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Cai Gen Tan

Falando Sobre as Raízes da Sabedoria


HONG YINGMING 洪應明
CAI GEN TAN 菜根譚
FALANDO SOBRE AS RAÍZES DA SABEDORIA

Tradução de:
André Bueno

Revisão e Edição de:


Shén Lóng Fēng

2017
Dedicado a todos os buscadores da verdade e a todos os seres sencientes.

Essa tradução tem por guia a de Alfonso Araujo, 2002.


Nota sobre o Projeto Luz do Oriente

21 de dezembro de 2017:

O Projeto Luz do Oriente visa difundir a sabedoria oriental no Brasil por meio da
produção de PDFs em qualidade, com tradução e revisão de textos, clássicos e modernos,
fundamentados, de alguma forma, na sabedoria oriental. Contudo, não significa, que vez
ou outra, venha a se produzir-se algo fundamentado na sabedoria ocidental.

O projeto surgiu após, ao buscar pela obra Tratado do Vazio Perfeito de Lie-Tzu
(uma das principais obras da tradição Taoísta), perceber-se a escassez de livros e
traduções bem-feitas e fidedignas sobre tais temas. Assim, a primeira produção foi o PDF
“Tratado do Vazio Perfeito - Lie-Tzu”.

Atualmente há um número razoável de obras a serem revisadas e editadas na lista,


sem considerar aquelas que nos deparamos pelo caminho de maneira, aparentemente,
acidental. Por isso, peço a todos aqueles que desejam receber as obras, de maneira a não
perder nenhuma, entre no grupo do Projeto Luz do Oriente no Facebook. De qualquer
maneira, esforçar-me-ei por difundi-las em outros grupos no Facebook, tornando-as
acessíveis a todos. Todas as obras devem ser distribuídas gratuitamente.

Peço, humildemente, que difundam tais obras, preciosas demais, para


permanecerem desconhecidas. Assim poderemos, juntos, contribuir na evolução de todos
aqueles que buscam a verdade e têm fome de sabedoria.

- Shén Lóng Fēng


Nota de Revisão

O presente texto é uma tradução de André Bueno e foi obtido no site


http://sinografia.blogspot.com.br/2012/07/cai-gen-tan-falando-sobre-as-raizes-da.html.
André Bueno é um sinólogo, entre outras coisas, e coordena o Projeto Orientalismo. Em
seu site, http://orientalismo.blogspot.com.br/, podem ser feito diversos download de
livros de sua autoria, existe muita coisa e, com certeza, não se arrependerá de entrar no
site.

- Shén Lóng Fēng

Imagem da capa por Hu Shuang'na (1916-1988)


PREFÁCIO

O Cai Gen Tan 菜根譚 [1] foi escrito no século 16 pelo erudito Hong Yingming 洪
應明 (ou Hong Zicheng 洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming 大明
(1368-1644). Apesar de ter escrito vários outros textos, com certeza foi o Cai Gen Tan
que teve maior destaque na obra de Hong. O título é de difícil tradução: literalmente, ele
significaria algo como ‘Discurso sobre as raízes dos vegetais’. Hong buscava estabelecer
uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época:
Confucionismo, Taoísmo e Budismo Chan (Zen). Para que as ‘raízes’ das três
frutificassem, portanto, precisavam ser cultivadas no íntimo do ser humano. Daí, pois, a
opção (liberal, admito) por traduzir o livro com o título de ‘Falando sobre as raízes da
Sabedoria’. Manter a tradução literal do mesmo seria, para nós, quase incompreensível.

O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os


mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas
(tivesse ele colocado mais cinco aforismos, e eu sugeriria que fosse lido um por dia, ao
longo do ano...). Hong teria seguido à risca a proposta que ele mesmo apresentou no livro:
uma vida simples, desprendida, longe das convenções e dificuldades representadas pelo
cotidiano. A prova disso é o quase total desconhecimento de informações sobre sua vida.
Muitas suposições (e poucos dados) apontam que Hong tenha vivido o curso de sua
existência discretamente. A partir do livro, pois, é que podemos compreender um pouco
mais sobre seus pensamentos.

[1]
Pronúncia aproximada em português: ‘Tsai Guen Tan’.

O Cai Gen Tan está estruturado, como dissemos, nos três grandes ensinamentos:
o Confucionismo 儒家, o Taoísmo 道家 e o Budismo 佛教 Chan 禅 (em japonês, Zen).
Hong organizou seus aforismos em torno de alguns aspectos principais:

- A importância da Educação: a busca de uma vida correta se


centra no ideal do Junzi 君子, o ‘Educado’ confucionista. Estudar

1
学 e educar-se 教 são fundamentais para compreender o Caminho
(Tao 道 ), e para adquirir as habilidades sobre uma vivência
correta. Estudar, na visão de Hong, inclui não apenas os clássicos
confucionistas, mas também, os textos taoístas e budistas.

- A ‘Não-ação’: contudo, a busca constante pela perfeição moral,


e pelos ganhos do mundo cotidiano se constitui um erro. O estudo
precisa ser contrabalanceado pela ação isenta, ou ‘Não-ação’ (Wu
wei 无为), conceito fundamental do pensamento taoísta. A ação
isenta de propósitos artificiais permitirá um retorno à nossa
‘natureza original’ (Ziran 自然), na qual o ser humano alcança a
verdadeira harmonia com a natureza e consigo mesmo.

- Desprendimento, meditação e contemplação: ainda assim,


desprender-se do mundo humano não leva ao aperfeiçoamento da
mente e da alma. Afinal, pode-se fugir para o meio do mato, e
continuar com as mesmas tensões de sempre. Essa interiorização
meditativa é trazida pelo aspecto budista da obra. Hong insiste na
necessidade da contemplação e na meditação para alcançar o que
ele chamava de uma ‘verdadeira essência das coisas’ (o Li 理, ou
princípio das coisas). O Budismo de Hong é, claramente, o Chan
禅 (ou Zen), cujo impacto da meditação ativa e do
desprendimento são características marcantes. O controle da
Mente é fundamental na proposta da vida ideal.

Hong, porém, balanceava todas essas coisas. Seu sábio ideal bebe, canta, estuda,
passeia pelos bosques, mas sabe também agir em meio à multidão. Ele medita, contempla
a natureza, adora a Lua, a simplicidade, o despojamento, mas conhece as armadilhas do
mundo material. Os aforismos do livro se dirigem, portanto, a necessidade de cuidar com
as ilusões da vida. Em alguns trechos, o livro nos aconselha a pensarmos na morte, e
encararmos a vida como algo passageiro. Se bem compreendidas, essas passagens nos
esclarecem que a vida é curta demais, e que deve ser vivida de modo feliz; e para se
alcançar essa felicidade, seria importante retornar à simplicidade.

2
Por fim, a mentalidade presente no Cai Gen Tan é um produto típico do
pensamento chinês que busca, na síntese das ideias, a harmonia das visões de mundo.
Para um pensador típico dessa civilização, Confucionismo, Taoísmo e Budismo são
visões incompletas do todo; são, justamente, Caminhos (Tao 道) para se alcançar a
Harmonia 和 (ou, ‘Equilíbrio’). Todavia, cada uma dessas propostas foca em um aspecto
determinado, e disso resultam suas incompletudes. Durante séculos, diversos pensadores
chineses se debruçaram sobre o problema de como aproveitar os melhores aspectos, de
cada uma das três grandes linhas, em um único sistema coerente. Hong nos oferece, no
livro, sua visão das coisas. Ele viveu num momento histórico em que a economia chinesa
era uma das maiores do mundo, e a ideologia da riqueza fácil pulsava em meio à
sociedade. Por isso, existia uma grande preocupação entre os intelectuais chineses quanto
à degradação de sua cultura e dos valores morais e sociais. A queda da dinastia Ming, em
1644, é em parte atribuída, pelos historiadores tradicionais chineses, a essa crise moral
que assolou uma China rica, poderosa e, porém, corrompida.

É costume afirmar que o Cai Gen Tan não foi muito lido na China, mas isso não
me parece exato. Apesar de ser razoavelmente divulgado, o livro não fazia parte dos
cânones tradicionais das três grandes escolas (Confucionismo, Taoísmo e Budismo). Esse
era o custo de Hong Yingming ser um pensador independente. Sabemos que ele era lido
pelos intelectuais chineses da época, sendo citado, ocasionalmente, em um ou outro texto;
todavia, era um escrito que encontrava mais ressonância no leitor comum, interessado em
aprender um pouco mais sobre sabedoria.

Foi no Japão que o livro encontrou a sua total redenção. O Sankontai (pronúncia
japonesa) se tornou um absoluto sucesso, por conta de sua simplicidade e elegância. Os
japoneses apreciavam bastante o livro, por entender que ele resumia, de maneira direta e
profunda, os ensinamentos das três grandes escolas. Contudo, o Sankontai fazia mais: ele
se tornara um guia para a vida cotidiana.

3
Passados quase quatrocentos anos, o livro continuou a ser um dos clássicos mais
admirados e consultados pelos japoneses. Foram eles, de fato, que ajudaram em sua
divulgação maciça no Ocidente. Falando sobre as raízes da sabedoria é um dos textos
preferidos no país, sendo amplamente citado e utilizado na educação, no pensamento e
no trabalho. De fato, essa ampla divulgação reascendeu o próprio interesse chinês pela
obra.
§

Quanto às traduções, podemos encontrar um bom número delas em outros idiomas


– principalmente em inglês, mas existem duas boas em espanhol. Essa é a primeira
tradução que tenho notícia em português. Como sempre, pode-se optar por dois tipos de
tradução: uma mantém a estrutura original do texto, incluindo as imagens poéticas e a
terminologia específica do mesmo. Exemplo: usar o termo original chinês ‘dez mil
coisas’, que significa ‘tudo’. Na maior parte dos casos, preferi usar essa opção, para
familiarizar o leitor. O outro modo de se traduzir é ‘transcriar’ a passagem, empregando
um termo que corresponda ao sentido original. Exemplo: traduzir ‘as dez mil coisas
abaixo do Céu’ simplesmente como ‘mundo’. A questão é que, em alguns casos, Hong
variava o uso das expressões. Acoplar sentidos é uma opção do tradutor, do qual me valho
ocasionalmente quando vejo que o texto fica incompreensível. Contudo, entendo que a
‘tradução do sentido’ deve ser uma opção, quando não há solução viável, e não uma regra.
Se assim fosse, a compreensão do livro seria dada por minhas interpretações pessoais, o
que acaba sendo um tanto problemático e limitador. Por outro lado, toda tradução não
deixa de ser um conjunto de opções do tradutor. Então... decidi, por fim, manter sempre
que podia o mais próximo do original, e adaptar quando necessário.

Em comparação com outras traduções, essa versão em português parecerá, assim,


simplista e direta. Entendo que esse era o estilo de Hong. Como dizia Confúcio, o ‘sábio
não maltrata nem as pessoas nem as palavras’. Hong assimilou isso perfeitamente, e
escreveu em aforismos curtos, belos e elegantes. Porque gastar palavras demais?

André
安书
2012

4
O TEXTO

1.
Aquele que preserva sua virtude, sofre de solidão.
Aquele que vive atrás do poder e da riqueza, sofre uma miséria sem fim.
Aquele que aspira a verdade, e vê além das coisas materiais, prefere sofrer de solidão, e
evitar a miséria sem fim.

2.
Quem experimenta as coisas do mundo de modo superficial, traz consigo as marcas da
superficialidade; quem conhece as tramas da vida, vive da astúcia.
Quem busca virtude, prefere a simplicidade ao invés da astúcia; e se desfaz das coisas, ao
invés de ficar preso a elas.

3.
O coração do virtuoso é claro como céu azul, e ele não é mal interpretado.
Os talentos de um virtuoso devem ser como jades e pérolas ocultas, de modo que eles não
sejam facilmente conhecidos.

4.
Quem não está perto do poder e de seus luxos é limpo; quem está perto, mas não se
contamina, é mais limpo ainda.
Quem não conhece as artimanhas do mundo é nobre; mas quem as conhece, e não as usa,
é mais nobre ainda.

5.
Escutamos com frequência palavras desagradáveis, nossa mente é incomodada por
provocações, e nossa conduta moral é criticada como uma pedra de afiar facas.
Se tudo que escutássemos fosse agradável, e se tudo que víssemos fosse conveniente, isso
seria como afogar-se em vinho venenoso.

5
6.
Com ventos ruins e chuvas fortes, as aves se cansam; com sol forte e brisas suaves, a
vegetação floresce.
Assim, no mundo não há um só dia que seja desprovido de paz, como no coração das
pessoas não deve haver um só dia desprovido de alegria.

7.
As melhores bebidas, e as comidas mais saborosas, não contêm o sabor verdadeiro; o
sabor verdadeiro é insípido.
O fazedor de prodígios não é verdadeiramente um sábio; o sábio vive em paz no dia-a-
dia.

8.
O mundo parece parado, mas suas partes se movem; sol e lua se mexem com rapidez, dia
e noite, e brilham sempre.
Assim o sábio, quando não está ocupado, cuida com o que pensa; e quando está ocupado,
fica em paz.

9.
[2]
Nas profundezas da noite o sábio, só e quieto, senta-se e esquece-se. Então, os
pensamentos impróprios desaparecem, e os verdadeiros permanecem. Quando termina,
deleita-se com sua inspiração interior; mas, se de algum modo, ainda restar qualquer
pensamento impróprio, ele sente um grande incômodo, e envergonha-se de si mesmo.

[2]
Referência a meditação.

10.
A sorte pode trazer calamidades; em tempos de alegria, reflita sobre o futuro.
Depois de uma derrota, pode vir a vitória; mas para isso, pondere sobre o que preocupa o
coração, antes de eliminar a causa.

6
11.
Aqueles que comem e bebem, de modo simples, são claros como gelo e puros como jade.
Aqueles que usam roupas finas, e comem sofisticadamente, encontram deleite na
adulação de seus escravos.
As aspirações nobres vêm da pureza do coração, e a virtude pode ser alcançada
abandonando-se os prazeres materiais.

12.
Seja reservado, mas também tolerante e generoso, e as pessoas não ficarão ressentidas.
Assim, suas obras durarão muito tempo, e as pessoas o recordarão com saudade.

13.
Dê um passo atrás, e deixe passar aquele que está no seu caminho.
Essa é uma das condutas sociais mais agradáveis e seguras.

14.
Para viver de modo verdadeiro, não é preciso nenhum talento; apenas abandone os
sentimentos vulgares, e isso a tornará uma pessoa autêntica.
Para seguir nos estudos, não é preciso nenhuma habilidade especial: apenas afaste as
preocupações que o perturbam, e isso o aproximará do mundo dos sábios.

15.
Para fazer amigos, precisa-se de certa cortesia.
Para fazer-se verdadeiro, necessita-se de um coração puro.

16.
Não se adiante aos outros para receber favores e benesses; não recue por agir de modo
correto; não se exceda na sua posição; não aceite favores; não se detenha num problema
até esgotar o seu talento.

17.
Ao conduzir o povo, o sábio é respeitoso e deixa a passagem livre. Ele dá um passo atrás,
para depois avançar resoluto. Tratar as pessoas generosamente é parte da própria
felicidade, e ajudar aos outros é ajudar a si mesmo.

7
18.
Todos os méritos e conquistas podem ser arruinados com apenas uma palavra desastrosa;
Todos os crimes e pecados podem ser absolvidos com apenas uma palavra de
arrependimento verdadeiro.

19.
Uma boa reputação e uma moral elevada não devem servir somente a si mesmo, mas
devem ser compartilhadas; assim, afastam-se os perigos.
Uma má reputação e uma conduta vergonhosa não devem afetar aos outros, senão a si
mesmo; assim, se ocultam os talentos e se cultiva a virtude. [3]

[3]
No caso, a má reputação não é causada, necessariamente por um defeito moral da pessoa: ele pode ser
vítima de uma intriga, e por isso, deve resguardar-se.

