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GORNELIUS GASTORIADIS

A EXPERIÊNCIA
DO
MOVIMENTO OPERÁRIO
COMO LUTAR

: j '

A Regra d01 Jogo, Edições


1979

I
MONOGRAFIAS
USP-FEA
331.88 EXPERIENCIA DO MOVIMENTO OPERARIO :COMO LUTAR �· _, j
C354E

I !f
' •J

64572

Como em todos o·s outros volumes desta publicação, os


terttos são aqui rep'l'oduzidos sem modificação, com ea:­
MATERIAIS 2: cepção dos e'N'os de. impressão e de alguns lapsus calami
e, se necessário, a actuali zação das referêncú:ts. As notas
C. Cas�oriadis, A Experiêneia do Movimento Operário nomeadas por letTas são novas.
1- Gomo Lutar PaTa uma vista de conjunto das ideias· e da sua evo­
lução, deve o leitor reportar-se à «Introdução» de A so­
't'.ítulo original : L'expérience du mouvement ouvrier ciedade burocrática,. 1: As relações de produção na Rússia.
1- Comment lutter. Este volume é aqui designado po'l' Vol. l, 1; A sociedade
burocrática, ,21: A revolução contm a hlll'o<eracia é desig­
© Uni'On Générale d'Editions et Cooneli us Gastoria­ nado por Vol. 1, 2.
dis, 1974.. Alguns textos a que frequentemente se faz referência
seTão designados por siglas, de acordo com a seguinte
Reservados os direi1los de tradução para a língua lista:
portuguesa por A Regra do Jogo, Edições, Lda.
R. Sousa Martins, 5, 2.0 Dt.0- 10100 Lisboa. CFP- Concentração das fo'l'ças p'l'odutivas (inédito,
MaTço de 1948; Vol. I, 1).
Grup·a de João B.
FCP- Fenomenologia da consciência proletá'l'ia (iné­
Trndução de José Viana e Miguel Serras Pereira
dito, Março de 1948; Vol. l, 1).

== •=====�-----=-===-==--
SB-Sociali8mc ou barbárie (S. ou B.., n.• 1, Margo
de 1949,· Vol. I, 1).

RPR- As relações de produção na Rússm (S. ou B.,


n.• fJ, Maio de 1949; Vol. I, 1).

DC I e II-Sobre a dinâmica do capitali8mo (S. ou B.,


n.•• 1fJ e 13, Agosto de 1953 e Janeitro de 1954).

SIPP-Situação do impemlismo e perspectivas do


proletariado (S. ou B., n.• 14, Abril de 1954).

CS I, CS li, CS III- Sobre o conteúdo do sociali8mc Introdução


(S. ou B., n.• 17, Julho de 1955, n.• 22, Julho· de 1957,
n.• 28, Janeiro de 1958).
A QUESTÃO DA
HISTóRIA DO MOVIMENTO OPERÃRIO
RPB- A revolução proletám contro a burocraoia
(S. ou B., n.• 20, Dezembro de 1956; Vol. I, 2).
A minha ideia inicial era separar, na presente
PO I e II-ProletaJrii:ulo e O'l'ganizag® (S. ou B., reedição, os meus textos de Socialisme ou Barba,.
n.•• 27 e 28, Abril e Julho de 1959). rie consagrados às reivindicações e às formas
de luta e de organização dos trabalhadores, e os
MRCM I, II e III-O movimento· revolueionárw sob
o capitalismc moderno (S. ou B., n.•• 31, 32 e 39, Dezem­ relativos à organização política dos militantes
bro de 1960, Abril e Dezemb'l'o de 1961). («questão do partido» ) . Reflectindo melhor, esta
solução pareceu-me apresentar muito mais in­
PR-RecomeÇCII' a revolução (S. ou B., n.• 85, Janeiro convenientes do que vantagens , uma vez que as
de 1964).
duas questões estiveram, desde o início e cons­
RIB- O papel da ideologm bolcheviata no nascimento tantemente� ligadas no meu trabalho. Mas, acima
da bU'l'OC'I"acia (S. ou B., n.• 85, Janeiro de 1964). de tudo, reflecte e materializ a uma posição que
há já muit o tempo não corresp onde à minha. Com
MTR I a V-Marxismc e teorm revolueionáM (S. efeito, isso equivale a aceitar e a ratificar a ideia
ou B., n.0'36 a 40, Abril, de 1964 a Junho de 1965).
de dois campos de realidades sep arados não ape-­
nas de facto mas de direito. Num deles, encon-
IG-Introduç® ao Vol. I, 1.

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6
A EXPERiltNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO

trecno[ogia pela luta na pro dução, ver CS li e III. Sobre


a luta na pl1odução nos países de Leste, ver RPB e CS
III.
(23) Marx, como s·e ·s abe, extrai e abstrai desta luta
a metade que corresponde à actividxule do capitalista
(«compress.ão dos poros da jornada de trabalho»), dei­
xando aparecer o operário como puro obj-ecto pas,siV"o
desta actividade. A resistência que este lhe pod·e opor
na p rodução (e não fora da fábrica, pela agitação sin­
dical, etc.) não difeve, de acordo com esta óptica, da de
um m ateri al inerte. A indignação moral de Marx está
presente em cada linha, mas a lógica do exame é a que
se aplicaria a uma coisa
, . As duas V"ezes em que a «resis­ O PARTIDO REVOLUCIONÃRIO *
i » dos operários é menci onada no Primeiro Livro
tênca
do Capital (a propósito do controlo e da vigilância, e a
1. A crise actual do grupo mais não é que a
propósito do s�wário à peça) é apre,S>Cntada CQI!llo fatal­
mente con denada ao malogro.
expressão mais aguda da crise permanente que
(2�) Ver neste volume «As greves selv agens na in­
atravessa desde que se constituiu, e que a.pre­
dústria automóvel 'americwna», p. 297 e seg. s�enta uma forma mais violenta sempre que se
(25) S ob re a questão das condições de trabalho, ver, põem problemas respeitantes às suas relações
além do texto mencionado na nota precedente, a parte com o exterior ( saída do P. C. 1., primeira dis­
final de MRCM.
cussão sobre o carácter da revista no Outono
(26) Ver MRCM I e II.
de 1948, conteúdo da revista por altura da re­
(27) Para uma discussão destes factores, ver CS li
e III e MRCM ll.
dacção do n.o 1 ) . De todas as vezes reencontra­
(28) A sociedade bwrocnitica, 1, pp. mos na raiz das divergências a falta de clarifi­
(�9) Claude Lefort, por •seu lado, utilizou a ideia de cação sobre as questões do partido revolucioná­
experiência, tomada num sentido mais lato, num texto rio e da nossa orientação estratégica e táctica.
notável «A exp•eriência proletária», Socialisme ou Bar­
2. A solução destes problemas, quer do ponto
barie, n.• 111 (Março de 1953), retomado agora em Elé­
de vista teórico geral, quer do ponto de vista
ments pour une critique de la burocracie, Droz, Genebra­
-Parjs, 1971, pp. 319 ·a 58. Ver também os seus a rtigo s
da nossa orientação, tornou-se numa questão
contra Sartre, ib., pp. 59 a 10:8.
(3°) Sobre 'esta evolução, e os múltiplos factores que
a condicionaram, ver MRCM e RR. (*) S. ou B. n.• 2 (Maio de 1:9149). Ver a diant e o Posfácio
(B1) Ver CS I e li, PO I, RR, PIE, MTR e IG. a este texto.

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O PARTIDO REVOLUCIONARIO
A EXPERif:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO
Isto significa que o grupo não conseguiu dar
vital para o grupo. A atitude que consistisse
ao seu trabalho um carácter político incontes­
em repelir a discussão e a tomada de posição
tável. Para o fazer, teria sido necessário primeiro
frente a estes problemas, a pretexto de que a
e antes de tudo que se considerasse a si próprio
situação histórica ou as nossas forças subjecti­
como uma organização política. O que implicaria
vas nos não permitem responder-lhes por agora�
conclusões teóricas, programáticas e organiza­
equivaleria ao desmembramento do grupo. Tor­
Uvas, que não foram até agora tiradas ou apli­
nou-se evidente que nos é, desde já, impossível
cadas. Ora, actualmente este carácter político
funcionar colcctivamcnte sem saber com exactidão
do grupo é objectivamente contestado, ao pôr-se
que tipo de actividade é o nosso, em que quadro,
em questão a ideia da disciplina na acção, a ne­
histórico por um lado, imediato por outro, se
cessidade de uma direcção efectiva do grupo,
inscreve esta actividade, qual é a nossa ligação
e a ligação entre o programa da revolução e
com a classe operária e a luta que, mesmo sob
as suas formas de organização. Estas concep­
as formas mais estropiadas, esta trava constan­
ções, a serem adaptadas, retirariam definitiva­
temente, qual é enfim o nosso estatuto organiza­
mente ao grupo qualquer possibilidade de se
tivo e os princípios em que se baseia. O apare­
tornar núcleo de uma organização política revo­
cimento da revista, que nos leva a assumir
lucionária.
responsabilidades públicas, impõe-nos responder
4. Se tais concepções, que equivalem objecti­
concreta e imediatamente a estas questões.
vamente à recusa do carácter político do grupo,
3. É indesmentível que o grupo se encontra prevalecerem, o grupo será inevitavelmente con­
actualmente perante uma viragem da sua exis­ duzido à desintegração. Isto porque essas posi­
tência, e que deve responder ao dilema radical ções estão em contradição consigo próprias e não
que tem perante si. podem servir de base e de critério a qualquer
outra actividade que não seja a «Confrontação».
Este dilema é definido pela ambiguidade
É evidente que os camaradas que pertencem ao
objectiva tanto do grupo no seu estado actual •

grupo (incluindo os que formularam as concep­


como do primeiro número da revista. O grupo
ções aqui criticadas) se reuniram no seu inte­
pode servir de ponto de partida quer para a for­
rior para exercer uma actividade política, e que
mação de uma organização proletária revolucio­
o grupo não poderá nunca recrutar senão em
nária quer para a de um conjunto de indivíduos
bases e para fins políticos. A única solução da
servindo de Comité de Redacção de uma revista
crise é a politização do grupo e do seu trabalho.
mais ou menos académica.
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A EXPERI:f':NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO O PARTIDO REVOL,UCIONARIO
5. Política é a actividade coerente e organi­ volução socialista é agruparem-se para preparar
zada visando apoderar-se do poder estatal, para colectivamente esta revolução. Daqui resultam
aplicar um programa determinado. Não é polí­ inevitavelmente os traços fundamentais de toda
tica a redacção de livros, nem a publicação de a acção política colectiva permanente, a saber:
revistas, nem a propaganda, nem a agitação, a base da coerência de toda a acção colectiva,
nem a luta nas barricadas, que são apenas meios isto é, um programa histórico e imediato, um
que podem desempenhar um papel político enor­ estatuto de funcionamento, uma acção constante
me, mas que só se tornam meios políticos na virada para o exterior.
medida em que estão consciente e explicitamente :Ê a partir destes traços que se pode definir
ligados ao objectivo final que é a tomada do o partido revolucionário. O partido revolucioná­
poder estatal com vista à aplicação de um pro­ rio é o organismo colectivo, funcionando segundo
grama determinado. Tanto a forma como o con­ um estatuto determinado e com base num pro­
teúdo da actividade poUtica variam, evidente­ grama histórico e imediato que tende a coorde­
mente, segundo a época históvica na qual esta nar e dirigir os esforços da classe operária, para
se situa e a classe social de que exprimem os destruir o Estado capitalista, instalar no seu
interesses. Assim, a politica proletária é a acti­ lugar o poder das massas armadas e realizar a
vidade que coordena e dirige os esforços da transformação socialista da sociedade.
classe operária para destruir o Estado capita­ 7. A necessidade do partido revolucionário
lista, instalar em seu lugar o poder das massas resulta simplesmente do facto de não existir, e
armadas e realizar a transformação socialista de ser impossível que exista, outro organismo
da sociedade. Esta política é a antitese exacta da classe capaz de executar estas tarefas de
de todas as que a precederam, em todos os pon­ coordenação e direcção de uma maneira perma­
tos, excepto num: tem como objectivo central, nente antes da revolução. As tarefas de coor­
como p onto em torno do qual gira - precisa­ denação e direcção da luta revolucionária em
mente para o abolir -, o Estado e o poder. todos os campos são tarefas permanentes, uni­
6. Na medida em que se admite que a acti­ versais e imediatas. Os organismos capazes de
vidade política revolucionária é, no período actual, executar estas tarefas, abrangendo a maioria da
a forma suprema de luta da humanidade pela classe ou reconhecidos por esta e criados a par­
sua emancipação, reconhece-se por isso mesmo tir das fábricas só aparécem no momento da re­
que a primeira tarefa que se impõe a todos os volução. Além disso, estes organismos (órgãos
que tomaram consciência da necessidade da re- de tipo soviético) só se elevam à altura das ta-

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A EXPERII!:NCIA DO MOVIMENTü OPERÃRIO O PARTIDO REVOLUCIONARIO
refas históricas em função da acção constante blemas, o sindicato, se tornou e só pode ser cada
do partido durante o período revolucionário. Ou­ vez mais um instrumento da burocracia e do
tros organismos, criados a partir das fábricas capitalismo estatal, obrigará os operários a or­
e agrupando apenas elementos de vanguarda ganizarem-se independentemente da burocracia
( Comités de Luta) , na medida em que encara­ e da própria forma sindical. Os Comités de Luta
rem a realização destas tarefas de uma forma
traçaram a forma desta organização de van­
permanente e à escala nacional e internacional,
guarda.
serão organismos do tipo do partido. Mas já
Se os Comités de Luta não resolvem a ques­
explicámos que os Comités de Luta, devido a não tão da direcção revolucionária, a questão do par­
terem fronteiras estritas e um programa clara­
tido, são contudo o material de base para a
mente definido, são embriões de organismos so­ construção do partido no período actual. Com
viéticos e não de organismos do tipo partido. efeito, não só podem ser para o partido um meio
8. O enorme valor dos Comités de Luta, no
vital para o seu desenvolvimento, tanto do ponto
período que se vai seguir, não advem do facto
de vista das possibilidades de recrutamento como
de substituírem o partido revolucionário - o
da audiência que oferecem à sua ideologia; não
que não podem nem devem fazer - mas de re­ só as experiências do seu combate são um ma­
presentarem a forma permanente de associa­
terial indispensável para a elaboração e a con­
ção dos operários que tomam consciência do ca­
cretização do programa revolucionário; mas
rácter e do papel da burocracia. Forma perma­
também serão as manifestações essenciais da
nente, não no sentido de que um Comité de Luta,
presença histórica da própria classe num período
uma vez criado, persistirá até à revolução, mas
em que não há qualquer perspectiva imediata
de que sempre que os operários se quizerem
positiva, como é o período actual. Através deles,
agrupar com base em posições antiburocráticas,
a classe lançará ataques parciais, mas extrema­
só o poderão fazer sob a forma de Comité de
mente importantes, contra a burocracia e o ca­
Luta. Com efeito, os problemas permanentes
pitalismo, assaltos que serão indispensáveis para
postos pela luta de classes nas suas formas mais
que conserve a consciência das suas possibilida­
imediatas e quotidianas tornam indispensável
des de acção.
uma organização dos operários, de cuja neces­
Inversamente, a existência e a actividade do
sidade estes têm uma cruel consciência. o facto,
partido é uma condição indispensável para a
por outro lado, de que a organização clássica
propagação, a generalização e a conclusão da
das massas criada para responder a estes pro-
experiência dos Comités de Luta, porque s6 o
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133
A EXPERií:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO O PARTIDO REVOLUCIONÁRIO

partido pode elaborar e propagar as conclusões Quer a experiência do passado, quer a análise das
da sua acção. condições actuais mostram que estes organismos
9. O facto da classe não poder criar antes não foram e não serão, à partida, senão formal­
da revolução, para o cumprimento das suas ta­ mente autónomos e que de facto serão dominados
refas históricas, outro organismo que não seja ou influenciados pelas ideologias e pelas corren­
o partido, não só não é um produto do acaso, tes políticas historicamente hostis ao poder pro­
como corresponde a características profundas da letário. Estes organismos só se tornam efectiva­
situação social e histórica do capitalismo deca­ mente autónomos a partir do momento em que
dente. A classe, sob o regime de exploração, é a sua maioria adapta e assimila o programa re­
determinada na sua consciência concreta por volucionário, que até aí o partido era o único
uma série de poderosos factores (as flutuações a defender sem compromissos. Mas esta adop­
temporais, as diversidades corporativas, locais e ção nunca se fez nem fará automaticamente.
nacionais, a cstrat.ificnçiio económica) que fazem A luta constante da vanguarda da classe contra
que, na sua exiAtência real, a sua unidade social e as correntes hostis é uma das. suas condições
histórica esteja escondida por um conjunto de indispensáveis. Esta luta exige uma coordena­
determinações particulares. Por outro lado, a ção e uma organização tanto mais desenvolvidas
alienação que sofre sob o regime capitalista quanto mais crítica é a situação social, e o par­
torna-lhe impossível dedicar-se imediatamente à tido é o único quadro possível para tal coorde­
realização das infinitas tarefas que a preparação nação e organização.
da revolução exige. Não é senão no momento 11. A necessidade do partido revolucionário
da revolução que a classe supera a sua alienação só termina com a vitória mundial da revolução.
e afirma concretamente a sua unidade histórica Não é senão quando o programa revolucionário
e social. Antes da revolução, só um organismo e o socialismo conquistarem a maioria do pro­
estritamente selectivo e construído sobre uma letariado mundial que um organismo de defesa
ideologia e um programa claramente definidos deste programa, para além da própria organiza­
pode defender o programa da revolução no seu ção desta maioria da classe mundial, se torna
conjunto e considerar colectivamente a prepara­ supérfluo, e que o partido pode realizar a sua
ção da revolução. própria supressão.
10. A necessidade do partido revolucionário 12. A crítica que fazemos da concepção de
não acaba com o aparecimento de organismos Lénine sobre «a introdução, a partir do exterior,
autónomos de massas (organismos soviéticos) . da consciência política no proletariado, feita pelo

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A EXPERI:f:NGIA DO MOVIMENTO OPEJURIO O PARTIDO REVOLUCIONARIO

partido» não implica de modo nenhum que aban­ com esta - como na Comuna - ou se ter posto
donemos a ideia de partido. Este abandono é atrás desta - como durante a revolução russa.
igualmente estranho à posição de Rosa Luxem­ Não foram seguramente estas fracções organi­
burgo que, no entanto, tantas vezes é invocada. zadas que, de fora, fizeram «penetrar» na classe
Eis o que Rosa dizia sobre a questão: « . . . A ta­ o grau de consciência mais elevado da época - e
refa da social-democracia não consiste apenas na isto chega para refutar a concepção de Lénine.
preparação técnica e na condução das greves A classe chegou lá pela acção de factores objec­
mas - e sobretudo - na direcção política de tivos e pela sua própria experiência. Mas sem a
todo o movimento. A social-democracia é a mais acção destas fracções a luta não teria sido le­
esclarecida vanguarda do proletariado, a que vada tão longe, nem teria tomado a forma que
possui em maior grau a consciência de classe. tomou.
Ela não pode nem deve esperar com fatalismo e Foram estas fracções políticas organizadas
de mãos cruzadas pelo aparecimento da «situa­ que permitiram simultaneamente a distinção de
ção revolucionária», esperar até que o movimento
etapas no movimento operário, a constituição do
espontâneo do povo caia do céu. Pelo contrário,
movimento em cada fase com base num pro­
neste caso como nos outros, deve permanecer à
grama exprimindo clara e universalmente as
frente do desenvolvimento das coisas e tentar
necessidades da época, e a objectivação da expe­
acelerar este desenvolvimento.» De facto, a con­
riência proletária (mesmo quando esta foi nega­
cepção da espontaneidade que está hoje muitas
tiva) de modo a poder formar a base de partida
vezes por trás das críticas à ideia de partido é
para o desenvolvimento posterior.
muito mais a concepção anarco-sindicalista do
Pode-se dizer, sem hesitar, que todas as ve­
que a de Rosa.
zes que o movimento não foi senão espontanei­
13. A análise histórica mostra que no desen­
volvimento da classe as correntes políticas orga­ dade pura, sem preponderância de uma fracção
nizadas desempenharam sempre um papel pre­ política organizada - quer se trate de Junho de
ponderante e indispensável. Em todos os momen­ 1848, da Comuna de Paris, de 1919 na Alemanha
tos decisivos da história do movimento operário, ou da Comuna das Astúrias em 1934 -, chegou
a progressão exprimiu-se pelo facto da classe, sempre ao mesmo ponto: demonstração da re­
sob a pressão das condições objectivas, ter che­ volta dos operários contra a exploração, da sua
gado ao nível da ideologia e do programa da frac­ tendência para uma organização comunista - e
ção política mais avançada e, ou se ter fundido da sua derrota nesta base, derrota que exprimia

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A EXPJmiBNCIA DO MOVIMENTO OPERAHIO O PARTIDO REVOLUCIONAHIO

a falta de uma consciência clara e coerente dos O cumprimento desta tarefa, a vitória da
objectivos e dos meios. revolução - e até a simples luta contra adver­
A oposição entre as concepções igualmente sários arqui-racionalizados, ultra-concentrados e
falsas da «espontaneidade pura» e da «Consciên­ exercendo um poder mundial-- impõem ao pro­
cia inculcada de fora» não pode ser resolvida se letariado e à sua vanguarda tarefas de raciona­
não se compreenderem correctamente, por um lização, de conhecimento da sociedade actual em
lado, as relações entre a parte e o todo, a frac­ toda a sua extensão, de contabilização e inven­
ção da classe e a classe no seu conjunto, e, por tário, de concentração e de organização sem pre­
outro lado, entre o presente e o futuro, a van­ cedentes. O proletariado não poderá vencer, nem
guarda que se agrupa desde já sobre o programa sequer lutar seriamente contra os seus adversá­
revolucionário e começa imediatamente a pre­ rios - adversários que dispõem de uma organi­
parar a revolução, e a massa que não entra em zação formidável, de um conhecimento completo
cena senão no momento decisivo. da realidade económica e social, de quadros edu­
14. As concepções, que pretextando a possi­ cados, de todas as riquezas da sociedade, da cul­
bilidade de burocratização negam a necessidade tura e da maior parte do tempo do próprio pro­
de uma organização política anterior à revolução letariado - se não tiver um conhecimento e uma
e executando as funções de direcção da classe,: organização de conteúdo proletário, superiores
dão prova de um desconhecimento completo das às dos seus adversários melhor equipados neste
características e das leis mais profundas da es­ aspecto. Tal como no plano económico, a nossa
trutura e do desenvolvimento da sociedade mo­ luta contra a concentração capitalista não signi­
derna. fica o regresso a uma enorme quantidade de
A racionalização da vida social, a transfor­ «produtores independentes», como o queria Prou­
mação de todos os fenómenos históricos em dhon, mas o último passo na via desta concen­
: fenómenos mundiais, a concentração das forças tração ao mesmo tempo que a transformação
,' produtivas e do poder político são não só traços radical do seu conteúdo -- também no plano polí­
dominantes, mas também traços positivos da tico a nossa luta contra a concentração capita­
sociedade moderna. Não só a revolução proletá­ lista ou burocrática não significa de modo ne­
ria seria impossível sem o aprofundamento cons­ nhum um regresso a formas mais fragmentadas
tante destes traços, como o papel da revolução ou «espontâneas» de acção política, mas o último
será o de levar a realização destas tendências passo para um poder mundial, simultâneo com
'

ao máximo. a transformação total do conteúdo desse poder.


