinar aqui esses temas comuns em termos gerais, enfatiza- qualquer conflito de interesses existente ou hipotético. Quando não
remos nessa seção os aspectos específicos dos arquivos audiovisuais. se realiza esse tipo de aplicação ativa, os códigos institucionais são
puramente formais, observados apenas ao sabor das conveniências
88. Encontram-se
nas páginas do Icom 7.1.3 ou utilizados apenas para exibir uma imagem pública do arquivo.
( w w w. i c o m . o r g ) , d a
I c a ( w w w. i c a . o r g ) e Até hoje, apenas uma federação de arquivos audiovisuais adotou
d a I f l a ( w w w. i f l a . o r g )
códigos internacionais formalmente um código de ética. O código da Fiaf foi adotado 7.2.3
assim como códigos
de associações em 1998 e os membros da federação são obrigados a subscrevê-lo Existe um ponto além do qual a ética pessoal não pode ser controla-
nacionais nos campos
da museologia, da (http://www.fiafnet.org). Outras federações adotaram posições da e depende apenas da integridade e da consciência do indivíduo.
arquivologia e da
biblioteconomia. normativas em relação a questões concretas de índole ética. Isso acontece independentemente do rigor com que o organismo

182 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Ética | 183


89. Existem casos
comprovados de
empregador ou a associação profissional aplique suas próprias nor- 7.3.1.2 A constituição de acervos apoia-se na idéia de permanên-
arquivistas que
puseram em risco a
mas éticas. Dilemas pessoais são inevitáveis. Em certos casos, eles cia. Em consequência disso, a decisão de exclusão de documentos
vida e a liberdade para
salvar documentos
colocam em risco as pessoas envolvidas e as isolam. Pode acontecer deveria ser muito pensada (6.3.7). Ela precisa ser tomada por uma
da destruição. Não
existe maior prova
de o indivíduo ter de adotar uma postura impopular, denunciar junta ou conselho do arquivo e não individualmente por um cura-
de devotamento
profissional. Em
práticas irregulares na instituição ou, num plano diferente, colocar dor. Ao iniciar o processo de exclusão, convém primeiro levar em
menor grau, o
autor confrontou-se
em risco a própria carreira89. conta os direitos e as necessidades de instituições de coleta que po- no Congresso “Political
pressure and archival
pessoalmente, como
aliás muitos colegas,
deriam estar interessadas nos materiais em questão. Se, ao término record”, University of
Liverpool, Liverpool
com problemas éticos
menos graves. Alguns
7.2.4 do processo, o material excluído for colocado em leilão público, é (Reino Unido): julho
de 2003.
desses problemas
são analisados no
Queira-se ou não, a preservação do passado e o acesso a ele é uma necessário justificar esse ato para evitar que os motivos ou proce-
a r t i g o i n t i t u l a d o “ Yo u
only live once: on
afirmação de valores e, como tal, um ponto de vista; em outros ter- dimentos de tal ação sejam interpretados erroneamente. Nenhum 91. “Longe de
serem testemunhas
being a troublemaking
professional” (The
mos: uma atividade essencialmente política. Debates de profissio- funcionário deve se beneficiar pessoalmente da decisão, nem pare- imperecíveis do
passado, os arquivos
M o v i n g I m a g e v. 2 n º 1 ,
primavera 2002, p.175-
nais, bem como o registro de destruições deliberadas do patrimônio cer que se beneficie92. demonstram certa
fragilidade, estando
184). Em alguns países,
a denúncia – expor
ocorridas ao longo dos séculos, demonstram amplamente que sem- perpetuamente sujeitos
ao juízo da sociedade
práticas indevidas às
autoridades e ao público
pre haverá indivíduos que, por diversos motivos, querem eliminar ou 7.3.1.3 Tendo em vista as possibilidades de migração de conteú- no seio da qual existem.
Nem temporal nem
– é hoje protegida
por leis nem sempre
destruir o que foi conservado. Os arquivistas enfrentam permanen- dos disponíveis hoje, e as pressões políticas e práticas para que se absoluta, a mensagem
que veiculam pode
respeitadas na prática.
Whistleblowers Austrália
temente as dimensões políticas da seleção, do acesso e da preserva- contenham gastos e o crescimento do acervo, a manutenção dos ser manipulada,
mal interpretada ou
( w w w. w h i s t l e b l o w e r s .
org.au) é uma das
ção e os problemas éticos que essas questões colocam . A sobrevi-
90
materiais originais enquanto dure sua vida útil – a despeito das có- suprimida (...) os
arquivos do passado
numerosas organizações
que documentam esse
vência do passado está constantemente à mercê do presente91. pias que deles tenham sido feitas – depende fundamentalmente da são também as criações
mutáveis do presente”.
tipo de infrações.
integridade profissional do arquivo. As possibilidades de pesquisa Judith M. Panitch,
“ L i b e r t y, e q u a l i t y,
e de transferência futuras nunca deveriam ser prejudicadas pela posterity? Some archival
90. A leitura da lessons from the case of
publicação do programa exclusão ou eliminação prematuras dos originais. the French revolution”
da Unesco, Memória do ( A m e r i c a n A r c h i v i s t , v.
mundo: memória perdida 7.3 Questões de ordem institucional 59, inverno 1996, p.47).
– bibliotecas e arquivos
destruídos no século XX 7.3.1.4 A natureza do digital abre perspectivas até hoje inéditas
(1996) é assustadora. 92. Uma base de dados
A recente experiência 7.3.1 Os acervos para que a história seja falsificada, sem deixar pistas, através da de acesso público na
sul-africana em matéria qual figurem todos os
da dimensão política manipulação de sons e de imagens. Esse tipo de ação, que agride documentos excluídos ou
da preservação e do suscetíveis de exclusão
acesso aos acervos está 7.3.1.1 Além dos pontos abordados na seção anterior e dos princí- a fibra mais íntima da atividade do arquivista, é intolerável. Os prestaria um serviço às
documentada no ensaio instituições interessadas
de Werner Harris, “The pios expostos no código da Fiaf (muitos deles suscetíveis de aplica- arquivos devem tomar medidas preventivas com relação a isso e, na aquisição desses
archive is politics: trust, documentos, e também
powers, records and ção aos arquivos audiovisuais em geral), a gestão ética dos acervos em particular, sensibilizar a atenção de suas equipes para evitar faria com que os
contestation in South arquivos pesassem bem
Africa”, e foi exposta coloca outras questões. esse tipo de ação. suas decisões.

