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ABSTRACT: The object of this research article is the analysis of the transformation of
the performance of the judiciary after the advent of the Brazilian Constitution of 1988,
seeking to establish to what extent the expansion of litigation in the democratic political
space has proved a veritable overload of that power and decision-making body, which keep
expectations for achievement of fundamental rights perspectives ethically appropriate.
Given his own disbelief in the other forms of conflict resolution or in the efficiency of
legislative and administrative processes as viable instruments of achieving those same
rights, serve as a fundamental support for the analysis to verify the extent to which the
Brazilian Judiciary invests in the paper censor of morals limit as Ingeborg Maus suggests,
when addressing the court as the superego of society. Formed a prognosis on the design of
critical action of the Judiciary as a refuge ethical society orphan, will consider the impact
of this model of justice in the creation and development of Civil Special Federal Courts,
designed from the perspective of informality, speed and procedural economy to near the
Judiciary of the poorest sections of the population, but have received considerable criticism
for its growing bureaucracy.
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INTRODUÇÃO
Tratado o tema sob esse prisma, buscará o trabalho examinar quais os reflexos do
prognóstico oferecido pela doutrina brasileira sobre a situação de “crise” do Poder Judiciário,
para efeito da atividade dos Juizados Especiais Federais, e, na medida do possível, vislumbrar
algumas propostas apresentadas como alternativas para a superação das contundentes
críticas ao “decisionismo” taxado de ativista, que contribui para o descrédito tanto do
Judiciário quanto das demais instituições democráticas do país.
1 MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade – o papel da atividade jurisprudencial na sociedade órfã. Trad.
Martonio Mont´Alverne Barreto Lima e Paulo Antonio de M. Albuquerque. Revista Novos Estudos, CEBRAP. São Paulo, n. 58,
p. 183-202 nov. 2000.
2 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 277.
3 O termo aqui empregado remete às reflexões sobre a Constituição como símbolo da simbiose entre os sistemas político
e jurídico, de acordo com o proposto por Marcelo Neves: “A Constituição apresenta-se então como mecanismo de
interpenetração e interferência entre dois sistemas sociais autopoiéticos, possibilitando-lhes, ao mesmo tempo, autonomia
recíproca. Correspondentemente, concebida como instância interna do sistema jurídico (Direito constitucional), ela
caracteriza-se como mecanismo de autonomia operacional do Direito. Nesse caso, tem-se em vista especificamente o
processo de constitucionalização como distintivo do Estado de Direito moderno.” In: NEVES, Marcelo. A Constitucionalização
Simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994. p. 129-130.
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Legislativo) e sua relação com a jurisdição, o desempenho da tarefa de solucionar conflitos,
individuais ou coletivos, tem sido objeto dos mais variados grupos de crítica4.
E em que pese o fato desse aumento de litigiosidade no Brasil ser decorrente de causas
das mais diversas, importa registrar que o fenômeno de crescimento da importância do Poder
Judiciário e a ampliação de suas funções não é exclusivamente brasileiro, como considera
a professora alemã Ingeborg Maus, com apoio em Hebert Marcuse, ao tratar do papel da
jurisprudência em seu país, sob a ótica psicanalítica de substituição da imagem paterna de
superego, numa sociedade supostamente “órfã” de referenciais de moralidade pública, que
acabam sendo assumidos pela decisão judicial. É o que se infere da seguinte passagem:
4 “Cada vez mais submetido a um intenso fogo cruzado, o Judiciário brasileiro é hoje visto e tratado como o mais anacrônico
dos Poderes da República. Perante a opinião pública e a imprensa ele é um moroso e inepto prestador de um serviço
público essencial. [...]” In. FARIA, José Eduardo. A crise do Judiciário no Brasil: notas para discussão. Jurisdiçao e direitos
fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul – AJURIS; coord. Ingo Wolfgng
Sarlet. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 15.
6 BOCEHENEK, Antônio César. A litigiosidade cível e a Justiça Federal brasileira. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto
Alegre, n. 25, p. 02, ago. 2008. Disponível em:< http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao025/antonio_
bochenek.html> Acesso em: 22 nov. 2009.
7 MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade – o papel da atividade jurisprudencial na sociedade órfã. Trad.