I
I� 138 139

--
O PARTIDO REVOLUCIONARIO
A KXPEIU�NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO
referir, dadas as condições sociais do regime de
:m da mais elementar evidência que a realiza­
classe e o peso da alienação, à totalidade indis­
ção de tais tarefas não se improvisa. É absolu­
tinta da classe, sobretudo não se pode referir
tamente indispensável uma longa e minuciosa
unicamente ao proletariado manual. É preciso ter
preparação. Não se pode imaginar que a solução
claramente consciência - e propagar esta cons­
destas questões seja inventada a partir do nada
ciência - do enorme papel que os trabalhadores
por organismos fragmentários, muitas vezes sem
intelectuais serão fatalmente levados a desempe­
ligações entre si, e de qualquer modo extrema­
nhar na revolução socialista e na sua preparação.
mente móveis e variáveis quer quanto ao seu
Se nos demarcámos claramente da concepção do
conteúdo humano, quer quanto ao seu conteúdo
Que Fazer?, segundo a qual só os intelectuais
político e ideológico. Ora, a questão da capaci­
podem e devem fazer penetrar do exterior uma
dade do proletariado para derrubar a dominação
consciência socialista no proletariado, é-nos ne­
dos exploradores e instaurar o seu poder, e até
cessário lançarmo-nos com a mesma força contra
de lutar por este, não é apenas a questão da sua
os que, hoje, querem levantar um muro - que
capacidade física, nem mesmo da sua capacidade
a realidade económica há muito aboliu - entre
política, ·no sentido geral e abstracto, mas tam­
os trabalhadores intelectuais e manuais, separar
bém a da sua capacidade no plano dos meios, da
de facto uns dos outros, propagar um fetichis­
sua capacidade organizativa, racionalizadora e
mo do trabalho manual e dos organismos «de
técnica. :li': completamente absurdo pensar que
fábrica». Se Lénine afirmava que separar os
estas capacidades lhe são automaticamente con­
operários e os intelectuais significa entregar os
feridas pelo regime capitalista e que aparecerão
primeiros ao trade-unionismo e os segundos à
com um toque de varinha no dia com «D:�> maiús­
burguesia, podemos com muito mais verdade e
culo. O desenvolvimento destas capacidades de­
força dizer hoje que separar assim intelectuais
pende de forma decisiva da luta permanente que
e manuais significa entregar os primeiros à bu­
as fracções mais conscientes da classe explorada
rocracia e os segundos à revolta desprovida de
travam já no interior do regime de exploração
universalidade, votar os primeiros à prostituição,
para estarem à altura das tarefas universais da
os segundos à derrota heróica.
revolução. Não há, nem aqui, nem em qualquer
Lénine cometia o erro de designar um limite
outro sítio, automatismo na história.
objectivo - o trade-unionismo - à tomada de
15. Mas a aquisição destas capacidades uni­
consciência autónoma da classe operária. Come­
versais não só necessita de uma longa prepara­
tia igualmente o erro - essencialmente na prá-
ção, mas também se não refere, não se pode
141
140
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO O PARTIDO REVOLUCIONAHIO

tica - de conceber a direcção da classe como não se opõe simplesmente à evolução económica;
um corpo organicamente separado desta e cris­ é também contrária à nossa orientação progra­
talizado com base numa consciência que a classe mática fundamental. A supressão da oposição
não podia receber senão de fora. Atacamos esta entre direcção e execução torna-se essencial­
concepção porque a experiência histórica mostra mente supressão da oposição entre trabalho.ma­
que não existe um tal limite na tomada de cons­ nual e intelectual. Esta supressão não se pode
ciência da classe explorada e que o conteúdo fazer nem ignorando o problema, nem separando
essencial da revolução proletária é a abolição ainda mais radicalmente os dois sectores ·da ac­
da distinção entre dirigentes e executantes. Mas, tividade humana e os seus representantes. A
ao fazer isto, recusamo-nos a levantar um muro fusão do trabalho intelectual e manual e dos seus
entre trabalhadores intelectuais e manuais. representantes tende a realizar-se, por um lado,
O que assenta sobretudo numa base econó­ no seio da própria produção através do movi­
mica. O erro de Lénine era tanto mais grave mento da economia, mas, por outro lado, deve
quanto no seu tempo o intelectual era essencial­ constituir, desde já, um objectivo essencial da
mente o literato no sentido geral do termo, o vanguarda consciente, objectivo que esta deve
teórico, o escritor «artesanal», trabalhando iso­ começar a realizar no seu interior pela fusão das
ladamente e sem ligação com a produção social, duas categorias e pela universalização das tarefas.
intelectual e material. Uma transformação enor­ :Ir: preciso, por conseguinte, afastar resoluta­
me se desenrolou também neste domínio. Com mente como arcaica e re,trógrada qualquer con­
efeito, por um lado, os métodos de produção in­ cepção geral que leve a uma separação objec­
telectual tornam-se cada vez mais colectivos e tiva entre manuais e intelectuais, e qualquer
industrializados, por outro lado, esta produção aplicação desta concepção ao nosso grupo que
intelectual está cada vez mais directamente li­ queira tirar da nossa composição social argu­
gada à produção material primeiro, e depois à mentos sobre a nossa actividade, o nosso carácter
vida social em geral (no domínio não só da téc­ histórico ou político. :m preciso compreender que
nica e das ciências exactas, mas também das uma das funções mais essenciais do partido con­
ciências económicas, pedagógicas, sociais em siste em que ele é o único organismo pré-revolu­
'geral, e estando a própria actividade inteledual cionário no qual a fusão dos manuais com os
«pura» cada vez mais socializada). intelectuais é historicamente possível.
16. Mas a tentativa de separar manuais e 17. Os termos «acção autónoma» e «organis­
intelectuais e a sua aplicação ao nosso grupo mo autónomo» da classe, muitas vezes usados

142 143

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A EXPERI:ítNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO O PARTIDO REVOLUCIONAH.IO

no nosso vocabulãrio, devem ser clarificados sob dos ou ao malogro total ou à degenerescência
pena de se tornarem uma fonte de erros e até burocrática.
um instrumento de aut()-mistificação. O simples Por conseguinte, a questão da autonomia
facto dos operários, mais ou menos espontanea­ dos organismos e da acção da classe é idêntica
mente e para responderem a problemas postos à questão do conteúdo ideológico e político, da
pela luta de classes, se constituírem em organis­ base programática destes organismos e desta
mos ou empreenderem acções determinadas, por acção. Se um relativo grau de autonomia se ex­
maior que seja a sua importância, não chega prime em toda a forma de organização proletá­
para definir estes organismos ou estas acções ria, se os Comités de Luta, traduzindo-lhe a to­
como «autônomas» no sentido completo do ter­ mada de consciência antiburocrática, represen­
mo. Para nos convencermos disto, basta-nos ver tam um grau mais desenvolvido desta autono­
o caso mais importante que se manifesta com mia, se os Sovietes englobam numa consciência
o aparecimento, em grande escala, de organis­ que tende a tornar-se completa a grande maioria
mos de duplo poder (Sovietes, Comités de Fã­ da classe, é preciso contudo não esquecer nunca
brica, Milícias, etc.). Não só a experiência do que só são autónomos, no verdadeiro e pleno sen­
passado, mas também a análise de todo o fu­ tido do termo, os organismos e as acções que
turo possível, mostram que no momento da sua exprimem concreta e perfeitamente os interesses
históricos da classe, a partir de um modo de
constituição e durante um certo período estes
organização proletária. Só organismos assim
organismos são directa ou indirectamente domi­
podem ser legitimamente a direcção incontestada
nados ou decisivamente influenciados por orga­
da classe.
nizações políticas historicamente hostis ao poder
18. Não é senão a partir desta noção de au­
prolt-tário. Se no interior destes organismos não
tonomia que se pode abordar o problema criado
se manifestar a acção constante de fracções
pela pluralidade das concepções políticas que se
-ou pelo menos de uma fracção - fatalmente
afrontam no interior da classe. O facto de, d e
minoritária de início, lutando por todos os meios
cada vez, existir um único programa, uma única
políticos revolucionários para levar estes orga­
política que exprime os interesses históricos do
nismos a adaptar a ideologia e o programa que,
proletariado, não impede que na realidade várias
nas circunstâncias dadas, exprimem os interes­
concepções contraditórias se oponham umas às
ses históricos da classe, é antecipadamente certo outras e em que haja um critério formal a priori,
que estes organismos de massas serão conduzi- um sinal material distintivo que permita reconhe-
144
145
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO O PARTIDO REVOLUCIONARJO

cer a organização que defende a orientação re­ Para a concepção anarquista mais canse­
volucionária. quente, pelo contrário, talvez haja uma verdade,
O dilema que se põe entre, por um lado, o mas não se sabe nunca onde ela está. Várias
facto de não existir organismo e acção autôno­ concepções opostas e contraditórias se colocam,
mos, de não existir vitória da revolução senão portanto, no mesmo terreno, têm praticamente
na base de um só programa, exprimindo os in­ o mesmo valor. Também aqui não há problema :
teresses históricos da classe, e, por outro lado, a história e a espontaneidade das massas deci­
o facto de o portador concreto deste programa dirão. Esta atitude não só é a simetria - nada
não ser nunca conhecido antecipadamente (pelo decorativa - da primeira, como é ainda a sua
menos não é nunca reconhecido imediatamente cúmplice prática indispensável. Significa na prá­
pela maioria da classe) e de várias organizações tica entregar os organismos de massas à buro­
se pretenderem a expressão destes interesses cracia, ou, pelo menos, sob pretexto de se fiar
- este dilema fundamental de qualquer política nas massas, nada fazer contra esta. Decidida­
revolucionária não pode ser resolvido a partir de mente, a demissão política e o «sacrifício da
uma construção a priori. A solução, a síntese consciência» têm exactamente o mesmo valor,
concreta destes dois termos, não se pode elabo­ quer se verifiquem perante um Comité Central,
rar senão a partJr da experiência e modificar-se quer perante a «espontaneidade das massas».
à luz desta. 20. A nossa atitude relativamente a esta
19. Duas correntes se apresentam hoje pe­ questão fundamental pode-se resumir da ma­
rante a história com a pretensão de dar uma neira seguinte:
solução a priori a este problema: o burocratismo a) Recusamos categoricamente o confusionis­
e o anarquismo. A solução da burocracia estali­ mo e o ecletismo que actualmente estão na moda
I! nista ou da microburocracia trotskista é que o nos meios anarquisantes. Para nós, não há em
representante histórico da verdade e dos inte­ cada momento senão um só programa, uma só
resses do proletariado é conhecido e designado ideologia que exprime os interesses da classe.
de antemão: são as suas organizações respec­ Só reconhecemos como autônomos os organis­
tivas. Não há problema de síntese entre o pro­ mos que se colocam neste programa, e só estes
grama único da revolução, a verdade única e a podem ser reconhecidos como a direcção legítima
enorme quantidade de opiniões diferentes no in­ da classe. Consideramos como nossa tarefa fun­
terior do proletariado, visto que o seu partido damental lutar para que este programa e esta
é, ele próprio, esta verdade personificada. ideologia sejam aceites pela maioria da classe.

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A EXPERIÊ:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO O PARTIDO REVOLUCIONAJUO

Estamos certos que se isto se não verificar, em todos os planos contra a burocracia e as suas
qualquer organismo, por mais «autónomo» que manifestações. É evidente que este conteúdo não
seja formalmente, se tornará irremediavelmente só não pode ser separado dos métodos pelos quais
num instrumento da contra-revolução. se fará valer, como é idêntico a eles. Pensar que
b) Mas isto não resolve o problema das re­ se pode lutar contra a burocracia através de
lações entre a organização que representa o meios burocráticos é um absurdo que revela que
programa e a ideologia da revolução e as ou­ pouca coisa se compreendeu quer da burocracia
tras organizações que se reclamam da classe quer da luta contra esta. A luta e a vitória contra
operária, nem o problema das relações entre a burocracia só serão possíveis se a grande maio­
esta organização c os organismos soviéticos da ria do proletariado se mobilizar a si própria,
classe. A luta pela preponderância do programa com base num programa antiburocrático até aos
revolucionário no seio dos organismos de massa
mais ínfimos pormenores. A universalidade da
só se pode fazer através de meios que derivem
nossa época - e do nosso programa, cujo as­
directamente do objectivo a atingir, que é o exer­
pecto mais profundo aí reside - é que os objec­
cício do poder pela classe operária. Estes meios
tivos da revolução e as formas de organização
são, por conseguinte, dirigidos essencialmente
proletárias se tornaram não «profundamente
para o desenvolvimento da consciência e das ca­
ligados» mas idênticos. O nosso «programa eco­
pacidades da classe, em cada momento e por
nómico», por exemplo, reduz-se de facto a uma
ocasião de cada acto concreto que o partido em­
forma de organização: a gestão operária. Não
preenda perante esta. Daí resulta não só a de­
temos necessidade de um programa específico
mocracia proletária, como meio indispensável
contra a burocracia, porque o nosso programa
para a construção do socialismo, mas também
o facto do partido não poder nunca exercer o mais não é do que isso.
poder enquanto tal, e de o poder ser sempre O que é paradoxal neste assunto é que certas
exercido pelos organismos soviéticos das massas. concepções, sob pretexto de fixar garantias ilu­
c) Tendo em conta estes factores, é comple­ sórias contra a burocratização, têm como resul­
tamente supérfluo - seria mesmo ridículo­
·
tado objectivo a travagem da única luta possível
querermo-nos delimitar especificamente da bu­ contra esta, que é o esforço máximo, mais siste­
rocracia. Seria como querermo-nos delimitar de matizado e mais coordenado, pela propagação das
Truman ou de Mussolini. Todo o conteúdo do nossas concepções no seio da classe, pela edu­
nosso programa não é outra coisa senão a luta cação de militantes operários, pela realização da

148 149
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENT'O OPERÁRIO

fusão entre manuais e intelectuais no interior de


um partido revolucionário,
21. A definição que damos do nosso grupo
como núcleo da organização revolucionária assen­
ta na avaliação quü fazemos du nossa plataforma
ideológica. Conaidernm<m que oatn.:
a) ReprPHPntn a t-tinü�Ho do que o movimento
operúrio produziu nt6 nqui de válido.
b) J'il n Úinil'n bn!-le n partir da qual se poderá
opcrur ndequadanwnte n �:�intese e a integração
do que produzirá. doravante a experiência prole­
A DIRECÇÃO PROLETÁRIA *
tárin ou a de outr o s grupos políticos.
c) Deve, portanto, tornar-se a ideologia pre­
A actividade revolucionária do tipo inaugu­
ponderante no interior do proletariado, para a
rado pelo marxismo é dominada por uma anti­
revolução poder vencer.
nomia profunda, que pode ser definida nos
d) Adquirirá esta preponderância não por
seguintes termos: por um lado, esta actividade
milagre, nem pelo simples facto da «espontanei­
- é fundada numa análise científica da sociedade,
dade das massas», mas através de um longo e
numa perspectiva consciente do desenvolvimento
duplo processo: por um lado, acesso da classe,
futuro e, por conseguinte, n um a p�lanificação
sob pressão das condições objectivas, ao essen­
relativa da sua atitude face á realidade; por
cial desta ideologia, e por outro, o nosso perma­
outro lado, o factor mais importante, o factor
nente trabalho de propagação e de demonstração
decisivo desta perspectiva e desta antecipação
desta plataforma junto da classe e de educação
do futuro é a actividade criadora de dezenas de
revolucionária da elite proletária.
milhões de homens, tal como desabrochará du­
Desta caracterização da nossa plataforma re­
rante e após a revolução, e o carácter revolucio­
sulta imediatamente, como nossa tarefa central,
nário e cosmogónico desta actividade consiste
a da construção do partido revolucionário.
precisamente em que o seu conteúdo será original

* S. ou B. n.o 10 (Julho de 1�52).- Ver adiante o Poli­


lácio a este texto.

150 1(';1
'/

A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPE RARIO A DIREOÇÃO PROLE TÁRIA

e imprevisível. Iil inútil tentar resolver esta anti­ A única «resposta» teórica que se pode dar
nomia suprimindo-lhe um dos termos. Renunciar consiste em dizer que a solução desta antino�
a uma actividade colectiva racional, organizada mia no decorrer da revolução se faz porque a
e planificada, porque as massas em luta resol­ actividade criadora das massas é uma activi­
verão todos os problemas, é, de facto, repudiar dade consciente e racional, portanto essencial­
o aspecto «Cientüico», mais exactamente o as­ mente homogénea à actividade das minorias
pecto racional e consciente da actividade revo­ conscientes agindo antes da revolução, mas cujo
lucionária, é apagar-se voluntariamente num contributo único e insubstituível consiste numa
misticismo messiânico'. Nã:o reconhecer, pelo con­ subversão e num alargamento enorme do pró­
trário, o carácter original e criador da actividade prio conteúdo desta razão histórica. Se desta
das massas, ou só o reconhecer negligentemente, maneira nos é dada uma base geral para a fusão
equivale a fundar teoricamente a burocracia, da «consciência» das minorias com a razão ele­
cuja base ideológica é o reconhecimento de uma mentar das massas, se podemos afirmar assim
minoria «consciente» como depositária da razão que a revolução não esbarra numa contradição
histórica. insolúvel, não podemos, em contrapartida, pre­
O campo em que esta antinomia aparece com tender encontrar de antemão as formas prático­
mais evidência é o dos problemas relativos ao -concretas desta fusão. Esta «Solução» teórica
programa da revolução - e a questão da di­ não as indica, pelo contrário, faz saber desde já
recção do proletariado (partido) e das suas re­ que o conteúdo concreto da revolução ultrapassa
lações com a classe é uma questão programática qualquer análise antecipada, uma vez que con­
por excelência. Incontestavelmente, tudo o que siste em pôr novas formas de racionalidade his­
se possa dizer sobre o carácter limitado e insa­ tórica.
tisfatório dos esforços, tanto do nosso grupo li:, portanto, essencial para uma organização
como de outras correntes desde há vinte anos, revolucionária ter claramente consciência do
. visando a resolução da questão do partido, re­ problema nestes termos, e manter-se pronta a
·
sume-se à impossibilidade de resolver a priori readaptar a sua ideologia e a sua acção à luz
esta antinomia. Isto porque temos aí o próprio da perspectiva que daí resulta, em vez de querer
tipo de antinomia cuja solução é impossível no à viva força resolver artificialmente uma questão
plano teórico, não podendo qualquer tentativa de que está à escala da revolução e apenas dela.
solução deste género levar senão a mistificações Sabe-se, aliás, a que conduziram os casos em que
desejadas ou não. foram dadas «soluções» num espírito diferente.

152 153

-------
!