184 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Ética | 185


7.3.1.5 Em virtude da natureza das indústrias audiovisuais, cole- em significativa manipulação de sons e imagens para que eventuais
cionadores e outros particulares desempenham papel importante lacunas existentes no original sejam preenchidas. Os materiais assim
na sobrevivência de materiais audiovisuais, frequentemente através reconstituídos são, na verdade, novas obras destinadas ao público con-
de meios pouco convencionais. Em função do supremo interesse de temporâneo e diferem às vezes significativamente da obra original.
garantir a preservação de materiais preciosos, os arquivos procura-
rão, com a discrição que se impõe, conciliar interesses divergen- 7.3.2.3 As operações de reconstituição devem ser realizadas cons-
tes surgidos entre depositantes e legítimos titulares dos direitos de cienciosamente por especialistas responsáveis. Objetivos, princípios
propriedade intelectual ou material. Os arquivos nunca utilizarão e métodos da reconstituição devem ser comunicados publicamente
esses materiais à margem do estrito respeito às leis. para que todos entendam seu caráter. Haverá preocupação explí-
cita na redação de relatórios de trabalho com exaustiva documen-
7.3.2 Acesso tação sobre as intervenções. A reconstituição não deverá compro-
meter a preservação dos documentos utilizados, que continuarão
7.3.2.1 Ainda que sua missão primordial seja a preservação dos guardados e potencialmente acessíveis sob sua forma original.
93. Isso diz respeito,
acervos, os arquivos públicos reconhecem ao público o direito de sobretudo, às salas de
cinema dos arquivos e
acesso aos documentos (3.2.6). Na medida de suas possibilidades, 7.3.2.4 Ao possibilitar o acesso aos acervos, os arquivos, na medida espaços de projeção
atendidos por eles
responderão aos pedidos de informação que lhes forem dirigidos de suas possibilidades, procurarão fornecer aos usuários informa- e coloca questões
sobre a relação
durante pesquisas e tomarão iniciativas para apresentar seus acer- ções contextuais, de forma a ajudá-los a compreender a forma e o correta altura/largura
da imagem, normas e
vos ao usuário, contextualizados, de acordo com as políticas de contexto originais da obra, e estimulando-os a utilizar com integri- padrões em matéria de
projeção, mas também
acesso fixadas. Respeitarão em todas as circunstâncias, escrupulo- dade os materiais fornecidos. Os arquivos não serão cúmplices de o uso de publicidade
cinematográfica e
samente, as prerrogativas dos titulares dos direitos de autor e ou- alterações propositais ou da apresentação pública equivocada dos música ambiente. Seria
útil que as federações
tros interesses comerciais. materiais, seja através da manipulação de seus conteúdos sonoros e e os diferentes arquivos
preparassem diretrizes
visuais, seja através de qualquer outra forma. a esse respeito. Por
exemplo: embora
7.3.2.2 Com a finalidade de educar o público e permitir-lhe acesso uma publicidade
cinematográfica
ao acervo, os arquivos devem não apenas restaurar (isto é, diminuir 7.3.2.5 Ao conceber e propiciar contextos de apresentação pública, contemporânea
projetada na sala de
efeitos de degradação e envelhecimento) mas também reconstituir fil- os arquivos esforçar-se-ão em recriá-los com integridade. Resistirão cinema de um arquivo
possa gerar recursos
mes, programas e registros existentes apenas em versões incompletas, a pressões comerciais ou de qualquer outra natureza que procurem (de que os arquivos
sempre necessitam), ela
para torná-los mais facilmente compreensíveis. Isso quer dizer reu- subordinar os critérios, os estilos e os contextos de apresentação a estará fora de contexto.
É um pouco como
nir elementos incompletos ou fragmentados provenientes de diversas modismos ou imperativos de circunstância, e se manterão fiéis ao se colocássemos um
logotipo comercial na
origens e combiná-los num todo coerente, o que implica às vezes espírito e à significação original da obra apresentada (5.3)93. Vênus de Milo.