20.
Em tudo que faço, deixo sempre uma pequena parte incompleta; assim, o Criador não se
incomodará, e os espíritos não me perturbarão.
Se em todos os negócios eu buscar a perfeição, e se em todas as coisas mundanas eu
desejar ir além, não estarei incorrendo em nenhum erro íntimo, mas atrairei muita
desgraça externa sobre mim.

21.
Nas disputas, existem regras de cortesia;
Na vida cotidiana, se encontra o Tao (Caminho);
Se as pessoas praticassem a sinceridade e a harmonia, usando palavras boas e ponderadas,
pais e filhos não estariam separados.
A troca de ideias e o diálogo são melhores do que os exercícios respiratórios e as
meditações.

8
22.
Uma pessoa ativa é como um relâmpago no meio das nuvens, ou como uma luz no meio
da tormenta.
Uma pessoa inativa é como brasa que se apaga, ou uma árvore morta.
A essência do Tao (Caminho) está no movimento da quietude, e na quietude do
movimento, do mesmo modo como um pássaro atravessa as nuvens imóveis no céu, ou
um peixe nada pelas águas quietas do lago.

23.
Ao censurar alguém pelas suas faltas, cuide com seu temperamento;
Ao ensinar a moral para alguém, considere suas propensões.

24.
O besouro que vive no excremento é sujo, mas um dia vira cigarra, e bebe do vento
outonal.
A erva podre não brilha, mas nela nascem os vaga-lumes que cintilam abaixo da lua de
verão.
Assim, a pureza pode surgir da impureza, e o claro pode vir do obscuro.

25.
Presunção e arrogância são os extremos; controle-os, e cultivará atitudes saudáveis.
Desejos e enganos vêm de pensamentos impróprios; largue-os, e realizará sua verdadeira
natureza.

26.
Quem come apenas para se saciar desfruta a verdadeira saciedade, e a gula desaparece.
Quem faz sexo apenas para se saciar desfruta a verdadeira calma, e a luxúria desaparece.
Por isso, se uma pessoa puder se arrepender de seus erros e se desfazer de suas obsessões,
então sua natureza se acalmará e se centrará, e suas ações serão sempre sem erro.

27.
Ao estar na Corte, não se esqueça do cheiro da montanha e dos bosques;
Ao estar só no meio da floresta, não esqueça do cheiro dos livros.

9
28.
Ao viver em sociedade, não busque com ansiedade o êxito; não cometer erros já é um
mérito.
Ao tratar os outros com Humanismo [4], não espere gratidão em troca; se eles não virarem
seus inimigos, isso já é gratidão.

[4]
Ren 仁, o Humanismo Confucionista, também traduzido como ‘Altruísmo’ ou ‘Benevolência’.

29.
Se mortificar por ações virtuosas é moralmente belo, mas sofrimento demais traz um
grande desassossego interior.
Desprezar o poder e a riqueza é uma qualidade notável, mas privações demais dificultam
a própria caridade com os outros.

30.
Ao julgar alguém que arruinou-se, compreenda seus propósitos.
Ao julgar alguém que alcançou sucesso, conheça seus fins.

31.
Aquele que tem um alto posto deve ser generoso e evitar a intriga; do contrário, agirá
como uma pessoa inferior. Como poderia, assim, desfrutar de seu cargo?
Aquele que é sábio oculta seus talentos e evita a presunção; de outro modo, ele agiria
como um bobo. Como poderia, assim, evitar a ruína?

32.
Quem morou em um lugar baixo, sabe o perigo de ir para o alto. Quem esteve na
escuridão, sabe o quão deslumbrante é a luz.
Para manter-se sossegado, conheça as preocupações que o afligem. Quem sabe cultivar o
silêncio, sabe quanto é incômodo o falatório.

33.
Ao abandonar os desejos de poder e riqueza, livra-se das tentações do mundo.
Ao extrair do coração as limitações da moralidade, pode-se entrar no reino da sabedoria.

10
34.
O desejo não dana o coração puro, mas pensar em si mesmo, apenas, é uma enfermidade.
[5]
O prazer não é um obstáculo ao Caminho da Virtude , mas o uso inadequado da
inteligência é.

[5]
Caminho da Virtude ou Tao.

35.
Os sentimentos humanos mudam, o caminho da vida é difícil.
Ao se deparar com um obstáculo, saiba dar um passo atrás.
Ao avançar sem problemas, deve-se abrir caminho para os que vêm atrás.

36.
Ao lidar com os maus, não é difícil ser correto, difícil é não odiá-los.
Ao lidar com os sábios, não é difícil ser respeitoso, o complicado é agradá-los.

37.
Conserve a simplicidade natural, não busque o sofisticado, e deixe uma influência pura
no mundo.
Se satisfaça com o simples, abandone os luxos, e deixe um nome puro no mundo.

38.
Para conquistar os demônios, primeiro conquiste o próprio coração. Quem conquista seu
coração, submete os demônios.
Para controlar a violência, primeiro se controlam os motivos. Se o espírito estiver calmo,
a violência externa não poderá invadi-lo.

39.
Ensinar as crianças é como educar boas moças; o mais importante é mostrar a sabedoria
de escolher boas amizades.
Ser íntimo dos maus é como jogar má semente em boa Terra; com o tempo, a colheita
será arruinada.

11
40.
Ao estar de posse de coisas materiais, não se apresse a tê-las em demasia. Fazer isso o
jogará num poço profundo e difícil de sair.
Ao estar de posse da virtude, não retroceda nem um passo diante das dificuldades. Fazer
isso o levará longe, a mil montanhas de distância.

41.
Uma pessoa de pensamento magnânimo trata a si mesma, e aos outros, com respeito; e
por isso, sua grandeza está em toda parte.
Uma pessoa de pensamento mesquinho trata a si mesma, e aos outros, com pequenez; e
por isso, sua malícia está em toda parte.
Uma pessoa virtuosa evita o luxo e a ostentação, e se afasta do aborrecimento e do
pessimismo.

42.
Outros têm riquezas, eu tenho o humanismo [6]. Outros têm cargos importantes, eu tenho
a beleza interior. O sábio não se apega as aparências.
Uma pessoa verdadeira pode conquistar o Céu, sua vontade dirige seus pensamentos e
emoções. [Por isso] O sábio não se sujeita aos ganhos materiais.

[6]
Ren 仁, o Humanismo Confucionista, também traduzido como ‘Altruísmo’ ou ‘Benevolência’.

43.
Estar no mundo, sem ideais dignos, é como limpar a roupa com pó, ou lavar os pés com
lodo; como realizar-se [interiormente], dessa forma?
Atuar no mundo, sem saber adaptar-se, é como ser uma mariposa que se lança na lama,
ou como um carneiro que prende os chifres na cerca; como encontrar paz e alegria dessa
forma?

12
44.
Todos que estudam devem recolher seus pensamentos dispersos, e concentrá-los numa
única direção.
Se ao cultivar a virtude, espera-se uma boa reputação, com certeza falhará.
Se ao estudar, pretendem-se apenas belos poemas, com certeza nada se arraigará no
coração.

45.
[7]
Todas as pessoas têm a capacidade da compaixão. Wei Mo , um açougueiro, ou um
carrasco não se distinguem em sua natureza humana. Em todo o lugar, existe algum tipo
de comunhão com a natureza.
Um palácio de ouro ou uma cabana não se distinguem na Terra que as assenta. Mas o
desejo obstrui a generosidade pura, e se impondo a ela, separam-se uma da outra como se
estivessem a mil li [8] de distância.

[7]
Vimalakirti, santo budista.
[8]
Li = 500 metros

46.
Ao seguir pelo Caminho da Virtude [9], a mente precisa ser como madeira e pedra [10]. Se
a tentação pela fama e riqueza for maior, com o tempo se fica no mundo dos desejos.
[11]
Aquele que quer ajudar o mundo, deve desejar como as nuvens e as águas . Mas se a
tentação pela notoriedade for insaciável, ele atrairá perigo.

[9]
Caminho da Virtude ou Tao.
[10]
Pureza e Fortaleza, respectivamente.
[11]
Apenas seguir o curso, sem impor a vontade própria.

47.
As ações de uma pessoa correta são serenas, seus sonhos são calmos.
As ações de uma pessoa má são perversas, e suas conversas sempre têm intenções
nefastas.

13
48.
Quando o fígado está doente, os olhos não veem; quando os rins ficam doentes, os ouvidos
não podem escutar. A doença está em um lugar onde não se pode ver; seus efeitos, no
entanto, são visíveis.
Assim, o sábio, se não deseja que suas faltas apareçam no exterior, corrige primeiro seus
erros interiores.

49.
Estar feliz ou não depende de quantas preocupações se têm.
Estar entristecido depende do quanto o coração está disperso.
Só quem está cheio de preocupações sabe que ter poucas levam a felicidade.
Só quem tem um coração tranquilo sabe que a agitação atrai problemas.

50.
Em tempos tranquilos, seja correto como um quadrado [12]. Em tempos de desordem, seja
correto como um círculo [13]. Em tempos de decadência, combine o quadrado e o círculo.
Ao lidar com homens bons, seja correto e generoso; ao lidar com homens maus, seja
correto e rigoroso; ao lidar com homens comuns, combine generosidade e rigor.

[12]
O quadrado faz referência à retidão.
[13]
O círculo faz referência à flexibilidade.

51.
Não me recordo do que fiz pelos outros.
Não me esqueço dos erros que cometi.
Não me esqueço da bondade dos outros.
Não me recordo das ofensas dos outros.

52.
Um benfeitor não considera suas ações boas, nem que ajudou alguém.
Desse modo, um punhado de grãos se transforma num celeiro.
O ganancioso pensa no retorno do que dá, e calcula seus lucros sobre quem ajuda.
Desse modo, uma fortuna eterna não vale uma moeda de cobre.

14
53.
Cada um tem sua vida, com ou sem fortuna; como saber quem é mesmo afortunado?
Cada um tem sua cabeça, com ou sem estudo; como exigir dos outros o entendimento?
Desse modo, se pode comparar as pessoas, e observar suas condutas.

54.
Somente uma pessoa de bom coração pode apreciar a sabedoria dos antigos pelo estudo
dos clássicos.
Os maus roubam os antigos, usam-nos em benefício pessoal, e disfarçam com palavras
boas as suas ações nefastas.

55.
Para quem vive no luxo e na extravagância, a riqueza nunca é suficiente.
Para quem vive na frugalidade, o pouco que se têm pode ser repartido.
Uma pessoa de talento se esforça, mas só consegue o ressentimento da sociedade.
Uma pessoa simples age de modo simples, e dessa maneira, vive sem preocupação e
mantém-se imaculado.

56.
Estudar, sem buscar a virtude dos sábios, é ser um mero copista; ter um cargo oficial, sem
amar o povo, é ser um ladrão bem vestido.
Dar lições de virtude, sem praticá-la, é como recitar os clássicos sem compreendê-los;
realizar um trabalho, sem visar à virtude, é tão efêmero como a vida das flores ante os
olhos.

57.
No coração das pessoas existe um livro da verdade; mas o texto está incompleto, e as
folhas estão rasgadas.
O espírito das pessoas guarda uma melodia da verdade; mas ela está encoberta por
músicas e danças sensuais e superficiais.
A busca da virtude deve apagar todas as coisas externas e penetrar na raiz das coisas, na
origem de sua natureza íntima.
Só assim se alcançará um verdadeiro aprendizado.

15
58.
No meio das dificuldades, pode-se encontrar a alegria.
No orgulho dos próprios estratagemas, pode-se encontrar a decepção.

59.
Se a riqueza e a reputação vierem do cultivo da virtude, elas serão como flores nas
montanhas e bosques; florescem naturalmente e em abundância.
A riqueza obtida pela artimanha é como as flores dos jardins e canteiros; florescem rápido,
e acabam logo.
A riqueza obtida pelo poder e autoridade é como as flores de vasos e jarros; sem raízes
fortes, apenas aguardam o dia de sua morte.

60.
Quando chega a primavera, o clima é agradável, as flores cobrem a Terra de cores, e os
pássaros entoam belos cantos.
Os letrados se alegram de estar nas listas dos aprovados nos exames públicos, e voltam a
se vestir e comer bem.
Mas, se nesse tempo, não prestarem atenção em dizer palavras justas, e realizar ações
meritórias, ainda que vivam cem anos nesse mundo, suas vidas inteiras não terão mais
significado do que viver um dia apenas.

61.
Aquele que estuda deve pensar de modo consciente e cuidadoso, deve ter gostos e modos
apropriados.
Se ele se apega a alegrias e tristezas mundanas, ele decairá como o outono, e não será
forte como uma primavera.
Dessa forma, como pode fazer florescer as dez mil coisas?

62.
Uma pessoa verdadeiramente honesta não tem fama de honesta; os gananciosos é que
desejam tal reputação.
Uma pessoa realmente talentosa não alardeia suas habilidades; os inaptos é que fazem tal
alarde.

16
63.
O cântaro Qi [14] se derrama quando está cheio; o cofre Puman [15] continua intacto quando
está vazio.
Assim, o sábio prefere morar num lugar em que não haja ambições constantes; e deseja
viver num lugar que ainda esteja incompleto, sem terminar.

[14]
O cântaro Qi era um antigo vaso de bronze que só se equilibrava quando estava pela metade: quando
vazio, ele caía; cheio, ele derramava. O vaso era usado perto dos governantes, para advertir contra os
excessos e ausências.
[15]
O cofre Puman era feito de barro, e era quebrado quando estava cheio de moedas.

64.
Aquele que não se livrou da ânsia de reconhecimento, pode desdenhar mil riquezas e se
comprazer em viver livremente, mas ao final se perderá na vulgaridade do mundo.
Aquele que é cerimonioso, mas não compreendeu o significado dos costumes [ritos], por
mais que sua influência se estenda pelos quatro mares, e dure por dez mil gerações, ao
final, seus gestos serão vazios.

65.
Se os pensamentos de uma pessoa forem claros, ela terá o Céu Azul, mesmo no meio de
um quarto escuro.
Se seus pensamentos ocultam intenções obscuras, mesmo em um dia brilhante, haverá
demônios [em sua mente].

66.
As pessoas sabem que um cargo e a fama fazem alguém feliz; mas não sabem que aquele
que é mais feliz, é o que não tem nem cargos, nem fama.
As pessoas sabem que a fome e o frio preocupam; mas não sabem que se preocupar
sempre é pior do que a fome e o frio.

17
67.
Se uma pessoa faz algo errado e tem medo que os outros saibam, ainda assim ela tem
consciência em meio ao mal.
Se uma pessoa faz algo correto e quer que todos saibam, ainda assim sua bondade está
contaminada pelas raízes do mal.

68.
O poder do Céu e a força das coisas não têm medida; às vezes restringem, às vezes
expandem, movem e dirigem os heróis, derrubam tiranos.
Quando um sábio encontra a adversidade, exercita sua paciência; quando vive na
tranquilidade, ele pensa no perigo.
Mesmo o Céu não pode influenciar sua natureza.

69.
Uma pessoa irascível é como um fogo devorador; tudo que ela encontra, ela consome.
Uma pessoa malvada é fria como gelo; tudo que ela encontra, ela dana.
Uma pessoa obstinada e inflexível é como água estacada ou madeira podre; sua vitalidade
está extinta.
Pessoas assim vivem apegadas aos desejos e assim a felicidade continua a lhes escapar.

70.
A felicidade não pode ser conseguida; manter o espírito feliz é a essência da felicidade.
Isso é tudo.
A desventura não pode ser evitada; expulsar os pensamentos perniciosos mantém a
desventura longe. Isso é tudo.