.
A EJ0PERI:ÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO A DIRECÇAO PIWLETAIUA

Estas observações não visam de maneira ne­ !ativamente ao poder proletário. As soluçOe11
nhuma repudiar as pesquisas e as discussões, nem actuais devem inscrever-se na linha de desen·
a adopção de soluções provisórias, que são mais volvimento que define a nossa perspectiva his­
do que hipóteses de trabalho, que são verdadei­ tórica. As implicações deste aspecto do pro­
ros postulados de acção. Renunciar a isto seria blema serão evocadas mais adiante.
renunciar a qualquer concepção programática
por pouco defi nida que fosse, ou o me:-1mo é dizer, A DIRECÇÃO ANTES E DEPOIS
a qualquer acção. A importância da delimita­ DA RE:VOLUÇÃO
ção atrás operada consiste em que ela dá um
alcance preciso a qualquer concepção programá­ O problema da direcção revolucionária apre­
tica a priori que pudéssemos elaborar e sobre­ senta-se como um nó de contradições. O pro­
tudo em que ela tende a educar a «minoria cons­ cesso revolucionário apresenta-se sob a forma
ciente e organizada» na compreensão do sentido de uma infinidade de pessoas empenhadas numa
e dos limites históricos do seu papel. infinidade de actividades. A menos que se faça
O problema põe-se em termos relativamente apelo à magia, é impossível que este processo
diferentes quando se trata das formas de orga­ conduza aos seus fins sem uma direcção no sen­
nização e de actividade desta própria minoria tido preciso do termo, isto é, sem uma instância
consciente. Aí, esta minoria deve, ela própria, central que oriente e coordene as suas múltiplas
apresentar as suas soluções. Uma minoria re­ acções, escolha os meios mais económicos para
volucionária, ou um militante revolucionário iso­ alcançar os objectivos propostos, etc. Por outro
lado, age por sua própria responsabilidade. De lado, o objectivo essencial da revolução é a su­
outro modo, deixam de existir. Não podemos pressão da distinção fixa e estável - e de qual­
hoje pretender resolver a questão do poder pro­ quer distinção, no fim de contas - entre os di­
letário de outra maneira que não seja sob a rigentes e os executantes. Há, portanto, neces­
forma de um postulado, mas podemos e devemos sidade da direcção, como há também necessidade
responder ao problema das nossas tarefas e da de supressão da direcção.
nossa orientação. O objectivo final da revolução não implica
� evidente que um dos aspectos mais impor­ imediatamente a supressão da distinção entre as
tantes do problema diz respeito à ligação entre funções de direcção e as funções de execução
a organização e a actividade actual de uma mino­ (este é um problema longínquo que não encara­
ria revolucionária e a sua perspectiva final re- remos) . No entanto, implica necessariamente a

154 155

_L_
I
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO A DIREOÇÃO PROLETÁRIA

supressão de uma divisão social do trabalho cor­ rio, falamos da necessidade de uma direcção dis­
relatívo a estas funções. Se se admite que a fun­ tinta da classe, referimo-nos às condições do
ção da direcção não pode ser imediatamente regime de exploração, sob as quais estas funções
suprimida, a conclusão ressalta facilmente : é o só podem ser desempenhadas por uma minoria
próprio proletariado que deve ser a sua própria da classe.
direcção. A direcção da classe não pode, por­
· Mas é também evidente que esta resposta
tanto, ser distinta da própria classe. não encerra a questão, porque a passagem de
Mas, por outro lado, é evidente que a classe uma situação à outra - da fase durante a qual
não pode ser imediata e directamcnte a sua pró­ a classe explorada, alienada e mistificada não
pria direcção. Ê inútil argumentar sobre este pode ser a sua própria direcção, àquela durante
ponto, visto que, de qualquer modo, e de facto, a qual a classe se dirige necessariamente a si
a classe não é a sua própria direcção e não o foi própria - esta passagem aparece como, e é na
no decurso da sua história. Se, portanto, o pro­ realidade, um salto, uma contradição absoluta.
cesso revolucionário começa na sociedade capi­ Contradição que, diga-se entre parêntesis, não é
talista, se a luta de classe explícita tem um valor mais chocante que a própria revolução, e que
positivo e deve ser conduzida de uma maneira todos os momentos durante os quais uma coisa
permanente, não pode ser senão uma fracção deixa de ser ela própria para se tornar outra.
da classe, um corpo relativamente distinto, que Ê impossível explicar de antemão, em termos
pode e deve ser a sua direcção. A direcção da teóricos, como terá lugar esta passagem. Para
classe não pode, portanto, deixar de ser distinta o marxismo, nunca esteve em questão deduzir
il da própria classe. a revolução, mas fazê-la.
A solução desta contradição encontra-se par­ Isto não quer dizer que para nós o reconhe­
cialmente no tempo, isto é, no desenvolvimento. cimento da possibilidade desta passagem seja
Quando falamos na supressão da distinção entre um acto de fé. Sem querer nem poder descrever
dirigentes e executantes referimo-nos a uma as formas que ela poderá tomar, pensamos po­
etapa posterior, genericamente, ao período que der basear esta passagem em elementos exis­
se segue à vitória da revolução. A supressão tentes desde já. Estes elementos são, em pri­
da exploração, o desenvolvimento das forças meiro lugar, o desenvolvimento da consciência e
produtivas são, com efeito, impossíveis sem a das capacidades do proletariado, tal como é de­
gestão operária e esta é inseparável do poder terminado pela evolução da própria sociedade.
dos organismos de massa. Quando, pelo contrá- Em segundo lugar, a existência, muito antes da

156 157
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO A DIREOÇÃO PROLET:A.RIA

revolução, no seio do proletariado, de camadas certo que a discussão desta questão agora não
e de indivíduos que alcançam uma consciência serve para nada. A constituição de uma direc­
dos objectivos e dos meios da revolução. Em ção revolucionária sob o regime de exploração
terceiro lugar, a própria acção da direcção re­ não se opõe de modo nenhum à supressão de
volucionária sob o regime de exploração, que qualquer direcção separada durante o período
deve pretender constantemente desenvolver a pós-revolucionário. Pensamos, pelo contrário,
capacidade de acção autónoma e de auto-direcção que é um dos seus pressupostos. Sob este ponto
do proletariado. de vista, tudo depende do espírito, da orientação
Esta passagem do proletari ado, da posição de e da ideologia nas quais esta direcção se desen­
classe explorra da à de dasse domin an te, eorres­ volveu e foi educada e da maneira como concebe
ponde a essa fase de tmnsição habitualmente 'cha­ as suas relações com a classe e as realiza. Além
mada período revolucionário e que podemos defi­ disso, esta direcção do período pré-revolucionário
nir como iniciando-se no momento em qu e a classe só é direcção num sentido especial - propõe ob­
começa a agrupar-se em organismos de massa jectivos e meios, mas não os pode impor senão
que se colocam no terreno da luta pelo poder, pela luta ideológica e pelo seu próprio exemplo.
e terminando no momento em que este poder é Neste sentido, a questão não é se deve ou não
conquistado à escala universal. Esta definição h aver direcção, mas qual deve ser o seu pro­
permite-nos ver onde se situa exactamente o pro­ grama.
blema da direcção da classe pela própria classe : Durante o período revolucionário, pelo con­
certamente, não antes do início deste período trário, tudo se situa no plano das relações de
nem depois do seu fim. Não antes, porque não força. Uma minoria constituída e coerente for­
há problema da direcção da classe pela própria mará um factor com um peso muito grande nos
classe se a própria classe o não põe ; e ela só o acontecimentos. Poderá - e quem pode afirmar
põe pela constituição dos organismos de massa. de antemão que em certos casos não deverá -
Não depois, porque as razões que tornavam an­ agir por sua própria responsabilidade e impor
teriormente impossível a direcção da classe pela o seu ponto de vista pela violência. (Há no grupo
própria classe são suprimidas pela vitória da pessoas para quem a diferença entre os 49 e os
revolução (de outro modo, não o seriam nunca) . 51 por cento é a diferença entre o bem e o mal ?
:m certo que é durante este período que a Ou que exigirão um referendo panproletário para
questão das relações entre a direcção revolucio­ decidir da insurreição ?) Ela poderá então ser
nária e a classe se torna decisiva. :m também uma direcção no sentido pleno do termo. Por

158 159

-----"'-- --··-·--
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO A DIREOÇÃO PROLETARIA

outro lado, haverá a classe no seu conjunto, or­ característica da luta do proletariado, como se

ganizada e verosimilmcnte armada. Se a direcção sabe, que diferencia o proletariado das outras

se , tesenvolveu de acordo com o programa justo,, classes exploradas que o precederam na história.

se a classe está suficientemente consciente e Ora, desde que haja luta explícita, põe-se o pro­

activa, a revolução significará a reabsorção da blema da direcção desta luta.

direcção na classe. No caso contrá ri o e de qual­


,
Que significa direcção'l Decidir a ori entação

quer forma HE� n ClbtHKP Ke dHmitir perante a


-
e as modalidades de uma acção colectiva, decidir

direcção ou poratthl o dtabo .._. 1m t.ii.o a burocra­ a acção de uma colectividade ou de um grupo.

tização ou a « h-!rrot a ó ftünl , 11 a qu estão de saber Direcção é esta actividade dirigente em si, e é

se a nova bnroer1wi 1t (l a 11x-direcção revolucio­ depois - e é disto que aqui se trata - o sujeito

nária ou qualqtwr outra pouco interesse tem. desta actividade, o corpo ou organismo que o

Quanto à dlrt1cçfi.o, lliHia mais pode fazer do que exerce. Este sujeito pode ser o próprio grupo

educar-s:n n Pllll<':tr a vanguarda no espírito do ou a própria colectividade. Pode ser também um

descnvolvhno nto da actividade autónoma da corpo particular, interior ou exterior ao grupo,

classe op erária e da consciência histórica. agindo «por delegação» ou por vontade própria.
Nos dois casos a noção de direcção está asso­
A DIRECÇÃO REVOLUCIONÁRIA ciada à noção de poder, visto que a aplicação
I SOB O H.EGIME DE EXPLORAÇÃO das decisões da direcção só pode ser garantida
pela existência de sanções, ou seja, de uma coer­
Se o problema da direcção revolucionária se ção organizada.
põe para nós de maneira permanente - o que Uma direcção no sentido pleno do termo só
não quer dizer que seja sempre resolvido, e ainda pode ser portanto exercida por uma classe do­
menos que o seja correctamente - é porque minante ou suas fracções. Isto assim será com
reconhecemos por um lado que a própria luta de o proletariado no poder, e vimos que surge um
classes 6 permanente, e por outro - e sobre­ problema particular durante o período revolu­
tudo - que o proletariado não pode ser nem cionário, devido à fragmentação do poder - ou
continuar a ser uma classe revolucionária sem a possibilidade generalizada de exercer a vio­
conduzir ou tender a conduzir constantemente lência - que o caracterizam.
uma luta explícita, aberta, na qual se afirma Nestas condições, que pode ser a direcção
como classe à parte com objectivos históricos de uma classe explorada e oprimida ? Dado o
próprios, que são de facto universais. Ê esta carácter absoluto do poder na sociedade actual

160 161
A DIRE GÇÃO PROLE TAltiA

(e em oposição ao que se poderia passar anti� exploração, a classe não pode ser, na sua totali4
gamcnte, nas sociedades de casta, por exemplo ) dade, indiferenciada da sua própria direcção. So­
não pode haver coerção do interior da classe bre este ponto, retomaremos, se necessário, a
- a menos que aquele que exerce o poder par� esmagadora argumentaçãó que lhe diz respeito.
t �ipe já, de uma maneira ou doutra, no sistema É impossível conceber esta direcção de outra
de exploração (tal o caso dos sindicatos e dos maneira que não como um organismo universal,
partidos reformistas ou estalinianos) . O acordo minoritário, selectivo e centralizado. São estas
entre a direcção e a classe ( ou fracções da elas� as determinações clássicas do partido, se bem
se) não pode basear�se senão na adesão volun� que o nome pouco importe para o assunto. Mas
tária da classe às decisões da direcção. O único a época actual vem trazer a estas uma nova
meio de «Coerção», no sentido lato do termo, à determinação, ainda mais essencial : o partido é,
disposição desta direcção, é a coerção ideológica, na forma e no fundo, um organismo único, por
isto é, a luta pelas ideias e pelo exemplo. outras palavras, o único organismo (permanen­
Seria estúpido querer impor limites a esta te) da classe nas condições do regime de explo­
luta e a esta «Coerção». As únicas restrições que ração. Não há nem pode haver uma pluralidade
se lhe podem fazer referem�se ao conteúdo ideo� de formas de organização às quais se justaporia
lógico e levantam, portanto, outras discussões. ou se sobreporia. Em particular, as organiza­
Por conseguinte, uma direcção revolucioná� ções tendentes, por assim dizer, a responder aos
ria em regime de exploração não pode ter outro problemas económicos enquanto problemas par­
sentido senão este : um corpo que decide a orien­ ticulares (sindicatos) são impossíveis como orga­
tação e as modalidades de acção da classe ou nismos proletários. O organismo político-econó­
de fracc:ões desta, e que se esforça por lhas fazer mico de luta contra a exploração é um organismo
adaptar através da luta ideológica e da acção unitário e único. Neste sentido, a distinção entre
exemplar. Partido e «Comités de Luta» (ou qualquer ou­
A questão que se põe agora é esta : há ne­ tra forma de organização minoritária de van­
cessidade de uma tal direcção - não no sentido guarda operária) refere-se exclusivamente ao
de uma actividade dirigente, o que é óbvio, mas grau de clarificação e de organização e nada
no sentido de um sujeito particular de direcção ? mais. Este carácter exclusivo do organismo diri­
A classe não pode ser imediata e directamente gente aparece claramente nas condições mais
a sua própria direcção ? A resposta é, evidente­ modernas do regime de exploração (ditadura
mente, negativa. Nas condições da sociedade de burocrática ou regime de guerra) nas quais uma

162 163
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO
A DIRE OÇÃO PROLETÁRIA

pluralidade de formas de organização ou de di­


menos de acordo é que esta é o conjunto do•
recção é impensável. Mas é evidente mesmo nas
operários conscientes da natureza do capitalismo
condições «antiquadas» do mundo ocidental.
e do estalinismo como sistemas de exploração e
Com efeito, nem do ponto de vista dos proble­
recusando apoiar pela sua acção tanto um como
mas, nem do ponto de vista das pessoas, se pode
outro. Ê certo que mais profundamente ainda, e
querer criar de uma maneira permanente uma
em particular através do estalinismo, estes ope­
organização «de fábrica» e uma organização
rários põem em questão o conjunto dos proble­
«política» separadas e independentes. Deste pon­
mas, referentes simultaneamente aos objectivos
to de vista, a distinção entre a «organização dos
operários» e a « organização dos revolucionários» e aos meios da luta de classe. Como se disse há

deve desaparecer ao mesmo tempo que a concep­ muito tempo no grupo, a atitude . desta van­

ção teórica que é a sua raiz. guarda é essencialmente negativa e crítica. En­
quanto tal, significa incontestavelmente uma
ultrapassagem. Toda a questão é : uma ultrapas­
CONSTITUIÇÃO DE UMA DIRECÇÃO
sagem de quê ?
NO PERíODO ACTUAL
A nosso ver, uma ultrapassagem do conteúdo
Dos três elementos necessários para a cons­ tradicional do programa, das formas tradicio­
tituição de uma direcção (programa, forma de nais de organização e em particular das formas
I organização e terreno material de constituição) da actividade tradicional das «direcções». Isto
é este último, isto é, a existência e a natureza quanto ao seu valor objectivo. Quanto ao seu
actual de uma vanguarda potencial, que nos deve conteúdo concreto, não há dúvidas que não vão
reter. Salvo erro, nenhum camarada contestou muito mais longe. Ê quase certo que o conjunto
até agora que fosse possível definir um programa destes operários não só rejeita a solução tra­
ou que pudesse existir uma forma de organização dicional destes problemas, como contesta que
correspondente ao conteúdo desse programa e às possa haver uma solução genérica. Ê certo, nou­
condições da época actual. Pelo contrário, há tros termos, que não acredita, actualmente, na
controvérsia não tanto sobre a natureza da capacidade do proletariado em se tornar classe
I «vanguarda» actual mas mais sobre a sua apre­ dominante.
ciação e o seu significado histórico.
Pode-se tirar uma conclusão quanto ao fundo
A definição concreta da «Vanguarda» actual
destes problemas ? Talvez, mas então é necessá­
sobre a qual o conjunto do grupo está mais ou
rio tirá-la até ao fim. Se os operários relativa-

164
1615
i
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO A DIREOÇ.ãO PIWLETARIA

mente mais conscientes acreditam actualrnente PAPEL E TAREFAS DO GRUPO


que qualquer direcção está condenada a apodre­ Isto não significa de modo nenhum que o
cer, e se isto prova que assim é realmente, o grupo não tenha desde já um papel a desempe­
rn 1smo raciocínio pode provar que qualquer pro­ nhar, papel que tem uma importância histórica.
grama é uma mistificação ou que o proletariado Só o grupo pode actualmente - e é o único a
não será nunca capaz do exercer realmente o fazê-lo no mundo, salvo erro - prosseguir a
poder ; porque ó iguulntonto isto lfiW ostes ope­ elaboração de uma ideologia revolucionária, de­
rários pensam. finir um programa e fazer um trabalho de difu­
Na realidade, este estado dtl eonaciôncia e são e de educação que são preciosos mesnio que
a atitude que daí resul ta roflectem por um lado os seus resultados não sejam imediatamente vi­
urna tomada de consciência - imomnurumtc po­ síveis; O cumprimento destas tarefas é um pres­
sitiva - do malogro das respostas trad icionais suposto essencial para a constituição de uma
e enquanto· tais preparam incontestavelmente o direcção, logo que esta seja objectivamente pos­
futuro ; mas, por outro lado, refleetem igual­ sível.
mente a conjuntura mundial e, em particular, A compreensão destas coisas não é difícil e
a pressão enorme que a relação de forc;aa actual seria para admirar que estes pontos pudessem
exerce sobre todos os indivíduos da sociedade ser objecto de uma discussão em si mesmos. No
- incluindo os elementos do nosso grupo - e entanto, se o são, é porque o grupo não é um
nesta medida representam, por assim dizer, ape­ sujeito lógico, é constituído por indivíduos que
nas o peso puro e simples da matéria histórica, fazem parte dessa mesma sociedade que tão bem
matéria que está, aliás, em vias de se transfor­ analisamos para os outros, e essas pessoas so­
mar rapidamente e que dentro de não muito frem a mesma pressão histórica enorme que
tempo será engolida pelo passado. esmaga actualmente a classe operária e a sua
E certo que, enquanto a vanguarda se si­ vanguarda. A grande maioria dos camaradas
tuar neste campo, a questão da constituição de do grupo participam consciente ou inconsciente­

I
uma direcção não se pode pôr como tarefa prá­ mente do estado de espírito que foi descrito aci­
tica. Para isso será preciso que a pressão das ma, e é provável que já não vejam muito bem
condições objectivas ponha de novo os operá­ as razões da sua adesão ao grupo. A consequên­
rios mais conscientes perante a necessidade de cia disso é que a sua participação no trabalho

f
agir. do grupo é quase nula, o que faz com que o tra-

166 167

l
--"
-�
/

A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO

balho do grupo e o próprio grupo estejam amea­


�ados de desaparecimento. Mas este fenômeno,, .I
e as conclusões que daí resultam, fazem parte
de u:rra outra discussão. Mesmo que a «discussão
sobre o partido» chegue a conclusões sobre este
género de tarefas ou sobre um outro, seria pre­
ciso que houvesse camaradas que quisessem
mesmo sacrificar qualquer coisa para que estas
tarefas, sejam elas quais forem, pudessem ser
realizadas.

POSFACIO A
O PARTIDO REVOL UCIONARfO
E A
A DIRECÇÃO PROLETARIA

A discussão sobre a questão da organiza�ão


esteve presente, sob formas mais ou menos agu­
das, ao longo de toda a história do grupo S. ou B.
Mas os dois textos precedentes seriam obscuros
se não fossem inseridos no contexto das discus­
sões da época em que foram redigidos. Pareceu­
-me útil, para os esclarecer, reproduzir aqui as
notas que os acompanhavam nos n.os 2 (Maio de
1949) e 10 (Julho de 1952) de S. ou B.
Eis primeiro a nota que, no n. o 2, precedia
o texto sobre O partido revolucionário'.