186 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Ética | 187


7.3.3 Ambiente 7.3.4.2 Quando autorizados, os arquivos negociarão acordos de
patrocínio, instaurando uma parceria equitativa e benéfica para as
7.3.3.1 A cultura de um arquivo, bem como o ambiente que nele partes. Os acordos serão redigidos por escrito, terão duração limi-
reina, tem consequências sobre a qualidade com que são realizadas tada, serão compatíveis com a natureza dos arquivos, seu código de
todas as suas funções. Os arquivos devem se esforçar para desenvol- ética e seus objetivos, e lhes trarão benefícios explícitos.
ver uma cultura interna e um espírito de equipe nos quais se valori-
zem os conhecimentos pessoais, o rigor e a curiosidade intelectuais
e a capacidade de assumir responsabilidades de decisões de cura-
doria. Devem estimular também o desenvolvimento profissional da 7.4 Ética pessoal
equipe e cultivar a memória e a história institucionais.
7.4.1 Motivação
7.3.3.2 A atividade do arquivo será regida pela precisão, honesti-
dade, questionamento, coerência e transparência. Ninguém contri- 7.4.1.1 O campo dos arquivos audiovisuais não é lucrativo. Em
buirá conscientemente para a divulgação de informações inexatas, comparação com outras profissões congêneres, ele é pouco desen-
falsas ou enganosas, nem deixará sem resposta quaisquer perguntas volvido e não oferece grandes oportunidades de promoção, prestí-
pertinentes. As decisões e posições normativas serão expostas por gio, segurança e desenvolvimento profissionais. Os que se dedicam
escrito e de maneira convincente. à atividade devem estar motivados por fatores como a afinidade
com os meios audiovisuais e a paixão por sua preservação, valori-
7.3.4 Relações zação e popularização, bem como pela satisfação de se dedicar a
abrir novos caminhos. Devem também ser motivados pelo desejo
7.3.4.1 Os arquivos compartilharão generosamente seus co- de servir à criatividade, projetos e prioridades de terceiros.
nhecimentos e experiências para a promoção da profissão, de
forma a contribuir para o desenvolvimento e o enriquecimen- 7.4.2 Conflitos de interesse
to dos demais, em espírito de colaboração. Eles reconhecem
que, ajudando-se mutuamente, fazem progredir o conjunto da 7.4.2.1 A afinidade com o domínio audiovisual pode potencial-
profissão. Sempre que possível, facilitarão a informação, o em- mente gerar conflitos de interesses. Por exemplo, quando um ar-
préstimo de materiais de seu próprio acervo, a participação em quivista tem relações financeiras com empresas que fornecem bens
projetos conjuntos, o intercâmbio de pessoal e as visitas de co- e serviços ao arquivo, quando comercializa materiais para colecio-
legas de outras instituições. nadores, quando pertence a grupos cujos objetivos são conflitantes

188 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Ética | 189


com os do arquivo ou quando reúne uma coleção privada pessoal, 7.4.3 Conduta pessoal
de maneira que esses interesses sejam ou pareçam ser inconciliáveis
com as atividades do próprio arquivo. Esses conflitos de interesses 7.4.3.1 O desempenho de uma tarefa em escrupulosa conformida-
podem ser mal interpretados e prejudicar gravemente a imagem de a normas profissionais é, em última instância, questão de honra
do arquivo. Quando não houver uma forma aceitável de conciliar e probidade pessoais. Atividades como a manipulação cuidado-
esses interesses, o arquivista deverá sem dúvida abandonar aquelas sa de materiais do acervo para não danificá-los dependem dessas
atividades ou relações. O bom nome do arquivo se sobrepõe a tudo. qualidades. Se erros e danos não forem comunicados imediata-
mente para que se adotem as providências necessárias, pode acon-
7.4.2.2 Outra possível fonte de conflitos é a assessoria ou avalia- tecer que não sejam descobertos senão anos depois. No desem-
ção que, prestadas a título pessoal, podem ser interpretadas como penho de seu trabalho cotidiano, os arquivistas têm acesso a um
emitidas em caráter oficial. Pelo fato da pessoa estar intimamente volume considerável de informações confidenciais. Isso pode ser,
identificada a uma instituição, será difícil a ela escrever, ensinar ou por exemplo, o conteúdo de uma coleção privada que seu proprie-
exprimir-se publicamente em seu próprio nome; é inevitável que se tário não deseja ver divulgado ou segredos revelados em registros
interprete o contrário. Esses conflitos devem ser considerados em orais cujo acesso público é restrito. Tal sigilo deve ser respeitado
si, e com o objetivo de evitar qualquer percepção errônea. Tam- sem nenhuma exceção.
bém neste caso, serão privilegiados os interesses do arquivo.
7.4.3.3 O arquivista não deverá apropriar-se nem de documentos
7.4.2.3 As relações pessoais de mútua confiança que os arquivis- nem de outros recursos do acervo com finalidade de uso ou provei-
tas estabelecem, por exemplo, com depositantes e colecionado- to pessoal ainda que, na qualidade de servidor da instituição, possa
res são para eles uma das melhores recompensas e uma de suas fazê-lo sem dificuldades. A importância desse ponto deriva tanto
principais obrigações. Tendo em vista que se prestam a abusos, do fato de haver uma infração quanto da mensagem que transmite:
e que a tendência de alguns é confiar mais nas pessoas do que nada justifica que um funcionário goze de acesso privilegiado a
na instituição, essas relações devem ser marcadas por honradez bens de propriedade pública.
absoluta, lealdade para com a instituição e renúncia a qualquer
proveito pessoal. Sérios problemas podem surgir quando, por 7.4.3.4 Os arquivistas audiovisuais reconhecem e assumem res-
exemplo, alguém oferece presentes a um arquivista, com as me- ponsabilidades morais em relação aos povos indígenas, garan-
lhores intenções, e é necessário não magoar nem ofender quem tindo que documentos relativos a eles sejam geridos e acessados
oferece. Nesses casos, o arquivista envolvido deverá examinar o de acordo com modalidades compatíveis com as normas de suas
problema com um superior. culturas. A única pessoa capaz de julgar se essas prescrições são

