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SABERES E PRÁTICAS DE UM PROFESSOR DE MATEMÁTICA

YOUTUBER: CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS EM UMA VIDEOAULA


POLÊMICA
Profª. Ms. Andréa Thees
Programa de Pós-Graduação em Educação da Unirio – PPGEdu
andreathees@gmail.com

Profª. Drª. Maria Auxiliadora Delgado Machado


Programa de Pós-Graduação em Educação da Unirio – PPGEdu
dora.dm@gmail.com

Profª. Drª. Maria Cecilia Fantinato


Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF – PPGE
mcfantinato@gmail.com

Objetivo:
Na Educação de uma sociedade midiatizada, a comunicação por meio do audiovisual se
incorpora, cada vez mais, às práticas pedagógicas dos professores das diversas áreas, em
especial, na Educação Matemática. Neste trabalho, apresentamos um recorte de uma
pesquisa de doutorado, na qual se investiga os saberes e práticas de um professor de
matemática youtuber. Procuramos refletir sobre novas formas dialógicas originadas a partir
de uma videoaula concebida e produzida por um professor de matemática e compartilhada
no seu canal no Youtube®, denominado MatemáticaRio. Esse tipo de comunicação
acontece no mundo virtual entre os usuários e participantes de uma comunidade e pode ser
considerado um novo gênero discursivo se pensarmos a internet como fundadora de novos
mecanismos de expressão verbal e como uma nova ferramenta de construção de sentido.

Metodologia:
O referencial teórico, que embasa a pesquisa de doutorado, fundamenta-se nos estudos
sobre as práticas profissionais de professores de matemática de Ponte (2014) e Fiorentini e
Nacarato (2005), em suas dimensões crítica, conforme sugere Skovsmose (2013),
emancipadora e dialógica, segundo Freire (1996), e alinhada à perspectiva sociocultural de
D’Ambrosio (2011). Para este recorte, percebemos a necessidade de aprofundamento e
utilização de alguns conceitos de Bakhtin (1997, 2014), Brait e Melo (2008), e Araujo
(2008).
Os estudos dos gêneros discursivos de Machado (2008) também se mostraram relevantes,
pois reforçam a abertura conceitual de Bakhtin sobre gêneros discursivos como formas
comunicativas, adquiridas nos processos comunicativos e que devem ser dimensionados
como manifestação da cultura.
Nesse sentido, esta abordagem permitiu que várias das formulações bakhtinianas fossem
consideradas convergentes ao campo da comunicação de massas ou das modernas mídias
digitais.

Resultados:
A videoaula analisada foi postada no canal MatemáticaRio após a exibição ao vivo, pela TV
Senado, da presidenta Dilma Rousseff tentando explicar a exigência de 30% de
investimento da Petrobrás no Pré-sal, indicando que o lucro seria de 25% a 30% do
investimento de 30%, ou seja, poderia variar de 7,5% a 12,5%. Apesar de se enganar em
relação à faixa de variação, pois 30% de 30% resultariam em 9%, é preciso ter em conta o
contexto social em que se dava esse discurso e as suas relações tempo-espaço (Bakhtin,
2014; Machado, 2008).
Como nos reforça Araujo (2008, p. 120), o mundo virtual proporciona acesso rápido às
informações, criando condições específicas para desenvolvimento de um determinado
gênero e, rapidamente, o trecho viralizou nas redes sociais, dando origem a outros gêneros
discursivos, como a vídeo-montagem, postagens cômicas, textos jornalísticos e memes.
Em resposta à polêmica, a videoaula intitulada “A MATEMÁTICA DA DILMA” foi
produzida para explicar a assertividade do raciocínio da presidenta, e publicada no canal
com a pergunta: “Será que Dilma se enrolou ao falar sobre porcentagem?”.
Brait e Melo (2008, p. 69) nos chamam atenção para o elemento título, que “é, sem dúvida,
um enunciado que se coloca como porta de entrada para um outro texto, um outro
enunciado”. Portanto, chegar ao enunciado principal exige compreensão do que o título
tenta resumir. Aqui, o enunciado de partida auxilia a busca na internet, sugerindo os
conteúdos mais populares aos usuários e palavra “Dilma” no título pode ter levado a
videoaula ao lugar de destaque no Canal MatemáticaRio, tendo sido responsável pela sua
viralização.
A tabela a seguir contém dados comparativos com outras videoaulas postadas no mesmo
período.
Relação dos vídeos postados em agosto/2015
Títulos Visualizações Comentários
O QUE MAIS CAI NO ENEM EM MATEMÁTICA? 68.267 133
AO VIVO - Últimas Questões Secretas do ENEM 27.992 158
PROCOPIO AO VIVO - Testando a Internet 3.590 100
Você Resolve o Desafio do James Grime do Numberphile? 14.348 108
Série SESI Matemática - Esportes & Trabalho 11.149 24
A MATEMÁTICA DA DILMA - 30% de 25% = ??? 142.160 647
ENEM PPL 2015 - Interpretação de Gráfico 11.117 44
ENEM PPL 2015 - Expressão Algébrica 7.347 64
ENEM PPL 2015 - Função Trigonométrica 14.726 64
Tabela 1: elaborada pelas autoras
Fonte dos dados: Canal MatemáticaRio – dados coletados em 10 jan 2017
Para coletar estes dados, utilizamos a sistemática de classificação disponibilizada pelo
YouTube, verificando que a videoaula ocupava o 34º lugar num total de 1.334. Isto pode
ser um indício de que as palavras-chaves utilizadas em títulos nos gêneros discursivos
digitais possuem outra função além de um enunciado. Assim, elaboramos dois gráficos
comparativos considerando as visualizações das videoaulas publicadas em agosto de 2015 e
os comentários dos internautas.
Gráfico de visualizações das videoaulas postadas em agosto/2015