A VIDA DO NOSSO GR UPO

1 . Desde há um ano· que o• grupo se reúne


duas vezes1 por mês em reunião plenária. l•}stOAJ

168 l fiH
A EXPERI:ii: N CIA DO MOVIMENTO OPERARIO POS FAGIO A O l'AHTJDO Rl�' VOL l!CTONARW . . .

reuniões Hão consagradas essencialmente à dis­ o pro blema da organização socialista da econo­
cussão de pr·oblemas políticos gerais bem como mia e a ab olição das relações dirigentes-executan­
actuai.�. J!'omm as sim feito'8 relatórios,. que ser­ tes nesta fase) .
v ira/Y� lÜl boBe à discussão de problem.as como o 3. O camarada Carrier opõe -se à ideia de con­
sindicah�'lrno actual, o• imperialismo da Rússia siderar desde já o grupo ligado por uma disci­
burocrâtü�n, a greve dos mineiro·s, a evolução plina colectiva, e a construção· do partido revo­
actuftl dn situação econômica e política, etc. Por lucionário como absolutamente necessária. Se
outro lad o , funciona um grupo de educação , que for precis o , afirma ele em suma, admitir urna
s·e reúne igualmente duas vezes por mês. Foram diferenciação no· proletariado, não será a do par­
fe·ila,q tltuts séries de e xposições sobre a formar tido e da classe. Ainda menos que o partido, o
ç ão (! o.<r aspectos gerais do marxismo e sobre a grupo no estado actual não se fustifica como
l!C0110'mÜt capi talista. corpo organizado. A única dis tinção a fazer é a
2. No domingo, 1 0 de Abril, o' grupo consa,.. de organização d e trabalhadores e de organização
nrou a t o talidade da sua reunião plenária, m,a,­ de revolucionários. Uma organização dos revo­
nhã c tnrde, à dwcussão da questão do partido lucionários é necessária, rnas só pode ser cons­
re?Jolw�ümário e da orientação do, seu trabalho truída a par tir dos locais de trabalho e não a
para a conBtrução do partido. Depois de um re­ partir do encontro· ideológico d e indivíduos. De
latório do camarada Chaulieu, cujo conteúdo qualquer maneira, esta organização de revolu­
essenda l se reproduz na res olução sobre o par­ cionários deve estar completamente subordinada
tido revolucionário que publicamos mais adiante, à organização Ms trabalhadores e não estar li­
a maioria dos camaradas tomaram a palavra gada por nenhuma disciplina que impliqu e uma
bastante longamente e todos se exprimiram so­ solidariedade dos seus elementos na acção. Os
bre a questão em debate. elementos revolucionários encontram-se e discu­
Três camaradas opuseram-se à orientação tem em comum os problemas da revolução, e
fundamental do relatório, com posições sensivel­ separam-se depois para agir cada um corno en­
men te d iferent es. o� essencial da discussão girou tende no seio· da organização dos trabalhadores,
em torno· de pontos porr eles levantado>8. Contudo, única representativa da classe. Carrier vê nos
foram igualmente abordados vários pro blemas Comités de Luta que se formaram em 1 947 e
·
que, emb ora não directamente ligados ao pro._ nas formas de agrup amento análogas que se po­
blema centra.l, são de grande interesse e serão dem v erificar, exemplos de organização de tra­
temas de discussõe�s posteriores (particularmente balhadores. Em taisr comités, os camarada.'r do

170 171
POSFAGIO A O PARTIDO REVOL UCIONARIO . . .
A KX P immNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO

não bMta dizer quJe a luta contra a burocratização


grupo comportam-se como os outros elementos
releva apen.as do programa e não da estrutura
e abstêm-se de procurar impor as ideias do grupo.
organizativa. O princípio do centralismo demo·
Por fim, se se admite que todo o grupo se inte­
crático deve ser estudado à luz da experiência
grou numa organização d e trabalhadores, ele de­
passada, e posto em questão. O centralismo de­
v erá desaparecer imediatamente enquanto grupo.
mocrático Msente na dualidade executantes-diri­
Carrier, portanto, caracteriza essencialmente a
gentes que reinava nos partidos da III Interna­
organização dos' revolucionários como um grupo
tional revolucionária era já, de facto, um cen­
momentâneo com tendência a definhar. Conclui
tralismo• burocrático.
dizendo que a organização. dos revolucionários.
5. O camarada Ségur, tal como a camarada
deve, de qualquer maneira, desaparecer no pró­
Denise, afirma a necessidade permanente de uma
prio dia em que os Sovietes tomarem o poder.
direcção política, à qual se não recusa a chamar
4. A esta avaliação da organização dos re­
partido. Mas acha que a concepção de partido
volucionários e das suas relações com a orga­
que se faz no relatório, que é uma concepção
nização dos trabalhadores, a camarad.a Denise
clássica, no fundo muito próxima da concepção
opõe-se fazendo ressaltar que a organização dos
leninista do Que Fazer?, pMsa completamente
revolucionários é indispensável, de maneira per­
ao lado do verdadeiro problema, que é o de im­
manente, para preparar a revolução, que deve
pedir a degenerescência burocrática do partido.
continuar a distinguir-se d e todas as outras for­
Ora, esta degenerescência é fatal se o partido
mas de organização· da classe até à re1Jolução,
quiser atribuir-se as tarefas· de direcção política
quaisquer que sefam as condições obj'ectivM.
da clMse. O problema é restringuir a sua acti­
Mas levanta dois problemas: 1 .0 Qual deve ser
vidade ao domínio ideológico· e interditar-lhe a
a relação da organização revolucionária com a
intervenção no domínio prJtico . O partido deve
classe ? 2.0 Qual deve ser a estrutura desta or­
ser a direcção ideológica e não a direcção prá­
ganização ? Ao primeiro responde afirmando que
tica da classe. Se se propuser tarefas práticas,
a organização dos revolucionários não pode pro­
o partido substitui-se à classe e torna-se uma
pôr como finalidade sua dirigir a classe. Não se
direcção burocrática que, agindo em nome dos
tr,ata, por exemplo, para um militante do grupo
interesses da classe, age de facto em lugar desta.
d e procurar ilirigir um comité ile luta. A lém
O camarada Ségur, neste sentido, afirma que é
disso, não ileve assumir a sua direcção, mas ape­
preciso estudar de muito perto o período de pre­
nas manifestar aí as suas iileias. No que se re­
paração imediata da revolução. O momento da
fere à estrutura ila organização revolucionária,

172 173
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OJPERARIO POS PJ\GIO A O PARTIDO Rb'VOL UCIONARIO . . .

insurreição é o momento em que o pa:rtido - se elementos, que têm e m comum estas ideias polí­
não se limitar ao seu papel ideológico, - pre• ticas, se reúnam à parte para discutirem entre
para ele próprio n tomada do poder e em que si os problema-s que decorrem das suas concep­
constitui - fom dos órgãos autónomos da clas­ ções comuns. E, ou estes elementos nada têm de
se - os qutulros da ]Joder. A lógica do partido sério, ou a sua v ontade é fazer triunfar as suas
é, então, a{Jir crula 1Jez mai.<r em lugar dos Sovie­ ideias, que acreditam justas. Não os podemos
te.'f e tran..�forrnar-Hfl P-m. /Jurocracia. portanto impedir, se decidirem agir em. conjunto
6. Os rmtro.<t cnnut'mda,'l' opu1wrnm·-se a estas num mesmo meio de trabalho, ou cada um no seu
powiçiif�H. Col'irrirnos ns HWM intervenções para meio mas num sentido idêntico, de decidirem
rrwi.'f clarwrrwnte 're.•uw.ltnrem ns idein:.'f apresen­ pôr, na sua actividade pública, o acento tônico
tadas. no seu acordo e de lhe subordinarem os seus de­
a) Das intervenções dos camaradas que se sacordo•s. A lógica da sua situação leva- os, assim,
opõem ao Relatório deduz-se que estes estão de necessariamente a constituírem-s e em grupo,
acordo, em graus diversos, com a necessidade organização ou partido ( segundo o seu progra­
de uma o>rganização d e revolucionários. Negar ma é ou não suficientemente elaborado) .
esta organização seria negar-nos a nó s próprios Dizer que um elemento deste grupo• consti.­
enquanto grupo existente a partir dEl uma pla­ fiuído Sle iteve 'absber,. pQir exemplo, de desempenhar
taforma política comum. Mas se se pa.rtir deste um papel preponderante num órgão da classe a
facto, é preciso tirar dele todas as con.sequências, pretexto de que altera então a espontaneidade e
ou então não se pensa até ao fim a id,eia de uma a autonomia des·ta, é, de facto, impedi-lo de ex­
organização de revolucionários. Supondo mesmo primir as suas ideias e de tentar convencer os
li '

que não haja grupo formado em tM·no de um outros; porque não é necessário, se ele os con­
programa político mas apenas' órgão�� de classe v enc'er, que seja encarregaclo de tar'efas resp.on­
tais como os Comités de Luta ou os sindicatos sáveis e que adquira uma posição preponderante
denominados «autónomos», não se pode impedir neste órgão ?
que em tais grupos um certo número de elemen­ b) Animado s pelo deseio de procurar garan­
tos estejam de acordo entre si, tentem, elaborar tias contra a burocracia, os camaradas não
conjuntamente um programa político que ponha vêem que, em lugar de dar uma resposta ao pro­
os problema3 não à escala local e corporativa blema que põem, suprimem-no pura e simples�
mas à escala nacional e internacional e de uma mente. Porque, para evitar o perigo burocrático,
maneira universal. Não, se pode impedi:r que estes recusam qualquer acção organizada e concertada.

174 175

___ _
_... ... _____________ _�- ---
A E XPERif:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO
POSFAGIO A O PARTIDO REVOLUCIONAHTO . . .
Não são apenas as exigências próprias da luta
- não negar o carácter desta época. A identi­
revolucionária, a necessidade de elaborar um
dJade do prático, do polítioo e do ideológico é, num
programa político e económico completo, isto é,
certo sentido, eminenteme1�te progressiva e sig­
histórico, a necessidade de pensar e de agir num
nifica um amadurecimento da consciência do pro­
plano nacional e internacional, mas os impera­
letariado.
tivos de toda a acção colectiva, com vista a um
d) A ligação do partido com os órgãos autó­
fim comum, que exigem uma organização n o tra­
nomos da classe que podem nascer daqui até à
balho e um comando na acção.
revolução - tais como os comités de luta - ou
c) A solução niio pode consistir em limitar
com os Sovietes deve ser justamente compreen­
a actividade do partido· a uma esfera de elabor(L..
dida. O nosso grupo pensa que a constituição do
ção teórica ou a um papel de orientação política.
partido revolucionário é a condição necessária,
Todas as análi1ws do grupo são fundadas preci­
mas de modo nenhum suficiente, da revolução·.
samente na ideia de que as tarefas teóricas, po­
Afirmou' desde a sua origem' que o sentido da
líticas e práticas n.ão só estão estreitamente li­
nossa época era a tendência do movimento ope-
gadas, como os marxistas o mostraram no pas­
rário para a autonomia. Viu nos comités de luta
sado, mas também se tornaram, para falar com
que se formaram em 1 947, nomeadamente no
propriedade, idênticas, ou seja, diferentes for­
Comité de Luta da Fábrica Unic, uma manifes­
mas de uma mesma realidade. Tomar politica­
tação capital da tendência da vanguarda para se
mente posição sobre tal problema que interessa
reunir antes da revolução, a.o nível das fábricas,
a classe operária é ao mesmo temp o indicar uma
em órgãos em que os problemas práticos são pos­
atitude prática a adoptar em tal situação. Tal
� i
tos precisamente em ligação com o problema
como não podemos limitar-nos apenas aos pro­
político essencial de luta contra a burocracia.
blemas práticos e as barefas da revolução im­
Pensamos que, mesmo se tais comités não po­
plicam a ultrapassagem do problema prático e
dem viver permanentemente até à revolução, as
uma solução para os problemas, por mais teóri­
exigências da luta antiburoorática na nossa época
cos que sejam, também as posições políticas ela­
apresentam, de maneira permanente, condições
boradas até ao· fim são posições práticas. Operar
para a sua formação. PenBamos também que a
uma divisão artificial entre os dois domínios é
tomada de consciência antiburocrática, manifes­
dar um passo atrás. É essencial na nossa época,
tada por tais comités, é a própria condição da
em que as tarefas políticas e práticas se identifi­
revolução, por outras· pala1Jras, que a revolução
cam, colocar o problema da luta antiburocrática
não poderia ter lugar se não se manifestasse no

177
r,

A EXPERIJ!:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO l'OSl•'AC'IO A O PAI?TIDO Rb'VOL UCIONATUO . . .

proletariado, de forma sensível e objectiva, a funda a tendência d o proletariado para a auto­

tendência para a luta, não contra 0.5r estalinianos nomia, mas não se pode afirmar que tenham já

enquanto «arti/ices de uma má política» , mas conseguido uma verdadeira autonomia, na me­

contra a burocracia enquanto tal, .sob todas as dida em que não possuem o programa da revolu­

suas formas. ção e, pelo contrário, são terreno de luta de ideo­

Se durante toda uma fas e da sua história a logias hostis ao proletariado. É na maneira como

dualidade partido-sindicato foi a determinante o partido tratar os órgãos autónomos da classe

do movimento· operário, é para uma dualidade que se revelará a $Ua verdadeira natureza e a

do tipo partido-comité de luta que 1este se enca­ sua capacidade para resolver o problema buro­

minha, e esta evolução implica um amadureci­ crátiC!o. N<Ji medida em que os órgãos a;utlónnmos

mento do proletariado, uma politização maior em jazem parte da sua perspectiva, é claro que o

todos os domínios de luta e de organização, um partido não pode opor-se-lhes e tentar reduzi-los
em seu proveito negando-se a si próprio. O par­
laço muito mais estreito entre o j:aartido· e as
organizações da classe. Uma tal evolução im­ tido procura suscitar tais órgão·s, vê neles em­

plica, por outro lado, que a jormaçi5i<J, dos Sovie­ briões dg Sovietes, e o �eu obje,C1tWo é faz,er trudo

tes não se poderá situar senão a U'ln nível mais para que se alarguem, tomando consciência do

elevado que em 191 '7-1923, com os organismos seu papel e se transformem em comités de fá­

operários autónomos prefigurando os Sovietes brica. Não faz portanto sentido· nenhum que ele

e co·locando os problemas do poder operário de queira anexá-los artificialmente ou incorporá-los.

uma forma . embrionária no próprio• interior da Para o partido, defender o seu programa em
I' I sociedade burguesa. Não· se pode, f.IO!ftanto, pôr tais comités e jazer-lhes desenvolver a sua auto­

o problema do papel do partido revolucionário nomia é uma só e mesma coisa e não dois movi­

sem pôr o dos órgãos autónomos da� classe. Mas mentos que se contradizem. Neste exemplo se

não se pode jazer o inverso e suprimir o partido revela o facto de a luta antiburocrática ser essen­

ou limitá-lo nas suas tarefas. Por um lado, como cialmente programática. É concretizando o' pro­

já se disse, o partido tem um carâcter perma­ grama nas formas de acção· que s·e pode lutar

nente, enquanto que estes órgãos podem nascer contra a burocracia, e não procurando estatutos

e desaparecer. Por outro lado, estes órgãos, em miraculosos capazes de dar uma garantia contra

si mesmos, não têm um prog!fama j:aolítico com­ a degenerescência.

pleto e uma concepção histórica do:r; problemas. É certo que se não luta contra a burocracia
Exprimem de uma maneira extremamente pro- como contra a burguesia, sob pretexto· que esta.<�

178 179

.....
I ,

A EXPERill:NCIA D O MOVIMENTO OPERARIO POSF'AGIO A O PARTIDO Rb'VOL UCJONARW . . .

duas formas sociais têm uma existência o biectiva Eis a Resolução estatutária a que se refere a
realizada na economia. A burocracü� é, em certa nota precedente.
medida, a força de enquadramento do trabalho,
está muito mais ligada ao proletariado, destacou­ RESOLUÇÃO ESTATUTARIA
-se dele no própr�o tmr.��o da sua evolução. Quer
isto dizer que a luta contra ela implica para o 1 . Podem-se tornar elementos do grupo os

proletariado um a·profundamento ;rlo seu pro­ camaradas que:

grama e um progre:·mo na.<� suas formas de orga­ a) Aceitarem as posições programáticas for­
nização e de lutlJ-. Ma.� é do 1>rograma que devem mulad as no texto «Socialismo ou Barbárie».
emanar as co?'/.:·wquênC'ia.'l válid as p(�ra a luta e b) Pagarem regularmente as suas quotas.
a organiza ç ão . Não são soluções estatutárias, c) Trabalharem politicamente s o b o controlo
tais com o a rejc·ição d o centralismo democrático, e a disciplina colectiva do· grupo�. consagrando
que po dem dar uma solução ao probl1�ma. a este trabalho o m elhor das suas forças e orien­
Depoi..;; da discussão, o coniunto dos cama­ t ando a sua vida em função da sua actividade
rada.cr aceitou a resolução de orientação sobre o p olítica.
problema do partido que tinha sido proposta 2. Um camarada é admitido como elemento
.

- com excepção de três camarad�: que defen­ do grupo por cooptação e depois d e ter seguido
deram um ponto de vista oposto. Publicamo·s os cursos de educação do grupo. Esta última
adiante esta resolução na forma definitiva que condição pode sofrer excepções em casos• especí­
lhe foi dada pelo comité responsáv;gl do grupo . ficos, depois de decisão do grupo.
Publicamos igualmente a resolução estatutária 3. Os camaradas do grupo determinam em
que foi adoptada a seguir. reunião plená1 ia, através da discussão e do voto,
·

Diversos camaradas sublinharan� por fim a a orientação política e prática da sua actividade.
importância da discussão que teve lugar e da 4. Os membros do grupo são obrigados a
a dop ção da nova orientação, notando que nenhum executar as tarefas que este lhes confiar. O grupo
trabalho sistemáitco poderia ser le1�ado a cabo só confia tarefas aos seus elementos quando es­
enquanto o grupo não tivesse tomado claramente tão reunidas as condições' materiais para a sua
posição sobre a necessidade de preparar a cons­ realização. A não exe cução de tarefas e obriga­
trução de um partido revolucionári:o, e que se ções por parte de um elemento está suieita a
tratava agora de traduzir concretamente esta saJY!ições que vão da advertênda à exclusão. O
posição na actividade do grupo. atraso iniustificado de dois m eses no paga-

180 l Hl
I ,

POSFACIO A O PARTIDO REVOL UCIONA IUO . . .


A EXPERIJ!:NCIA DO MOVIMENT'O OPERARIO
exprimi-las na sua actividade d e propaganda, na
menta das quotizações', ou a ausência injust't"fi­
condição de conceder o lugar principal à exposi-­
cada a duas reuniões consecutivas ou a três
ção das posições progra.má,ticas do grupo e de
reuniões em trê,<: meses levantam, 13m princípio,
mostrar a subordinação das suas posições parti­
a que.<dão da excl:usão, do camarada ,em falta.
culares ao' seu acordo com as posições comuns
5. O t.ml)(tlho do grupo a todOB os níveis é
do grupo. O grupo pode dar a possibilidade de
coordenado e dirigido pelo Comité Responsável
se exprimirem na revista camaradas que lhe são
eleito ')wlo rrrup o, que resolve todaJjr as questões
exteriores.
que .<�e a.prmwntem entre duas reunWes plenárias.
8. Em todos os domínios da actividade prá­
Todo,� o.'f (�nmaradas do grupo têm o direito de
tica, é aplicado por todos os camaradas o prin­
particiJm:r 1uts reuniões do C. R. e de aí se ex­
cípio da disciplina na acção, relativamente às
primirmn, mas só os membros do C. R. têm di­
decisões das reuniões plenárias ou do C. R. que
reito rt 1mto. Cada camarada do gru·po é obrigado
substituam estas ou as concretizem. Provisoria­
a, a 'miHf-i:r uma vez em cada dois meses a uma
..

mente, contudo, até que o programa de acção


reunião d()i C. R.
do grupo seja d efinido e progrida a sua conso'­
fi. 11 s ·rieruniões plenárias do grupo d,e,cidJem
lidação organizacional, o grupo não impõe, nos
da, orüm ln{:ão geral d e cada número da revista,
problemas de actividades exteriores junto a frac­
ma,'f () e. n. tem a responsabilidadt� política da
ções da classe, uma disciplina aos camaradas
redacçrio. Se aparecerem divergêncü:ts a respeito
que persistem em posições práticas divergentes,
do conldulo dos artigos da revista,. o C. R. de­
se estas posições se apoiarem numa experiência
cide por mnioria. No entanto, se dois elementos
das condições concretas que estes camaradas são
I ' '

do C. R. o pedirem, a decis·ão pode s r confiada
os únicos a pos8uir.
à reu.nWo plenária do grupo. Enlende-se que
9. Esta resolução tem um carácter provisó­
neste último caso se devem tomar todas as me­
rio. Estará, em vigor até que uma reunião comum
dida.'! 'J)(Lra que o aparecimento da 1•evista possa
dos camaradas de Paris e da Província vote uma
ser (Umenurado dentro do,s prazos normais'.
resolução mais detalhada sobre o funcionamento
7. Oc (:amaradas com posições divergentes
do grupo.
podem exprimi-las enquanto tais at·ravés da re­
vista, e:r.:cepto se a totalidade do C. R. se opus·er.
A discussão precedente (ela própria conclu­
Esta op01�ição não· pode prevalecer por motivos
são aparente de discussões que tinham come­
políticos, mas apenas por razões relacionadas
çado de facto antes do grupo ter deixado o
com a manutenção da revista. Po�lem também
A EXPERil!:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO POSFAGIO A O PARTIDO Rb'VOLUCIONA !l/0 . . .