190 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Ética | 191


respeitadas é, frequentemente, o próprio arquivista; é sua inte- materiais “politicamente incorretos” ou “inconvenientes”. Um arqui-
94. Essas questões
gridade pessoal que está em jogo. vista pode considerar que uma prática é a tal ponto repreensível, ou
são fundamentais e
complexas. De um
prejudicial à instituição, que se coloque o dever de denunciá-la.
lado, deve-se respeitar
o legítimo direito dos
7.4.3.5 Enquanto guardiões do patrimônio audiovisual, os arquivis-
titulares dos direitos de
autor e das comunidades
tas respeitarão a integridade das obras sob sua guarda e não as mu- 7.4.4.3 Essas decisões constituem um dos dilemas mais árduos com
(populações autóctones,
por exemplo) de exercer
tilarão, nem as censurarão. Não falsearão sua apresentação, nem que pode confrontar-se um arquivista. Ele pode julgar que a melhor
controle sobre o acesso
às obras, e seu uso deve
limitarão indevidamente o acesso a elas. Não tentarão de nenhuma atitude seja colocar numa balança os dois princípios opostos e apli-
ser respeitado; por outro,
a censura e o controle do
maneira falsificar a história ou dificultar o acesso aos registros . 94
car o mais importante (a salvaguarda dos documentos ameaçados
a c e s s o p o d e m r e v e s t i r- s e
de formas insidiosas (a
Eles opor-se-ão às tentativas de outras pessoas nesse sentido. Esfor- pode, por exemplo, representar o princípio mais importante numa
serviço de orientações
políticas, de interesses
çar-se-ão em conciliar seus gostos pessoais, valores e julgamentos determinada situação). A situação, porém, pode ser complexa, as
econômicos etc.) Para
uma análise dessas
críticos com a necessidade de proteger e desenvolver de forma res- soluções nem sempre claras e a desobediência e a denúncia gerem
questões, ver o artigo de
R o g e r S m i t h e r, “ D e a l i n g
ponsável a coleção, de acordo com as políticas estabelecidas . 95
graves consequências pessoais que devem ser cuidadosamente pe-
with the unacceptable”
(Fiaf Bulletin, nº 45,
sadas. Além disso, ninguém é imparcial.
outubro 1992).
7.4.4 Dilemas e desobediência 96

95. Qualquer arquivo 7.4.4.4 A resposta não é fácil, mas podemos adotar algumas me-
audiovisual de alguma
importância contém 7.4.4.1 Não há razão para aceitar doutrinas elaboradas para defen- didas lógicas. Analisar a situação para identificar direitos, motivos
materiais que ofendem
provavelmente alguma der os poderosos e privilegiados ou pensar que somos oprimidos por e pressupostos de todas as partes envolvidas pode ajudar a escla-
pessoa. É quase certo
que os arquivistas leis sociais misteriosas e desconhecidas. Trata-se simplesmente de recer as próprias motivações e prioridades. Obedecer cegamente
audiovisuais não
compartilhem valores, decisões adotadas no seio de instituições submetidas à vontade hu- e deixar-se levar pela corrente é sempre mais fácil, mas a história
regras morais e pontos
de vista inerentes a mana e cuja legitimidade deve ser posta à prova. Se a prova lhes for demonstra que isso em geral é um erro. Qual a verdadeira priori-
pelo menos alguns itens
de sua coleção. Mas desfavorável, podem ser substituídas por outras instituições mais li- dade? Quais os interesses pessoais em jogo, inclusive o meu? Estou
o racismo, o sexismo,
o paternalismo, a vres e mais justas, como já aconteceu no passado (Noam Chomsky). enganando ou encobrindo alguém? Sei a resposta correta, mas não
imoralidade, a violência, que elas veiculam? Ou
os estereótipos etc. quero enfrentar as consequências? estou endossando o
fazem parte da história direito de acesso a elas?
da humanidade e se 7.4.4.2 Haverá ocasiões em que o arquivista perceba um conflito en- (ver nota precedente).
manifestam em produtos
da sociedade, entre tre as instruções que recebe e o que julga ser responsável e ético. 7.4.4.5 Uma vez analisada a situação, podemos pesar os diferentes
eles as produções 96. Na redação desta
audiovisuais. A questão Os exemplos não faltam: censura política (“destrua isso – isso nunca argumentos, nas circunstâncias que lhe são próprias. Mas frequen- seção, inspiramo-nos no
é: permitindo acesso a r t i g o d e Ve r n e H a r r i s ,
a essas produções, eu aconteceu”), pressão econômica (“não podemos nos permitir guardar temente é difícil discernir o que a moral reprova e o que tolera, e “Knowing right from
estou endossando – ou wrong: the archivist
pelo menos dando a todo esse material, faça-o desaparecer”), opções estratégicas, diretri- pode acontecer de não haver nenhuma saída satisfatória, senão a es- and the protection of
impressão de estar p e o p l e ’s r i g h t s ” ( J a n u s ,
endossando – os valores zes arbitrárias e carentes de fundamento, acesso difícil ou proibido a colha de um mal entre outros, a partir das informações disponíveis. nº1999.1, p.32-38).