Martonio Mont´Alverne Barreto Lima e Paulo Antonio de M. Albuquerque. Revista Novos Estudos, CEBRAP. São Paulo, n. 58,
p. 185. nov. 2000.
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“consciência jurídica”, revelada mediante o “receptáculo puro” que é o juiz. A
“excepcional personalidade de jurista” criada por uma “formação ética” atua
como indício da existência de uma ordem de valores justa: “uma decisão
justa só pode ser tomada por uma personalidade justa”. Nesta fuga da
complexidade por parte de uma sociedade na qual a objetividade dos valores
está em questão não é difícil reconhecer o clássico modelo de transferência
do superego. A eliminação de discussões e procedimentos no processo de
construção política do consenso, no qual podem ser encontradas normas
e concepções de valores sociais, é alcançada por meio da centralização da
“consciência” social na Justiça.8
Quando a Justiça ascende ela própria à condição de mais alta instância moral
da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social —
controle ao qual normalmente se deve subordinar toda instituição do Estado
em uma forma de organização política democrática. No domínio de uma
Justiça que contrapõe um direito “superior”, dotado de atributos morais, ao
simples direito dos outros poderes do Estado e da sociedade, é notória a
regressão a valores pré-democráticos de parâmetros de integração social.10
Não é a toa que ultimamente tem pertencido à cúpula do Poder Judiciário no Brasil, por
exemplo, a última palavra sobre a possibilidade ou não de verticalização de coligações para
a disputa das eleições presidenciais11; a fidelização do parlamentar ao partido político pelo
qual se elegeu12; a definição da chefia do Poder Executivo estadual em caso de vacância13;
11 STF - ADI 3685/DF, Rel. Min(a). Ellen Gracie, julgamento em: 21.03.2006, publicação: DJ 10-08-2006 PP-00019 EMENT
VOL-02241-02 PP-00193.
12 STF - ADI 3.999/DF e ADI 4.086/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 12.11.2008.
13 STF - Rcl. 7.759-PB- MC. Rel. Min. Celso de Mello, d.j. 26.02.09.
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direito da minoria parlamentar em instaurar CPI14; deliberação sobre a possibilidade
pesquisas científicas15; demarcação da área de reserva indígena16; além do debate sobre a
organização da política pública de saúde17 e distribuição de medicamentos18, dentre outros
temas que constituem, tipicamente, a agenda dos Poderes Legislativo e Executivo.
Nesse estado de coisas, uma lição pode ser retirada do alerta sinalizado por Ingeborg
Maus, é que longe de resolver os problemas ligados à solução de demandas sociais por
direitos assegurados na Constituição, essa hipertrofia da função de julgar do Estado causa
outros problemas, já que a instância do poder responsável pela análise daquelas demandas
passa a pautar-se não na qualitativa efetivação de direitos, mas na célere e economicista
resolução de casos, que se tornam infinitamente numerosos e repetitivos.
15 STF – ADI 3.510-DF. Rel. Min. Carlos Ayres Britto, d.j. 05.03.2008.
16 STF – PET 3388, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, julgamento em 19.03.2009.
17 STF – Audiência pública realizada em 27/04 a 29/04 e 04/05 a 07/05/2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/
cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=104214&caixaBusca=N, acesso em 23/08/2009.
18 Notícia - Folha de São Paulo de 09/01/2009 - Triplicam as ações judiciais para obter medicamentos. Levantamento do
Ministério da Saúde revela que em 2008 foram gastos R$ 52 milhões.
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fundamentais, o que tem levado inclusive a se discutir sobre uma “doutrina brasileira da
efetividade”20, ainda está a merecer ajustes do ponto de vista institucional.
Ajustes que também parece merecer as reflexões acerca dos critérios utilizados pelos
juízes, quando diante das questões que envolvam certa tensão entre as escolhas feitas
sob a racionalidade democrática das eleições ou do processo legislativo de um lado, e de
outro o legítimo exercício interpretativo dos juízes diante de normas jurídicas, cuja carga
axiológica permita a sobreposição de posições morais pessoais revestidas sob a proteção
de carregar em si mesmas o entendimento de toda a comunidade. Sobre o perigo desta
última hipótese, considera Ingeborg Maus:
Com a apropriação dos espaços jurídicos livres por uma Justiça que faz das
normas “livres” e das convenções morais o fundamento de suas atividades
reconhece-se a presença da coerção estatal, que na sociedade marcada
pela delegação do superego se localiza na administração judicial da moral.