P. G. L) teve 'lugar em Arbril de 194!9. P·ouco de­ e foi a preparação desta discussão que serviram
pois, contudo, foi retomada com mais fmça, para os textos ao C'amarada ChauliJeu [C. Casboriadis ]
culminar na Primavera de 1951, e se concluir e Montal que publicamos a seguir.
provisoriamente por uma primeira cisão com As reuniões do grupo em Junho do ano pas­
Claude Lefort e outros camaradas que parti­ sado [1 951 ] durante as quais estes textos foram
lhavam das suas posições (cisão que foi, de facto, discutidos, não· só não se saldaram por um acordo,
de pouca duração) . Os textos submetidos a dis­ como revelaram importantes e múltiplas diver­
cussão eram, por um lado, A direcção proletária, gências no grupo a respeito desta questão. A s
reproduzido atrás, e por outro, «0 prol etariado divergências entre a posição de Chaulieu e as
e o problema da direcção revolucionária», de de Montal são evidentes pela simples leitura dos
Claude Lefort, igualmente publicado no n.o 10 textos. Mas estas posições não foram as únicas
de S. ou B. (e republicado agora in Claude Le­ a serem expressas e estão longe de ter dividido
fort, Elément.� d'unc lm:türue de la burocracie, o grupo em duas tendências exclusivas. Assim,
Droz, Géneve - Paris 107.1 , pp. 30 a 38, com o por um lado, tornou-se evidente que o camarada
título «0 proletariado c a sua direcç ão» ) . Eram Véga - que criticou violentamente a posição de
precedidos da nota seguinte : Montal - dá ao partido revolucionário durante
o período da ditadura do proletariado um papel
Os leitores da revista snbem que o problema muito maior que o que lhe atribui Chaulieu.
do partido revolucionário preocu,pmt o grupo Bourt parece ainda muito mais próximo da con­
desde a sua constituição, e que uma primeira dis­ cepção clássica, quando considera que a tarefa do
cussão organizada deste problema se •9fectuou em grupo será avançar imediatamente na constru­
1 91,9, discussão cujo relatório .'! e encontra no ção de uma organização que dirija as lutas ope­
n.o 2 de S. ou B. (pp. 95 a 99) . No fim de::�ta dis� rárias. Por outro· lado, Chazé, embora de acordo
cussão, foi votada pela grande maioria dos cama­ com Montal sobre as questões programáticas
radas do grupo uma riesoluçwo s-obr'e a qwesüio dO' relativas ao partido, separa-se dele quanto às
partt"do (ih., pp. 99 a 107) . [Aqui pp. 127 a 1 50 ] . conclusões referentes ao grupo , às suas tarefas
As concep·ç ões contidas nesta resolução fo­ imediatas e ao seu carácter.
ram �epostas em questão mo ano semtinte por No fim da discussão, Montal e o·s camarada.<;
uma parte dos camaradas d o grupo e em par­ que estavam de acordo com ele declararam que
tiaular pelo camarada M ontal [Claude Lefort] . deixavam de se considerar como elementos do
Uma discussão foi então novamente organizada, grupo, mias q�e estava,m pront:os' a continruatr a

184 1 Rõ
A EXPERIJ!:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO

colaborar com o grupo e na revista, proposta


que foi aceite pelos restantes camaradas'.

Indiquei já brevemente em IG (pp. 22-23 e


38-39) como os dois textos atrás reproduzidos
- sobretudo o primeiro, mas isso é válido tam­
bém, em certa m edida, para a «Resposta ao ca­
marada Pan neko ek » que se lerá mais à frente -
continuavam prisioneiros de concepções tradicio­
nais em pontos não negligenciáveis. O despren­
dimento decisivo operou-se em mim durante a
redacção de CS I, no Inverno de 1954-55, e apa­ SARTRE, O ESTALINISMO
rece claramente marcado em «Os operários face E: OS OPERARIOS *

à burocracia» e «Balanço, perspectivas e tare­


fas», que se podem ler mais adiante, e em «Ba­ Na primavera de 19147, o partido estalinista
lanço» e PO I e li, que serão reproduzidos na sai:u �do �orverno. Floli 'obrilgado' a :isso pela. revolta
segunda parte desta obra (ver também CS li, doo1 op,eráriiOISI que j á não 'engoU:am ffiaits um «PI'IO>­
Julho de 1957 e MTR III e IV, Outubro de 1964 d'uzir prtilmeiiro'» colndue�ente 'ru umru md1sérila cada
e Março de 1965) . Espero também que a Intro-. vez maior' e trumbm pela impos1s1ibiJ:idade dle CIOn-
dução ao presente volume ajude o leitor a si­ tinua:r 10 seu j:o� dupl:o rel'rutlivrumen'te à Indo"
tuar a questão no seu verdadeiro terreno. chin'aJ. O ano de 19147, taSS1in1al:adio por grandes
Seria fastidioso retomar aqui, de forma por­ lutas operárti:rus, foi g1aJSit1o pel os esttal.Jin�s1ta;s a
menorizada, a crítica de textos antigos que já re:adaprtar ,a s1u:a política. Abertamtoote contra as
foi feita, implícita ou explicitamente, em escri­ grev�es d1e 'i:níci'o, 'tlenitarom dep1oi1S1 rteduz,i-lasl a
tos posteriores. Darei alguns complementos num parti:r d!e dentro, mruSI o ráp:Udo a!pll'ofu:ndamento
novo texto sobre a questão da organização, que dia ruptu:va U.R.S.S.-E:.U.A. e a paSISiagem defi­
será publicado na segunda parte desta obra. ni!tiva da Framça parta o ]adio americtruno lev'ou-'Os
a modlific1ar iflottrulmen!te � Sitla
l , estraJtég:�a e a sua
tá,ctiro. As greves dia NofV1emwo-Dezembro de

* S. ou B. n.o 112 (Agosto de 1195�t) .


186
187
A EXPERiftNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO SARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERARIOS

1�9·47, em que a moibilização geral dos operári<os di,oativos são sacrificados a i:mperativo:s polítioos
falhou sem que o partido es,talinista a tivess:e rwr:amente pode al:a;rgar ou i:ntens:ificar a ades,ão
po<r um rs6 moon:enbo desejadro, pedido ou orrga­ dos �operár]os ao P.C. Alind:a o podie menoo quam.do
ni:Z!ad:o, marcam o fim dmrta peno:sa, r:e�vdapta­ l am a ·iJn:ter:t1ogar sobre se
os operári10131 s'e cOillleç
çãJo. Desde aí, o obj.ectivo 1d� polftica e\Sit:al:inista os object:ivos es:úalin1stas ou os meios atdoptadoo
em França foi sabotar a ooonromi<a capitalis:t:a para os real:izar são mesmo Sleus, die1es, ope�rá­
(sobretudo em 19r48-49) , l�am,ta:r �a. população rios.
con."tva ra politic:a ·a:tlânbica dos gtorvernos: e, no S'imu}ta�neamenJúe, oSI estalirris:taJs 'são obriga­
fim dle coillJtrus, prepaorar-1.s1e para desrorganiz,ar- as dos 'a ter uma política «pacifista» que não se
linhas atras�d:a:s da frente amerkana na altura I'lecl<ama de uma dasse particul:ar e s:e pretende
dla guer�a. independente doSJ seus obj ectivos de partido. Mas
A eflkáoiia desta política é eo'!1'srtantmnente a tenúa;tiva de cri:ar uma «Frente Nadonal» tende
poZJta em CJausa pe�aJs ·contrwdições inerentes ao a oorrtrad!izar, tan:uo rra fraseologia como na rea­
estaHnh�mo em ·J51eral, e à :sua situaçã:o em França llidade, a sua pretensa. fidelidade exclus:iva à
desde 1947 om JXl,J:1ticular. A força, •do partid o daSISie operári:a e a:os exploraJdos: em geral.
esrtaJin�srta vem-lhe mn primeim lugar da adesão Além d!is:so, enquan!Uo pa1rte d:a burocracia
da!Si maJs:sa;s operári,as. Mesmo se esrta existe à es:talini:s:ta internacional, '0 P.C.F. não 'SÓ não é
partid�, :a Ioillig1o prwro nã:o poderá s:er mamttidla , livre no �seu jogo, como suporta os conwagolpe.s
e mu:iiJo men01s aJa1�gada e inúensificadJa, a menos do que esta burocrada faz ou sofre noutroo luga­
qu:e os: factos tendiam a j usttificá-lra, e não a oon­ l'les. Deve '3idiaptar-ise a viragens que lhe são inor­
trlad]gam ra 'úord!o o momento. E OISI fladJos srãJo gânic as, tem de 'se expli car a l'es:pei'to da J U�Ois­
a p:oHtirca �estlaiinirsta 'e os oous, efleitos srobrre a lávia ou d:a; Coreia, da Ghecosl'ováquiJa ou da
situação' dos: operário:s. Seria portanJto nece:s,sário Al:emanha Ori'ental.
que o P.C. rupl:ioo1s:sre uma linha que seo:'VÜiise, os É pl'iec�so assinalar um outro factor de difi­
irn!t!eress:es :imed:irwbos dios operários: e s:e liga:ssre culdades : os 1erros da �d!irecção estalinis:ta que,
dJe mo.do Slen!S,ÍVeJl a101S IS!eUS inter�iSI€1Sr h'isrtÓil"ÍC'OIS. uomado's individualmente, s1ão acidentes:, mas que,
Ora umra tal J,inha não eoi nc i de obrigwtori:amente, pel:a 'SU:a frequênci�. e pelo seu conteúdo reco·r­
n01s seus actos concret>Os, coiiU os; 'im pm,a:tivos dte ren te se toii'nam a.ddentes neces:sá�i:os, d� buro­
uma 'lutru s:obreturdo �anti-aJmer'ica;n:a. É fácil v;er cmda.
qu� na mruiJor par!te dois c:a;s:os d:iv:erge de,}a, e se Portanto, dados os elementos da nova situação,
lhe 'Opõe. Uma greve n:a qual os wspect01s l'e:ivin- nãJo é preciso uma perspkáci:a excepóonal para

189
'I

A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO SARTRE, O E STALINISMO E OS OPERÁRIOS

prever que la ha:bild:dade, '<li rastúcira e o cinilSmo os sreursl vobos nas ell€itções porlíticats. ou srindicai,s
da dir,ecção esrtarlin:i!srta nâlo podierâlo impedrir que nâlo cont11rudJiz 1die modlo nenhum esba afiirmaçâlo :
ste ve>rifique um desoo�am ento entre ,a cl:rus,so ope'"" o rlaço en:tve ,a,s m�s,s:a:s e as organizações buro�
ra!r'l'a e '0 P.G.F. E, die f<lleto, já. no primeiro crá:ti,�as adergaçou-se até à espessurnr de, um bo­
número desta r•evüsta ( Março de 19149) '00 es­ l etim de voto. A escolha eleito,ral é sempre a
crevüa : es colha do menos mau. O operário pensa que um
«Desrde a:s grerv:es dJe Now)tmbro-D�embro afundamlento da G. G.'T. ser ia o sinal para uma
de 19147, o mo�imrern11Jo operário f1raiJ c(•,s parece ofensiva do patronato, e o apodrecimento· da
teQ' en!tradio num períodio die diCsmemlmtmcn:to S.F.I.O. * suprime qualquer alternativa por oca­
e de pro•furndo de�encQil:tt,i amento . . . Um grallldle s,ião .Qa,s e'leições políticas.
número ,em orperáriKJ�S ooguo ��inrda as cmJtrtaJis sin­ Na 'luta rbota:l que 'opõe o 'impreriJalri.Jsmo atmeri­
dicais,, m� sem ·oonfirwn<,n. O reeuo dlors operárioo canro 'aro i:mperti�ri:smo russro, as corn:tra diç ões e ors
pooa:n1te 'iludo o que é ol1wan'izadlo,, rs.i n di c:at:o's e malogtros de cada um aprtoV'eirtaJm 'ao outrto e ten­
partido s, e perante a « política » é um sinal carac­ dem ra sr& .expJrotii<lidJos PIO'r elre. A burgues�a fran­
ilerístioo ·dio p<erÍ'ordlo '<lictual . . . Uma sérite de ele­ ces1a rejubil:a na:tu!1'31lmelll!te de cad1a vez que o
mient:o's foram levados à refl,exão· pel:o1s acornte­ P.G. sofre um 11evéls junto .dJors operá;rio�, mas
oímmrbos actua'� e pella P�'Irtlic:a. d'Os1 partidios também os j ornais ocidentais denunciam a explo­
orperári01s tradiiKJiOill'a'is. . . Mas a grande mwioria :mçâlo dlo's t:rabathladoros no Leste, o presJrdente
da ol'asse operária permalliOOe hoje frus1einlada pelos <hL Genertal M1ot:orrs d�drwa-,se ooili,dário com OIS
as,pectos l}egativos da :s:ua rsituraç:fuo,, Dá�e conta gwevirSibas ·em Berlim e o ·diirecilorr do F.B.I. lamenta
de qure não só não pode entrar em luta con tra a soJ:"te dos comcen'bradonáriros rusrsos. A denúnda
as suas dllirecções si:ndiÍ!Ciaiis e políticas, mas1 tam­ do regime capitalista pelos estalinistas, só não
bém nâlo podie }urbar indeperndente:mente desrt:as parece tão extr avagante por ser muito mais fami­
ditrecçõets e sem fazer ·apelro 1a el!as, roru , em qual­ liar.
qu:er c:aso, s� ser «errgam!ruda» por ·el'<lls . » (1)
Oonlmcem-rs� a;s fiOil'ill:aiS que tomou este des­
colamento do P.C. : perd a contínua de mectivos, (*) Srecti,on: F11ançai'Se <fu l'InternaJtionale Ouvriére nas­
descida da 'iliragem oos: seus jornais, 'incap'<lcl :idade cida dra fusão das principais corl'entes 'socialistas franoe­

crescenue de morbHiiz:ar os orprerárrios para lutas


sa,s no Oong11es·so de Amesterdão em 190'4.. E m De·zembro
de 192101 uma maioria, decide a 1adesão ao Komintern d1and o
políticas 'ou mesrmo reivinrdicativa1s. O facto do
origem 1a<J P.C.F .. A minoria cootinwaria organizada sob
P.G. e 'dai G.G.T. terem mantido, depoi�s de 1948, a s1igla S .F .I . O . (N. do E.) .

191
SARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERARIOS
A EXPERI:itNCIA D O MOVIMENTO OPERARIO

Enoher o Vel' d'Hiv' *, conSJeguir cinco milhões de


E:srba:va poa:tanto na ro�<dem dias coisas que
v:otos nas eleições, reis o que conta, eis o que é
Rli;dgway Vliesse em Maio de Hl152 a Paris:, que
eficaz. Poo- estes motivos, S1acrt:re r'esorlve aprox:i­
os estalri�üstas convidaiss:em a populaç:ãlo a mani­
mar-�se dos restalin�srtaB. Empreendimemrt:o difícil
fes'ta'r...s,e corntra, que o Governo p�roibilssre a man:i­
se nros lembrarmos dia mruneim como os 'estalini:s­
fesrtação, que ors op'eráriros não fiOISsem lá, que
tas o têm tratado aJté .aqui ; mas ,sabemos também
Pinay, fortalrecido poo- esrta derrorta do P.C., man­
que noventa por:r cento das vezes um inte1ecturaJ
dasrse prender Duolros, que o Oonüté Pol!írtko não
só areri:ta IS1arir da sua. torre de marfim •sre tiver a
soubes,se que ra:tirtu de tomar, que a greve de pro..
certlezia dle receber pontJa:p€s. Participou portanto
tes:to :lbsrse um fracaSJsro e que !'ar impTensa bur­
guesa t�tuhlis:se « Vit6ri:a operária» . Nonnalmente,
no Comgres:so da Paz, e encheu de injúrias o S'eu
amti:go Oamills que se ocupav:a 'em realiz:a.r um
a hirs:tóda não é comparável 'a um srHorgi�smo, maiS
morvimenbo ;oposto. Patélli!C!O, :Dez-lhe nrortar que
des:k'l. vez nfuo havia nada nra c:ornclursão que não
ambos eram burgueses, mas que, pelor menos, ele,
es:tivessre já nws premisrs:as.
S.artre, «procuraria pagar po·r isso» (2 ) . S evero,
Mas, o inesperado, ou , se s,e preferi:r, o irra­
intimou-o a procurar na Fenomenologia do Espí­
oirona,], apat'Ctccu ooh a fonnra de uma série de
rito as razões da excelência do es,talinismo e a
arbigorsr de Sra:rtre. Ten!lrn osgortndo ü srabrer como
voltar a OutU1bro·.
Faustto, e d�:ss:i p��do <� j uwmtude coono Césra:r, sen­
Aí, as coisas complicaram�se de repente. O P.G.
te-se cada vez mais abormmr1Jad01 pelo dremónio
OO!IlVOClOU OS Orperár]os para se mamfestarem con­
d:a 'acção �e decidido, qurai Platiio, a trocarr os Prés
tra R:idgway, e os operáriors, não, se mexeram ; foi
de Sra;irnrt-Germain pelra Hireílrira ca.da vez que há
preso o «Sobrinho do Povo» *, e o povo nada fez.
um Oongresso em Viena. Quando, há quatro anos,
I '
Que LSe passra:rira ? Para onde furi a eficácia? Desde
um prrimei!I1o «requel'iimen!Jo, para entra:r na His­
há quai!Jro anos que os operáJ'Ii'os se dei:xravam
tória», por intermédio do R.D.R. *, foi indeferido,
baJter S'empre que f:azi�arm g100ve ; mas eram vul­
Sartre l ogo soube tirar daí a lição : em po,Jítica,
gares lu!Jas reivindicailivas, trartava..sre do ooonó­
de «e,squevda» como de «direi'ta», o que conta
mico, do físico-químico, do molecular - em re-
não rsão ai.SI Mekus mas srim o êxi1!Jo '· tal como
escrev1'8u «a ve:rtdadeh·a ildeia é a aeçã:o ,eficaz.».
(*) Veladrome d 'HiVIer, recinto parisi,ense utilizado
(*) Rassemblement Démocratique Révolutionnaire for­
para comícios'. (N. do E.) .
mação que integrava d:iversa.s personalidades vindas da
(*) «Le Néveu du Peuple», como era. conhecido Jac­
Re's�stênciia e de esrquerd1a como Alber:t Gamus e S artre.
ques Ducl�s,. dirig;emoo da P1G.F. (N. do E.) .
(N. do E.) .

192
193
A EXPERI:I!:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO SARTRE, O ESTALINISMO E OS OPJ�RARIOS

sumo : sem interesse. Mas desta vez es,tava- se em Porque a c1a:sse o�ária: rene:gou o P.G. ? Não,
plena história, na praxis - até ao· pescoço : uma a cla:81Se operá:I1ia não fez na:dia disso, por uma
manifestação política, organizada pelo Partido do sr1mpl'es rnzão : «8J 4 'de Junho . . . não havia das,se
Proletariado, malograva�se e o Sub-�hefe do Par­ operária». Aqueles que se esp,�mtam de um tal
tido deixava-se prender pelos. chuis no' meio da ootad!ismo sooi:all não �ter SIÍJdo assiln:al'ado pelos
indiferença dos proletários. Que os' operár i o s não jornais da époc:a na:dia compreern:deram da subti­
cOIIliSiegui:ss'em :Sier bem sucedtdos numa greve para le�za da, partida que jogámos. Não haV'ia classe
ganhar mais uns ·escudos à hoca, is>SJo, na da tem operária porque a clas se opei!."�ia só e�iste na
de dramático ; apesar de tudo, Sartre «procurará medida ·elm que 'segue o p arrttido eS!taHnisrta : «Ela
pagna.·» bifes qu·e eles não comerwo. Mrus1
'0\Sl s operária) nã:o o pod:e renegar ( Duclt06')
(a citase
que eles não tmtrem em greve quan d:o prendem sem se venegar ta si própria». E neste C'aSIO, dei�a
Duel os, isso merece 180 + X págin as dos Temps de haver classte operária para haver apenas « indi­
Modernes. vídU:OIS,» . «Se a: dass'e Otpterráx)ia se quer sep ar'ar
�ndo num primeü:�o �arLig,o, em Julho de 1952, do Par�tido, &), dispõe de um me�o : cair na poeira».
expl!ioo:do que, sendo a U.R.S.S. o p<Üs d:a revo� E: 'is:to porque «a un�idiade da classe operária é a
lução, era nwma�l que o P.C. f�zetsse a poUtica sua relação históritca e motriz com a colectivi­
sorv1iéttica e que a da;s,se operária o segui�SJS�e, S ar­ dadie, na medida em que esta relação é reatizada
tt:re 1abocrda num :segundo artigo:, pubHc:ado qua­ po[" um acto sdnttéltico de unif!icação que po,r neces­
tro meses depois, o cerne ·dta quesrtão : a expUcaçãJo sd:dade ste dlisti!Iligue da mas�Sa como acçã;o pura da
do significado do 28 de Maio e do 4 de Junho. palixão» . ESita « acçWo pura» é o Partido. « 0 Par­
Que foram o 2'8 de Mtruio e o 4. de· Junho ? Nadia. tido é o próprio mov·imen1to que une os operários
« Nã:o se es:p'erava nada, nada •se deu e sobre este oo�nduz:indo�o� pal'!a a tomada do poder».
nada edificou Pinay a .sua glória» ( e Sartre os Tudo isrtJo, dlirá o leitor, pode ser verdade oo
seus a:rbilg10tSI, penswr->se-á ingenuamente ) . Ê pre­ p101de ser me::nrhl,ra. Mas o que é que é preciso f.azer
ciso dliz;er que Sa�tre tem hocror ao vazio. Inter­ �gora ? Pois bem, pode escolher : pode primeiro
pretoJU, em O Ser e o Nada, o des.ej� sexual como esperar «um dos próximos números dos Temp/J
expres,são dta .a�ngústia do homem pecrarute os bu­ Moderneg onde Slel'á publicada :a; parte, fdrna� dos
racos . S�be-,s;e que um bu:vac:o é um nada rodeado a:rtligos de Sartre». Se 'OOin:tudo a sua. genei"'SSi­
de qualquer co1isa. Ora, que f>oi o 4 de Junho dlade, o seu e�ntusiasmo ·e a 'SUa 'Ímpac:iêncda o
senão um burnoo na História? E preci'samente l�varem para a acção imediartJa e o impediirern
es�te buraco, eslte nada «fez-ill:re medo». Porquê ? de esperar a saída natural desta pTisãot de ven-