192 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Ética | 193


7.4.4.6 Confrontar suas conclusões com amigos ou com colegas sionais de coleta e conservação, detêm um poder considerável bem
merecedores de estima pode ajudar a esclarecer o problema. Eles como pesadas responsabilidades para com a sociedade.
terão talvez uma visão mais objetiva da situação e podem enca-
rá-la sob ângulos novos. Talvez surja então uma solução vantajosa 7.5.2
para todos. Eles são os guardiões, os “arcontes” da memória do mundo 97. De-
terminam os lugares, as instituições e as estruturas nas quais ela
7.4.4.7 Por último, ao término dessa série de investigações, é ne- será conservada; fazem as escolhas cruciais sobre o que deve ser
cessário escutar sua consciência. É difícil confiar na própria ra- ou não preservado; decidem o prazo pelo qual ela será mantida e a
zão ou no instinto quando a situação não nos conforta. É mais forma sob a qual ela sobreviverá. Eles são os “conservadores” que
fácil acomodar-se a dúvidas persistentes. Mesmo nesse estágio, velam por seu bem estar e sua perpetuação.
não pode haver certezas. Dois arquivistas, confrontados com um
mesmo dilema, ao considerar os mesmos problemas com o mesmo 7.5.3 97. “Os arquivos não
consistem apenas nas
rigor, podem chegar a conclusões distintas, ainda que procedendo Também são eles que determinam o acesso à memória, estabele- lembranças, na memória
viva, na anamnese, mas
com tino e sinceridade. Somos todos seres subjetivos. Devemos cem suas modalidades de organização e de conservação, definem a também na consignação,
na inscrição de um
apenas nos fazer as seguintes perguntas: enquanto profissional, forma e as características do catálogo ou de outros registros que fa- traço que conduz
a um lugar exterior
que escolha me será possível aceitar? Qual saída, qual resultado cilitam o acesso, a ordem de prioridades no quadro desse trabalho – não há arquivos
s e m u m l u g a r, i s t o é ,
me parece inaceitável? e que escolhem o que deve ser valorizado ou eliminado e a maneira s e m e s p a ç o e x t e r i o r.
Arquivos não são uma
como a memória se apresenta. memória viva, mas um
lugar – é por isso que
o poder político dos
arcontes é tão essencial
7.5.4 para a definição de
arquivo. Assim pois a
7.5 O poder A memória reside nos objetos mas também nas pessoas: criadores, exterioridade do lugar
é necessária para que
distribuidores, técnicos, empresários, administradores, pesquisado- se tenha alguma coisa
para arquivar”. Jacques
7.5.1 res, historiadores e os próprios arquivistas. Eles determinam quais Derrida, “Archive fever
in South Africa” em
Os arquivistas inclinam-se a considerar que são desprovidos de po- relatos verbais serão registrados, quais relações serão estabelecidas, Carolyn Hamilton et al,
Refiguring the archive,
der, à mercê de autoridades públicas e burocráticas ou de enormes quais informações são importantes. Cidade do Cabo: David
Philip, 2002. A palavra
indústrias cujas decisões estratégicas (tomadas de uma óptica am- “arquivo” vem do grego
archeion (local do
pla mas que não se preocupa com as repercussões na esfera dos 7.5.5 magistrado ou arconte).
O controle que o arconte
arquivos) constantemente afetam suas tarefas e complicam seu tra- Nem todo mundo aceitará passivamente a maneira pela qual os exercia sobre
os registros legitimava
balho. Entretanto, os arquivistas audiovisuais, como outros profis- arquivistas e outros profissionais de coleta e conservação exercem s e u p o d e r.

194 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Ética | 195


suas prerrogativas. Os nazistas queimaram publicamente os maio- 8 | Conclusão
res livros do mundo e nenhum poder os deteve. Os talibãs propu-
seram-se a destruir a memória cultural de uma nação; apesar de
riscos consideráveis, os arcontes usaram subterfúgios para que não
o conseguissem e foi seu poder que prevaleceu.

7.5.6
Em todos os arquivos existem relações de poder a nível interno
e externo e as considerações éticas nem sempre predominam. Os
arquivistas audiovisuais têm diante de si a árdua tarefa de entender
seu poder e de exercê-lo de acordo com princípios éticos, no inte-
resse da sociedade, de seus colegas de profissão e para a preserva-
ção da memória do mundo.
8.1
Pouco mais de um século após o surgimento do registro sonoro e do filme
cinematográfico e menos de cem antes do da radiodifusão, essas tecno-
logias desempenham um papel dominante na comunicação, na arte e
no registro da história. As espetaculares mudanças acontecidas no século
XX – guerras, transformações políticas, conquista do espaço e globaliza-
ção – não foram apenas registradas, difundidas e influenciadas por essas
tecnologias. Sem estas, aquelas não se teriam produzido. A memória co-
letiva passou do conceito manual para a dimensão tecnológica. Os meios
audiovisuais estão em toda parte: “a todo o momento irrompem todos
os lugares e o mundo inteiro no seio dos lares (...) essa intromissão per-
manente (...) do outro, do estranho, do que está longe, de outra língua”98.