A usurpação política da consciência torna pouco provável que as normas
morais correntes mantenham seu caráter originário. Elas não conduzem a
uma socialização da Justiça, mas sim a uma funcionalização das relações
sociais, contra a qual as estruturas jurídicas formais outrora compunham
uma barreira. O fato de que pontos de vista morais não sejam delegados pela
base social parece consistir tanto na única proteção contra sua perversão
como também em obstáculo para a unidimensionalidade funcionalista.21
20 BARROSO, Luís Roberto. Vinte anos da Constituição brasileira de 1988: o Estado a que chegamos. In: Vinte anos da
Constituição Federal de 1988. Obra coordenada por Cláudio Pereira de Souza Neto, Daniel Sarmento e Gustavo Binenbojm,
Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2009.
22 FARIA, José Eduardo. A crise do Judiciário no Brasil: notas para discussão. Jurisdiçao e direitos fundamentais: anuário
2004/2005. Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul – AJURIS; coord. Ingo Wolfgng Sarlet. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006, p. 17-18.
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homogêneos de serviços essenciais como saúde, educação, segurança, previdência, entre
outros, razão pela qual ao Judiciário tem sido destinada uma sobrecarga de demandas que
burocratizam ainda mais a prestação jurisdicional, conferindo-lhe morosidade e impedindo o
cumprimento à contento de sua missão constitucional, como ver-se-á, adiante, detidamente
no caso dos Juizados Especiais Federais.
23 BOCHENEK, Antônio César. A litigiosidade cível e a Justiça Federal brasileira. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto
Alegre, n. 25, ago. 2008. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao025/antonio_bochenek.
html> Acesso em: 22 nov. 2009.
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Nesse ambiente, os juizados especiais federais surgiram como um verdadeiro foro
de absorção de uma demanda potencial reprimida. A justiça antes cara e lenta apresentava-
se agora como gratuita e eficiente, o que renovou as expectativas da população quanto ao
acesso à justiça, reforçando também, em parte, a idéia de uma crença quase “religiosa”
de que só o Poder Judiciário pode ou tem o dever de garantir a fruição de direitos, como
expõe Ingeborg Maus em seu ensaio sobre a imagem do juiz e da justiça.
Foi para enfrentar esses problemas que, nas últimas duas décadas e meia, o Judiciário
optou por se transformar organizacionalmente, procurando descentralizar-se, informatizar-
se, desburocratizar-se e “desoficializar-se” por meio de juizados especiais para as pequenas
causas de natureza civil e criminal – ou seja, para os litígios de massa, abundantes e rotineiros,
com pequeno valor material e já suficientemente “jurisprudencializados”. Embora tenham a
aparência de uma justiça de segunda classe para cidadãos de segunda classe (Santos: 1996),
não se pode, é evidente, subestimar a contribuição desses juizados para viabilizar o acesso
de contingentes expressivos da população aos tribunais. Ocorre, porém, que a perversa
distribuição de renda e as graves distorções por ela geradas levaram muitas matérias no
âmbito da “justiça comutativa” a serem progressivamente contaminadas por conflitos
24 Desde a sua instalação em 2002 até o final de 2006, foram distribuídos 5.386.206 de processos nos juizados especiais
federais e 2.127.830 estavam pendentes de julgamento. Foram ajuizadas 281.779 ações em 2002; 916.278 em 2003;
2.007.618 em 2004; 2.488.550 em 2005; e 2.127.830 em 2006. Nas Turmas Recursais, responsável pelos julgamentos dos
recursos das decisões proferidas pelos juizados, tramitavam 338.386 recursos em 31.12.2006. (Dados oficiais extraídos
do sítio eletrônico http://daleth.cjf.gov.br/atlas/Internet/MovimProcessualJFINTERNETTABELAS.htm Acesso em: 15 de
novembro de 2009.