Gráfico 1: elaborado pelas autoras


Fonte: Canal Matemática Rio – dados coletados em 10 jan 2017

Gráfico do número de comentários postados a partir de agosto/2015

Gráfico 2: elaborado pelas autoras


Fonte: Canal Matemática Rio – dados coletados em 10 jan 2017
O número de visualizações e a quantidade de comentários demonstraram o alcance desta
videoaula, nos levando a questionar se poderíamos entender melhor este fenômeno através
da perspectiva de Bakhtin, analisando alguns comentários a partir das reflexões sobre a
linguagem e discursos contemporâneos.
Conforme Bakhtin (1997, 2014), (Brait e Melo, 2008), Machado (2008) e Araujo (2008), no
caso apresentado existem gêneros secundários, representados pelas gravações da audiência
da presidenta no Senado e da videoaula sobre porcentagem pelo professor, em
transformação e interação mútua com gêneros primários, que seriam os comentários. Para
investigar a construção de sentidos da atividade verbal que se estabeleceu a partir da
publicação da videoaula, selecionamos os principais comentários usando uma ferramenta
disponível no site YouTube.
Foram extraídas do canal as únicas quatro declarações do professor. Como o criador de
conteúdo pode fixar seu comentário favorito no topo do feed de notícias, presumimos que
seja este o motivo para o primeiro comentário ser do professor. Ele aproveita para
esclarecer seu posicionamento e repete o que já havia dito ao finalizar a videoaula,
acrescentando “qualquer coisa avisem que eu desenho”:

Abaixo deste comentário, existem treze respostas que intentam continuar polemizando o
debate, contudo sem utilizar adequadamente a retórica da argumentação.
Nesta segunda intervenção, existe uma tentativa do professor de reforçar sua perspectiva,
que inicialmente parecia ser suficiente, mas não. No último enunciado concreto, fica claro
não haver intenção de continuar ao escrever “espero que tenha entendido”.
A última intervenção é uma reposta ao comentário de um participante que defende
posicionamento do professor, usando de ironia ao destacar certos julgamentos da
comunidade virtual. Segue-se uma discussão sobre esquerda e direita, que representa bem o
momento político e o contexto em que se deu o impeachment da presidenta.

Entre um e outro comentário do professor, apenas quatro no total, podemos inferir que o
contexto histórico-social, o qual está sendo atravessado pela sociedade brasileira, vem
dificultando algumas práticas pedagógicas, em especial, em relação à interação e
dialogicidade. Independente do contexto educacional, presencial ou virtual, nota-se muita
intransigência em aceitar posicionamentos diferentes ou opostos ao individual.
Nesta análise, fui possível observar que um determinado conteúdo disponibilizado na
internet, em um canal de videoaulas, suscitou equivocadas opiniões e impediu que a relação
entre locutor e receptor se desdobrasse na forma de aprendizado mútuo.

Conclusão:
Na contemporaneidade, a cultura midiática nos desafia a compreender nosso papel como
seres humanos criadores de si e do mundo, e também como educadores. Apesar de existir
certa facilidade na criação de espaços educativos virtuais, como é o caso dos professores
que possuem canais no YouTube, páginas no Facebook, blogs e sites, buscando aproximar
a relação professor-aluno, estes espaços também implicam no reconhecimento do outro
com ética e respeito. Sem isto, o espaço virtual torna-se árido e desconectado em seus
propósitos.

Referências:
ARAUJO, L. M. B. M. YouTube: uma nova ferramenta para construção do sentido?. In:
CASSASSOLA et al. Janelas bakhtinianas: refrações, reflexões e rascunhos. São Carlos: Pedro
& João Editores, 2008. p. 117-127.

BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal. 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 277-326.

_________. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método


sociológico da linguagem. 16 ed. São Paulo: Hucitec, 2014.

BRAIT, B. e MELO, R. Enunciado/enunciado concreto/enunciação. In: BRAIT, B. (org.)


Bakhtin: conceitos-chave. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2008. p. 61-78.

D’AMBROSIO, U. Educação para uma sociedade em transição. 2 ed. Natal: EDUFRN, 2011.
258 p.

FIORENTINI, D.; NACARATO, A. M. Orgs. Cultura, formação e desenvolvimento profissional


de professores que ensinam matemática. São Paulo: Musa Editora; Campinas, SP: GEPFPM-
PRAPEM-FE/UNICAMP, 2005. 223 p.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz
e Terra, 1996. 148 p.

MACHADO, I. Gêneros discursivos. In: BRAIT, B. (org.) Bakhtin: conceitos-chave. 4 ed.


São Paulo: Contexto, 2008. p. 151-166.

PONTE, J. P. Org. Práticas profissionais dos professores de Matemática. Portugal: Editora do


Instituto de Educação de Lisboa, 2014. 542 p.
SKOVSMOSE, O. Educação matemática crítica: a questão da democracia. Campinas, SP:
Papirus, 2013. 160 p.

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