8.2 98. Jacques Derrida,


B e r n a r d S t i e g l e r,
A segunda edição do presente documento é bastante mais longa Échographies de la
télévision, Paris:
do que a primeira. Os últimos anos foram ricos em mudanças e Galilée, 1996.

196 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual 197


aprendizagem. O processo continua porque o empreendimento é
sem fim. Há muito a descobrir e compartilhar. Talvez, quando uma
outra versão, qualquer que seja, substitua a presente edição, haja
ficado para trás uma parte da atual desigualdade na distribuição de
recursos que afeta os arquivos audiovisuais e a tarefa esteja reparti-
da e apoiada de maneira mais uniforme em todo o mundo.

8.3
Poderíamos esperar que a tarefa de preservação da memória au-
diovisual do mundo ocupasse um lugar destacado e dispusesse de
recursos à altura da importância de seu papel na história da huma-
nidade. Nada mais longe da realidade. O número de pessoas que
se encarrega dessa tarefa em todo o mundo chega a menos de 10
mil e talvez esteja abaixo dessa estimativa. Essa pequena comuni-
dade formada por profissionais tenazes e comprometidos, embora
exercendo um trabalho em grande medida desconhecido e carente
de reconhecimento, tem uma responsabilidade imensa. Enquanto
profissionais, ainda que reflitam pouco sobre a questão, os arqui-
vistas audiovisuais do mundo inteiro detêm um poder considerável.
A maneira como o exercem hoje determinará, em grande parte, o
que a posteridade conhecerá sobre nossa época.

“Não duvidem nunca que um pequeno grupo de indiví-


duos pensantes e determinados pode mudar o mundo. Na
verdade, é a única força que pode conseguir isso”99.

99. Margareth
Mead (1901-1978),
antropóloga.

198 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual


| Anexos
Anexo 1 federações 1.2.2, 2.6 Peanuts [Minduim] 4.6.4
| Glossário e índice Fiaf Fédération Internationale persistência retiniana 5.1.3
des Archives du Film – poder 7.5
Federação Internacional de princípio da perda 6.3.3
Arquivos de Filmes produção nacional 6.3.5
acervo paralelo 6.4.9 Arquivística Audiovisual – ver Fiat/IFTA International Federation profissões de coleta 2.2
acesso 3.2.6.6, 7.3.2 Prefácio of Television Archives – preservação 3.2.6.3
Amia Association of Moving biblioteca 3.2.1.5 Federação Internacional de profissão 2.4
Image Archivists – CCAAA Co-Ordinating Council of Arquivos de Televisão reconstituição 7.3.2.2, Anexo 3
Associação de Arquivistas Audiovisual Archive filme 3.2.2.3, 3.2.2.5 registro 3.2.3.4
de Imagens em Movimento Associations – Conselho filosofia 1.1, 1.5 restauração 7.3.2.2
analógico 5.4 Coordenador das formato 3.2.2.2 Seapavaa South East
arquivo, arquivar 3.2.1 Associações de Arquivos fundo 3.2.4.4 Asia-Pacific Audio Visual
artefato 1.4.4, 5.3.4 Audiovisuais Ica International Council of Archives Association –
Audiovisual 3.2.3.2, 3.3.1.9 coleção 3.2.4.4, 7.3.1 Archives – Conselho Associação de Arquivos
- arquivística 3.2.1.4 componente 3.2.2.7 Internacional de Arquivos Audiovisuais do Sudeste da
- arquivista 3.3.4 conflito de interesse 7.4.2 Icom International Council of Ásia e do Pacífico
- arquivo 3.3.3 constituição 6.3 Museums – Conselho seleção 6.3
- catalogação 6.6 conteúdo 3.3.1.6, 5.3 Internacional de Museus som 3.2.3.6
- documento 3.3.1.4 descarte 6.3.8 Ifla Internationl Federation of tecnologia 5.3.8
- mídia 3.2.2.2 desobediência 7.4 Library Associations teipe 3.2.2.4
- paradigma 4.4.6 digitalização 1.4.2, 5.4 – Federação Internacional valores 2.3
- patrimônio 3.3.2 disco 3.2.2.5 de Associações de Bibliotecas vídeo 3.2.3.8
- radiodifusão 3.2.3.7 documentação 6.5 incorporação 6.3
- suporte 3.2.2.2, 4.5.7.1, nota 18, 5.3 documento 3.2.3.3 mídia 3.3.2.7
Avapin Audiovisual Archiving duplicação 5.2 migração 5.2.1, 6.4.6
Philosophy Interest Netword efeito de inércia 5.2.7 museu 3.2.1.5
– Rede de Trabalho de elemento 3.2.2.7 obra 5.5
Interessados na Filosofia da exclusão 6.3.8 obsolescência 1.4.3

202 203
Anexo 2 Como você Catálogos, listas de Guias de pesquisa, Catálogos, pesquisa Exposições,
| Quadro comparativo: arquivos audiovisuais, acha o que pesquisas, consulta inventários, outros livre nas estantes, consulta aos
arquivos generalistas, bibliotecas e museus procura? aos funcionários documentos consulta aos funcionários
funcionários