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distributivos – o que, por conseqüência, acaba por converter “simples” questões triviais ou
corriqueiras de direito positivo em questões de caráter inequivocamente político.26
Para dar vazão à gigantesca demanda absorvida pelos juizados especiais federais,
não bastou a criação de mais varas, admissão de mais juízes e servidores, assim como a
interiorização da justiça federal, mas foi necessário “aperfeiçoar” a atividade do juiz para
gerir o sistema de forma célere e “eficiente”, ainda que à custa do aprofundamento da
ineficiência dos demais Poderes.
Outra interessante correlação feita por Schattschneider em seu texto é feita com
um personagem do cinema, Viktor Navorsky, interpretado pelo ator norte-americano Tom
Hanks, no filme “O Terminal”29, cujo roteiro é apontado como exemplo do que ocorre
cotidianamente nas relações entre o Executivo, quando no exercício da tarefa de analisar e
conceder ou não benefícios previdenciários, e o Poder Judiciário, receptor diário de inúmeras
demandas decorrentes das deficiências do INSS.
27 Conta a fábula que por acidente uma floreta teria sido incendiada, e após o apagar das chamas os moradores encontraram
alguns porcos assados junto às cinzas, e resolvendo experimentar a carne daqueles animais descobriram o quão gostosa
era, pois até então os porcos eram servidos crus. A partir desse dia, todas as oportunidades em que se pretendia comer
carne de porco tocava-se fogo na floresta, criando-se todo um sistema para gerenciar a queimada da floresta e obter a
carne. Após algum tempo, pesquisas e desenvolvimento do sistema de queimadas, um cidadão chamado “João Bom-Senso”
dirigiu-se ao “Diretor Geral de Assamento” propondo-lhe uma idéia simples, ou seja, que bastava matar o porco, limpá-lo
e assá-lo sobre uma fogueira, mas logo foi demovido de sua lógica idéia, pois ela não funcionaria na prática, afinal, o que
se faria com todo o sistema montado para tal finalidade.
28 SCHATTSCHNEIDER, Julio Guilherme. Porcos assados, Viktor Navorski e os Juizados Federais. Jus Navigandi, Teresina, ano
13, n. 2220, 30 jul. 2009. Disponível em; http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13247. Acesso em: 17 nov. 2009.
29 O filme dirigido por Steven Spilberg relata a estória de um indivíduo proveniente da fictícia Krakozia, que ao desembarcar
no aeroporto de Nova Iorque recebe a notícia de um golpe de Estado em seu país, razão pela qual os Estados Unidos não
lhe reconhecem mais a soberania, ficando Viktor Navorsky impedido de entrar no país, já que seu visto acabara de perder
a validade. Não retornando a seu país em razão da guerra civil, Viktor passa a viver no aeroporto, quando é provocado pela
administração do terminal a abandoná-lo, transferindo-o para as autoridades de imigração.
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normal tocar fogo no mato quando se quer assar carne de porco). O Judiciário
assimilou esta atividade e a maioria dos Juízes já foi criada dentro desta
realidade (anteriormente já foram advogados, servidores da Justiça ou do
próprio INSS, procuradores federais, etc.) e nunca exerceram um Juízo
crítico acerca desta questão (no meu próprio caso, apenas percebi este
absurdo após já ter ouvido, provavelmente, mais de dez mil testemunhos).
Muitos Juízes com quem tenho discutido esta questão afirmam que até
compreendem que o INSS está errado (e até admitem que, a depender do
caso concreto, a hipótese pode caracterizar o crime de prevaricação), mas
ficam com pena do segurado ou beneficiário, que ao ajuizar a sua demanda
esperava uma resposta definitiva para a sua questão. Eis aí uma hipótese
de aplicação prática do princípio constitucional do “coitadinho”.
Porém, o que tem acontecido nos últimos quinze anos é que esta transferência
da atividade administrativa para os Juízes, com o conseqüente e óbvio
aumento da sua carga de trabalho, tem forçado a criação de soluções (às
vezes péssimas) dentro da própria Justiça ao invés de induzir a ampliação
e a melhoria dos serviços do INSS. A criação dos JEF’s, especialmente os
previdenciários, e a demanda crescente pela sua expansão são a prova mais
evidente da falta de solução do verdadeiro problema. Hoje, quase 100%
das audiências designadas para a produção de prova oral naqueles Juizados
são, na realidade, justificações administrativas que não foram realizadas no
INSS (É necessário convir, todavia, que a estratégia é genial: eu transfiro o
meu serviço para o Judiciário e ainda tenho o direito de contestar e recorrer
se o Judiciário não o fizer direito).30
30 SCHATTSCHNEIDER, Julio Guilherme. Porcos assados, Viktor Navorski e os Juizados Federais. Jus Navigandi, Teresina, ano
13, n. 2220, 30 jul. 2009. Disponível em; http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13247. Acesso em 17 nov. 2009.
