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ANTROPOLOGIA DA MÚSICA
PROF(s).: TIAGO CARVALHO E IRATAN
UM POUCO DE CANTORIA!
AS RELAÇÕES NO REPENTE CONTADO POR UM CANTADOR.
“Poetas populares, que viajavam com a viola nas costas para cantar os
seus versos. Eles podem aparecer em diversos gêneros pelo Brasil:
trova gaúcha, calango (Minas Gerais), cururu (São Paulo), samba de
roda (Rio de Janeiro) e repente nordestino.”
Por ter sua forma de exposição com características nômades, um dia, a cantoria
(como também era chamado os encontros para fazer repente) acontecia na fazenda de
um determinado coronel, outro dia, na casa de outro determinado apreciador, assim por
diante e também pela pouca instrução dos repentistas (também chamados de cantadores)
se tem poucos registros das obras, da forma de fazer repente e de fatos históricos
relevantes a este respeito.
Hoje já se reconhece, através da Lei 12.198 de 14 de janeiro de 2010, a atividade
de repentista como profissão, como diz em seus artigos 1º e 2º:
“Lei 12.198/10
Art. 1º - Fica reconhecida a atividade de repentista como profissão
artística;
Art. 2º - Repentista é o profissional que utiliza o improviso rimado
como meio de expressão artística cantada, falada ou escrita, compondo
de imediato ou recolhendo composições de origem anônima ou da
tradição popular; (Fonte: blog do deputado Federal André de Paula).”
Contudo este artigo não pretende ter esta característica, de buscar subsídios
históricos para contar uma história ainda muito a ser explorada. Apenas tem a humilde
intenção de acrescentar mais um pedaço de conhecimento especifico ao “bolo” que é a
história do repente. Lembranças e histórias de um representante do repente. Um
cantador que vem aqui contar sua experiência com este gênero musical, mas que mais
que isso, vem situar fatos históricos, comportamentos, entretenimento, enfim um
contexto cultural de um povo, que está intrinsecamente arraigada ao processo e ao fazer
repente.
Entendendo o repente:
Metodologia da pesquisa:
Objetivo:
Os violeiros não tinha muito conhecimento de teoria, notas, alturas, tudo era na
base do ouvido. O cantador baseava o som das últimas silabas do verso com o som da 5ª
dupla de cordas, onde anteriormente, ele já as havia afinado, com a altura de conforto de
sua voz. Por vezes alternava, ao cantar, as cordas soltas, com uma posição apertada no
meio da regra (braço do violão) que ao seu ver também combinava com o som da sua
voz e os solos eram executados, pelos bons, com bastante precisão, porém feitos
puramente de ouvido. Mas em contrapartida o conhecimento de muitos e variados
assuntos eram necessário para a destreza do improviso. Engana-se quem pensa que os
violeiros eram pessoas rudes e ignorantes. Como disse o cantador João Tobias: “a gente
lia tudo que era importante. Os cantadores bons tinham que ler muito!”
Conhecimentos de fé, religiosidade, costumes, valores, causos, piadas, não eram
suficiente. Os repentistas também liam livros de geografia, história, romances (Iracema-
José de Alencar), a própria Bíblia, e muito cordel, que era uma base às vezes até de
estudos da métrica. Por isso, inclusive, musicavam muitos cordéis.
¹. “A viola é afinada com nossa altura de cantar.” (Poeta João Tobias). A afinação da viola no repente é diferente da afinação da
viola caipira. É feita da seguinte forma: numa viola de 10 cordas a 1ª dupla é formada por duas cordas SI (2ª), a segunda dupla de
cordas são formadas por duas cordas MI (1ª), a 3ª dupla de cordas SI (2ª), novamente, a 4ª dupla é composta por uma LA (5ª) e uma
MI (1ª), afinados na mesma altura e a 5ª e última dupla, que, inclusive, é por onde se começa a afinar a viola, é formada por uma
corda MI (6ª) e uma MI (1ª), afinadas também na mesma altura. Tendo como diapasão a zona de conforto da voz do violeiro.
“Cantador tem que cantar olhando para o público, por isso
precisava decorar os cordéis” (Poeta João Tobias).