19t4 195
A EXPERI]j)NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO
SARTRE, O ESTALINISMO E OS OPE RÁ RIOH
tre iJdeológica, pode tentJa·r 'tirar dlesde já aiS coo­
do tráJgico ao ridículo, tam!bém o P'.S.U. tr:a·
clu1sões daquiLo qu1e leu. F'á-11o-á contudo piOr 1slu:a
ba lha « por uma esquerda independente em liga­
conta ·e risco, e não será demalis :aconrselh:rur-lhe
ção com o P .C . » (a ) . Por qu.e :são lamentavel­
a máx'ima prudência. S:e por exemp1o ·deduzill' do
mente mal LS:ucediidas toda;s esta:s tentaJtivalSI, umas
que atrás: .se transcreveu que é preciso i:ng;crever-se
albrás d!as IOIUit'ras, qualquer que s'eja a f'orç:a ou
imedia1tamente neste PaTtido que é «a J:iberdade
a fraqueza do P.C. nesse momento ? Por que são
dos operáriiOIS», «a êlJcção pura» que os: «conduz
para a tomada do poder», p rovará que nada com­
o:s: ta.·ortsqul1stas l e .a;s,sas,sin ados pelos esbali­
Slffilpr

preendeu da riqueza e da comp lexidade d:o pen­


nistas, e por que está o P.S. U. condenado a oscilar
en!tre a fl}!orfJHlra de submaritruos e 01 bando de enfe­
slamenrto de Swtre. Porque e1s•te 'tem o cuidado
z ados'? Talvez por culpa do nariz de Martin et * ?
de notar qu:e nãJo está de aco,rdo com ·o P.G. (sem
E s'e ele fosse maior? Deve-se esperar que, o nariz
di:z:er sobre quê ) , que s,eri'a no: entanto pos·sível
de Sartre se saia me�hor ?
concl:uir com o P.G. acoTdos sobre poll'bos pre­
Para que uma « esquerda inidepetn'denlte» se
dsiO'S e Iimditê1.1dos ( quai1s ? e quem ,s,er'i:a o segundo
fOil'IIlel realmente é p:reciso que peSISorus, e operá­
contmente ? ) , e, :no f:i m de conba;s,, dá a enten de r
l'ios em plflimeiro l'U!gar, a ela adliram. Para uma
que desej:a «uma esquerda i�ndependente e em lli,ga ­
aldesãlo a ela e não ao P.C. é preciso que haja
ção com o P. C. » .
rruzôes que os oponham :a es'te úlftim01. E é n€ces­
Se este é o segredo do terceiro artigo, é de
sártil()l qu e se waltei de ra!Zões fun:diamentlais e não
caridade prevenir o lei tor que fará melhor uso
de nuances oo. de p1cuínhas. Porque os problemais
dos s�eus duz entos froocros oompranJd:o caramelos,
e:s1tão hoje de tal mlodo }ligados, e as pess·oas sufi­
como Sartre noutroS! tempos quando se ia dei­
ciemJtemente imtelfi,gellltes, que nenhuma posição
tar. D es de há vin te anos que, nos quatro can­
parciail poderá alguma vez �servir de ba:se de dife­
tos do mundo, pessoas muito mais consistentes
renci:açã()l oo ficiente ou de fundamento ideo:lóg:ico
que Sartre tentam fundar essa esqu erda i n de­
a U'mla eisquenh i:rudepen1denlte dio P.C'. _N}Ii:ás, Smr­
pen doote e em ligaçã o com o P.C. Alguém qu:e
t:re 's:abe�o, polis reconhece que o1s op:erári'OIS ade­
dirigiu duas revoluções, uma das: quais vito·riosa ,
rem a:o P.G. e jU!l:gnm...no em função de uma apre­
e criou o p rimeiro exército proletário, passou
ciação de cornjun:to da crmturez;a' do's part�dos comu-
os seus ú ltimos anos ten tando criar uma orga­
nização prol,etária independente pronta a fazer
( a) T:rata�s�· do P.S.U. da época, sem grande relação
a frente única com o P.C., até ao dia em que com o de hoje.
os es talinistas o ass ass,in a ram. E:, para passar (*) GiUes Marbinet entM dirigente do: P.S.U. (N. do
E.) .

197
·r

A E�PERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO St.ARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERARIOS

niSitas e dia U.R.S.'S. (:deSide 19147 que tentamos d:a sua; própt·tia expe:dência. D esrta ex:pei,iêncira,
ex:plkar isrto <!;OIS tvorhslquis:ms) . Se a U.R.S.S. é que se desmvolve perante n&s, a demarcação dos
fi efectJi,VIamenite um esrúa;do operátr'ilo e os P.G. par­ operários relatlivamentte ao estaUnismo e a recuSJa
tidors piioletár:üos, ras criticas feiltas à sua. poilítica de partioipação em acçõeSI c:la�a ou confusamente
tornam..JSe secundâxtira;s e mesmo graltuirtas . E pe­ percebid as como estranhas aos interesses pro:l etá­
rante rtaisr pSfe<U:di()-;diivergênda;s, oo alltUTa em que )"ios, constituem um momelllto necessário. E quei­
se trata da terceiTa; guerra mundial! e do exter­ ra-se ou não·, as long1as fas,es de p a ss ividade e
mínio artómioo 1do �gênero h:umanfo, o operátrio irá inaeção .são-lhe inseparáveis. S erá inelutável qure
mBi:tar no P.C. em vez de p erder o seu tempo esta experiên cia se conclu a num sentido positivo,
com Sartre e a :sua esquel'dra inJdepenldenJte. pela ultrapassagem da situação actual rumo à
Uma orgamização i,ndependelllte só se poderá revo1luçãJo ? 01aro que não, o inelutável não tem
po11·tanrúo forrnlar na crond:içãro de poder mosrtrar lugar na história. MaS! o papel do revolucionário
que a;s rd:ivergênciJas que a; s eparam do eS1tal!in1ismo nãro é ficar fascinado pela am'bi!gUii:dade de qual­
sãio flundamenrbaiiS, ow seja, rs\e referem à próp�ira qu er eS:tad:o hi:s,tórieo dado, mas liberta�r a signi­
rrn;tureza d o esrta]inisllll!o, tanlto n'a U.R.S.S. oorno fiooçã.o pnsirúiva que aí se enco,ntra potencialmente
nOts ou t11os países. Só poded ter existên cia real e Irutar para que ela se realiz e. E numa :fa;se como
no1 seio do prole'bacri,ado através de uma lwúa per­ a que a:travetssa�mos, esta luta começa. por uma
manente e 'h"Teoonciliável oon:tra a ildeolorgi'a e nova furmu1laçãio da ideoilrorg'ia revo,lruc:ionári'a e
a políitica estalliniJsta ( e burguesa, se prreci SIO é
'
pel·a propagação desta j ulllbo dos' operátios1 mais
dizê-lo ) . Nestas cond ições, poderá estar «em liga­ avançados.
çãio 'Com o P.G. » ? É ridícurlo até levanrt:Jar taJ. 'Durdo iSito é, evilden.:temente, longo e nada fácil.
questãio. É preciso paciência., mui,ta pad.ênda e obsbinação.
Nfuo é preciso lembrar que uma ro•ientação E semrp(['e houve, sempre haverá, alguns que des,.
id:eológica fundamen:ta:1mente oposta ao estali­ cobriram ou forjaram 'em si esta terrível paciên­
nlismo é uma co'll!dliçã:o n ecessári a mas de moldo cia. Os que começaram no tempo oportuno, que
nenhum ,sruficienlte para a reconstcrução do movi­ trabalharam nas, organizações que existem, levan­
mento revo1uoii01Ilá:r!i:o. C1:aro que �também é pre­ taram d.úvidas, tentaram in terpretar passo a
�iso que uma fracção importtanrte da clra�Sse ope­ passo os acorntecimentos, conheceram a luta aber­
rária chegue po� 'S!i P róplr'ia a um grau suficiente
'
ta, tiveram de recuar novamente. Estes estão em
de clarifkaçã:o política para poder reconhecer boa posição para conhecer a tarefa infinita de
nes:ta ideologia a f<:J:mnulação explfci!ba e coer'ente que Sartre alregremente fala. C onhecem-na bas-

1:918 199
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO SIART'RE, O ESTALINISMO E OS OPERAIUOS

tante bem para s�aber que a maior parte das vezes e rebaixam:d!o - o ao nível de um emplifli'Smo racio­
trahal'haram para um futuro longínquo, a inda pro ­ naJ'Íisba (b) . A res:poSita de Sartre, duas vezes1 mais
fundamente embaraçado na ganga do possível e comprida que a críti'Ca, •es1tá cheia de rinépdas,
que o1s momen1�o·s em que se pode enf'im fazer de absu:l'dos, de grosserias pessoai•s, de erros de
aqui1l o par q:ue se lutou .sào raro1s1 e <Le modo vocabulãflio ( 4 ) e aparece sobretudo como uma
nenhum gara·rutid10s à pa1•Lid�t. explosão de his.teria ; porque, ao segui r as «de­
Mas Slafltre nã:o' o entende ass1im. Não pode monstrações» de Sartre apercebe-mo-nos que, ata­
se'r paciente : ruão tem 'tempo a perder, a,caha de cado de uma curiosa ataxia silogística, ele tanto
chegar, tem de recuperar o atras10, predsa de prova de mais como de menos'. Esta impressão é
« acção» ünediatame111te. E não é qualquer acção : reforçada quando se descobre a massa de contra­
tem de ser acção ec[iilcaz, acç:ão em gmnde e,stilo. dl.ções que aí �stão ·contidas. Por exemplo :
Q[ha com desprezo Lefo11t, que s:e contenta com « . . . Se· se quizer pôr em eVlidência o finaJismo
a 'Compaathli'a de «outros :in1telectuais e de aJ,guns envergonhado que s e esconde sob todas as dialécti­
operário'SI muJilto culltos'». E;Je, Sall'tre, deve podm· cas . . . » (p1. 1575 ) . - «Marx fez-nos reencontrar
falar às massas, encher o Vel' d'Hiv'. E p:ara o tempo· verdadeiro/ da dialéctica» (p. 1606) .
i·sso, é preçiso evidentemente estar em «ligação En:tão, qualquer •dialéctica esconde um finalismo
com o P.G. » . Quem, de 1outro modo, encherá o envergonhado e a dialéctka marxista não ?
Vel' 1d'Hiv' ? Pelo menos, 'a esquffi'da indepen­ Depo1is de ter irooizado' s1obre a «expe.riência
dente não. O que permite prever que, a menos que cumulativa» do proletariado, contestado que as
ponha bu!do de lado um destes dJas, ele esque­ condições dessa experiência estejam dadas na rea­
cerá a sua es1guerda independente e as suas diver­ lidade, pretendido que esta experiência não lewt
gêndas e all iillhará com o P.C. (3) . à unidade do proletariado, e isto durante dez pá­
E!sta 'con:tra!dição entre a defesa em tcda a ginas ( 1•577�1,5 88) , Sartre acrescenta friamente :
J:inJ.'lia d:o P.G. e as «'divergências» mlis,teriosas ou «Aliás', não são as. vossas experiências cumulati­
o desejo pú:dl1co de uma esqueflda independente vas que me interessam e penso que, de facto, o
não é única nos ·artigos d e Sartre,. Entretanto a proletariado tira lucro de tudo . . . » ( p. 1588 ) .
sua companh!ia mulltipli,oou-·se qu:arudo Sartre quis Poder""se-i.a a.l1ongar facilmente a lli:sta desrtas
res1pomlder a Olaude Lefort. No númerro de Abril contradições', mas seria superficial limitar-mo-nos
dms Temp·s Morlernes Lef1ort mOis'trou que Sa.rtre
nfuo eOlllSeguia defende'r e justifii,car o estalinismo (b) «0 mancismo e Sartre», retomado agora em Elê-
senão defiormando constantemen:te o marxismo 1/Wnts. • . prp. S.9-i7(9.

200 2,()11
A EXPERI€NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO SIART'R E, O E STALINISMO E OS OPE RÁRIOS

a eonstatá-las. Porque, em cada u ma delas, os dois a uma existência !histórica que não possuiria a
termos não têm o mesmo peso. Isto vê-se em pri­ título pessoaL Vamos portanto considerá-lo no
meiro lugar 1es:tatisticamente : Sartre consagra seu a specto essenciaJ.., um a pologi sta desastrado
regularmente c inco, dez ou vinte páginas, com um ma.s fervevoso, aubodidaCJta mas aplicad o, pooi­
ardor que arrepia, a demonstrar que sem o partido tentte mas: a:gresslhno, aú togos li;ga.dlo mas da lín�
a clas,se não é nada, que os operários estão embru­ gua d:esliigado - em resumo, o prOitótipo do Inte­
tecidos, esmaga dos e transformados em c o is as ledtual Moderno oCIUpada em 'construir 1Com os
pela exploração, que são paixão e o partido acção Materiais da Razão o A:r,co da Oportwmtdade para
pura, - para depois, numa fmse negligente, nos atrarv essar o DiJlúv'io da HiSitória.
afirmar, aqui e ali, que o proletariado tem uma A grande familiaridade com a teoria inculca
natureza revolucionária, que tira lu-cro de tudo, no Intelectua[ Moderno um desprezo realii,s:ta e
que se faz a si próprio pel a acção quotidiana, que sal1u'tar pelas oonst�uções eslquemá:ticas.. Platão
é mantido em movimento pelas consequências dos ou Espinoza, Fichte �ou Ma:rx tentaram pôr de
seus actos. Ele próprio indica, portanto, que não acordo a sua filosofia e o seu pensamento po­
pensa; .seriamente s'enão metade do que 'diz, e que lítico. Eram pedantes e arrivi;s1tas discursivos.
o resto é cooversa . E deve-se acreditar nele, por O Intelectual Moderno :tem tisto de 'comum oom
Ulma vez , porque nãlo só a reparibição das1 suas esse velho aristocrata rda •pQ"áltica, o lojista da
páginas •tem um sen:ti:do ·independente dele, como esqU:iilla, que põe a: te�}ria no seu j uslto lugar:
sobretu•do Sião as teses em que defende lt bu ro ­ a teo:ria é boa para os 'mvros, mas, na v1da real,
cracia que têm um significado e um valor ohjec­ não serve pa,ra grande :coista. É assim que Sartre
I ' tivos.. Um sli,gnificado, porque recortam uma pode'- va1i explkar o que é o proletariado·, o seu partido
11osa co•rrente ISOC:iail e biisrodca, porque têm um e como se pode salvar «a classe operária, toda
correspoodente S·empre pres1ente na reali:dade. a eoilectividade francesa e a paz» , sem « fazer ou
O resto, a acção autó�noma :dJo proletariado, onde refazer ·umat !teoria do proletariado». E sta teo­
a verlia hoje Sartre? Um valor, porque exprime ria, rafírma, parece-lihe « inúti'l , perigoso e até
aí a justificação da 'burocraeia que a burocracia presunçoso» fazê�la.
dá de si mesma mas que não se preocupa em expri­ O que é i nú:ti[, perigo:so e sohretuido presun­
mir por si própria. Ao fundamentar a neces,s id ade çoso é ev[dentemente palrar durante tdluzentas
do partido· no embrutecimento dos operários, este páginas sobre o 'Proletari ado, o partid:o, as suas
espertalhão traz a burocracia par a o centro do relações, et'c. , sem ter disso uma concepção geral.
tahlado, mas acede astsim a uma dignidade e É a atitude de um endireita político. Mas Sar-

20� 203
S:ARTRE, O ESTALINISMO E OS OPEH.ARIOS
A EXPERI:eNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO
específica entre a class,e operária e o ser-em-devir
tre está inocente des,se crime que carrega por
no geral. V'ejamos então.
culpa próp�ria,, e S'erá antes de não saber o que
Lefort, na sua crí,tica, i:ndicoo a Sartre que
faz que é preciso acusá-lo. Ter-lhe-ia sido evi­
para o marx!is:mo havia factores ohjec:tivosi (só­
dentemente impo,s.sível ·escrever tudo o que es­
cio-hist6rico81, claro) que tendiam a fazer do pro­
creveu sem ter uma toria (ou várias) e, de
letariado uma classe revolucionária. lndlkou os
facto, teoria s10bre o prol�tariado, S artre �tem-na
mais importantes : a concentração do pr()let:ariad�,
pa;ra dar e vender ; es1tá embebido nela dos pés
a cooperação que lhe impõe a produção capita­
à 'cabeça. O qrue se passa é que, como qualquer
i,ista, e a subversão contínua das técnicas que só
teoria: que não se assume 'COIO
Ill ltal, a sua não
pode existir porque o proletariado as1 as'S1imila.
é mais que um amontoado �confuso e contradi­
Depois de dizer que nunca «negou os fundamen'"
tório de p['econce�it:os, de rumores' e de ideiQ,s' mal
tos objectivos da classe», Sartre consagra várias
dli.geridms. NãJo basta querer fazer teoria para a
páginas da sua respos,ta para provar que não é
fazer bem feita, mas não querer fazê·-�la leva
nalda disrso, que estes! factores ou nwo têm g,jgni­
obri;gatm•iamente a f'azê�a mal.
f1icado nenhum ou provocam o efeito contrário,
A prova, forneceu-a o prótpr·to Sartre quatro ou seja, «esmagar» o pro,letal"iado. E'le prova
tinhas anlte,s, ao escrever : «Pa['a mlim , a dasse portanto demasiado, mesrmo relatirvamente ao seu
faz-se, desfaz.-se, r1efaz-se sem ces,s1ar, o que nã!o obj ec:tivo que é a «justlifkação» da burocraCiia,
quer 'de modo nenhum dizer que vdllte ao ponto a qual ass1im não preci1sa mais do Pl'oletariado,
de partida». O leitor, por pouco sagaz que seja, mas de explorados em �geral.
reconhecerá aqui uma proposição teóric a .geral, PI"imeiro, a, concentraç:ão. «A concentração só
de tal modo ·geral, aMáJs, que ultrapas1sa o campo age atrwvés1 dos meios e das formas existentes»,
d a classe e pode ser u!tiiLmente apl!icável aos qua­ afirma sentenciosamente Sartre. Mas quem d1isse
tro elementoS\, aos governos franceses, às expedi­ que a concentraç:ã'o agia fora dos meios e das
ções coloniais e às lontras. T!udo isto se faz, estruturas 7 O marxismo nada tem a ver com a
se desfaz e se refaz s.em cessar, e ,só muito concentração dos espargos, nem com a concentra­
raramem.te voil:ta ·ao seu ponto de pa;rtlida. ção dos homens em geral. Ocupa-s.e da concen­
tração de uma categoria precisa de indivíduos -
Mas 1tenha o leitor pac'iência. Es,tamos ainda
os p�odu:tores industriais -, no séo de um pro­
na terceira pá,gina da respo�sta, de Sartre. Que
cesso determinado - O· desenvohrimento da grande
diabo, na:s dnquelllta e seis restantes encon:tra­
indústria -, 'em locais dados - as cidades e as
remos,, escondida em qualquer parte, a diferença
205
204
A EXPERI:I!':NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO S1ART'RE, O ESTALINISMO E O S OPERÁRIOS

fáJbrica s modernas -,no interior de um regime e letariado americano não íhá senão «lamentáveis
de uma história dado's' - o regime e a história compromissos» e uma «indiferença crescente», o
do capitalismo. S artre acreditará ooriamente que é que explica a força dos sindicatos;, o nível
que para um marxista a reunião por .Tamerlão de vida operário três vezes mais elevado que em
de cem mil cavaleiros no meio das estepes ·tem França ? A bondade d os trusts, talvez ? a sua
a mesma . acção e significado que a reunião por «mentalidade social» , �como expllicam os jornalis­
Ford de �cem mil operári os nas oficinas do tas paris:ienses depois; de uma ex:cursão de quinze
Rouge ? É simplesmente estúpido opôr o pro­ dlias �lém-Atlâlntico? E po•rquê , face a esta indi­
letariado doSJ KU.A. , que a 'Concentração não ferença crescente e a estes sindicatos que não
tornou revolucionário, ao proletariado francês, querem �senão comprometer-se lamentavelmente,
menos concentrado mas mais politizado, para os' trusts, em Lugar de diminuir o.s1 salários-, con­
provar - o quê, de faoto ? Que a concentração cedem aumentos. ? Certamente porque estão mal
não é o único faotorr que conta ? Mas quem disse informados s·obre o CIO e o proletaria do ameri­
que era o único ? Que a concentração não conta cano. Isso ensiná-los-á a tornarem-se assinantes
de modo nenhum ? É o que Sar.tre não ousa afir­ dos Tempt; Modernes, em Lugar de sustentarem
mar. Então ? generosamente impostores. que se apresentam
De reslto, o que é que permiite a Sartre não como' especialistas das «Labor relations» e que
ver na. história do pro·l etariado americano senão disso sabem me'llos que Sartre.
« Os lamentáveis compromdssos do CIO» ·e «Urna Mas o esiSencia:l não é isto. Com efeito, através
indiferença crescente» ? O quê, senão o seu hori­ desta tautol ogi a aparentemente !inocente - que
zonte de paroquiano de Saint�Germain-des-Prés « a quantidade não pode produzir efeitos sociais
j ,,
e a sua profund:a convicção de que o que se passa senão no quadro de uma sociedade já estruturada
em França é no,rma universal ( sabe-se muito bem e em função das estruturas exis,tentes» ·- mas­
que a «paixão insurreccional» é um produto de cara--s:e uma verdade muito mais 11mportante, a
Paris) . É de certeza isto que o impede de ver s1aber, que as estruturas se modificam sobre pres­
a «'indiferença ·creseente» do proletaria:do fran­ são das quantidades. As es1truturas não exis tem
cês entre 19<2:1 e 19<30 ou entre 1947 e X, e o eternamente, · e na �sua subversão a mudança das
«'lamen távell comprom[.slSo» através do qual os quantidades desempenha um pa.pel fundamental.
seus dois partidos . «Souberam acabar as gre­ O que é a concentração do cap1tal senão uma
ves'» em Junho de 19<36 ou acorrentá-lo à pro­ modificação contínua da dimensão al:Jso,lwta e rela­
dução entre 1944 e 1947. Se na hlistória do pro- tiva das empresas ? Mas esta con�centração, ao