71.
Se de dez frases ditas, nove forem corretas, não se receberá crédito; mas se uma frase for
falsa, se carrega toda a culpa.
Se de dez planos traçados, nove se realizam, não se receberá felicitações pelo talento
demonstrado; mas um plano que fracassa atrai todas as críticas.
Uma pessoa realizada prefere o silêncio à ação impetuosa, e prefere parecer um bobo a
talentoso.

18
72.
[16]
Há um espírito do Céu e da Terra ; quando cálido, faz com que as coisas cresçam;
quando frio, faz com que as coisas pereçam.
Assim, quando o espírito humano é frio, ele é triste; mas quando um coração é cheio de
calor, ele é feliz e benévolo.

[16]
Vento.

73.
[17]
O Caminho do Céu é muito amplo; se o coração se inclina em sua direção, ele se
expandirá e brilhará em seu peito.
O caminho do desejo humano é muito pequeno; quem caminhar por ele, encontrará
espinhos e lamaçais.

[17]
Caminho do Céu, ou Tao.

74.
Vivendo a constante alternância entre tristeza e alegria, chega-se à verdadeira felicidade;
provando por si mesmo a dúvida e a certeza, alcança-se o verdadeiro conhecimento.

75.
O coração não deve estar cheio de desejos; apenas vazio, ele recebe a presença da razão.
O coração não deve estar sem substância; somente assim ele impede a entrada das
tentações.

76.
Em lugares sujos, muitas coisas florescem; às vezes, nas águas cristalinas, não há peixes.
O sábio deve preservar a paciência em seu coração, pois ele não estará sozinho, o tempo
todo, desfrutando de suas virtudes.

19
77.
Um cavalo impetuoso pode ser domado e cavalgado; as gotas de ouro que caem de um
forno podem voltar ao molde; mas uma pessoa capaz, que tenha perdido seu entusiasmo,
e está parado, não poderá progredir.
Baisha [18]
disse: ‘as pessoas cometem erros, e isso não é causa de vergonha; mas uma
vida toda sem erros, isso sim me preocuparia!’.
Sábias palavras!

[18]
Sábio Confucionista do período Ming.

78.
Se apenas um pensamento nefasto domina mente, a força se converte em fraqueza, a
[19]
inteligência se confunde, o Humanismo se desvia, o espírito puro se corrompe, e a
virtude acumulada por toda uma vida se perde.
Assim diziam os antigos: "não corrompa seus tesouros’; e puderam vencer a ambição
durante todas as suas vidas.

[19]
Ren 仁, o Humanismo Confucionista, também traduzido como ‘Altruísmo’ ou ‘Benevolência’

79.
Os olhos e os ouvidos, enxergam e escutam, as coisas que lhe atraem, externas e
enganadoras.
A mente tem seus desejos e paixões, íntimas e enganadoras.
A pessoa de mente clara não se confunde; ela se coloca no centro de sua casa, e converte
os inimigos em hóspedes.

80.
Planejar, para alcançar aquilo que não se tem, não é melhor do que progredir, e se
expandir, com o que se tem.
Arrepender-se dos erros passados não é tão bom quanto prevenir-se de enganos futuros.

20
81.
O espírito humano deve ser elevado e amplo, mas não disperso ou fechado; deve ser
meticuloso e detalhado, e não insosso ou trivial; o temperamento deve ser tranquilo e
sensível, mas sem ser insípido ou monótono; suas ações devem ser ordenadas e
imparciais, mas não extremas e inflexíveis.

82.
O vento agita um bosque de bambus, sopra, e não deixa nem um silvo atrás de si; um pato
voa sobre o lago no inverno, passa, e ao ir embora, sua imagem não permanece na água.
Assim, o sábio vai até o problema e se concentra nele; depois que termina, seu coração
volta a repousar.

83.
Ser puro, mas tolerante com os demais;
Ser humanista [20], e tomar decisões justas;
Ser claro, mas criticar sem ferir;
Ser reto, mas sem se exceder;
Assim como as frutas em conserva não devem ser muito doces, nem a comida do mar
muito salgada, tudo isso [21] forma a virtude perfeita.

[20]
Ren 仁, o Humanismo Confucionista, também traduzido como ‘Altruísmo’ ou ‘Benevolência’
[21]
O equilíbrio, a justa medida das coisas.

84.
Um homem pobre capina o baldio até ele estar pronto; a mulher pobre lava a pele até
deixá-la limpa. Essas cenas não parecem bonitas, mas sua grandeza as reveste de
elegância.
Assim, quando o sábio ao encontrar pobreza e austeridade, porque razão ele desistiria de
seus ideais?

21
85.
No ócio, não desperdice seu tempo; há sempre algo com que ocupar-se.
Na tranquilidade, não deixe de fazer as coisas; há sempre um bem que se possa fazer.
Na obscuridade, não deixe que sua mente trame ou se engane: é benéfico manter o
pensamento claro.

86.
Se seu pensamento buscar o caminho dos desejos, então o traga de volta; ao notar uma
ideia impura, pegue-a e a jogue-a fora.
Assim, se transforma a desventura em felicidade, e se afasta a morte.
É um momento crucial, em que não deve haver pressa.

87.
Na tranquilidade, os pensamentos são claros como a água, e se pode ver a verdadeira
essência do coração;
Nos momentos de ócio, o espírito não está perturbado, e se podem ver as verdadeiras
intenções do coração;
Em uma vida simples, a atitude é modesta e moderada, e assim se pode sentir a verdadeira
essência do coração;
Para examinar um coração, essas são as três melhores coisas.

88.
Estar em um lugar silencioso não é o silêncio verdadeiro; o silêncio em meio aos afãs é
que está de acordo com a natureza do Céu.
Estar feliz numa situação alegre não é felicidade verdadeira; a felicidade, em meio à
adversidade, é a verdadeira realização do coração.

89.
Ao sacrificar seus interesses, não tenha dúvidas; ter dúvidas atrai vergonha sobre o
sacrifício.
Ao ser caridoso, não exija recompensa: exigir recompensa arruína um coração generoso.

22
90.
Se o Céu me concede uma pequena porção de felicidade, eu acumulo virtude para
compensar o que falta.
Se o Céu me enche de adversidades, eu alegro meu coração para compensar as
circunstâncias.
Se o Céu põe desvios no meu caminho, aperfeiçoo meu entendimento para suavizar minha
andança.
Sendo assim, o que o Céu pode me fazer de mal?

91.
O sábio não reza por felicidade, e o Céu, sem mostrar, enche seu coração de felicidade.
O tolo se concentra em evitar acidentes, e o Céu sempre faz com que ele se perca.
Assim vemos que o poder e a sutileza do Céu são as coisas mais profundas que existem;
de que adianta a astúcia contra ele?

92.
Se depois de anos uma cortesã se casa, é porque sua vida passada não foi um obstáculo;
se uma mulher virtuosa perde a integridade, tudo que ela fez ao longo dos anos se perde.
Um provérbio diz: ‘ao julgar uma pessoa, olhe seus últimos anos’.
Palavras acertadas!

93.
Se uma pessoa comum está disposta a cultivar a virtude em segredo, ela é como um alto
oficial sem fama.
Se um nobre fica apenas tramando meios de aumentar seu poder e fortuna, ele não é mais
do que um miserável com um alto posto.

94.
Ao lembrar os méritos de nossos antepassados, graças aos quais podemos desfrutar de
nossas vidas, devemos pensar também nas dificuldades pelos quais passaram.
Ao pensar na felicidade de nossa descendência, que aproveitará a herança que a
deixarmos, devemos lembrar também o quanto é fácil que eles a dilapidem.

23
95.
Uma pessoa supostamente justa, que só pretende fazer o bem, não é diferente de um
egoísta.
Uma pessoa supostamente justa, que mascara sua conduta, está abaixo de um comum que
apenas começou a mudar de vida.

96.
Quando membros de uma família têm suas desavenças, não é apropriado ter ataques de
fúria, nem descartar os problemas como se fossem triviais.
A situação pode ser difícil de discutir; assim, é melhor usar de analogias para mostrar o
problema. Se isso não funcionar no momento, espere o outro dia para corrigir o culpado.
Como o vento da primavera que descongela, como o calor que derrete o gelo lentamente;
esse é o modelo para cuidar de assuntos domésticos.

97.
Se o coração olhasse paras as coisas e achasse tudo bom, todas as coisas abaixo do Céu
seriam perfeitas.
Se o coração for habitualmente generoso e sereno, desaparecerão todos os vícios e a
malícia deste mundo.

98.
Aquele que não busca fama nem riqueza certamente desperta a inveja do ambicioso;
aquele que é moderado em sua conduta certamente desperta o incômodo no falador.
Nessas circunstâncias, o sábio não compromete de modo algum sua conduta, nem mesmo
se mostra condescendente com tais atitudes.

24
99.
Em meio à adversidade, tudo o que encontramos tem o efeito de agulhas de acupuntura e
da medicina dos remédios amargos; essas coisas reforçam nosso caráter, sem que
notemos.
Em meio a circunstâncias favoráveis, é como se estivéssemos entre soldados, facas,
[22]
machados e lanças , ou como uma lâmpada que vai se consumindo: essas coisas
enfraquecem nosso espírito, sem que notemos.

[22]
Desgaste de um combate; tensão gradual.

100.
Em meio aos luxos e comodidades, uma pessoa é como um fogo abrasador, e sua ânsia
de poder é como um incêndio violento.
Se esses desejos não foram moderados com aspirações sensíveis e honestas, esse fogo
não consumirá aos outros, mas a si próprio.

101.
Quando um coração atinge a sinceridade perfeita, pode nevar no verão, as muralhas
caírem, e a rocha mais dura ser gravada.
Uma pessoa falsa não é mais do que uma casca vazia; sua natureza apodreceu, ele é odiado
pelos demais, e somente atrai vergonha sobre si mesma.

102.
Quando um escrito alcança a perfeição, não é porque contenha algo extraordinário, mas
porque está escrito de forma apropriada.
Quando uma pessoa eleva seu caráter à perfeição, não tem em si mesma nada de estranho
ou secreto, mas simplesmente alcança sua verdadeira natureza.

25
103.
Nesse mundo de palavra e ilusões, tanto a riqueza quanto as posições, e mesmo os
membros de nosso corpo, tudo nos foi concedido por certo tempo.
[23]
No Caminho Correto , não apenas pais e irmãos, mas as dez mil coisas do mundo
formam uma só coisa com o ser humano.
Se uma pessoa for capaz de ver além das diferenças, e reconhecer o verdadeiro, ele pode
se responsabilizar por todas as coisas debaixo do Céu, e tomar as rédeas do mundo em
suas mãos.

[23]
Caminho Correto, ou Tao.

104.
As comidas gostosas e delicadas são como venenos, que apodrecem o intestino e
corrompem os ossos; ao comer, apenas se sacie, sem causar exageros.
As coisas que provocam prazer estragam o corpo e destroem o caráter; somente
desfrutando-as, na medida correta, não haverá arrependimento.

105.
Não reprove aos outros por suas pequenas transgressões, não divulgue seus segredos
vergonhosos, não pense em suas faltas passadas.
Essas coisas refinam nosso caráter, e mantém afastada a desgraça.

106.
O sábio não tem uma conduta frívola. Se ele fosse frívolo, as coisas externas o afetariam,
e ele não conseguiria se aperfeiçoar.
Ao usar sua mente, não a carregue de coisas pesadas. Se a mente estiver pesada, as coisas
emperram, e não se pode desfrutar das atividades prazerosas.

107.
O Céu e a Terra duram para sempre, mas a vida humana não. A vida humana dura cem
anos, e seus dias passam depressa.
Dispondo apenas desse tempo, evite desperdiçar o tempo com preocupações
desnecessárias, e saiba viver feliz.

26
108.
Encontrar inimizade graças a sua virtude, ou as pessoas que se sentem agradecidas
contigo; mas não pense que inimizade e gratidão são diferentes.
Pode haver ressentimento devido a sua bondade, ou pessoas que o reconheçam pelo que
você é; mas não pense que a bondade faz desaparecer o ressentimento.

109.
A velhice traz consigo doenças, e todas elas têm raízes na juventude;
Na decadência se cometem excessos, e todos tem origem nos tempos de prosperidade;
Por isso, o sábio é cuidadoso, e mantém seus passos retos nas épocas de plenitude.

110.
Negociar com a gratidão não é tão bom quanto ajudar sem interesse;
Fazer novos amigos não é tão bom quanto tê-los há muito tempo;
Criar uma boa reputação não é tão bom quanto guardar a virtude do silêncio;
Dedicar-se a condutas espalhafatosas não é tão bom quanto levar a cabo pequenas coisas
com esmero.

111.
Não transgrida contra o justo, ou se envergonhará para sempre.
Não vá onde se usa o poder com fins egoístas, ou será desacreditado para sempre.

112.
É melhor despertar a perfídia dos outros por agir de modo correto, do que perverter o
caráter para agradar aos outros.
É melhor ser caluniado sem ter cometido faltas, do que ser reconhecido sem ter feito
coisas boas.

113.
Quando uma desgraça se abate sobre a família, mantenha-se tranquilo e não se desespere.
Quando um amigo erra, tente corrigi-lo, e não deixe que ele se perca.

27
114.
O verdadeiro herói não desdenha os pequenos detalhes, não comete maldades escondido
dos demais, e nem mede esforços para enfrentar obstáculos formidáveis.

115.
Mil peças de ouro não compram um momento de amizade verdadeira;
Uma comida simples, oferecida com amor, merece toda uma vida de gratidão.
Um amor, levado ao extremo, pode despertar a inimizade;
Mas uma amizade pura, e sem amarras, pode transformar o rancor em alegria.

116.
Disfarce seu talento com inaptidão, e use sua luz em segredo; encubra sua claridade,
encolha-se, para depois expandir-se.
Essas técnicas são como um vaso para preservar alimentos, ou como o coelho que têm
três tocas. [24]

[24]
Preserve-se, esconda-se, surja somente no momento oportuno e necessário.

117.
As causas da decadência estão presentes nos tempos de prosperidade; e uma nova vida
surge quando tudo está podre.
Assim, o sábio, nas épocas de paz e abundância, está atento as possibilidades de desastre;
e nos tempos turbulentos, mantém-se firme e olha para os êxitos que vêm adiante.

118.
Quem é fascinado por maravilhas e novidades, não obtém um conhecimento profundo e
extenso.
Quem persegue a virtude em completa solidão, não conseguirá manter seu sossego por
muito tempo.

28
119.
Quando a fúria de alguém é como fogo, seus desejos como água fervente, e mesmo
sabendo que está errado, persiste em suas ações;
Essa pessoa sabe que está errada; mas quem é o ‘alguém’ que a obriga a continuar
errando?
Se neste momento ele subitamente pondera, então, seu demônio interior pode virar um
mestre.

120.
Não veja apenas um lado da moeda, pois os maus o enganarão; não se obstine no egoísmo,
ou serás sempre impulsivo.
Não use sua força para subjugar os fracos; não faça com que sua inépcia atrapalhe os
talentos dos outros.

121.
Para emendar as faltas alheias, use meios indiretos; ao usar meios bruscos e reveladores,
você usará suas próprias faltas para atacar os outros.
Para lidar com uma pessoa obstinada, deve-se ser sutil e amável; se você se enojar, ou se
enjoar, ante tais atitudes, estará usando sua própria obstinação para vencer a do outro.

122.
Ao encontrar uma pessoa calada e reservada, não revele seus pensamentos.
Ao encontrar uma pessoa orgulhosa e soberba, guarde bem suas palavras.

123.
Quando sua mente estiver confusa e dispersa, você deve saber se concentrar e estar alerta.
Quando ela estiver confusa e tensa, você deve saber relaxar seus pensamentos.
De outro modo, a confusão se tornará enfermidade, e trará constante mal-estar adiante.