O repentista era considerado uma personalidade importante para o povo. Por isso
muitos tinham fama, com várias cantorias já agendadas. Onde usavam as rádios para
divulgar suas apresentações. Ao chegar nas casas e nas fazendas eram recebidos com
pompa, onde era lhes oferecido comida boa e farta e pousada, para que a noite
pudessem cantar suas histórias e as histórias de quem estava ali a pedir. De noite
sentavam no centro da sala e todos os escutavam por horas em silêncio, interrompido só
por quem queria ouvir suas história improvisada na boca dos repentistas e eram muitos
que se propunham a dar a deixa. Sendo assim, numa noite era possível se ouvir muitas
histórias cantadas, que eram senão histórias de todos que estavam ali a ouvir e por que
não dizer a ajudar a contar também cada história, claro com anuência e precisão destes
mestres da rima que são os repentistas.
“A gente pedia licença ao dono da casa e saúdava o público
já cantando.” (Poeta João Tobias).
Nos espaços públicos e nos festivais chegavam a ter lotações de público de 100,
200 ou até 500 pessoas ou até mais nos casos dos festivais onde compareceriam, 5000 a
6000 pessoas e até 208 cantadores, em mais de três dias de festa. Além disso claro,
aconteciam também as cantorias nas casas dos admiradores, que também não deixavam
de ter participação assídua da população vizinha. O que era melhor para estes poetas,
pois o dinheiro que ganhava vinham das contribuições das pessoas ali presente que
depositavam suas gorjetas numa bacia (vasilha de plástico redonda ou de metal) logo à
frente dos cantadores, que ao encher, eles espertamente guardavam na bolsa da viola e
repunham a bacia no lugar para mais contribuições. E não pense que eram poucas não,
assim como as participações nos mote, as contribuições eram generosas como o que
corroborando aqueles versos cantados que fazia uma relação direta com o introspecto do
público ouvinte/participante. Que nos romances choravam e nos martelos, mourão,
desaforo, que eram rixas entre os violeiros, se esbaldavam de rir. O que pode se dizer e
o cantador João Tobias concordou, que o repente ditava moda e cultura. Inclusive
percebendo esta influência, a arquidiocese de Fortaleza, capital do Ceará, organizava
grandes festivais de violeiros onde os assuntos cantados eram os evangelhos.
Os repentistas cantavam sobre política, amor, saudade, abandono de filho, fé,
festas populares, como vaquejada e reisado, geografia, como baias hidrográficas, faróis,
portos e várias outras histórias, principalmente histórias de quem estava ali a assistir. O
cantador, junto com o seu parceiro, tinha uma relação intima com o público, como se
todos falassem a mesma língua, a linguagem do repente.
Nenhum assunto e nenhum mote causava medo ao repentista e o público não se
contentava enquanto não ouvia as histórias, causos e peripécias do dia a dia,
representadas nos versos do repente. Muitas destas histórias incitadas pela própria
plateia. Como num jogo de ping-pong, um bate rebate salutar, uma troca pouco vistas
nas formas musicais atuais, em que um violeiro compreende o outro e se faz
compreender ao mesmo tempo e os dois, ou um, quando a cantoria era feita com apenas
um, entende o plateia e esta interage com os repentistas, fechando um círculo de
relações peculiar deste tipo de expressão musical.
O repente é um gênero musical que não depende só do brilhantismo “intelectual”
dos repentistas, ele é feito também, a partir e para o público, atendendo os anseios de
pessoas que veem no repente uma forma de se socializar, porém feito, diferentemente de
outros gêneros musicais, de maneira mais consistente e eloquente, eu diria até
intransigente, pois se alimenta, necessariamente das histórias de vida das pessoas
envolvidas no repente, tanto na bagagem de experiências dos cantadores como das
facetas cotidianas e, às vezes, até criadas, da plateia.
Para o repente acontecer é necessário que se entenda, que além do fazer artístico
musical, além da beleza da poética cantada, ali, naquele momento, vai,
impreterivelmente, se estabelecer uma relação de conivência, de sociabilidade entre as
pessoas envoltas na simples complexidade de fazer repente.
Conclusão:
Referências:
Napolitano, Marcos; História & música, história cultural da música popular; Belo
Horizonte: Autêntica, 2002