10
a um benefício com certeza gostariam de recebê-lo sem necessidade do
ajuizamento de qualquer demanda. Em suma, eles querem ser vistos
como um problema do próprio INSS e não como um problema de outra
pessoa.31
Uma questão de mudança de foco parece dominar as discussões mais recentes sobre
a atuação do Poder Judiciário no Brasil. Atentos à exigida eficiência gerencial de processos
e pessoas, muitos dos juízes têm-se preocupado demasiadamente com estatísticas e
metas, porém, desapercebidamente sinalizam o risco de esquecerem o mais importante:
a justiça do caso concreto.
31 SCHATTSCHNEIDER, Julio Guilherme. Porcos assados, Viktor Navorski e os Juizados Federais. Jus Navigandi, Teresina,
ano 13, n. 2220, 30 jul. 2009. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13247. Acesso em 17 nov.
2009.
32 INATOMI, Celly Cook. O acesso à justiça no Brasil: a atuação dos juizados especiais cíveis. Dissertação (mestrado).
Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP: 2009, p. 103.
33 “Criados a partir de proposta da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), os Juizados Especiais Federais estão
sendo vítimas de seu próprio sucesso, pois a procura pela sociedade não foi acompanhada da devida estruturação
material e de pessoal, a qual exige medida legislativa adequada. De 2002 até setembro de 2008 foram distribuídos mais
de 7,5 milhões de processos nos Juizados Federais. E, de 2004 a 2008, os JEFs viabilizaram o pagamento de mais de
15 bilhões de reais, beneficiando quase 4 milhões de pessoas, na maioria dos casos os mais carentes.” In: Números e
acesso à justiça, Jornal do Brasil, JB on line, domingo, 19 de abril de 2009. Disponível em: http://jbonline.terra.com.br/
pextra/2009/04/18/e180421239.asp. Acesso em: 16 de novembro de 2009.
11
Utilizando também números os Tribunais Regionais Federais divulgam sua atividade
como “agente de fomento à economia local” de Estados e Municípios, a exemplo do que
quase mensalmente faz o TRF da 5ª Região34.
O encanto pela apreciação dos números como forma de afastar incertezas quanto às
reais vantagens de uma atuação judicial pautada pelo acúmulo de tarefas não só judiciais,
mas também administrativas, é observado em estudo do professor fluminense Roberto
Fragale Filho:
Essa fascinação parece ter contaminado o Poder Judiciário. Quer isso dizer que
números agora compõem uma nova realidade em relação ao terceiro Poder?
A resposta teria que ser necessariamente ambígua, já que simultaneamente
afirmativa e negativa. Sem dúvida, números não constituem uma realidade
estranha ao Judiciário, que há muito produz estatísticas sobre sua atuação.
É certo que esses dados são frágeis e muito precariamente alinhavados, o
que torna difícil a construção de uma percepção clara sobre a sua atuação e
explica os incontáveis esforços que têm sido empreendidos nestes últimos
tempos para emprestar inteligibilidade e uniformidade às estatísticas do
Judiciário. Por outro lado os números constituem uma novidade na medida
em que eles têm contaminado o processo avaliativo do Judiciário, além de
serem utilizados para guiar, sob uma perspectiva colonizadora da Economia,
a discussão sobre o impacto e o alcance da função judicial.37
34 Em consulta à seção de notícias do site no Tribunal é possível localizar as seguintes manchetes: Pagamento de RPVs em
2007 injeta mais de R$ 523 milhões na Região. Número de beneficiários cresceu 60,2% em relação ao ano anterior -
14/01/2008; Pagamento de RPVs injeta mais de R$ 63 milhões na Região - 09/01/2009; TRF5 libera mais de R$ 40 milhões
em RPVs. Montante deverá aquecer a economia regional - 10/02/2009; Pagamento de R$ 56 milhões em RPVs aquece
economia regional - 28/05/2009; Economia regional recebe mais R$ 66,5 milhões em pagamento de RPVs - 27/07/2009;
Pagamento de RPVs injeta R$ 48 milhões na Região - 03/09/2009.