29
124.
Um céu claro e ensolarado pode, rapidamente, se converter em nublado e tormentoso.
O vento forte e a chuva podem se converter, rapidamente, em uma paisagem clara a luz
da lua.
Podem os movimentos da natureza cessarem por apenas um momento? Pode a essência
do universo ser captada nas coisas mínimas?
A essência do coração humano tem essa mesma natureza.

125.
Alguns não dominam seus desejos mundanos porque não os percebem a tempo; outros os
percebem, mas falham em resistir às tentações da carne.
A percepção é uma pérola para enxergar os demônios da mente; a vontade é uma espada
poderosa para afugentá-los.
Não podemos permitir, nunca, que nossa percepção e vontade decaiam.

126.
Ao encontrar alguém que te engana, não o denuncie; ao ser insultado, permaneça
impassível.
Assim você terá um bom humor infindável, incontáveis benefícios e vantagens.

127.
A adversidade e a privação forjam e temperam as pessoas excepcionais, como se fossem
um martelo e uma bigorna.
Essas provas beneficiam o corpo e coração, e sua ausência causa a deterioração do corpo
e do coração.

128.
O corpo humano é um pequeno universo; se a alegria e a tristeza tiverem seu tempo certo,
se os gostos e aversões tiverem sua justa medida, isso será resultado da habilidade em
seguir as propensões naturais.
O universo é como pai e mãe das coisas: evitar que as pessoas se ressintam, que sejam
afetadas por desastres, essa é a natureza pacífica e sincera do universo.

30
129.
Não se deve conspirar e atacar os outros, mas precisamos saber nos defender. Essa é uma
advertência para os que são negligentes em apreciar o caráter das pessoas.
É melhor equivocar-se do que ser enganado, ou pensar que os outros querem nos enganar.
Essa advertência é para os que falham ao julgar as pessoas.
Mantenha consigo essas advertências, e você se destacará como alguém perspicaz e
honesto.

130.
Não vacile em suas convicções porque outros duvidam delas, não se obstine em suas
opiniões, e descarte a dos demais;
Não conceda favores triviais em prejuízo aos seus princípios, e não aprove a opinião
pública para satisfações pessoais.

131.
Ante uma pessoa virtuosa, não é correto incomodá-la, apressá-la ou abordá-la de modo
inconveniente, pois isso a exporia a calúnia dos ignorantes.
Ante uma pessoa má, não a corte bruscamente, nem a desmascare antes do tempo; fazer
isso provocaria uma onda de desastres.

132.
A virtude é como um sol brilhante no céu claro, que se cultiva em meio a um lugar escuro
e invisível.
Adquirir a habilidade para manejar as coisas do mundo é um processo longo e lento, como
desfiar um casulo de seda.

133.
Um pai é fraterno e amoroso com seus filhos, os irmãos mais velhos são cordiais com os
menores; ainda que isso seja levado à perfeição, não é mais do que obrigação, e não deve
ser causa de gratidão.
Se aquele que distribui bondade se orgulha disso, e os que recebem se sentem
agradecidos, então os familiares se convertem em estranhos, e suas relações se
transformam em negócios.

31
134.
Se há beleza, certamente haverá fealdade; se não me incomodar com a beleza, quem me
achará feio?
Se há limpeza, certamente haverá sujeira; se eu mesmo não me limpar, quem poderá me
sujar?

135.
Ser ‘frio e quente’ [25]
é coisa muito mais dos ricos do que dos pobres; brigas e ciúmes
são mais fortes entre familiares do que entre estranhos.
[26]
Ao tratar com as pessoas, sem o ventre livre e o espírito equilibrado, até mesmo o
brilhante perde sua luz, e fica-se constantemente preocupado e incomodado.

[25]
Frio e quente equivale a simpático e solícito, respectivamente.
[26]
Ventre livre = aberto, simpático (contrário da pessoa com ‘prisão de ventre’, ou ‘ventre preso’,
antipática, insensível, pesada). A analogia é semelhante a que encontramos no Brasil.

136.
A respeito dos méritos e faltas dos outros, não deve haver confusão ou ambiguidade;
senão, os corações se assustarão, e ficarão inertes.
Os favores e os rancores não devem ficar bem definidos; senão, as pessoas desejarão trair.

137.
Nunca fique numa posição muito alta, ela traz perigo; nunca ganhe demais, isso gera
decadência; nunca se orgulhe de ser virtuoso, isso atrai calúnia e ruína.

138.
Teme o mal à noite; teme o bem de dia.
O mal feito de dia é superficial; mas na escuridão é profundo.
O bem feito de dia é superficial; mas na escuridão, ele é magnânimo.

139.
A virtude é senhora do talento, e o talento é servo da virtude. O talento, sem virtude, é
como uma casa sem amo, controlada pelos servos; quantos demônios e monstros não
surgirão assim?

32
140.
Ao afugentar traidores e aduladores, é necessário deixar-lhes uma via de escape; se não
os deixar escapar, é como encurralar um rato, que rói e destrói todas as suas coisas para
fugir.

141.
Compartilhar com os outros o peso de suas faltas, e não dividir a glória de seus méritos:
isso atrairá ciúmes mútuos.
Passar junto com os outros suas atribulações e dificuldades, mas não dividir com eles sua
paz e alegria: isso leva a inimizade mútua.

142.
O sábio que caiu na pobreza não pode ajudar os outros com bens materiais; mas ao
encontrar alguém que perdeu o Tao (Caminho), pode lhe dizer algumas palavras boas e
ajudá-lo; ao encontrar alguém que passa pela adversidade, pode dizer palavras amáveis e
resgatá-lo.
Isso se constitui num bem incomensurável.

143.
Famintos, buscamos ajuda de alguém; satisfeitos, vamos embora. Frente ao poderoso, nos
apressamos e aproximamos; frente ao pobre, o abandonamos.
A natureza das relações humanas tem seus problemas.

144.
Uma pessoa virtuosa aclara sua visão, de modo a ser sóbrio, e é cuidadoso em não ser
apressado com sua conduta reta e justa.

145.
A virtude segue a tolerância, e a tolerância cresce com o conhecimento.
Assim, quem deseja aprofundar a virtude, não pode deixar de lado a tolerância; e se aspira
à tolerância, não pode se contentar com pouco conhecimento.

33
146.
Quando a luz da lâmpada é tênue como um vaga-lume, e as dez mil flautas não produzem
nenhum som; esse é o estado de ‘alegria e repouso’ [27] que alguém pode alcançar.
No meio da madrugada, quando não há nenhum barulho; é como emergir no próprio caos
original, antes da criação.
Se aproveitarmos esses momentos para refletir sobre nós mesmos, perceberemos que
ouvidos, bocas e nariz não são mais que correntes e grilhões, e que nossos desejos e
vontades nos desviam do verdadeiro entendimento.

[27]
Serenidade, equilíbrio interno e desprendimento do ambiente advindos da meditação.

147.
Aquele que exercita a introspecção, converte as coisas em remédios e agulhas de pedra;
o que critica e culpa os demais, faz com que o pensamento seja como uma adaga ou uma
lança.
Uma atitude abre o Caminho para todos os bens; outra, para todos os males. Ambas estão
tão separadas como o Céu e a Terra.

148.
As obras e os escritos perecem com seus criadores, mas o espírito delas permanece por
dez mil anos.
Um grande nome e a riqueza podem mudar o mundo; mas para a sinceridade moral, mil
anos são apenas um dia.
O sábio nunca troca o valioso pelo vão.

149.
Ao jogar uma rede de pesca, às vezes cai nela uma folha; o louva-deus vem comê-la, mas
vira presa de um pardal.
Existem engrenagens nas engrenagens, e mudanças nas mudanças; de nada vale a astúcia
vã do ser humano.

34
150.
Uma pessoa sem pensamentos sinceros é como um adorno de vestir, superficial e vazio.
Uma pessoa que trata o mundo sem maleabilidade e atenção é como um boneco de
madeira: duro, encontra obstáculos em todos os lugares.

151.
Águas tranquilas não têm ondas; um espelho limpo não tem pó.
O coração não precisa ser limpo; apenas afaste os pensamentos impuros, e ele ficará puro.
A felicidade não pode ser encontrada; apenas afaste a dor do coração, e ela surge.

152.
Apenas um pensamento pode ir contra as proibições dos deuses e espíritos; apenas uma
palavra pode acabar com a comunhão do Céu da Terra; apenas uma única ação pode
desgraçar nossos filhos e netos.
Devemos ser cuidadosos e conscientes de nossos atos.

153.
Existem coisas que, quanto mais buscamos, mais nos escapam ao entendimento; do
mesmo modo, quando não estamos mais ansiosos por elas, elas aparecem de modo natural
a nossa frente.
Existem pessoas que recusam ajuda, mas ao deixá-las por si mesmas, elas abandonam
seus interesses.
Não se deve pressionar, nem provocar, aqueles que são muito obstinados.

154.
Ainda que sua moralidade seja alta como as nuvens, e seus escritos puros como neve
branca; se essas coisas não foram modeladas pela virtude, ao fim, todas as suas ações se
basearam no egoísmo, e toda a sua técnica e capacidade serão nada.
155.
Retire-se do seu posto de trabalho quando está no auge da prosperidade, e se transfira
para um lugar tranquilo e retirado.

35
156.
Quanto à virtude, seja atento e cuidadoso com as mínimas coisas;
Quanto à generosidade, exercite-a com quem não pode retribuir.

157.
Ser amigo de um mercador não é tão bom quanto ser amigo de um asceta; ser recebido
[28] [29]
nas portas vermelhas não é tão bom quanto frequentar casas brancas ; escutar as
conversas nas ruas não é tão bom quanto ouvir o canto dos pássaros ou as canções dos
pastores; e comentar os erros das pessoas de hoje não é tão bom quanto refletir sobre a
virtude dos antigos.

[28]
Portas vermelhas fazem referência as casas de pessoas ricas ou importantes.
[29]
Casas brancas fazem referência as residências humildes ou pobres.

158.
A virtude é a base do sucesso; sem raízes não há frutos, sem alicerce não há casa que
dure.

159.
Um bom coração é a raiz da prosperidade das gerações futuras; sem raiz, não há
crescimento, folhas e plantas não florescem.

160.
Os antigos diziam: ‘abandone seu lugar sem guardar nada, e passe pelas portas com uma
cuia de esmolas, como o filho de um pobre’.
Também diziam: ‘o filho de um pobre não deve dizer que é rico, como um louco
sonhador; onde já se viu uma estufa com fogo, mas sem fumaça?’
O primeiro provérbio nos aconselha a conhecer a nós mesmos; o segundo, a nos guardar
contra soberba. Ambos devem servir de guia em nossos estudos.

161.
Seguir o Tao (Caminho) é algo para todos, mas cada um tem o seu próprio.
O estudo [do Tao] é como cozinhar, ou fazer os trabalhos cotidianos; deve-se estar
preparado e atento.

36
162.
Aquele que age de boa-fé atua com sinceridade, mesmo que os outros não sejam sinceros;
Aquele que suspeita de tudo age com falsidade, mesmo que os outros não sejam falsos.

163.
Uma pessoa de pensamento generoso é como o vento da primavera que faz florescer a
Terra, e que faz as dez mil coisas se desenvolverem.
Uma pessoa de pensamento egoísta é como a neve do norte, sombria e gelada, que traz a
morte a tudo que toca.

164.
Ao se fazer o bem não se vê os benefícios; é como um melão, que cresce no mato sem ser
notado.
Ao se fazer o mal não se vê os danos; é como geada, que cai no pátio no fim da primavera,
e quase não se nota o avanço da decadência.

165.
Ao encontrar um velho amigo, o afeto é maior do que antes;
Ao encontrar conhecimento oculto e secreto, a ansiedade deve ser controlada;
Ao tratar dos mais velhos e incapazes, nossa cortesia e respeito devem ser ainda maiores.

166.
Aquele que é realmente diligente se aprimora na virtude e na moral; mas existem aqueles
que só são diligentes para escapar da pobreza.
Aquele que realmente é simples é indiferente a comodidades e riquezas; mas existem
pessoas que utilizam a simplicidade para disfarçar sua obtusidade.
É uma pena que aquilo que o sábio usa para se cultivar, as pessoas pequenas usam para
suas mesquinharias.

167.
Quem se move, impulsionado pela animação, acaba ficando parado; uma roda não gira
para trás.
Quem se baseia apenas na percepção, acaba ficando confuso e nada compreende.
Guarde: uma lâmpada não ilumina para sempre.

37
168.
O apropriado é perdoar os erros alheios, e evitar cometê-los.
O apropriado é ter paciência com nossas adversidades, mas não com a que os outros
sofrem.

169.
Aquele que evita as convenções é especial; mas aquele que as busca para se diferenciar é
um excêntrico.
Aquele que não se contamina com coisas banais é puro; mas aquele que se desliga de tudo
que é banal é um radical.

170.
[30]
Ao praticar o Humanismo , o apropriado é ir do pouco ao muito; do contrário, as
pessoas se esquecerão rápido dos benefícios recebidos.
Ao exercer a autoridade, é apropriado ir da severidade a tolerância; do contrário, as
pessoas se ressentirão amargamente.

[30]
Ren 仁, o Humanismo Confucionista, também traduzido como ‘Altruísmo’ ou ‘Benevolência’.

171.
Sem pensamentos impuros, a verdadeira essência do coração aflora.
Buscar a verdadeira essência, sem um coração tranquilo, é como fazer ondas na água
querendo ver o reflexo da lua.
Se os pensamentos são puros, o coração estará sempre limpo. Buscar um coração
brilhante, sem pensamentos puros, é como buscar brilho em um espelho empoeirado.

172.
Se tenho fama e poder, as pessoas me saúdam; mas o que elas buscam, mesmo, é meu
cinto de oficial e meus distintivos.
Se me acho na pobreza, as pessoas me desprezam; mas o que elas desprezam, mesmo,
são minhas roupas gastas e humildes.
Assim, se de fato não meu saúdam, porque me sentir lisonjeado? Se não me desprezam,
porque me sentir afrontado?

38
173.
Diz um provérbio: ‘Deixe um pouco de arroz para os ratos, e apague a lâmpada para os
cupins’. Essa atitude compassiva dos antigos é o que faz com que a humildade prospere
e floresça. Sem essa atitude, as pessoas não são mais do que uma casca vazia, um templo
sem alma.

174.
A essência do coração é como a essência do Céu: um pensamento de felicidade, e
aparecem estrelas e nuvens de bom auspício; um pensamento desagradável, e desatam
trovões e chuvas violentas. Um pensamento bom traz ventos suaves e orvalho doce; um
pensamento incômodo é como o sol ardente, ou o gelo do outono.
Como harmonizar os extremos? Seguindo as mutações do universo: depois que algo
floresce, há a continuidade. Assim, de forma livre e sem obstáculos, se unem as essências
do Céu e da Terra.

175.
Sem ocupação, a mente facilmente obscurece; então, é necessária a tranquilidade para
aclarar as ideias.
Ocupada demais, a mente facilmente se agita; então, é necessário aclarar a mente para
devolver a tranquilidade ao espírito.

176.
Aquele que contempla as coisas está fora delas, e compreende os ganhos e as perdas de
suas possíveis ações.
Aquele que realiza as coisas está submerso nelas, e ignora as perdas e os ganhos de suas
ações.

177.
Um sábio, com alto cargo, deve ser incorruptível, mas deve ser amável e modesto.
Não deve comprometer sua integridade de modo algum, nem buscar algo em proveito
próprio. Não deve ser extremado, nem perder a centralidade, muito menos provocar
enxames de insetos venenosos. [31]

[31]
Atrair pessoas corruptas.

39
178.
Aquele que alardeia moralidade atrai maledicência; quem se gaba de virtude e saber,
receberá censura.
Por isso, o sábio se afasta tanto da má quanto da boa reputação; ele apenas preserva sua
integridade e gentileza, e onde mora, sua conduta é tida como exemplo.