206 <207
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO
SARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERÁRIOS
desenvo!l:ver-se, altera, gradual ou brutalmente,
disto falta, e com o coração a empurrar a i magina.­
UJill a série de estrU!tura�s particu!Jares, económicas
ção, descreve l ongamente o «embrutecimento» dos
e s oci a is. Marx já analisou com detalhe mais do
operários, as suas « psicos,es», essa vida vegetativa
que sufiCii ente a pass,agem da c·ooperação simples
em que «Se regressa a casa, se janta, se bocej a
à manufa0tui"a primeiro, e à gran de indúskia
e se vai dormir».
d epois1, e os seUis efei't<)S so:bre a classe operária,
Aqui, admiramo-nos. Com efeito, Lefort, viu­
para que seja preciso voltar a isso.
-os, aos: operárioo. Já viu mais do que os que
Vem depois a cooperação. Atribuindo a Lefort
Sartre verá em toda a s ua vida , e de muito mais
a i deia de que o capitalismo desenvolve idilica­
perto. E·le tem Marx em casa, as páginas mar­
mente um proletariad o que não é senão positivi­
cad as e anotadas. Mas então n ão comp reen deu
dade (não se sabe onde foi Sartre buscar isto) ,
n a da do que viu, nada do que leu ? Ou será que
Sartre dá-se ao ridí cu l o de querer provar que «a
o que explica Sartre é UJma nova descoberta que
cooperação não é vivida pelo operácio como ex­
ele esconde mod estamente en tre c:itações de Marx
pressão da solidariedade», que nela se faz a «•expe•
e referências aOIS biólogos1 e pskotécruicos ?
riência da dependência» . Parece não suspeitar que
Claro que não. Nada di sto é novo e todos o
é iss·a que se lih e quer fazer compreender e isso que
sabem há muito tempo. Mas o que é rel ativamente
sé diz desde Marx : que o processo da pr od u ção
no'Vo , é a vontade de não ver senão isso n a s rela-
capitalista «Une, educa e forma » os operários n o
ções en tre o proletariado e o desenvolvimento
sentimento da sua dependência redproca e lhes
técnico. Oh ! M u ito relativamente : Sartre tem
inculca, queiram o'u não, tanJto a i dei a da inevi­
peroursores. Assim, um dia, há uma dezena de
tabilidade desta dependência 'Como a. r ecusa da
anos', Burnham anunciou a sua grande d e sco­
forma alienada que esta assume na fáb:nica e na
berta : Marx tinh a-se engan ado, o prol eta riado
sociedade capitaJ,i sta.
tornava-se cada vez menos capaz de gerir a socie­
Por fim, a s u bversão con:t�nua da técnica.
dade, as qu ahi ficaçõ es profissionai1s perdiam-se
Aqui, Sartre fica « francamente» indiguado. Que
no capitaJ.ismo moderno, ek O pro let ariado encon.
infâmia, realmente ! A fábri ca que estropi a o ope­
trava-s.e daí em di ante incapaz de d esempenha;,r
rário, o trabalho :pa,rcelar que arru í n a a bela
o p ap el que lhe tinha sido designado por Marx :
« cuttucra pro-fi1ssiona1» de anta.nho, o «Conheci­
o de suces,sor do capitalismo. Daí a missão his­
mento intuitivo dos ma t eri a is» ! Para não ver
tórica positiva dos «managers» * , isto é, dos buro-
nisto apenas a destrui ção e o lado negro, é preci so
«fa:Jta de imagin açã o·» e de coração. A Sartre n a da
(*) Em inglês no original (N. T.).
208
209
A EXPERI:h:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO SARTRE, O ESTALINISMO E O S OPERÁRIOS

cratas (5) . Premáss as e conclusão são as m esma s parcelar tem uma influência nega:tiva na, cultura
em S a rtre, só que este prefere uma burocracia prolfissi onal.
particula r : a do . p artido estalin ista. Mas tem o trabalho parcelar uma influência
Mais adiante, vo[ltaremos a enc001ttrar este «inteiramente negativa» na classe operária ? Dei­
a:specto da questão, bem como a influência das xemos o Waglller dos Temps Modernes e consul­
temos Marx.
alteraçõe s técnicas. Mas demoremo-nos um ins­
Depois de descrever os operários do p eríodo
tante no pedantismo com qu e S artre interp ela
artesanal, Marx concl,ui : « . . . os artesãos da Idade
Lefo,I'It : « . . . talvez vo,cê ,s<onhe com a influên cia
Média interesiSavam-se ainda p elo seu trabalho
«cultural » do trabalh o parcelar : neste caso, la­
espedfico e pela sua ,ca:pacida;de profissional, e
mento <ter de lhe dizer, os inquéritos anglo-saxões
esse interesse podia ir até um ce rto gosto artís­
e al<emães ( ! ) des:tru ido o seu belo soniho : a
tico tacanho. Mas é !igualmente por isso que
influênoia cultural dlo trabalho parcelar é intei­ qualqu er artesão da Idade Média se absorvia
ramente negativa, Liquidou a cultura p<rofissional, compl�tamente no seu trabalho, se lhe su jeitava
etc. » . Esta simples frase mos,tra que Sartre não docilmente e a ele estava muito mais subO\rd:inado
conhece nem é capaz de imaginar aquilo de que que o operário mod erno , a quem o seu trabalho
fala. Só um louco poderia pensar que o trabalho é indiferente» ( 6 ) .
parcelar possa, enquanto tal, ter uma influência Respiramos imediatamenlte um ar diferente,
cultural, e os inquérito,s anglo-saxões e alemães sentimo-nos elevad os ,a um outro nível de reflexão
são muito úteis excepto p ara provar que dois histórica,. Para Marx, a activ<idade artesanal e a
e dois são quatro. As asneiras que s e atribuem cultura prof[ssiona:l reSJpectiva permitem uma rea­
aos seus a;dversários indicam simplesmente as liização da pers 001 alidade 'individual ( o artesão
asneiras que se é capaz de produZii r por si pró­ interessa-se pelo seu trabalho especifico) , reali­
prio. Sartre não sus,peita que nem toda a gente zaç:ão que atinge um valor histórico ( «Um certo
eSitá na S'i tu ação dele, a descobrir a cl a sse ope­ gosto artístico tacanho») . Mas o n egativo domina :
rá:r:ia, o trabalho parcelar e o resto, que há pes­ a absorção n este trabalho específico, o horiz001te
s oas - entre as quais Lefort - que passam a limitado e a subordlin:ação, que não é uma subor­
vida a refJe,ctir nestas questõe s, que talvez reflic­ dinação imposta, mas uma ,subordinação muito
tam mal, mas que não se lhes ens,ina nada quando mais pesada, uma vez que é aJCe ite, interiorizada
se lhes diz que as partes estão contidas no todo, e valorizada pelo individuo. O profi ssi onal quer
que um cão tem quatro patas e que o trab alho Sler um bom proffissional, e tem orgulho ni ss o.

210 211
A EXPERI.tNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO SARTRE, O E STALINISMO E OS OPERARIOS

Mas do ponto de vista da história posterior, este O que é que Sartre percebe disto tudo ? Nada,
orgulho é inépcia, dado que o obj ectivo a que a ao que parece. Tendo Lefort falado da intermuta­
humamidade se destina não é certamente produzir bilidade das tarefas, Sartre responde-lhe que a
perfeitos alfaiates, carpinteiros ou tecelões. Esta intermutabilidade dos indivíduos provoca sobre­
situação é ultrapassada pelo capitaUismo. Arrui­ tudo o medo do des.emprego ! Este senhor, mesmo
nando as: bases objectivas da bela cultura profis­ que fosse «notavelmente inteligente» , deveria co­
sionaU , o capitalismo destroi , é certo, a realiza,­ nhecer um pouco melhor as coisas de que fala.
ção pessoal num trabalho particular, mas faz A intermutabilidade das tarefas é o fenómeno
mais do que isso : suprime-lhe o sentido e demons� típico da indú,stria moderna que permite que um
tra IlJa prática ao homem a. sua inépcia quando 0.8.-máquina ( * ) seja capaz de trabalhar pratica­
põe o seu orgulho e o sentido da sua vida numa mente em qualquer máquina produzindo em série,
actividade que as: máquinas executam melhor e depois de um período de adaptação que varia de
mais d epressa do que ele. E, mostrando o carác­ alguns minutos a alguns dias, e cuja base ohj ec­
ter addentrul da ligação do homem com qualquer tivo-técnica é que a imensa maioria das máquinas
trabalho produtivo particul'ar, demonstra melhor modernas são derivações ou especializações de
que qualquer filosofia que a produção material dois OIU três tipos de máquinas universais. Isto,
não tem sentido em si própria mas sim enquanto é a universalidade tornada obj ecto - objecto his­
meio, que não é senão «O reino da necessidade tórico - e tenta-tse fazer compreender a Sartre
sobre o qual se deve erigir o reino da liberdade, que ela tem um corolário no .sujeito que inventou
de que a redução do dia de traba1lho é o pressu­ estes instrumentos, os adapta e os, uti'liza (7).
po·sto es,s encial». O operário revolta-se contra o Mas «notarvelmente inteligente» não o é decidi'da­
facto d e ser tratado como um acidente, e mostra mente, po1rque, se o fosse, mesmo na sua i'gno­
todos os dias que na produção moderna não pode rância, não 'confundiria intermutabilidade dos
ser tratado senão como um acidente ; daí só pode indivíduos com [ntermu:tahilildade das tarefas.
sair tornando-se num bruto ou apoderando-se da Mesmo que se referissem constantemente uma à
produção e reduzindo-a ao seu verdad·eiro signifi­ outra, era preciso não confundir os dods aspectos
cado de actividade subalterna do homem. Simul­ que elas exprimem no fenómeno, e donde emergem
taneamente, a intermutabilidade das tarefas mos­ sign.ificações diferentes. Mas erras não se referem
tra-lhe na prática que todos os modos de produção
particulares podem ser dominados pelo indivíduo
(*) O.S. � Ouvrier Spécial-bsé. Em português, operário
moderno, que entretanto eles dominam. não qualificado (N. T.) .

212 213
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO SARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERARIOS

necessariamente uma à outra e a inte'l"mutabBi­ experiência comum, e se nessa experiência, que


dade dos indivíduos ex!iste independentemente da se estende no tempo, há uma suces·são SIÍ!gnifica­
das tarefas. Os1 alfaiates', os sap-ate[ros e os pro­ tiva, por outras pailavras, se o depois se justapõe
fessores s'ão intermutávei's no inlterio:r das SJUas apenas ao antes ou o ultra;passa. Trata-se assim
corpora:ções ( inte'l"mutabi1!idade dos indivíduos ) , de saber se se pode fa;lar de uma hi<Stória do pro­

mas não uns com os O'Utros' (intermuta:bilidade Ietariad�o.


das tarefas ) . E é desonesto, a�ém do mais, insi­ Ha,ved necessidade de supor a unidade onto­
nuar que LefO<rt vê já realizado no operá'vio par­ lógica ou transcendental de um grupo para falar
celar «O universal corncreto do inddvíd'uo de desen­ da unidade tda sua experiência? Quai é o princí­
volvimento integral» , quando ele afirma que a pio de unidade da experiência desta vintena de
automatização « torna o operário' sensível a uma miúd-os que frequentaram a mesma escola e brin­
universaJlidade que só a abolição da exploração caram nos mesmos terrenos vagos durante toda
lhe poderá permitir conquistar». a sua infância ( experiência par,Ciial, Claro) ? Que
Sartre quer portanto provar, em a}gumas outra identidade que não a da escola, do·S' profes­
p�ginas, que a s'ituação objectiva do pro[etariado sores, do bairro e da i'dade? A unidade da expe­
não pode ter 'sign-ificado. E o que é que podemos riência, na mediida e nos limites em que exista,

pro'Var, nós, depois de Marx ? Que o proletaxiado, é posta p�la identidade ou similitude das condi­
colocado nesta situação, tenderá a ter uma expe­ ções objeetivas nas quais o grupo se encontra
riência eomum, e que esta experiêlll'cia é um dos colocado. Dizer que cada indivíduo pertencente

seus momentos contitutivos enquanto class'e. Ora a um grupo se aperceberá destas, condições e as
Sartre, tão à vontade no terreno da filoso[ia tracluzirá numa experiência segundo estruturas
como no da economia, recusa esta ideia : não se que lhe são próprias, é vei'ida'de à eSica;la de uma
pode provar «a uniidade do pro�etariado pela da microsociologia pontual, mas torna-se numa fonte
sua experiêrucia», porque « a unidade da experiên­ de smfismas. se se cons·i deram a•s massas à es'cala
cia, quando se fizer progressivamente, supõe a da hisltória. Se o «grupo» c<fnsiderado se reduz
unidade do proletariado». a dois indivíduos assistindo a um mesmo a�conte-.
Aqui temos uma; frase vazia de S'entido. Por­ cimento rápido, é até duvidoso que eles tenham
que não se trata agora da teoria do c0111hecimento, « a mesma percepção» do acontecimento'( que tra...
nem do E u 'Como princípio da unidade sintética duzam da mesma fo'l"ma na linguagem a descri­
da apercepção. Trata-se de saber se os operários ção material dos factos) . Os elementos percebi­
enquanto otperários tendem a participar numa dos diferentemente por cada u:m serão numerosos

214 215
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO SrART'R E, O ESTALINISMO E OS OPERARIOS

e importante�s e, de quaJquer forma, diferente classe. Sartre repete constantemente que não é
será a signifi'cação que cada um atribuirá aos operário ; mas nunca foi assalan·ado ? Quando o
factos. Mas. se o grupo em questão compreende patrão ou a administração diz : baixo ou aumento
milhões de indivíduos que durante gerações, d o os salários de tanto, aumento ou diminuo as horas
nascimento até à morte e sob todas a s relações' de trabalho de tanto, que fazem senão agarrar
essenciais (s), fazem face a condições idênticas esta massa de indivíduos pelos colarinhos e gri­
ou rsimilares•, é de apostar fortemente em que a t!'l r-lihes aos ouvidos : para mim, vocês não são o
un]dade da sua experiência irá muito longe. Os Silva, o Gosta ou o Sartre - são um exemplar
traços comuns emergirão, grrudualmente ou por acidental da categoria assalariados,, e se isso não
saltos, e cada indivíduo tenderá ·a reconhecer no vos agrada, a porta é ali. E se o assalariado acha
owtro o pOII'ta-dor de uma experiência essencial­ insuportáJvel a situação em que o fazem estar,
mente similar. A unidade da experiência « do pro­ será preciso que tenha um cartão do partido no
letariado» é antes de tudo a unidade da experiên­ borllso ou asr obras completas de Maurice Thorez
cia destes mi'lhões de indivíduos que o capita­ em casa, para chegar a pensar que os que S'e
lismo coloca em condições• idênticas, e portanto encontram à sua direita ou à sua esquerda, a
ela não supõe à partida senão a unidade do sis­ devem achar tam:bém insuportá.ve,l, para discuti-la
tema capitalista (e, claro, tarn:bém o fado dos com eles, para que a ideia de uma reacção comum
expl'orados s erem sujeitos poSiSíveis de uma expe­ lhe surj a ? Será que em tudo isto se faz simprles­
riência em gerar!, ou sej a, homens) . Is1to não é, mente a experiência «da dependência», ou será
sem dúvida nenhuma, senão o início da história, que se faz a experiência da dependência em comum
e pas,sam-ser muitoo anos e até séculos antes que e da reacção comum como única reacção possível ?
esta experiência comum dos, indivíduos sej a reci­ O p roletariado em s'i é, antes de m ais, matéria
p·rocamente recOOlhecida, elevada à certeza de a explorar pelo capital. Este em-si é lo�go superado
pertença definitiva e inexoráveil a um conjunto enquanto tal desde que há exp.eriência da explora­
que u1trapassa os indivíduos, e transformada de ção, desde que não se limite a ser explorado, mas
solidariedade p assiva em acção cotlediva. A isto s e sabe explorado (e nas condições capitrulistas, sa­
voltaremos dentro de momentos,. Não impede que be-se explorado, imediatamente enquanto partici'­
a circularidade pseudo-dialéctiea posta por Sartre pan te de uma categ.oria social) . E,sta experiência
seja um mau troca;düho. O capitalismo cria os é já um para-si elementar, pararsi que é plena­
o'perários, e impõe-lhes uma experiência comum. mente afirmado desde que a experiência já não
Impõe-lhes mes mo a ideia tde pertença a uma é pa;srsivamente aceite, mas s.e torna, pela acção

216 217

�- -�-----
A EXPERit!:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO SrARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERAHIOS

comum contra a situação comum, prática activa, sóbrioB a.s suas condições reAads de vida e as sua-H
greve, revolta ou revolução. E doravante, o prole­ relações com, a sua espécie ». (Sublinhado nossó) .
tariado será isso, a possibilidade permanente que Isto torna-se, portanto, uma falsificação. Para
os proletários têm de se situarem na prática para­ Marx' a «transformação contínua» que o modo de
-si enquanto classe. Que, nas condições do capita­ produção capitalista introduz nas relações sociais
lismo, is,to os leve a fixarem como objectivo o é, seguramente, o que obriga. o homem a desemba­
poder e como finalidade o comunismo, isso é outra raçar-se do sólido, do estaheleddo, d o tradicional
h�stória. A ela voltaremos. Mas a partir deste e do sagrado e a afrontar « com sentidos só­
momento, é verdade não que a unidade do pro­ brios» as suas condições de vida e as1 suas rela­
letariado ao fazer-se faz a Ulllidade da experiên­ ções com os outros. É o que o força a ver no que
cia, mas que a história do proletariado é a his­ simplesmente está ali qualquer coisa que está
tória dos esforçoo destes homens a colocarem-se necessariamente votada à destruição. É o que des­
para-si e a apoderarem-se do poder. troi o domínio exercido pelo puramente herdado
Mas isso não é assim, diz Sartre : «0 proleta­ e portanto acidental. Mas Marx quer dizer que a
riado é esmagado por um presente perpétuo» . alteração contínua submete o homem a uma dupla
aprendizagem : destroi as mistificações que reco­
Literatura. Com rigor, isto S'erá verdade com os
brem a realidade das relações sociais, mas tam­
animais, mas nunca com os proletários. Se assim
bém, ainda mais profundamente, demonstra a
foss:e, a história (a História) terminaria no mo­
relatividade destas relações e de tudo o que é
mento actual. Para apoiar este absiUrdo, Sa:rtre
dado, mesmo na realidade. Força o homem a ver
cita Marx, que dizia : «Esta transformação contí­
que a realidade é um produto - até aqui cego ­
nua dos modos de produção, esta constante pertur­
da acção do homem, e que portanto a pode trans­
bação de todo o sistema social, es,ta agitação e esta
formar. E: é porque a classe operária es1tá colo­
oibscuridade perpétua distinguem a época bur­ cada no coração deste processo de destruição
g"Uesa. 'Dodas as relações sociais tradicionais e perpétua, de revo�ução permanente n a realidade
esta:be'l eiCidas se disrso1vem. As que as substituem que domina todas as outras, a realidade da pro­
envelhecem antes de terem tido tem:po de ossifi­ dução, que ela tende a ser a classe revolucionária
car» - mas que ,concluía esta mesma pas1sagem, e a classe universal.
com uma frase que Sartre escamoteia : «'DUido o Marx d izia portanto : a classe operária faz a
que é sagrado é profa.n ado e no fim de c:ontas experiência desta transtf.ormação perpétua, por
o homem é obrigad() a afro'Y/Jtar CIOm s,entiilos isso é obrigada a compreender e a superar a rela-

218 219
A EXPER!l!:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO SARTRE, O E STALINISMO E OS OPERARIOS

de cada
tividade do presente. Sartre fá-lo dizer : a classe sas culturas históricas que retiraria,
ão verda deira e
operária faz a experiência desta transfo(['m ação período, significações sem ligaç
ntemente
perpétua, portanto fica atordoada com ela. Sartre orgânica de umas com as outras. É evide
ia, mas
faz pior que falsificar Marx : atribui-Iihe a sua uma empresa que se contradiz a si própr
o tenta r mos­
própria superficialidade. Sartre teria podido sem contradiçã
ar de cada
«Como poderão imaginar, continua Sartre, trar que os s�enti dos que se podem retir
que os novo& operários que surgem por volta prole taria do não são coe­
frase da existência do
de 1910 venham a retomar as tradições aristo­ te. Para isso
rente s e não se implicam mutuamen
cráticas (! ) do sindica:lismo revolucionário e dos s duas eta­
teria sido preciso analisar pelo meno
profissionais ? Mudança, sim. Mudança histórica e mostrar que elas
pas do movimento operário
(sublinhado nosso) e cumulativa, seguramente nicação ou,
não têm · nenhuma espécie de comu
que não. » C ompreende-se o que a história signi­ u e não pas­
pior, que nenhuma tem significação, qr
fica para Sartre : é o que se produz lenta e segu­ a.
sam de oaos e de incoerênci
ramente, como a barbra. O histórico seria portanto
Em vez disto, faz da transformação um novo
o sedimentado, o gradual, o aditivo. Pensava-se la cari-
absoluto' e caricaturiza Marx como Cráti
até aqui que, mais do que as barbas e os' arquivos
umra só vez
de notário, a história era, as guerras, as revolu­ caturizava Heráclito : Não entrarás
contínua »
çõoo e as bombas atômicas. no mesmo rio. Porque a «transformação
ção, das
Mas a palavra não tem 'importância, é uma é a transformação dos modos d e produ
i deias ­
das dnquenta e nove expressões� infelizes1 do ar­ relações socia is, da organização e das
nto contínuo
ti,go em questão. Há, com efeito, mudança histó­ mas não é' de certeza' um esvaziame
dizer que, a interva-
dca (no VeTda,deiro sentido)
do proletariado, das fábri·cas. Isto nunca quis
comp letamente
isto é, alteração, entrada em massa de novas los regulares, as fábricas sej am
caídos do
camadas na indústria, recomeço da luta depois varridas do seu pessoal e que indivíduos
o explicar
de longos períodos de inacção. E então? Haja ou céu aí se instalem. É assim que é precis
r o leite não quer dizer des­
não uma hi&tória da humanida.de, não são as a um miúd o que adoça
na. Mesm o nos momen­
catástrofes, as �eTras, as invasões e as revolu­ pejar o açucareiro na cháve
aflux o de novas
ções que provam que não haja uma. Aqueles que tos em que o capitalismo cria um
plo, nos
tentaram mostrar que não há história em geral massas às fábricas - como, por exem
continua
não invocaram, para o provar, es�te g<énero de E .U.A. entre 1940 e 1945 - a maioria
am, que
acontecimentos, mas antes uma análise das diver- a �ser composta por tipos que já lá estav

221
22'0
I'"" .