Como você Depende da política Nos locais da Nas instalações Nos locais de
Arquivos Arquivos Bibliotecas Museus acha o que estabelecida, instituição, sob da biblioteca exposição
audiovisuais generalistas procura? instalações e observação ou (em caso de
O que Suportes de Seleção de Materiais Objetos, artefatos, tecnologia. No local empréstimo)
guardam? imagem e som, documentos publicados, documentos ou remoto remoto
documentos antigos em qualquer em qualquer relacionados
e artefatos formato, em geral formato Qual o Preservação Proteção a fundos Preservação e/ou Preservação
relacionados únicos e inéditos objetivo e acesso ao de arquivos, de seu acesso a e acesso a artefatos
deles? patrimônio valor testemunhal materiais e e informação
Como o Sistema Segundo a ordem Sistema de Sistema audiovisual e informativo informação
material é estabelecido, estabelecida classificações estabelecido
organizado? compatível com e usada pelos estabelecido (por compatível com Por que você Pesquisa, educação, Prova de transações Pesquisa, Pesquisa,
formatos, criadores exemplo Dewey, a natureza e os visita? lazer, negócios e atos jurídicos, educação, lazer educação, lazer
condições e status Library a condição dos pesquisa, lazer
do material of Congress) itens
Quem Arquivistas Arquivistas Bibliotecários Curadores de
Quem pode Depende da Depende da Depende da Depende da cuida dos audiovisuais museus
ter acesso? política definida, política da política aplicada, política aplicada, materiais?
da disponibilidade instituição, da do público ou do público ou
de cópias e legislação e das comunidade comunidade
limitações condições definidas atendidos atendidos
contratuais pelo doador ou Agradecimento: o conceito deste quadro, e uma parte de seu conteúdo foram
depositante adaptados de J. Ellis (ed.) Keeping archives (segunda edição) D.W Thorpe/Australian
Society of Archivists, 1993.

204 205
Anexo 3 p Detalhes claros dos elementos originais, incluindo sua natureza, condi-
| Relatório de reconstituição ção, números de registro e os nomes dos arquivos ou coleções onde
estão conservados
p Detalhes completos das manipulações feitas para a reconstituição
p Informações sobre os detentores de direitos ou das tentativas feitas
A lista de pontos a seguir é um guia que recomendamos para a elaboração de para localizá-los
um relatório de reconstituição que documenta, tanto para o público quanto para p Identificação do(s) supervisor(es) do projeto
referência interna, o trabalho feito na criação de uma versão reconstituída de um p Quadro temporal – datas de início, fim e etapas significativas
filme, um programa de rádio ou de televisão ou um registro sonoro. p Créditos completos de todos os participantes e as funções que
desempenharam
Definição p Autorização e aprovação final da direção, conselho ou instância equiva
Uma reconstituição é uma versão nova de um trabalho, realizada para agrupar lente do arquivo.
elementos fragmentados ou incompletos, a partir de múltiplas fontes, e ordená-los
num todo coerente, algumas vezes com muitas manipulações de imagens e/ou Processo
sons e o uso de artifícios de articulação, com o objetivo específico de acesso e em O relatório deve incluir a documentação exata do processo de reconstituição. Isso in-
geral para apresentações públicas. Ela pode ser muito diferente de quaisquer ver- clui todas as decisões técnicas e artísticas tomadas, pesquisas feitas, julgamentos con-
sões originais da obra. Como seu alvo é um público contemporâneo, sua eficiência clusivos e sua justificativa. Deve acrescentar outras informações pertinentes, como
pode diminuir com o tempo, pois os gostos da audiência mudam, a tecnologia referências a bibliografia, materiais de publicidade e outros elementos consultados.
evolui e/ou novos materiais podem ser encontrados.
Uma reconstituição é diferente de uma restauração, que envolve a remoção de Informação pública
acréscimo do tempo – como ruídos de superfície, riscos e danos – de uma cópia As exibições públicas ou cópias de distribuição da reconstrução devem ser acom-
de preservação, mas não envolve qualquer forma de manipulação de conteúdo. panhadas de informações contextuais completas que
A preservação dos elementos originais utilizados na reconstituição deve ser inte- p Identifiquem o trabalho como uma reconstituição
gral. Eles devem continuar a ser conservados em sua forma original. p Expliquem quais são as diferenças que tem do original
p Expliquem resumidamente o processo de reconstituição
Parâmetros p Forneçam o contexto histórico
O relatório de reconstituição deve definir os parâmetros do projeto, incluindo p Informem existência do relatório de reconstituição e incentivem
p Propósito e objetivos sua consulta.
p O público alvo e o uso pretendido da versão reconstituída