179.
Ao encontrar uma pessoa equivocada, use a sinceridade para mudar sua mente; ao
encontrar uma pessoa violenta, use a calma e a gentileza para conquistá-la; ao encontrar
uma pessoa malvada e egoísta, use seu bom nome e a energia moral para ensiná-la.
Assim, não haverá nada, debaixo do Céu, que você não possa mudar por meio de sua
influência.

180.
Um pensamento de bondade pode harmonizar o Céu e a Terra;
Um coração, sem manchas, estende a fragrância de sua pureza por cem gerações.

181.
Tramar intrigas, ter hábitos inconvenientes, fazer coisas estranhas, essas são as causas
dos problemas do mundo.
Somente por meio da virtude, no cotidiano, se pode preservar a natureza original, e se
conseguir a paz harmoniosa.

182.
Diz um provérbio: ‘ao escalar uma montanha, deve-se suportar a subida, ao caminhar pelo
gelo deve-se suportar a ponte perigosa’. [32]
A palavra ‘suportar’ tem um significado muito importante.
Ao ver corações inclinados ao mal, e uma vida cheia de frustrações, pensamos: “quantas
pessoas, por não terem a habilidade de ‘suportar’, caem em desgraça, e encontram
infortúnios?”

[32]
Gelo quebradiço que ocorre na superfície dos lagos congelado.

40
183.
Aquele que exagera em seus sucessos, e se gaba de suas criações literárias, depende de
coisas externas para agradar a si mesmo.
Não se dá conta de que aquele que preserva a pureza original de seu coração, sem ter
grandes sucessos, ou escrever grandes coisas, se realiza como uma pessoa magnânima.

184.
Se em meio às ocupações e dificuldades, alguém deseja um momento de descanso, deve
ter autoridade para tomá-lo; se em meio ao ruído e a confusão, alguém deseja silêncio e
calma, deve dominar a arte da tranquilidade;
Do contrário, esse alguém estará sempre sujeito a modificar-se, uma constante vítima das
circunstâncias.

185.
Não vá contra o que diz seu coração, não leve suas emoções ao extremo, não esgote suas
forças e recursos.
Siga esses três conselhos, e alcançará uma virtude apreciada pelo mundo, a continuidade
da vida, e a felicidade para os descendentes.

186.
O serviço público tem dois preceitos: ‘A imparcialidade dá o exemplo, a retidão confere
autoridade’.
O cuidado de uma casa tem dois preceitos: ‘Tolerância gera harmonia, simplicidade gera
a fartura’.
187.
Quando desfrutar da riqueza, esteja consciente das adversidades, e do risco de cair na
pobreza.
Quando aproveitar a juventude, esteja consciente das dificuldades da velhice.

188.
Ao se conduzir de modo apropriado no mundo, não seja moralista demais, e prepare-se
para ser insultado e caluniado.
Ao tratar com as pessoas, no mundo, não seja exigente demais; lembre que elas são feitas
de virtudes e fraquezas.

41
189.
Não provoque inimizade com pessoas de baixo caráter, elas já têm seus próprios rancores;
Não louve pessoas já realizadas e superiores, elas não concedem favores de forma
ordinária.

190.
Os males causados pelos desejos irrefreados podem ser curados, mas os males causados
por uma percepção equivocada das coisas são muito difíceis de curar.
As barreiras formadas pelo materialismo podem ser facilmente eliminadas, mas as
barreiras do entendimento são muito difíceis de eliminar.

192.
É preferível a perfídia e a zombaria dos néscios, do que suas louvações e elogios.
É preferível a censura dos sábios, ao invés de sua tolerância e perdão.

193.
Quem é materialista, e prejudica a sua conduta moral; o dano é óbvio e superficial.
Quem persegue a reputação moral, disfarçando sua maldade de virtude; o dano é oculto
e profundo.

194.
Receber bondade, sem retribuir;
Pensar em vingança, mesmo diante de uma pequena ofensa;
Dar ouvidos e acreditar em mexericos;
Ver a bondade em plena luz do dia, e não acreditar nela;
Essas são as características de uma pessoa de baixo caráter moral; corte-a de suas
amizades.

195.
Quando uma pessoa pequena calunia um sábio, é como uma nuvem que obscurece o sol;
em pouco tempo, ele volta a brilhar.
Mas aquele que busca benefícios, em troca de favores, é como um vento ruim; ele invade
o corpo, e causa uma doença invisível.

42
196.
Nas ladeiras altas e inclinadas nas montanhas não crescem árvores, mas os vales com rios
e lagos estão cheios de vegetação florescente.
Nas cachoeiras não se encontram peixes, mas os tanques tranquilos e profundos estão
cheios de peixes e tartarugas.
Uma conduta muito severa e rígida, uma mente fechada e um coração estreito são coisas
com as quais um sábio cuida.

197.
O sábio é sempre modesto e compreensivo; quem fracassa, em geral, é obstinado e
inflexível.

198.
Na vida cotidiana, não se envolva demais com pessoas pequenas, para não cair nas suas
vulgaridades.
Ao realizar ações meritórias, não se afaste das pessoas vulgares, mas também não espere
sua aprovação.

199.
O sol está se pondo, as nuvens e o céu são magníficos ao entardecer;
O ano está terminando, e as folhas de laranjeira desprendem um aroma sublime;
Nos últimos anos de seu Caminho, o sábio já refinou seu espírito cem vezes.

200.
A águia, de pé, parece estar dormindo; o tigre, quando avança, parece cansado; por meio
desses disfarces, eles apanham suas presas.
Assim, o sábio não revela sua sabedoria, nem faz alarde de seus talentos, e desse modo
leva a cabo suas difíceis tarefas.

201.
A simplicidade é uma qualidade virtuosa; mas, levada ao extremo, se transforma em
sovinice, mesquinharia vulgar, e atrapalha o Caminho.
A modéstia também é uma boa qualidade; mas levada ao extremo, se transforma em
leniência, complacência vulgar, e hipocrisia.

43
202.
Não se angustie quando as coisas não vão como o desejado, nem se regozije com qualquer
prazer;
Não espere que a tranquilidade dure muito tempo, nem tema as dificuldades para começar
uma tarefa.

203.
Uma família que gosta muito de festas e bebidas não é uma boa família;
Um mestre que busca os prazeres da carne não é um bom mestre;
Um oficial que pensa demais na sua carreira não é um bom oficial.

204.
As pessoas tomam por prazeroso aquilo que as satisfaz; mas, quando seus corações estão
cheios de prazeres, elas ficam amarguradas.
Por isso, o sábio se compraz com aquilo que contraria seus desejos, e no fim, sua amargura
se transforma em alegria.

205.
Quem vive satisfeito e na abundância é como água, a ponto de transbordar: não se pode
aumentar uma só gota.
Quem vive em crise e perigo constante, é como madeira a ponto de quebrar: não se pode
aumentar nem um pouco a pressão.

206.
Com olhos tranquilos, observe as pessoas;
Com ouvidos sóbrios, escute as palavras;
Com o coração tranquilo, perceba os problemas;
Com a mente serena, encontre a razão das coisas.

207.
O sábio é aberto e generoso, goza de bondade e prosperidade, e faz tudo com verdadeira
alegria.
O tolo vive miseravelmente, sua visão é estreita, suas ações são estéreis, e tudo o que faz
é com o espírito de avareza.

44
208.
Ao escutar que alguém fez o mal, não se apresse em condená-lo; podem ser apenas
calúnias.
Ao escutar que alguém fez o bem, não se apresse em elogiá-lo; pode ser apenas uma
artimanha.

209.
Uma pessoa rude e impetuosa não termina nada;
Uma pessoa tranquila é abençoada em tudo o que faz.

210.
Ao tratar com as pessoas, não seja seletivo ou exigente demais, ou poderá afastar pessoas
que poderiam ser úteis.
Ao fazer amizades, não seja seletivo ou exigente de menos, ou atrairá apenas os
bajuladores.

211.
Em meio aos ventos cortantes e chuvas violentas, firme seus pés;
Em meio ao mato alto e campos de flores, olhe para cima;
Em meio a um caminho perigoso e difícil, olhe para a trilha.

212.
Uma pessoa casta e íntegra cultiva sua amabilidade, e assim, não abre portas para o
desentendimento.
Uma pessoa que busca honra e posição deve cultivar a virtude da modéstia, e assim, não
abrirá portas para a intriga.

213.
Ao ocupar um cargo oficial, não envie cartas sem selo; seja difícil de ver, evitando
oportunistas e bajuladores.
Ao visitar sua aldeia, não seja orgulhoso nem mal-humorado; seja fácil de ver,
fortalecendo as antigas e verdadeiras amizades.

45
214.
A uma pessoa de posto alto se mostra respeito, e assim, evita-se a baixeza;
A uma pessoa comum se mostra respeito, e assim, evita-se a arrogância.

215.
Quando as coisas vão contra sua vontade, pense naqueles cuja situação não é boa como a
sua; seu sofrimento desaparecerá.
Quando seu coração estiver desalentado, pensa naqueles cujos sucessos superam aos seus;
você se sentirá renovado.

216.
Não faça promessas impensadas, com a desculpa de que estava feliz;
Não fique encolerizado, com a desculpa de que estava bêbado;
Não discuta por nada, abusando da vontade alheia;
Não abandone uma tarefa, com a desculpa de que está cansado.

217.
Quem compreende perfeitamente um livro, alcança o ponto em que suas mãos e pés
bailam juntos, e ele não cai nem na rede nem no anzol. [33]
Quem observa as coisas com perfeição, chega ao ponto em que seu coração se funde com
o espírito das coisas, e ele não deixa pegadas no chão. [34]

[33]
Não se atrapalha com as palavras ou pensamentos.
[34]
Agir natural e isento.

218.
O Céu torna alguém sábio para ensinar o povo ignorante, mas no mundo, há quem se
vanglorie de seus conhecimentos somente para mostrar aos outros seus defeitos.
O Céu torna alguém rico para que alivie o sofrimento das multidões, mas há quem use da
riqueza para abusar e maltratar os pobres.
Essas pessoas ofendem a vontade do Céu!

46
219.
O sábio não tem preocupações, o parvo não tem entendimento; com ambos, se pode
estudar e construir.
As pessoas com propensões destacadas, mas sem um guia, desenvolvem apenas um
aspecto da percepção e do entendimento; isso as torna introspectivas e desconfiadas, e é
difícil ajudá-las.

220.
A boca é a porta da mente; vigie-a com cuidado, ou deixará escapar suas intenções
ocultas.
Os pensamentos são os pés da mente; controle-os firmemente, ou será levado para o
caminho da perdição.

221.
Se aquele que julga os outros se comporta com clemência, por encontrar algo de
impecável naquele que cometeu um erro, então ele fica em paz.
Se o que julga a si mesmo se comporta com exigência, por encontrar um erro mesmo
entre as coisas boas que fez, ele se aproxima da virtude.
222.
Uma criança é um molde de adulto, um letrado é um molde de ministro; se nesse ponto
não se aplica fogo, a cerâmica não endurece, e um dia, diante da corte, será difícil que ele
tenha alguma utilidade.

223.
O sábio não se aflige no meio da adversidade, mas fica inquieto num banquete ou numa
viagem de descanso.
Ao encontrar com ricos e poderosos ele não muda, mas ao ver gente aflita e abandonada,
seu coração fica tocado.

47
224.
As flores do pessegueiro e da ameixeira são lindas, mas como compará-las com a
constância do verde escuro do pinheiro, ou do verde jade do cipreste?
A pera e o pêssego são doces, mas como compará-los com o cheiro da laranja ou da
tangerina?
Aquilo que é muito colorido desaparece rápido, o que é discreto permanece muito tempo.
O que floresce muito rápido não é tão bom quanto aquilo que amadurece com o tempo.

225.
Com ventos suaves e ondas tranquilas, se pode contemplar a verdadeira condição da vida
humana.
Comendo de forma simples e falando pouco, se pode conhecer a verdadeira raiz do
coração.

226.
Aqueles que falam da felicidade da vida nas montanhas e bosques, não necessariamente
entendem desse tipo de vida.
Aqueles que desdenham de cargos e riquezas, não necessariamente desprezam essas
coisas.

227.
Pescar sentado à beira d’água é um passatempo elegante, mas ainda assim, se tem poder
sobre a vida e a morte;
A dança Xianqi é apenas uma representação de luta, mas o espírito da batalha está ali
presente;
Assim, desfrutar da ação não é tão bom quanto a não-ação. [35]
Mostrar habilidade em tudo não é tão bom quanto preservar a natureza original. [36]

[35]
“Em chinês, esse princípio denomina-se wu wei e significa literalmente ‘não fazer’ mas seria melhor
traduzido como ‘não forçar’ ou ‘não obstruir’. Com referência ao Tao, é a percepção de que a atividade da
natureza não é auto obstrutiva. [...] O wu wei aplica-se também à atividade humana e refere-se a alguém
que não atrapalha o próprio caminho. Não bloqueamos nossa própria luz enquanto trabalhamos, e assim o
caminho do wu wei é o caminho da não obstrução ou da não interferência.” (Alan Watts) “Wu wei, não-
ação, é o princípio de deixar a vida se desdobrar sem interferir e sem forçar as coisas quando o tempo não
é apropriado.” [Ver livro: O Que É Tao? de Alan Watts]

48
[36]
Ziran ou tzu-jan, “O Tao trabalha por si mesmo. Sua natureza é ser, como se diz em chinês, tzu-jan,
aquilo é ‘de si mesmo’, ‘por si mesmo’ ou ‘assim mesmo'. [...] Às vezes a expressão é traduzida como
natureza, como quando falamos da natureza da montanhas, dos pássaros, das abelhas e das flores. [...] O
sentido fundamental do tzu-jan é que o Tao opera por si mesmo. Tudo que é natural opera por si, e não
existe nada que esteja acima dele e o faça funcionar. Do mesmo modo nosso corpo opera por si. Não
precisamos decidir quando e como nosso coração vai bater – ele simplesmente bate. Não podemos decidir
exatamente como vamos respirar – nossos pulmões se enchem e se esvaziam sem esforço.” (Alan Watts)
[Ver livro: O Que É Tao? de Alan Watts]

228.
Os campos estão cheios de pássaros e flores, as montanhas, exuberantes, e os vales,
belíssimos;
Mas tudo isso é uma ilusão do Céu e da Terra.
As águas secam, as árvores caem, as pedras estão nuas, e os campos cheios de vegetação
morta;
Esses são o Céu e a Terra.

229.
O tempo em si é longo, mas as pessoas dividem-no em meses e anos;
O Céu e a Terra são vastos, mas as pessoas dividem-nos em pedaços, e os usam mal;
As flores da primavera, os ventos do verão, a lua de outono, e mesmo a neve do inverno,
servem para a apreciação humana, mas as pessoas, sempre tão preocupadas, não
conseguem perceber isso.

230.
Para desfrutar da natureza, não é preciso ir longe; um pequeno laguinho, do tamanho de
uma tigela de arroz, algumas pedras miúdas, e se pode montar uma linda paisagem para
contemplação.
Para aprender a captar uma paisagem, não é preciso ir longe; de uma pequena janela,
numa cabaninha de bambu, com o vento e a lua a disposição, isso é o suficiente. [37]

[37]
Arte do Jardim Chinês (Yuanlin 园林, cuja miniaturização das coisas (árvores, pedras, lagos, etc.) é um
dos objetos de contemplação Chan.

49
231.
Ao escutar o som de um sininho numa noite quieta, podemos despertar do sonho do sono,
para o sonho da vida real. [38]
Ao observar o reflexo da lua nas águas límpidas de um lago, podemos revelar aos olhos
o corpo real [39] fora do corpo físico.

[38]
Referência a viajem astral, saída consciente do corpo físico durante o sono.
[39]
Referência a alma ou espírito.

