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Dores dentro do armário: repercussões da liberdade sexual cerceada do

adolescente.
Preparei não uma aula, ou exposição de conceitos definidos para trabalhar aqui hoje.
Meu discurso não está pautado em algo lido e cuspido para que vocês vejam como
absoluto e não questionável.
Meu discurso parte de algumas leituras que provocaram em mim inquietações, algumas
experiências vividas e refletidas em cima da pesquisa.
O contexto que quero trazer é o da provocação. Que eu consiga provocar em vocês essas
reflexões através de inquietações humanas.
Que a gente consiga fazer a partir dessa fala uma análise crítica de nós mesmos e do meio
social que nos forma.
Partirei da dor, e não falo aqui da dor como sintoma diagnosticado pela medicina. Falo
da dor social.
A dor é sintoma do corpo, é o corpo pedindo para que algo seja feito, algo seja mudado.
Nascemos da dor, da dor do outro e não conseguimos em meio a nossos compromissos
sociais, em meio aos padrões sociais construídos nos importar com essa dor.
Por que essa dor é invisível? Por que essas pessoas são invisíveis?
Como essa invisibilidade é construída todos os dias?
As pessoas às quais me refiro, são pessoas que fogem de uma padrão que nos é colocado
dentro do contexto da sexualidade, as lésbicas, os gays, as pessoas trans, os bissexuais.
Quando digo “de um padrão que nos é colocado”, falo de um meio social do qual fazemos
parte, uma comunidade que se ergue através de pessoas que formam instituições de
relações sociais. A família, a escola, o mercado de trabalho, as religiões, as relações
interpessoais, as ciências jurídicas, a medicina, a economia são instituições de poder de
controle social, que regem, vigiam, nossos corpos e comportamentos diariamente através
de um padrão visto como aquele “normal” a se seguir.
Todas partem de uma forma organização social suprema, que seria o patriarcado, sendo
submissas a esse poder primário que traz a figura masculina compreendida como centro
dessas instituições.
Por que tal afirmação?
Esse sistema nos trouxe figuras representativas do meio. Nos desenhou então masculino
imponente e sagrado feminino que representariam assim todas essas instituições.
Vivemos uma norma binária e rígida, o homem e mulher construídos socialmente para
que sejam opostos complementares, cada um com papéis sociais trazidos como naturais.
Logo, a vivência sexual e de afeto, a identidade do gênero e seu papel social deve-se
enquadrar dentro de norma masculina OU feminina, sendo a heterossexualidade
considerada como a única orientação sexual normal para que seja então legitimados a
viver no meio social.
A preocupação não é sobre o que causa a heterossexualidade, o que causaria a
homossexualidade nos indivíduos, e sim ao invés disso com o problema de por que e
como nosso cultura privilegia uma e marginaliza – quando não discrimina – a outra. E
por que a sexualidade do outro nos importa tanto e sua dor não?

Foucault traz uma reflexão sobre a regulação social, onde o dispositivo sexual está
intimamente ligado com uma análise que ele faz do desenvolvimento daquilo que ele ver
como “sociedade disciplinar”, descrevendo-a como uma sociedade vigilante e de controle
que ele descreve em Vigiar e Punir(1977).
Esse poder não vem como força negativa de proibição (não deverás), mas como força
positiva preocupada com administração e o cultivo da vida (“você deve fazer isso ou
aquilo”). Ele denomina esse fenômeno social de bio-poder, onde a sexualidade tem papel
crucial. Aqui o sexo tem um papel central do acesso à vida da espécie e do corpo, logo
haverá uma regulação tantos nos corpos individuais quanto do comportamento da
população (o corpo político) como um todo.
Na medida em que a sociedade se “preocupa” cada vez mais com a vida de seus membros,
pelo bem da uniformidade moral, da prosperidade econômica, da segurança nacional ou
da higiene e da saúde – ela se tornou cada vez mais preocupada com o disciplinamento
dos corpos e com a vida sexual do indivíduo dando lugar à métodos na administração
desse meio, em esferas da medicina, da legalidade, da moral construída de princípios que
afastam a dignidade da pessoa humana e aproximam mais de uma moralidade higiênica
e perversa que conserve um seleto grupo, tudo isso em favor de um bem estar mascarado
socialmente, mas que bem estar sirva como perpetuação a um sistema maior que organiza
tudo isso, o patriarcado, o machismo e outras várias formas de violência sustentado pelo
poder.
Então, tudo isso que comentei trata-se de como a sexualidade é tema tabu e marginalizada,
quando não se trata de sexualidade voltada para a ordem construída como natural do sexo
homem e mulher.
Todo as formas regulação do corpo no meio social trazem então consequências de
isolamento daquele ser que não é compreendido e que precisa obedecer tais normas para
que seja ouvido. Todo adolescente irá passar por esse momento da chegada dos
hormônios e se isso não for discutido como natural, não importando pra onde o desejo
dele irá apontar, haverá violência repressiva de um indivíduo no seu próprio meio.
O armário é o isolamento, exclusão, colo não encontrado, espaço que lhe foi cerceado pra
acumular dores e feridas, para que estas ficam guardadas e não sejam colocadas em
nenhum momento naquele meio social.
Quando o meio social e eu digo, escolas municipais, estaduais, família, mercado de
trabalho, religiões, relações interpessoais, definem nosso quando e onde sexual filtram
regras de decência a partir de um vocabulário autorizado pelos mesmo estabelecendo
regiões de silêncio e abandono, não acolhimento e sofrimento.
Camilla Doudement Oliveira
- “Matei por que não gosto de homossexual” (Ana Sophia 16 anos, mulher trans
assassinada a tiros- Joao Pessoa, Paraíba)
- “Prefiro um filho morto do que veado” (Itarbelly Lozano, 17 anos, gay, esfaqueado e
incinerado pela mãe- Cravinhos, interior de SP)
- “Prefiro um filho bandido do que um filho veado” (Manoel Lourenço, 27 anos, gay,
Assassinado a golpes de facão – Curral Velho, Paraíba)
- “Vira Homem Porra” – (Alexandre Ivo 14 anos , sequestrado, torturado e assassinado –
São Gonçalo, Rio de Janeiro)
- “ISSO É FALTA DE PORRADA NA INFÂNCIA” ( Alex Medeiros, 8 anos, espancado
até a morte pelo pai – BANGU , Rio de Janeiro )

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