206 207
Anexo 4 Harrison, Helen (ed). Audiovisual archives: a practical reader (CH.97/WS/4), Paris:
| Bibliogafia selecionada Unesco, 1997.
______. Curriculum development for the training of personnel in moving image and recorded
sound archives (PGI.90/WS/9). Paris: Unesco, 1990.
Houston, Penelope. Keepers of the frame: the film archives. Londres: British Film In-
Baer, N.S. e Snickars, F. (ed.), Rational decision-making in the preservation of cultural stitute, 1994.
property. Berlim: Dahlem University Press, 2001. Kofler, Birgit. Legal questions facing audiovisual archives (PGI.91/WS/5). Paris:
Bradley, Kevin. Guidelines on the production and preservation of digital audio objects. Iasa, 2004. Unesco, 1991.
Cunningham, Adrian. Archival institutions in Michael Piggott et al (ed.), Recordkeeping Kula, Sam. Appraising moving images: assessing the archival and monetary value of film and
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Cherchi Usai, Paolo. The death of cinema: history, cultural memory and the digital dark age. National Film and Sound Archive Advisory Committee. Time in our hands. Cam-
Londres: British Film Institute 2001. berra: Department of Arts, Heritage and Environment, 1985.
______. Silent cinema: an introduction. Londres: British Film Institute, 2003. Quental, José Luiz de Araújo. A preservação cinematográfica no Brasil e a construção de
Coelho, Maria Fernanda Curado. A experiência brasileira na conservação de acervos au- uma cinemateca na Belacap: a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Dis-
diovisuais: um estudo de caso. Dissertação de mestrado apresentada à Escola de Co- sertação de mestrado apresentada ao Instituto de Artes e Comunicação Social/
municações e Artes/Universidade de São Paulo, 2009. Universidade Federal Fluminense, 2010.
Derrida, Jacques e Stiegler, Bernard. Ecographies of television. Polity Press 2002. Smither, Roger e Srowiec, Catherine A. (ed). This film is dangerous: a celebration of
Edmondson, Ray. National Film and Sound Archive: the quest for identity. Factors shaping nitrate film. Bruxelas: Fiaf, 2002.
the uneven development of a cultural institution. Tese de doutorado apresentada à Fac- Souza, Carlos Roberto de. A Cinemateca Brasileira e a preservação de filmes no Brasil.
ulty of Arts and Design/University of Canberra, 2011. Tese de doutorado apresentada à Escola de Comunicações e Artes/Universidade
Ellis, J. (ed.). Keeping archives (segunda edição). Melbourne: D.W. Thorpe/Austra- de São Paulo, 2009.
lian Society of Archivists, 1993. Townsend, Robert. Further up the organization. Nova Iorque: Knopf, 1984.
Fossati, Giovanna. From grain to pixel: The archival life of film in transition. Amsterdã: Unesco. Recomendação para a salvaguarda e preservação de imagens em movimento. Adotada
Amsterdam University Press, 2009. pela Conferência Geral em sua 21ª sessão, Belgrado, 27 de outubro de 1980.
Gracy, Karen F. Film preservation: competing definitions of value, use, and practice. Chi- ______. Memory of the World: General Guidelines to safeguard documentary heritage (CH-
cago: The Society of American Archivists. 95/WS-IIrev). Paris, 2002.
Haig, Matt. Brand failures: The truth about the 100 biggest branding mistakes of all time. ______. Memory of the World: Lost memory – libraries and archives destroyed in the twentieth
Londres e Sterling (Estados Unidos): Kogan Page, 2003. century (CII-96/WS/I). Paris, 1996.

208 209
Áudio analógico –
Anexo 5 suportes com sulcos Época de produção Status
| Mudança e obsolescência de alguns formatos Cilindro (duplicado ou 1876-1929 Obsoleto
moldado em cera)
Cilindro (de gravação 1876-anos 1950 Obsoleto
em ditafone)
Formato Disco de sulco grosso 1888-c.1960 Obsoleto
Filme Época de produção Status (78rpm ou similar)
70mm formato Imax anos 1980 -atualidade Em uso Disco de transcrição anos 1930-anos 1950 Obsoleto
poliéster
Disco de laca de anos 1930-anos 1960 Obsoleto
35mm nitrato 1891-1951 Obsoleto
gravação
35mm acetato 1910-atualidade Em uso LP (long playing) vinil anos 1950-atualidade Em uso
35mm poliéster 1955-atualidade Em uso microssulco

28mm acetato 1912-anos 1920 Obsoleto

22mm acetato c.1912 Obsoleto Áudio analógico –


suportes magnéticos Época de produção Status
17,5mm nitrato 1898-1920 Obsoleto
Fio metálico anos 1930- Obsoleto
16mm acetato 1923-atualidade Em declínio final anos 1950

1921-anos 1970 Obsoleto Teipe magnético de rolo 1935-atualidade Em declínio


9,5mm acetato

8,75mm EVR anos 1970 Obsoleto Cassete compacto anos 1960-atualidade Em declínio

8mm standard acetato 1932-anos 1970 Obsoleto


Cartucho anos1960- Obsoleto
8mm Super acetato/ 1965-atualidade Em uso atualidade
poliéster

210 211
Áudio – suportes
digitais Época de produção Status
Disco compacto (CD) 1980-atualidade Em uso

Rolo de piano (88 notas) 1902-atualidade Em declínio

DAT 1980-atulidade Em declínio

Vídeo Época de produção Status


Quadruplex 2 polegadas 1956-anos 1980 Obsoleto

Philips (1/2 polegada anos 1960 Obsoleto


– rolo)
U-Matic 1971-atualidade Obsoleto
Betamax 1975-anos 1980 Obsoleto

VHS anos 1970-atualidade Em declínio


Betacam 1984-atualidade Em declínio

1 polegada – anos 1970-atualidade Obsoleto


formatos A, B, C, D
Vídeo 8 1984-atualidade Obsoleto

Disco laser analógico anos 1980-atualidade Obsoleto

Disco de vídeo 1997- Em uso


digital (DVD)
Disco de vídeo anos 1990- Em declínio
compacto (VCD)

212
Esta publicação foi composta na tipogra-
fia Baskerville, corpo 11/17, sobre papel
Polen Bold 80g/m (miolo) e Duo Design
300g/m (capa).
ab associação brasileira de preservação audiovisual
pa

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