232.
O canto dos pássaros, e o zumbindo dos insetos, são naturais para eles; a beleza das flores,
e as cores das ervas, apenas mostram o Tao (Caminho).
O sábio decifra os mistérios da natureza, e mantem sua mente clara e sensível para
compreender as essências de todas as coisas.

233.
As pessoas só podem entender livros que tenham palavras, não podem entender os livros
escritos sem palavras; elas podem tocar alaúdes com cordas, mas não podem tocar alaúdes
sem cordas.
Usam as formas exteriores, mas não compreendem a essência; como podem então
compreender realmente o que está escrito, ou o que é a música?

234.
Se um coração não é materialista, ele é como um céu de outono sem nuvens, ou como um
mar sem brumas.
Se alguém tem apenas seus livros e um alaúde por companhia, seu cantinho será como
um quarto de pedra, ou um palácio imortal.

235.
Uma festa cheia de convidados, bebendo e festejando, parece ser perfeita e animada.
Mas quando a ampulheta e as velas se esgotam, a festa termina; não há incenso, o chá
está frio, vomita-se o que se comeu, as pessoas estão bêbadas e indispostas.
Todas as coisas abaixo do Céu são assim; porque não prevenir, ao invés de arrepender-se
depois?

50
236.
Se alguém puder compreender a essência das coisas, é como se entrasse na eterna
contemplação dos Cinco Lagos e da Lua envolta em Bruma. [40]
Se alguém puder revelar aquilo que se move diante de seus olhos, é como se unisse aos
heróis de mil anos atrás, e compartilhasse suas virtudes.

[40]
Referência ao paraíso Budista.

237.
As montanhas, rios, a Terra, são apenas um grão de poeira no universo; a humanidade e
o mundo material são menores ainda, pois!
O corpo de carne e sangue, ao fim, se reduz a nada; e todas as coisas materiais se
transformam em meras sombras.

238.
A vida é como uma chispa que sai da pedra, impermanente e efêmera; porque se perde
tanto tempo?!!
O poder dos reinos é como um chifre de caracol; porque tanto esforço inútil?!!

239.
Uma lâmpada apagada não tem pavio, um abrigo em ruínas não abriga calor; ambos são
resultados do uso que se fez deles ao longo do tempo.
Se alguém é um falso asceta, cujo corpo se transforma em árvore seca, mas o coração em
cinzas frias, é inevitável que caia em erro.

51
240.
Se alguém está ocupado com uma vida ativa, ele pode parar, descansar, e recomeçar
quando for apropriado.
No entanto, se alguém busca apenas uma oportunidade para estancar, é como se estivesse
num casamento em que sempre há o que fazer, e os problemas nunca acabam.
Tornar-se um monge budista ou taoísta é bom, mas a busca pelo aprimoramento não
termina por aí.
Como diziam os antigos: ‘no momento de meditar, medite; se esperar por uma
oportunidade especial, nunca a terá’.
Sábias palavras!

241.
Quando estiver frio, pense no calor; verá que a pressa não ajuda.
Quando a perturbação dá lugar à calmaria, percebe-se o valor do descanso silencioso.

242.
Se para alguém a riqueza e a fortuna são vãs, como nuvens passageiras arrastadas pelo
vento, ele não precisa ir morar numa gruta da montanha.
Se alguém não for obcecado por retirar-se no meio das montanhas e fontes a ponto de
adoecer, pode se permitir então tomar um pouco de vinho e recitar poesias.

243.
Deixe que os outros briguem pela fama e pela riqueza, e não se perturbe com os corações
atormentados.
Seja indiferente a tudo isso, mas não se orgulhe de sua sabedoria.
É o que se diz, no Budismo: ‘não se deixe cegar pelas dez mil coisas, não se engane com
as ilusões, e liberte o corpo e a alma’.

244.
A pressa ou a morosidade do tempo estão na mente;
A grandeza ou a pequenez estão no tamanho do coração;
Para aquele cujo coração está em paz, um dia apenas é como mil anos;
Para aquele cuja mente está em paz, uma casinha pequena é vasta como o Céu e a Terra.

52
245.
Diminua seus desejos, diminua ainda mais, até que se resumam a cultivar flores e podar
bambus; ao fim, você alcançará a natureza original pela não-ação. [41]
Esqueça as coisas externas, até que se lembre apenas de queimar incenso e servir chá; ao
fim, você não precisará mais pedir por vinho. [42]

[41]
“Em chinês, esse princípio denomina-se wu wei e significa literalmente ‘não fazer’ mas seria melhor
traduzido como ‘não forçar’ ou ‘não obstruir’. Com referência ao Tao, é a percepção de que a atividade da
natureza não é auto obstrutiva. [...] O wu wei aplica-se também à atividade humana e refere-se a alguém
que não atrapalha o próprio caminho. Não bloqueamos nossa própria luz enquanto trabalhamos, e assim o
caminho do wu wei é o caminho da não obstrução ou da não interferência.” (Alan Watts) “Wu wei, não-
ação, é o princípio de deixar a vida se desdobrar sem interferir e sem forçar as coisas quando o tempo não
é apropriado.” [Ver livro: O Que É Tao? de Alan Watts]

[42]
No original, ‘chamar pelo servo de branco’ (garçom), ou seja, dispensar favores e necessidades externas.

246.
Todas as coisas passam diante dos olhos: quem as compreende por inteiro, alcança o
domínio dos imortais; quem não as compreende, continua preso do mundo material.
Todas as coisas do Céu e da Terra têm seus princípios: que souber empregá-los com
perfeição, conseguirá manter sua vitalidade; quem não souber, caminha rumo à morte.

247.
Quem se apressa a bajular o poderoso, atrai para si mesmo o mais rápido e miserável dos
azares.
Quem é indiferente ao poder e a fama, permanece na mais sutil e duradoura tranquilidade.

248.
Caminho sozinho, cajado na mão, por entre as alamedas de pinheiros; e quando faço uma
pausa, a bruma envolve minhas roupas rotas.
Baixo a janelinha de bambu, a cabeça encostada num livro; desperto com a luz da lua
sobre minha coberta.
Tais são os prazeres da solitude, que qualquer um pode perceber, se cultivar sua mente.

53
249.
A luxúria é um fogo devorador, mas apenas um pensamento sobre sua inconveniência a
transforma em cinzas.
A ambição material é atraente como um doce, mas apenas uma breve ponderação sobre
os perigos de buscá-la fazem com que ela perca o seu sabor.

250.
Quando todos querem avançar ao mesmo tempo, o caminho se atravanca; dê um passo
atrás, e o caminho se libera.
Quando uma comida é muito condimentada, ela perde seu sabor agradável; com a medida
certa de tempero, ela se torna excelente.

251.
Para que a mente fique calma em tempos agitados, ela deve ser cultivada em tempos de
paz.
Para que o coração seja firme perante a morte, acostume-o com a ideia durante a vida.

252.
No bosque dos eremitas, não existe nem glória nem desgraça;
No Caminho Correto [43], não existe nem frio nem quente.

[43]
Caminho Correto, ou Tao.

253.
Quando está muito quente, não é preciso acabar com o calor intenso, mas apenas se
refugiar na sombra do Terraço da Brisa; [44]
A pobreza não precisa ser eliminada; apenas pare de se preocupar com ela, e seu coração
ficará calmo, tranquilo e alegre.

[44]
Pavilhão coberto para a contemplação dos jardins.

54
254.
Quando se vai bem, pense no que pode dar errado; isso evita acidentes, e prepara para os
avanços e retrocessos que sempre acontecem.
Quando se dedicar a uma tarefa, primeiro pense em como vai terminá-la; isso evita o
perigo de ter que cavalgar no lombo do tigre. [45]

[45]
Enrascada, situação complicada de sair.

255.
Quem gosta de ouro, mas se ressente de não ter jade; quem ganha um posto, mas se
ressente de não ter um cargo mais alto; esse, mesmo tendo poder e riqueza, continua sendo
um mendigo.
Quem se contenta com a sorte; toma sopa como se fossem carne e grão de primeira; que
se veste com roupas comuns, mas se sente confortável, como se estivesse com pele de
raposa ou arminho;
O humilde não é, assim, menos feliz do que reis ou príncipes.

256.
Esconder o próprio nome é melhor do que divulgá-lo;
Deixar as coisas do mundo, e ficar em paz, é melhor do que se cansar sem fim nas coisas
materiais.

257.
Quem se aquieta percebe as nuvens brancas, as pedras, e começa a compreender as coisas
mais profundas.
Quem se cansa correndo atrás de riqueza, precisa de música e festa para esquecer suas
fadigas.
Quem realmente se ilumina, não se perde na solidão ou na sensualidade, mas encontra,
em qualquer lugar, as manifestações das leis do Céu.

258.
Uma nuvem solitária atravessa as montanhas sem se preocupar se vai passar ou cair;
A lua no Céu continua calma, estando além dos problemas mundanos.

55
259.
O verdadeiro sabor não está nos pratos finos e caros, mas em comer grão simples e beber
água;
A tristeza não nasce da solidão, mas sim de viver entre a seda fina e o bambu;
Assim, o verdadeiro sabor não está nos prazeres efêmeros que se desvanecem, mas sim,
no que é sutil e simples.

260.
Diz um ditado Chan: ‘coma quando tiver fome, durma quando estiver cansado’;
O Tratado das Poesias diz: ‘veja o que se passa diante de seus olhos, e transforme em
frases bonitas’;
A verdade mais profunda reside no mais simples; o mais difícil surge do mais fácil.
Quem deseja chegar se desvia, e nunca alcança; quem se esvazia de desejo, se mantém
no Caminho Correto. [46]

[46]
Caminho Correto, ou Tao.

261.
Quem vive na margem de um rio se acostuma com o barulho da água, e não o escuta mais;
assim, é possível ter tranquilidade perto da confusão.
As montanhas são altas, mas não impedem a passagem das nuvens; assim, se aprecia o
mistério da transformação das coisas.
262.
As montanhas e os bosques são paisagens belíssimas, mas quando as pessoas se encantam
com elas, se transformam em feiras.
Livros e pinturas são objetos apreciáveis, mas quando as pessoas os valorizam, se
transformam em mercadorias.
Um coração, livre dos desejos de fama e riqueza, transforma a Terra numa residência
imortal;
Mas um coração, sempre cheio de desejos, faz com que até um paraíso seja um mar de
lágrimas.

56
263.
No meio do barulho e da confusão, a tranquilidade da mente se dispersa e se perde;
Em meio à paz e a tranquilidade, o que se perdeu regressa, e o que foi esquecido é
lembrado;
Entre a calma e a agitação há pouca diferença, mas entre a ignorância e a sapiência, há
uma diferença enorme.

264.
Deitado na minha cabana nas montanhas, a neve cai, as nuvens voam ao meu redor no ar
da noite; apenas com meu copo de vinho na mão, recitarei poemas ao vento, sob a luz da
lua, e estarei longe de tudo. [47]

[47]
No Original: ‘Estarei a dez mil Zhang (丈= aprox. 3,3 metros) de toda poeira vermelha’.

265.
Se entre todos os oficiais paramentados, surge um montanhês rude com seu bastão, a
cerimônia adquire importância;
Se pescadores ou lenhadores fossem acompanhados por um oficial vestido de gala, o
grupo ficaria muito estranho;
O exagero não é melhor que o simples, o vulgar não é tão bom quanto o refinado.

266.
Só é preciso estudar e experimentar o Tao (Caminho) para se realizar no mundo; não é
necessário afastar-se das pessoas, ou fugir da civilização.
Para que o coração se realize, use suas habilidades ao máximo, não transforme sua mente
em cinzas, nem deprecie o mundo.

267.
Se minha vida não está em conflito com o mundo; glória ou desonra, êxito ou fracasso,
quem pode me dar ou tirar tais coisas?
Se meu coração permanece em paz e sossego; bem ou mal, ganho ou perda, quem poderá
me enganar ou confundir com essas coisas?

57
268.
Perto da cerca de bambu, ouço o cão ladrar, e a galinha cacarejar, e me sinto como se
estivesse num mundo de nuvens;
Da minha sala de estudo, escuto o som dos grilos e dos patos, e me dou conta que, dentro
do silêncio, há um outro mundo.

269.
Se não cobiço honras e riquezas, que favores ou ganhos podem tentar-me?
Se não compito por altos cargos, que problemas oficiais podem incomodar-me?

270.
Passeando pelas montanhas e bosques, pelas fontes e rochedos, a agitação do coração
gradualmente desaparece.
Há uma calma prazerosa na poesia e na pintura, que faz os pensamentos vulgares
desaparecerem.
Assim, o sábio não se apega aos prazeres, nem perde suas aspirações, e sempre encontra
formas de cultivar a si mesmo.

271.
Na primavera, a paisagem é toda florida, e as pessoas se enchem de felicidade;
Mas o melhor é o outono, com suas nuvens brancas e seu vento fresco, suas orquídeas
cheirosas e ramos frondosos, a água e o céu com a mesma cor.
Acima e abaixo, tudo brilha, dando leveza e purificando o corpo e o espírito.

272.
Uma pessoa sem conhecimento, mas que fala com um sentimento poético, pode ter
compreendido a poesia;
Uma pessoa que não estudou as escrituras budistas, mas que fala sabiamente, pode ter
despertado para a sabedoria das coisas.

58
273.
Uma pessoa inquieta vê sombras de serpentes, e suspeita de todos; vê tigres na espreita,
onde há rochas paradas; enfim, tudo lhe parece sinistro e fatal.
Uma pessoa tranquila vê gaivotas nas pedras em que os outros veem tigres; ouve canções
nos ramos que se mexem, e tudo que vê lhe parece ter um aspecto benéfico.

274.
O corpo é como um bote desamarrado, boia na corrente até topar numa margem;
O coração é como madeira queimada, não se pode cortá-lo, nem fazer dele incenso.

275.
As pessoas escutam o canto do papafigo e acham-no agradável, ouvem o coaxar das rãs
e acham-no repulsivo.
Ao verem flores, querem cultivá-las, ao verem ervas-daninhas, querem arrancá-las.
Essas são manifestações de personalidade, de aversão ou repulsão por uma coisa ou outra.
Se pudermos reconhecer o princípio do Céu, não haverá som animal incômodo, e todas
as plantas nascerão livremente, seguindo naturalmente sua natureza original.

276.
O cabelo e os dentes caem, é o declínio natural do corpo físico;
Mas no canto dos pássaros e na beleza das flores, podemos perceber a vitalidade essencial
da natureza.
277.
Um coração cheio de desejos cria ondas num lago gelado, e não encontra paz, nem nas
montanhas, nem nos bosques;
Um coração calmo encontra frescor no verão mais quente, e nem nota o alvoroço no
mercado.

278.
Quem acumula riqueza, multiplica cuidados; os ricos e poderosos têm, assim, mais
preocupações que os pobres.
Quem alçou um alto cargo vacila e cai; e quem se preocupa com isso, nunca descansa
como as pessoas comuns.

59
279.
[48]
Ao amanhecer, lendo o Tratado das Mutações debaixo da janela, moo a pedra de
pigmento e uso orvalho dos pinheiros para fazer tinta, e sublinhar passagens de sabedoria.
Ao meio dia, comentando as escrituras budistas sobre a mesa, ouço tocar os sinos de jade
pelo vento, e deixo que ele leve esses sons para o bosque de bambus.

[48]
I Ching (易經), ou Tratado das Mutações, obra fundamental do Taoísmo e do Confucionismo. Usada
tanto para estudo ou como oráculo, discorre sobre a permanente alternância entre as energias Yin e Yang
concebendo abordagens filosóficas, religiosas, místicas, política e até estratégica.

280.
Uma flor pode crescer num vaso, mas sua força natural logo se esgota;
Um pássaro pode cantar numa gaiola, mas nunca será um canto naturalmente livre;
Não são os pássaros e as flores da montanha que estão misturados na paisagem rica de
cores, mas sim, é a liberdade que permite compreender a sua existência, sem grilhões, em
meio à natureza.