35 “O projeto dos mutirões carcerários, criado em agosto de 2008, já promoveu a libertação de 18.718 presos em cumprimento
à Lei de Execuções Penais. No total, 93.491 processos já foram analisados pelo grupo que realiza os mutirões, formado por
juízes, servidores, representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública, entre outros colaboradores. Os mutirões
carcerários já foram realizados em 18 estados brasileiros e, como resultado do trabalho, 30.782 benefícios foram concedidos,
entre eles a concessão de liberdades, progressões de pena e trabalho externo.” Informação divulgada pelo Conselho
Nacional de Justiça em 30 de dezembro de 2009. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_conten
t&view=article&id=9765:dados-dos-mutiroes-carcerarios-estao-disponiveis-no-site-do-cnj&catid=1:notas&Itemid=675.
Acesso em 04 de fevereiro de 2010.
36 “Conciliação: Semana Nacional realize acordos no valor total de R$ 1 bilhão. Os 122,9 mil acordos firmados durante a quarta
edição da Semana Nacional de Conciliação, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no último mês de dezembro,
resultaram em homologações no valor total de R$ 1 bilhão. Balanço da Semana, realizada entre os dias 7 e 11 de dezembro,
revela que quase metade das audiências realizadas neste período resultou em acordos de conciliação. Em todo o país,
foram agendadas 333 mil audiências pelos 56 tribunais das justiças Federal, Estadual e do Trabalho. Destas, 260 mil foram
realizadas (78,1%) e 123 mil resultaram em algum tipo de acordo (47,2%).” Informação divulgada pelo Conselho Nacional
de Justiça em 02 de fevereiro de 2010. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=art
icle&id=9973:conciliacao-semana-nacional-resulta-em-acordos-no-valor-total-de-r-1-bilhao&catid=1:notas&Itemid=675.
Acesso em 04 de fevereiro de 2010.
37 FILHO, Roberto Fragale. Poder Judiciário: Os riscos de uma agenda quantitativa. Estudos Constitucionais. Jacinto Nelson Miranda
Coutinho, José Luis Bolzan de Morais, Lenio Luiz Streck (organizadores). Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 363-464.
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Sob a perspectiva numérica de atuação, o Judiciário parece buscar legitimidade
institucional para o seu engrandecimento no Estado Democrático, é como se divulgar números
de sentenças proferidas, recursos julgados, somas em dinheiros liberadas para pagamento
via precatórios ou requisições de pequeno valor aproximasse o Judiciário de uma realidade
comandada pela economia, onde funciona a lógica do fazer mais utilizando menos.
13
adequação dos procedimentos aos direitos pleiteados. O perfil institucional
dos JEFs Cíveis termina por criar um caos interpretativo das suas próprias
normas de funcionamento que, por sua vez, acarreta uma ampla variedade
de interpretações e aplicações dos direitos (AMORIM, 2006).39
Disso resulta que o acesso à justiça pode se dar em qualquer instância, judicial ou não.
4 REFERÊNCIAS:
ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 3 ed.
rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007.
BARROSO, Luís Roberto. Vinte anos da Constituição brasileira de 1988: o Estado a que
chegamos. In: Vinte anos da Constituição Federal de 1988. Obra coordenada por Cláudio
Pereira de Souza Neto, Daniel Sarmento e Gustavo Binenbojm, Lumen Juris, Rio de
Janeiro, 2009.
FARIA, José Eduardo. A crise do Judiciário no Brasil: notas para discussão. Jurisdiçao
e direitos fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da Magistratura do Rio
Grande do Sul – AJURIS; coord. Ingo Wolfgng Sarlet. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2006, p. 15-48.
FILHO, Roberto Fragale. Poder Judiciário: Os riscos de uma agenda quantitativa. Estudos
Constitucionais. Jacinto Nelson Miranda Coutinho, José Luis Bolzan de Morais, Lenio Luiz
Streck (organizadores). Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
INATOMI, Celly Cook. O acesso à justiça no Brasil: a atuação dos juizados especiais
cíveis. Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP: 2009.
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