281.
O homem vulgar pensa demais em si mesmo, e por isso também se preocupa demais com
tudo.
Os antigos diziam: ‘se você conhece a si mesmo, como pode se preocupar tanto com as
coisas?’.
Também disseram: ‘se você sabe que seu corpo não é você mesmo, porque deixa que
tantas preocupações entrem em seu coração?’
Essas palavras dizem toda a verdade!

282.
Ao ver um velho triste e solitário, pense que talvez ele possa ter passado sua vida lutando
por bens e fortuna;
Ao ver uma pessoa que acabou com sua fortuna, pense no fato de que toda sua riqueza se
foi, sem deixar nada atrás de si.

60
283.
Os caminhos humanos e das formas naturais mudam, num piscar de olhos, de dez mil
maneiras diferentes, mas isso não deve ser levado ao pé da letra.
Disse Yaofu [49]
: ‘o que nos tempos passados se chamava ‘Eu’, no presente se chama
‘Ele’; mas não sei no que se converterá, no futuro, o que hoje se chama ‘Eu’.’
Reflita com cuidado nessa afirmação, e se livrará de toda a angústia e ansiedade.

[49]
Poeta que viveu durante a dinastia Song (960-1127).

284.
Em meio à algazarra, considere as coisas com um olhar sóbrio, eliminando da mente o
que lhe incomoda.
Em meio à desolação, conserve a alegria do espírito, e encontrará as causas da felicidade
verdadeira.

285.
Onde há alegria, há tristeza; onde há prazer, há desgosto;
Numa vida comum, em sua própria casa, comendo de maneira simples, se pode encontrar
as coisas mais belas, tendo o conforto e a segurança de um ninho.
286.
Abra as cortinas, veja as montanhas verdes e as águas azuis envoltas em bruma, e
entenderá o quão livres são o Céu e a Terra.
Veja os bambus e as árvores que acolhem os pardais, anunciando a nova estação, e
esquecerá a diferença entre você e o mundo.

287.
Sabendo que existe a mutação, e que tudo um dia declina, o desejo de obter sucesso já
não é tão forte;
Sabendo que existe vida, e que tudo um dia morre, não desperdice mais tanta energia
querendo ser imortal.

61
288.
Um monge budista de grande virtude disse: ‘A sombra das folhagens do bambu varre os
passos, e não larga poeira; o reflexo da lua, na lagoa, não deixa marcas na água’.
Um estudioso confucionista comentou: ‘Ainda que as águas fluam com violência,
permanecem tranquilas; ainda que caiam pétalas de rosa em ti, permaneces o mesmo’
Uma pessoa que cultivar esse tipo de atitude conseguirá obter a liberdade do corpo e da
alma.

289.
Escute o som dos pinheiros no bosque, ou o murmúrio das fontes nas rochas, e poderá
admirar os sons do Céu e da Terra;
Observe a névoa por cima dos pastos, e o reflexo das nuvens na água, e poderá contemplar
a belíssima linguagem da natureza.

290.
Quando a Dinastia Jin estava prestes a acabar, um par de camelos de bronze reais foi
roubado, e largado no meio do mato, cumprindo uma antiga profecia sobre o fim do reino;
ainda assim, eles se orgulhavam de seu garboso exército.
Mesmo que seus corpos estivessem prontos para servir de pasto para os cães e as raposas
do norte, ainda assim, se preocupavam em acumular ouro.
Um provérbio diz: ‘bestas ferozes podem ser domadas, mas o coração humano é difícil
de dominar; vales profundos podem ser preenchidos, mas a ganância humana é
insaciável’.
Palavras verdadeiras!

291.
Se dentro de sua mente não houver nem vento nem ondas, então, em todo o lugar, você
estará em meio a montanhas e águas azuis.
Se seu espírito alcançou o florescimento da consciência perfeita, então, em todo o lugar
você verá peixes saltando, e pássaros cantando.

62
292.
Quando alguém bem vestido vê a felicidade de um pobre em suas roupas humildes, ele
suspira desconcertado, e pensa em suas pesadas responsabilidades;
Quando alguém rico, em meio a um suntuoso banquete, vê a alegria do humilde em seu
próprio canto, sente um tanto de inveja;
Porque as pessoas fazem bois correrem com fogo? Porque tentam cruzar touros com
cavalos?
Porque as pessoas vivem de aparências, ao invés de simplesmente seguirem suas
naturezas?

293.
Quando um peixe nada, não tem consciência da água em que se move;
Quando um pássaro voa, não tem consciência do ar em que se move;
Quem se der conta disso, pode superar as aparências, e adentrar os mistérios da natureza.

294.
As raposas dormem nas ruínas, e os coelhos em terraços desolados; ambos já foram, antes,
salões de baile e de festa;
Os campos de lírios molhados de orvalho, e cobertos agora de erva e bruma, foram os
lugares onde lutaram os heróis;
A prosperidade e a decadência são eternas; onde estão aqueles que eram fortes, e onde
estão os que eram fracos?
Esse pensamento faz com o que o coração se aflija!

295.
Não importam os favores ou os insultos que você receba; em seu posto, nunca mude de
conduta.
Na calmaria, observe a Corte como as flores, que se abrem e depois murcham.
Não importa que você permaneça, ou seja retirado de seu posto; que isso não seja nada
para você.
Apenas observa o céu, serenamente, e veja como as nuvens se juntam e se dispersam logo.

63
296.
No Céu claro iluminado pela lua não há um espaço enorme para voar? E assim mesmo, a
mariposa se lança contra a luz da vela.
Entre as fontes puras e os frutos silvestres, não há o que beber e comer? No entanto, a
coruja não insiste em seu vício pela carne podre dos ratos?
Ah! Quantas pessoas no mundo não são como as mariposas e as corujas?

297.
Quem tomou uma balsa para atravessar o rio, e depois se esqueceu dela, é alguém que já
não está no caminho das aparências.
Quem está montado num burro, e pensa nos burros que vai montar, não compreendeu
nada, ainda, do Caminho Chan.

298.
Quem é rico e poderoso, com porte de dragão voador, herói destemido, que luta com
tigres;
Para o sábio, ele é como uma formiga ao redor de carne podre, ou como uma mosca
disputando uma gota de sangue.
As perguntas sobre bem e mal, que incomodam como um enxame de abelhas, e as
discussões sobre perda e ganho, que espetam como um porco espinho, não devem
incomodar um espírito tranquilo; assim, elas se fundirão como ouro no forno, ou como a
neve na água fervente.

299.
Quem leva a vida, acorrentado aos desejos, pensa que ela é ruim.
Quem chega à morada do conhecimento em si mesmo, pensa que a vida é boa.
Reconheça a origem da aflição, elimine-a, e seu espírito se acalmará.
Ao saber a razão das alegrias, se chega à morada dos sábios.

300.
Se no coração não houver mais desejos materiais, ele é como a neve numa estufa, ou o
gelo que derrete debaixo do sol.
Se os olhos veem um pedaço de brilho na vastidão, sabem que é a lua do Céu, refletida
nas ondas do lago.

64
301.
Sobre a ponte Baling, a inspiração poética produz poemas profundos sobre bosques e
montanhas, que parecem perfeitos ante a própria perfeição.
Nas margens do lago Jinhu, nos invade uma sensação de rusticidade; e ao nos
aproximarmos, sós, vemos as montanhas refletidas nas águas.

302.
Uma ave há muito tempo escondida sai voando, de repente, em disparada;
Uma floração, apressada em abrir, certamente murchará rápido;
Sabendo dessas coisas, se evitam os perigos de assumir altos cargos, livrando os
pensamentos da impaciência de ir longe.

303.
Uma árvore volta às raízes, e então vemos que as flores, as folhas e os ramos, floresceram
em vão.
Os assuntos humanos se encerram no caixão; e então, vemos que sedas e jades não servem
para nada.

304.
Ao buscar ir além do mundo das formas, quem se aferra na busca perde-se, e acaba
vivendo de ilusão.
Pergunta-se aos Patriarcas Budistas: como isso pode acontecer?
Para quem está nesse mundo, e quer ir além dele, desejar a busca traz dor, e cortar os
desejos também traz dor.
Escute; a justa medida, para o espírito, é o Caminho Correto. [50]

[50]
Referência ao Caminho do Meio, proposto por Buda: “Se você apertar demais a corda, ela se arrebentará.
E se você a deixar muito frouxa, ela não tocará.”

65
305.
Uma pessoa boa dá mil riquezas, mas o mau briga por uma moeda; eles estão tão distantes
um do outro como a estrela está do abismo, mas ambos buscam um bom nome para si.
O imperador que governa o mundo, e o mendigo que pede sobras de comida, são tão
diferentes entre si como o Céu e a Terra; mas há diferença quando gritam de angústia, ou
quando se preocupam seriamente?

306.
Aquele que conheceu os segredos do mundo deixa que a chuva apague seus rastros, e que
as nuvens o encubram; ele não se preocupa em como será compreendido.
Aquele que realmente conheceu a humanidade, quando insistem com ele em algo,
simplesmente responde como um boi ou um cavalo: apenas a abana a cabeça, com
indiferença.

307.
Hoje em dia, as pessoas tentam meditar para apagar seus desejos e pensamentos confusos,
mas nunca conseguem fazê-lo.
Apenas a mente que apaga os pensamentos anteriores, e se fecha aos anseios futuros, pode
ter sucesso.
Só uma mente que expulsa o imediatismo pode alcançar alguma coisa.

308.
Uma imagem que surge na mente, de forma natural, é a mais bela paisagem;
Uma coisa que surge no mundo, de forma natural, permite que vejamos sua verdadeira
essência.
A mínima intervenção artificial lhe estraga o sabor.
Bai Juyi [51] disse: ‘uma ideia poética que não se prende a nada, e não depende de coisa
alguma, é a melhor de todas; uma brisa que sopra espontaneamente é a mais refrescante’.
Que grande verdade!

[51]
Renomado chinês poeta da dinastia Tang.

66
309.
Coma quando tem fome, beba quando tem sede; com o espírito puro, nada mais faça do
que nutrir o corpo e o coração de saúde.
Mas se o espírito está corrompido, ainda que alguém leia escrituras sagradas, e faça
orações divinas, seu coração é somente astúcia e fel.

310.
Na mente humana, há um verdadeiro paraíso: ela tem a verdadeira alegria e paz, sem
precisar de sedas finas ou bambus; ela tem o mais puro dos aromas, sem precisar de
incensos ou chás perfumados.
Pense num lugar vazio, em que só há a pureza, e você esquecerá o mundo das formas;
assim, você poderá entrar no mundo dos santos. [52]

[52]
Alusão ao Budismo da Terra Pura, que busca um paraíso imaculado das sensações e ilusões materiais.

311.
O ouro vem de uma mina escura, o jade vem de pedras simples: não se pode saciar o
verdadeiro com o que é ilusório.
O mistério do Tao (Caminho) está numa garrafa de vinho; o Tao (Caminho) dos imortais
está num pessegueiro;
Não se pode buscar o espírito se separando do cotidiano.

312.
Há dez mil coisas entre o Céu e a Terra; há dez mil coisas na cabeça das pessoas; há dez
mil coisas nos Caminhos do mundo.
Na visão comum, todas as coisas parecem diferentes; mas para quem encontrou o Tao
(Caminho), todas parecem a mesma coisa, que vêm da mesma semente.
Assim, porque buscar diferenças?
Porque escolher ou refutar?

67
313.
Dormir profundamente, envolto numa coberta simples, pode revelar muito sobre o Céu e
a Terra.
Viver de modo frugal, comendo sopas de vegetais e arroz, nos afasta de muitos problemas
da riqueza material.

314.
Um coração livre, de correntes, vive na Terra da Pureza, mesmo que esteja no meio de
um açougue [53] ou numa taverna. [54]
Um coração, preso aos prazeres do mundo, está sempre amarrado às tentações e
armadilhas dos demônios.
Diz um provérbio:
‘Descanse dos desejos, e o mundo se converte num lugar puro e bom;
[Mas] Viva na ilusão, e mesmo sendo um monge, continuará na ignorância’.

[53]
Açougue, lugar o qual promove-se o sofrimento de seres sencientes, o açougueiro ganha seu sustento
com a morte de animais inocentes.

[54]
Taverna, ou bar, lugar o qual também promove o sofrimento de seres sencientes, o homem comum que
lá frequenta, busca por prazeres superficiais, entorpece a mente e os sentidos.

315.
Sentado num quartinho pequeno, dez mil pensamentos me abandonam; porque suspiraria
por viver entre cortinas de pérolas, que caem como chuva?
Depois de três copos de vinho me encontro comigo mesmo, espontâneo e natural, e só
escuto o alaúde cantar para a lua, e a flauta cantar com o vento.

316.
Quando os dez mil sons se calam, escuto o canto do pássaro, e compreendo a beleza.
Quando as dez mil plantas murcham, de pronto vejo o broto nascendo, e compreendo a
vida.
A energia do Céu nunca acaba, e espalha a vida em tudo que toca.

68
317.
Bai Juyi [55] disse: ‘deixe o corpo e a mente seguirem sua própria natureza; deixe o Céu
decidir pela sorte ou azar de alguém’.
Cao Shi disse: ‘refreie o corpo e a mente, para que eles não desejem: e assim, repousarão
naturalmente’.
Quem faz tudo que o corpo e a mente desejam, termina indolente e louco;
Quem refreia tudo que o corpo e a mente desejam, termina só e estagnado;
Apenas quem sabe controlar a si mesmo, pode se liberar ou se refrear no momento
adequado.

[55]
Renomado chinês poeta da dinastia Tang.

318.
Quando vê a lua no Céu, durante uma noite nevada, o coração sente a mesma pureza;
Quando sente o sopro da brisa na primavera, o coração sente a mesma suavidade;
Nesses momentos, o coração se funde com a natureza, e as diferenças desaparecem.

319.
Os escritos verdadeiramente cultos são simples. O Tao (Caminho) transforma tudo em
simplicidade; e a simplicidade significa ‘não ter limites’.
Por exemplo: ‘o latir dos cães, o pessegueiro, o cacareco das galinhas ao lado das
amoreiras...’
Quanta pureza e simplicidade há nisso!
Mas nas palavras: ‘o reflexo da lua no lago frio, e os corvos pousados nas velhas
árvores...’
Quanta tristeza e decadência há nisso!

320.
Quem usa sua própria força interior para mudar as coisas, não se orgulha do sucesso, nem
se chateia com o fracasso, não se prende a nada neste mundo.
Quem se apega as coisas, fica ressentido com os obstáculos que encontra, e se aferra ao
que consegue; para esse, um fio de cabelo o prende no mundo.

69
321.
Ao desaparecer a ideia de uma coisa, a coisa em si desaparece.
Quem se afasta de uma coisa, mas continua pensando nela, tenta separar a sombra do
objeto: mas prende-se ao corpo e a forma.
Quando a mente está vazia, o restante se esvazia. Mas quem deseja ater-se ao restante,
sem esvaziar a mente, no fundo tenta separar as moscas da comida podre.

322.
O sábio, recluso, faz tudo o que pode para chegar à compreensão; bebe vinho sem se
embriagar, joga xadrez sem disputar, toca flauta sem preciosismo, e o alaúde de forma
simples; ele reúne os amigos verdadeiros e sinceros, em encontros animados e despojados
de requintes.
Quem não compreende isso, e se atém aos formalismos rígidos, viverá num mar de
lágrimas nesse mundo.

323.
Pense em sua aparência antes de nascer; imagine como será depois de morrer; assim, seus
dez mil pensamentos se tornarão cinzas frias, e você encontrará a tranquilidade da
natureza original.
Você poderá sair desse mundo, e viajar ao tempo anterior a todas as dez mil coisas.

324.
Ficar doente, para depois dar valor a saúde; brigar, para depois entender que a paz é uma
benção;
Quem disse que isso é sapiência?
Ficar feliz, mas compreender que a raiz da tristeza já está presente; cuidar da vida,
sabendo que essa é a causa da morte;
Isso sim é inteligência!

70
325.
[56]
Atores usam escovas e pó vermelho para se transformarem em aparências diversas,
boas ou más; mas num momento, sua função termina.
Onde está o belo e o feio?
Jogadores de xadrez disputam avidamente para vencer seu oponente; mas num momento,
o jogo acaba.
Onde está a vitória e a derrota?

[56]
Maquiagem própria do Teatro Chinês.

326.
Apenas quem está calmo pode apreciar por completo a beleza do vento soprando sobre
as flores, ou o brilho pálido da chuva sobre a neve.
Apenas quem domina a não-ação [57] pode se impressionar com as mudanças das águas e
dos bosques, e com as transformações sutis dos bambus e das pedras.

[57]
“Em chinês, esse princípio denomina-se wu wei e significa literalmente ‘não fazer’ mas seria melhor
traduzido como ‘não forçar’ ou ‘não obstruir’. Com referência ao Tao, é a percepção de que a atividade da
natureza não é auto obstrutiva. [...] O wu wei aplica-se também à atividade humana e refere-se a alguém
que não atrapalha o próprio caminho. Não bloqueamos nossa própria luz enquanto trabalhamos, e assim o
caminho do wu wei é o caminho da não obstrução ou da não interferência.” (Alan Watts) “Wu wei, não-
ação, é o princípio de deixar a vida se desdobrar sem interferir e sem forçar as coisas quando o tempo não
é apropriado.” [Ver livro: O Que É Tao? de Alan Watts]

71
327.
Os camponeses saltam de prazer e felicidade quando alguém fala de frango cozido e
[58]
jiu ; mas ao falar de comidas refinadas, servidas em trípodes de ouro, eles não
compreenderão.
Fale de roupas simples e vestimentas confortáveis, e eles ficarão interessados; mas
comente sobre os trajes cerimoniais da corte, e eles não saberão nada.
Mantenha a natureza original tranquila e sem mudanças, sem preocupar-se com riquezas
e glórias;
Esse é o maior prazer da vida humana, o outro extremo da miséria humana.

[58]
Jiu, bebida alcóolica chinesa derivada basicamente de água, grãos, e fermento do licor. Seu caractere
chinês 酒 é usado no Japão, onde se pronuncia sake ou shu; e na Coreia, onde se pronuncia ju,

328.
Uma mente livre dos desejos não se preocupa mais com si mesmo; por isso, o Budismo
aconselha a observar a mente, fonte dos mais pesados obstáculos.
As dez mil coisas têm apenas uma raiz; para que se preocupar em diferenciá-las?
Zhuangzi [59] disse: ‘todas as coisas são uma só, e por isso não devemos dividir o um em
dois’.

[59]
Zhuangzi ou Chuang Tzu foi um dos considerados Três Grandes Mestres Taoístas, juntamente com Lao
Tzu e Lie Tzu.

329.
Alguém que, no meio da festa mais animada, é capaz de se arrumar e ir embora, é uma
pessoa sábia e admirável, capaz de andar a cavalo na beira de um precipício.
Alguém que, findando a água da clepsidra, continua pensando em riqueza, é uma pessoa
mesquinha e ridícula, que banha seu corpo num mar de amargura.

72
330.
Quem não consegue ainda se controlar, deve afastar-se um pouco da confusão cotidiana,
de modo que sua mente não veja o que a inquieta, e não se perca; assim, acalmará seu
corpo e seu coração.
Quem consegue se dominar, deve voltar para a agitação da vida, pois sua mente vê, mas
não se sente tentada ou atraída, e isso o ajudará ainda mais a superar as coisas do mundo.

331.
Quem ama silêncio, e detesta barulho, acabará buscando tranquilidade fora do mundo
cotidiano. Mas, sem o contato humano, a mente retorna ao seu estado original, e ela pode
se inquietar e ficar ansiosa.
A quietude está na raiz do movimento;
Como compreender que eu e os outros somos um só?
Como esquecer a diferença entre quietude e movimento?

332.
Na montanha, a mente respira, e fica cheia de bons pensamentos;
Uma nuvem que passa, o canto das garças, isso incita a mente a voar;
Um riacho que murmura nas pedras, isso banha a mente em água cristalina;
Fazer carinho num zimbro ou numa ameixeira, isso dá um sentimento de segurança e
retidão;
Com aves e cervos como companhias, a mente esquece imediatamente seus problemas;
Mas ao voltar ao mundo da agitação, uma pessoa não apenas volta a relacionar-se com as
coisas, mas torna-se servo delas.

333.
Feliz, ande tranquilamente pelos pastos, descalço; as aves te acompanharão, e te farão
esquecer seus problemas.
Deixe sua mente se fundir com a paisagem; sente sobre as pétalas caídas, observe as
nuvens no Céu, e deixe o sentido de ‘eu’ desaparecer.

73
334.
Na vida, felicidade e tristeza surgem na mente.
Diz o Budismo: ‘a ganância é um fogo devorador, e um abismo de sofrimento’.
Ter desejos insaciáveis é como afundar num mar de amargura;
Mas apenas um pensamento bom é capaz de mudar o fogo para água;
Apenas um pensamento correto é capaz de levá-lo, como um bote, até uma margem
segura.
Assim, os pensamentos são levados, de um lado ao outro, chegando aos extremos.
Devemos, portanto, ser cuidadosos com a mente.

335.
Uma serra de corda corta a madeira, uma gota d’água fura a rocha; quem estuda o Tao,
deve ser constante.
A água que flui se transforma em canal, a fruta madura cai do pé; quem busca o Tao, deve
procurar a perfeição.

336.
Ao vencer os combates da vida, chega-se a um lugar em que a lua é clara, a brisa é suave,
e a vida não é mais um mar de amarguras.
Ao limpar a mente das agitações, não se escuta mais o ruído dos cavalos e carruagens, e
não é necessário fugir para a montanha para conseguir sossego.

337.
Quando as árvores e plantas murcham, os brotos nascem de suas raízes;
O inverno é gelado, mas quando o vento sopra e as cinzas voam, é porque o sol está
voltando;
Mesmos nas solenidades funerais, pode-se perceber os sinais da vida;
Assim, apreciamos os espíritos do Céu e da Terra.

338.
Olhe a cor da montanha, quando chove; ela ganha uma beleza diferente.
Ouça o som de um sininho no meio da noite; ele fica muito mais claro.

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339.
Vá para um lugar alto, e amplie sua mente;
Contempla a água, e deixe que ela leve seus pensamentos;
Leia um livro numa noite fria de inverno, e purifique seu coração;
Suba uma montanha, declame poemas para o Céu, e vá para além desse mundo.

340.
Para um coração aberto, dez mil tigelas são como uma vasilha de barro;
Para um coração mesquinho, um cabelo é tão grande como a roda de uma carruagem.

341.
Sem chuva, vento, flores e salgueiros, não existe a natureza;
Sem sentimentos, anseios, preferências e hábitos, não existe mente.
Somente quem controla as coisas, e não é escravo delas, tem sua vontade inspirada pelo
Céu, e seus pensamentos encontram a justa medida.

342.
Somente quando uma pessoa compreende a si mesma, é que pode deixar as dez mil coisas
se desenrolarem, conforme suas dez mil naturezas.
Somente quando se governa corretamente pela não-ação [60], sem reclamar méritos, mas
deixando a natureza agir, essa pessoa pode ser dita sábia.

[60]
“Em chinês, esse princípio denomina-se wu wei e significa literalmente ‘não fazer’ mas seria melhor
traduzido como ‘não forçar’ ou ‘não obstruir’. Com referência ao Tao, é a percepção de que a atividade da
natureza não é auto obstrutiva. [...] O wu wei aplica-se também à atividade humana e refere-se a alguém
que não atrapalha o próprio caminho. Não bloqueamos nossa própria luz enquanto trabalhamos, e assim o
caminho do wu wei é o caminho da não obstrução ou da não interferência.” (Alan Watts) “Wu wei, não-
ação, é o princípio de deixar a vida se desdobrar sem interferir e sem forçar as coisas quando o tempo não
é apropriado.” [Ver livro: O Que É Tao? de Alan Watts]

343.
Numa vida ociosa, pensamentos estranhos chegam como ladrões.
Numa vida ocupada, a natureza humana não pode ser percebida.
Não afaste totalmente as preocupações com o corpo e a mente, mas não evite, por
completo, as preocupações com a natureza.

75
344.
A mente se perde em meio ao caos e a confusão;
Mas em silêncio, ela se esvazia por completo;
Ascende ao Céu, voa longe com as nuvens;
Refresca-se com as gotas de chuva;
Alegra-se, e entende o canto dos pássaros;
Acalma-se, e pondera sobre a queda das pétalas das flores;
Esse não é o paraíso?
Como compreender a verdade do mundo?

345.
Quando nasce uma criança, a mãe corre risco; riquezas guardadas atraem ladrões; assim,
onde há razão para comemorar, há que se preocupar também.
A pobreza ensina a simplicidade e a diligência; a doença ensina a cuidar da saúde; assim,
onde há razão para se preocupar, há aprendizado também.
O sábio olha sorte e azar como coisas iguais, e esquece a diferença entre alegria e tristeza.

346.
O ouvido aprende escutando; ouve os ventos sibilarem nos abismos e ravinas, mas depois
que passam, tudo fica em silêncio.
Os estados da mente são como a lua refletida no lago; quando o céu está vazio, não se vê
nada.
Assim, se esquece a diferença entre “isso” e o “eu”.

347.
Quando o coração está enredado em honras e benefícios, tudo o que se faz ou se diz no
mundo termina em tristeza;
Não se conhece as nuvens brancas, o vento puro, o rio que corre, as pedras amontoadas,
o rosto das flores, a alegria dos pássaros, ou o canto do lenhador que ecoa no vale.
Mas quem as conhece, se acalma; e a tristeza vai embora, pois foi ele mesmo que sossegou
sua mente.

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348.
Observe as flores quando estão para desabrochar; beba vinho somente até ficar um pouco
tonto; dessa forma, aproveita-se muito mais as coisas.
Observe as flores em todo o seu esplendor; beba até ficar bêbado; dessa forma, tudo que
é bom fica ruim.
Quem tem uma alta posição, deveria refletir um pouco mais sobre essas coisas.

349.
As plantas crescem nas montanhas, sem que alguém lhes dê água ou adubo, e seu sabor é
delicioso;
As aves voam pelos campos, sem que alguém as crie ou lhes dê comida, e seu sabor é
incomparável;
Dá-se o mesmo com quem convive com o vulgar, mas não é contaminado por ele,
mantendo sua pureza original. Tal pessoa não é um exemplo?

350.
Cultivar flores, plantar bambus, brincar com as garças, observar os peixes, tudo isso deve
ser feito com atenção.
Quem o faz de forma vazia e displicente, sem perceber a beleza da natureza, é aquele que
os confucionistas chamam de ‘superficial’, e os budistas de ‘pretensioso’. [61]
O que pode haver de bom nisso?

[61]
No original, ‘pessoa de boca e ouvido’, superficial; e ‘pessoa ignorante e arrogante’,
pretensioso. O primeiro despreza conhecer; o segundo ‘pretende’ que conhece.

351.
O sábio que vive nos bosques e montanhas leva uma vida austera, honesta, simples, e está
sempre satisfeito;
O camponês dos prados leva uma vida simples e ignorante, mas conserva sua ingenuidade
e pureza;
Quem foge do mundo das coisas para depois voltar a ele, se transforma num mísero
negociante; seria melhor ter morrido nos campos, sem contaminar seu corpo e alma.

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352.
Tome cuidado quando ganhar fortunas sem razão, ou desfrutar de alegrias não-merecidas;
pode ser um teste, uma tentação imposta pelo Céu.
Há homens de visão limitada, que sempre caem nessas armadilhas.

353.
A vida humana é como uma marionete:
Se as cordas estão em suas mãos, livres, desembaralhadas, e você pode movê-las como
quiser;
Então, você controla sua vida, e nada pode manipulá-lo;
Só assim livra-se das cordas do mundo.

354.
Vantagens e desvantagens surgem juntas; quem sabe disso, abaixo do Céu, entende que
a felicidade é a não-ação. [62]
Um antigo provérbio diz:
‘Aconselha o soberano a deixar de lado suas conquistas, pois apenas uma vitória deixa
dez mil crânios apodrecendo no campo’
E também:
‘Deixa em paz todas as dez mil coisas abaixo do Céu, e não se importe se sua espada
enferrujar na bainha por mil anos’.
Quem compreende essas palavras, pode amansar um coração impulsivo e violento, como
se o refrescasse debaixo do sol.

[62]
“Em chinês, esse princípio denomina-se wu wei e significa literalmente ‘não fazer’ mas seria melhor
traduzido como ‘não forçar’ ou ‘não obstruir’. Com referência ao Tao, é a percepção de que a atividade da
natureza não é auto obstrutiva. [...] O wu wei aplica-se também à atividade humana e refere-se a alguém
que não atrapalha o próprio caminho. Não bloqueamos nossa própria luz enquanto trabalhamos, e assim o
caminho do wu wei é o caminho da não obstrução ou da não interferência.” (Alan Watts) “Wu wei, não-
ação, é o princípio de deixar a vida se desdobrar sem interferir e sem forçar as coisas quando o tempo não
é apropriado.” [Ver livro: O Que É Tao? de Alan Watts]

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355.
Uma mulher indócil pode corrigir-se, e virar monja; um homem mesquinho pode
controlar-se, e seguir o Tao (Caminho) num templo.
Por isso, os templos servem para o refúgio e a correção daqueles que estão perdidos.

356.
Quando as ondas chegam até o Céu, quem está no barco não se assusta, mas quem está
de fora, fica amedrontado;
Quando acontece um tumulto numa festa, quem está no salão não se impressiona, mas
quem vê de fora, fica apavorado;
Por isso, o sábio, quando está dentro de alguma situação, projeta sua mente para fora dela.

357.
Aja menos, erre menos;
Menos amigos, menos confusão;
Fale menos, menos equívocos;
Preocupe-se menos, menos aporrinhação;
Menos astúcia, mais integridade;
[63]
Quem mais trabalha todo dia, sem cessar, forja grilhões para si mesmo, por toda a
vida.

[63]
Planeja, ambiciona, executa ações em proveito próprio, busca proveito, etc. Outro
sentido possível é o de não esgotar-se, mesmo sendo o trabalho digno.

358.
Calor e frio podem ser evitados em qualquer estação, mas a inconstância das pessoas não;
A inconstância pode ser controlada, mas não cura a irascibilidade;
Quem controla a inconstância, e cura o coração irascível, alcança a paz no coração e a
calma do espírito, como se lhe soprasse uma brisa primaveril.

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359.
Meu chá não é o melhor, mas eu sempre tenho um bule cheio;
Meu vinho não é o mais fino, mas sempre tenho uma botija cheia;
Meu alaúde é simples, mas toca bem;
Minha flauta é pequena, mas não é desafinada, e me alegra;
Em viver a vida de modo simples, eu não sou tão bom quanto Fuxi, mas me contento em
dizer que chego perto de Jikang e Ruanji.[64]

[64]
Fuxi, primeiro sábio das eras primitivas chinesas; Jikang e Ruanji são integrantes do mítico grupo dos
sete sábios do bosque de bambu, ascetas desapegados da vida social, e dedicados a uma vida despojada.

360.
O budismo ensina: ‘siga a natureza’;
O confucionismo ensina: ‘siga o apropriado’;
Esses ensinamentos são a boia com que atravessamos o Mar da Vida.
Os caminhos do mundo são vastos e ilimitados;
Busque o topo, e você terá mil dificuldades;
Acostume-se com sua vida, sem pretender altas posições, e você viverá em paz de espírito.

FIM

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