A EXPERII!:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO SARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERÁRIOS

continuam, e com os quais os n ovos1 se vão mis­ operários não têm quase conhecimento nenhum
turar. das greves de 1936 », afirma Sartre. Grandes
Depois, há com efei1to os partidos. Claro que observadores, como eles são p erspicazes ! C[aro
não o Partido A!bsoluto, a Ideia, do Partido, o Par­ que antes1 de se meterem em cavalarias aíltas,
tido único, Esféri'co e Igual em todo o lado a si
teri'am podido pensar que os operários de hoj e
próprio, ao qual Sartre se refere, mas os partidos
tinham três anos em 1936 e que depois tiveram
contingentes e mortais, compostos1 de indivíduos
mais que fazer do que Ie�r s obre Junho de 1936
transitórios que vêm da classe e que a ela voltam.
livros que aliás quase não existem. Mas o que
Nos partidos e atravé� dos partidos formam-se
é que se passa se agora rebenJta uma greve?
militantes que não só estão no cerne da acção
Durante a última greve na Renault, o:s sindicatos
como também tendem a reflectir s�istemati'camente
sobre a experiência das lutas, que passam depois desempenharam novamente o papel de amarelos
para outras o�rganizações transportando esta ex­ (com cambiantes vários, claro) com grand e re­
periência e eslta reflexão. Mas vemos j á que é pulsa dos operários. E durante dias, à medida
preciso generalizar. Não se trata já dos partidos, que a continuação da greve na secção dos 4 CV
enquanto tais, trata-se dos militantes e mais ge­ levantava o problema do que fazer perante o
nericamente da van,guarda da classe, da qual Sar­ conjunto dos' O'perários, em toda a fábrica uma
tre não diz, evidentemente, uma palavra, isto é, coisa se discutia : Junho de 1936. Não é pre­
operários que tendem muito mais que outros ciso ser adivinho para compreender que se,
a participar nas lutas económi'Cas ou políticas numa secção de duzentos ou trezentos operários,
ou a tomar-lhes a iniciativa, 'a reflectir sobre elas, há um tipo que parti'Cipou numa tal experiência,
a pensar sempre na perspectiva das lutas futuras. será sempre ouvido pelos outros, se as 'Condições
A cla.sse operária não tem outra memória para a isso se prestarem. A vida de um operário esten­
além da dos indivíduos que a compõem, porque de-se por quarenta ou cinquenta anos : da Comuna
ela não é nem um indivíduo nem um grupo com à Primeira Guerra Mundial, d e 1910 até hoj e.
instituições guardiãS' de memória, e a resposta Em cada fábrica, em cada oficina, encontram-se
ao problema da unidade histórica da acção prole­ alguns operári os que participaram nas1 grandes
tária não se encontra aí. Mas, na medida em lutas do passado. Temos aqui o fermento da cl asse ,
que exista quaiquer coisa como urna «memória» aqueles que, para os seus camaradas, formam
da classe, ela pode ser localizada nesta vanguarda. de uma maneira viva o laço entre o passardo e o
« Todo,s os observadores notaram que os jovens' presente. Que eleSI sejam 5 % ou 50 %, em nada
222 223
A EXPERU:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO SARTRE, O E ST:ALINISM.O E OS OPERÃHIOS

altera a questão. Um em mil será suficiente' no Tuda isto, que Sartre acha simultaneamente
dia em que isso for necessário. evidernte e profundo, não resiste ao exame mais
Mas, para Sartre, isto não existe. Onde que­ superficial. O partido, na medida em que e quando
rem que ele encontre a vanguarda? O que existe existe, é uma expressão da continuidade do pro­
para eie é esta dicotomia : a classe operária, enti­ letariado, e não o s�eu pressuposto. Primeiro, as
dade abstracta e mesmo imaginária, e depois o aventuras que se des�crevem como tendo acontecido
Partido (estalinista, claro) , que se vê por todo ao proletariado, chegam ao partido dez vezes au­
o lado : jornais, militantes, cartazes, comícios e mentadas, É preciso ter as vistas estreitas de Sar­
boletins de voto. Se se quer encontrar o Partido tre e, <:omo ele, estar exclusivamente preocupado
sabe-se onde é preciso ir. Mas ninguém vos indi� pelos prohlemas postos pela sua integração, no es­
cará que autocarro é necessário apanhar para talinismo hic et nunc, em Franç'a e em 1953, para
encontrar «a classe operária» : esta é uma « poei­ se não aperceber disto. O p artido - ou melhor,
ra» . No entanto, es�ta poeira aglomera-se por os partidos,. porqUJe o partido é um obj ectivo e
vezes. No Vel'd'Hiv' ou da Nation à Bastilha, n o não uma realidade - os partidos, portanto, criam­
Primeiro d e Maio ( * ) . S ã o operário�s, n a maioria _,se destroiem-s,e, são exterminados pela polícia,
pelo menos, que juntos fa�em qualquer coisa. Mas abandonados pela dasse, reaparecem, cindem,
se se olhar de mais perto, vê-se que eles se não existem em vários exemplares, acusam-se mutua­
juntaram sozinhos : alguém os convocou, reuniu, mente d:e traição, modificam o seu programa,
enquadrou, lhes deu os cartazes e lhes soprou fazem dele um pedaço de papel velho, retomam-no,
as palavras de ordem. Quem ? O Partido, claro ! sofrem a entrada em massa de gerações no'Vas ­
Eis portanto a unidade finalmente encontrada. numa palavra, retomando a prorfunda expressão
E porque parar num tão bom caminho ? Porque de S artre, fazem-se, desfaz.em-se e refazem-se sem
se limitar ao 1. o de Maio ? A nós a História, os cessar, e estão submetidos ao mesmo processo de
grandes horizontes ! Quem é que garantiu a «Uni­ altJeração continua da classe, muito mais inten­
dade da experiência», a continuidade através das samente, porque muito mais estruturados e defi­
peripécias ? O Partido. nidos, muito mais «sólidos e fixos», portanto
muito mais agitados e varridos. A continuidade
que es'tes partidos podem garantir à claSis'e ope­
rária é uma continuidade de dez ou vinte anos,
(*) Natüm ,e Bastilha grandes praças parisienses entre
as qurui,s decorrem tradicionalmente manHesrtações da es­ e esta continuidade cada geração a tem por si
ql.lerda. própria. A ideia do partido como garante de con-

224 225

I
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO SARTRE, O ESTALINISMO I<� OS OP.KRAR IOH

tinuidade, com o princípio de uni dade no tempo E.stado rEwo,lucionário e uma po!Jítica revolucio­
e no e�paço, poderia ser discuti:da se o parti do nária - 0 1 que é uma imbeciiildadet. Porque Ger­
existis•se efec.tivamente com o unidade. Mas não main, Malenkov, Sartre, Bourdet, Guy Mollet,
existe. Mendes France, Bidault, Pinay, Laniel e De Gaulle
Mas esta unidade, dirá talv ez S.artre, claro são to•doSI necessariamente o qu e são, sabemo-lo
que não é dada ; é um a tarefa a recomeçar con­ a priori e podemos mais ou menos demonstrá-lo
tinu amente . Muito bem, saímos assim do catoli­ a posteriori. E depois ? Ou MalenkoiV é privile­
cismo estalinista. E quem a deve recomeçar? giado pelo facto de estar no p oder ? E Lan iel ,
A partir de quê ? E orientan do-s e para quê ? Não então ? Porqu e ele dliz que o seu :poder é op erário ?
seria por acaso a vanguarda proletária, que a par­ E, então, Tito ? Porque ele, Sartr e, reflectindo
tir da sua experiência se orienta pa ra dbje'Ctivos e examinando e sse po d er, concluiu que Malenkorv
que ela própria tenta definir? Então, está tudo diz a verdade e Tito mente? O contrári o, por­
entendido, e S.artre gastou papel para nada, dado tanto, não é a priori impensável ? E para conoluir
reconhecer 1então que o partido não é senão um i•sso , onde vai ele buscar os critérios1? Não n o
momento nesta 1onga lu•ta durante a qual o pro­ próp·rio partid o , seguramente. Seria o partido a
letariado ten de <L definir para si um papel histó­ Razão, que c omp orta os seus própri os critérios ?
rico e a realiz á-lo, e que é esta luta o princípio Na história e na experiênci a das lutas proletá­
de unidad e do proletariado e da sua história, e rias ? Mas então porque não po deria um operário
nã o o p artido. faz er aquilo que Sartre :Daz ? E porque não pode­
Mesmo que a unidade do partido existis•se de ria el·e chegar à conclusão opo.srta ?
facúo, isto não provaria d� mo do nenhum o que Esta mediação que é o partido, o que é que
Sartre quer provar. Coan efeito, ele ultrapas1sou a estabelece, realmente? Por que será o partido,
de ta�l maneira a filosofia, que passa o t empo do por definição, a verdadeira expressão da conti­
ser ao dever..JS er, do facto ao valo•r e da explica­ nuidade proletári a, e não a sua expressão n ece-s­
ção à j ustifi cação. Repete constantemente : dado s ari amente mistificada, como a:l1guns têm p reten­
que o P.G.F. lá está, isso prorva que el� deve lá dido? Ou simplesmente uma das siUas expressões,
estar. Da mesma maneira, encarniça-se a mostrar às vezes verdadeira, outras mistificada ? Donde
a esse pobre Sr. Germain (Erneslt Man dei ) , tro­ ]lhe vem o seu estatuto de mediação verdadeira ?
tsquista, que se a U.R.S.S. e a polít ica e�Stalinista A isto não !hesi ta Sartre em responder : visto
são tal como são, sã o-no necessariamente - o que o prol etalia do o reconhecer como tal. Ve j amo s
é uma tauto logia - e portanto repres entam um então : pode-se agora pressupor a unidade do

226 227
A EXPERIE:NCIA DO MOVIMENTO OPERA.RIO
S1ARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERAIUOS
pro1etariado, e deteria este o critério da ver­
Internaciornal de ser um « Cadáver mal-dheiroso»
dade ? Não, o partido unifica o pro1etariado
e convidava os operários para empres,as absurdas
que, em contrapartida, reconlhece no partido a
e ·utópicas - como transformar a guerra em revo�
sua verdadeira exp·ressão. Mas então o proleta­
lução. Que devia fazer um militante alemão em
riado já não está esmagado por um presente per­
19'18? Um militante russo em 1923 ? Um mili­
pétuo? Não, o partido «faz-1he ver» o seu pas­
tante eS!panho1 em 1936 ? Um operário de Berlim­
sado. Mas que meio tem um amnésico de controlar
-Leste em le15 3 ? Onde estavam a unidade, a
um relato que llhe fazem d o seu passado ?
mediação e a continuidade durante estes momen­
E qual proletariado ? Qual partido? Quando ?
tos que foll'am decisivos para decénios da histó­
Onde? Enfim, para, Sartre o problema é fácil.
ria ? Onde estava o critério ?
De repente, apeteceu-lhe brincar com a praxis,
O crité�rio, t em-no Sartre no bolso : «A i:deia
e encontrou perante ele um partido « reconhe­
verdadeira é uma aJCÇão eficaz». Sartre crê s:em
cido· » pelos operários (mais ou menos reconhe­
dúvida atingir os cumes do marxismo �om esta
cido, mas ele tenta precisamente escamotear o
afirmação, maSI de facto não exprime ,senão um
meno·s para s'implificar o problema) . C omo ele
pragmatismo vulg�a,.r, que é de resto a filosOifia
não quebra a cabeça com o que se passa para
orgân�ca 'da burocracia.
além das fronteiras do mais belo reino da terra '
Porque se Marx tornou muito mais. profunda
e como daqui a algum tempo s erá completa-
a revo,lução coi)erniciana oomeçada com Kant,
me�te �stalinista ou voltará às suas ocupações
mostrando que não só qualquer conhecimento é
hab1tums, parece não suspeitar que há momen­
conlhecimento para o sujeito, mas que es.te sujeito
tos em que é preciso escolher entre dois partidos
é um .sujeito histórico, portamto essencia:lmente
que se opõem. Mas os' ope•rários e os militantes
prático-activo, ele não pretendia de modo nenihum
revolu�ionários sabem que esses são os momen­
com iss'o of'erecer um novo critério tranSicendente
tos cruciais da acção. Que teria sido neces,sário
da verdade, um novo modelo - a práttca; - ao
fazer em 19H, por exemplo ? De um lado, o par­
qual se compal'laria aquilo que se pensa paJra se
tido - a Internacional :--- a continuidade, os qua­
verificar se é verdadeiro. Porque a prática não
dros, os venerados dirigentes que tinham ·dado
inclui a sua própria interpretação, e levá a uma
'as suas provas, e a classe operária, que os con­
nova reflexão. .Se a reflexão não está «aquém»
side�ava •como seus -chefes ou não os rene·gava ­
senão ligada a uma prática, também a prática,
do outro, um bando de loucos, ou considerados
não tem sentido se não estiver Ugada a uma
como tal pelos' Sartres da época, que acusava a
ideia. E s6 esrte morvimento é verdade histórica,
228
A EXPERiftNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO ScARTRE, O ESTALINIS MO E OS OPI<mA JU OS

verdade que é em si mesma uma tarefa infinita. do c munism o i:nte·gra:l e não degeneráve'l em
o

'Dudo isto é ainda abstracto, al'iás, porque a socie­ toda a Terra - e essa v erdade terá então pouco
dade está dividida em classes, cada uma das quais interesse. De 1914 a 1917, a praxis deddia dia
tem uma «VWdade» e uma «'eficácia» próprias. após dia que Lenine não tinha razão - depoi s
A ideia verdadeira é a acção efioaz, diz ? Por­ �tudo mudou : Lernine estava certo, visto fazer a
tanto Hitler estava na verdade. E1e não era eficaz revoluçã o que tinha previsto e à qual tinha ape­
porque foi d errubado. E antes dis,so? E Fa.·anco ? lado. Els,teve certo a pa:rtir de 26 de Outubro
E não: é tudo derrubado', mais cedo ou mais tarde ? de 19:17 ? É o que pensam as pessoas que aderem
- Fala-me, nestes ea sos, de faseisttas e de burgue­ no dia s1eguinte às revoluções vitori o sa s : é pre­

ses. Perfeito. Falemos então de S�heidemann e de ciso estar na moda, é a praxis que decide. E é pro­
Noske . Es'tes stão ministros operários., marxistas, vável que, se um dia uma revo1lução proletári a
muito eficazes : provaram p·ela praxis que a revo­ tomasse o poder em França, Sartre teceria os
lução alemã era impo·ssível em 1919'. Tinham por­ seus louv ores no dia seguinte. Porque o papel do
tanto razão? E Estaline', ao assassinar Trotsky ? poeta, dizia Rilke, é diz er o que existe, o do inte­
Eile :Dalhou várias vezes ; era porque não estava lectual, :pode-se acrescentar, é de glorificá-lo. Mas
ainda bem dentro da verdade. Mas no dia em que será que Lenine demons1trou definitivamente pela
Estaline acedeu à verdadeira eons1ciência r'evolu­ praxis que tinha razão ? Pogteriormernte, a revo­
cionária, provou""'o aquem do seu pensamento .
lução degeneii.'OU, e os mencheviqu es, que e ram

assassinando Trotsky eficazmente (ou então foi contra a, revolu ção antes dela ser feita, pensaram
a eficácia do assassinato 'de Trotsky que mergu­ provar que ele se tinha enga.n ado, uma vez que
lihou Es<tal ine na verdade revolucionário? É po&­ essa degenerescência mostrava que a Rúss,ia não
sível que uma ao f3.!Zer-se fizesse a outra ) . estava «madura» para o socialismo. Entender­
No con'texto em que Sa:rtre a coloca e ilumi­ -nos-emos em tudo isto, guiados p ela «praxis que
nada pela sua « dem ons,traçã o », a ideia de que decide» e p ela «acção eficaz» ?
«é a praxis; que decide» mais não é que a expres­ E «eficaz» relativamente a quê ? Sartre con­
são do oportunismo mai:s cíni1co. Porque a praxis, some-se a demonstrar que o P.G.F. é eficaz, e
se decide qualquer coisa, decide depois da acção, esquece que o j ul,gamento a fazer soibre a efic áda
e e ste depois é tanto maior quanto aquilo que supõe primeiramente uma extrapo[ação no tempo,
deve ,ser decidido é m ais importante. A praxis e depois. uma defi nição do obj ectivo relativamente
não terá « decidido» da verdade daquilo que dize­ ao qual a acção é ou não eficaz.. Al!guém a quem é
moS\ uns aos outros s enão depois da instauração tão cru el compará-lo como seria se se comparasse

231
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO S:ART'RE, O ESTALINISMO E OS OPERAIUOS
Bee,.bhoven ao compositor de « Viens poupoule» ( * ) aJplaudir o marechal Poppof e Maurice Tlh•orez
- o que tenha de fazer, dado Sartre encher a descendo os' Campos EJíseos, .a praxis terá deci­
praça pública com as suas cacofonia·s -, alguém dido para ele que o estalinismo é verdadeiro, e
que passou toda a sua vida a fazer revoluções, re­ para os operários que não passa de uma nova
fi:r:o-me a Trotsky, escreveu volumes1 para demons­ forma de expl'oração. Porque a eficácia é a e[icá­
trar que a política estrulinista não é eficaz, que cia relativamente a um obj ectivo, e o objedivo
conduz à ruína do' Estado s oviético e do proleta­ do operário não é o do burocrwta, tal como não
riado mundial, e que, mais dia meno·s dia, a buro­ é o do burguês..
cracia estrulinista desabará so:h o peso dos: seus Não é apenas. a ad'esruo dos operários' ao esta­
crimes e das suas faltas - crimes e faltas neces­ llinismo (na França e na Há!ila) que fazem deste
slárias, sem dúvida, mas historicamente ineficazes. o partido revolucionário (à escala mundial ) . Há
Mas Sartre decidiu que a burocracia é 'eficaz até tamlbém o poder realizado do estrul inismo, na Rús­
mais não, que o será s empre : então que leia Tro­ sia em primeiro lugar. A política concreta dos
tsky - ou que o releia, ·como costuma di·zer com P.G. é constantemente expli'cada e justificada por
benevolência - descobrirá talvez que se enganou Sartre ( rnostrámos já que, para ele, são apenas
nas contas. um) por referência à naturezru revolucionária
Mas há algo mais importante ainda. Nós pen­ da U.R.S.S., que é o postulado fundamental do
samos! que Trotsky se enganava ao jul,gar a buro­ sistema. Assim, por exemp,lo, o abandono da luta
cracia ineficaz - porque ele j ul1gava-a reilativa­ anti-racista pelo P.C. ameri:cano durante a gue,rra
mente, a um objectivo, o comunismo, que não é fundamentava-s•e na neces,sidade de «não dar
o objedti.vo d a buro'cracia. Ê verdade que tudo arwumentos à propaganda nazi ( ! ) » enquanto
o que a burocraci a faz tende a suprimir a possi­ durasse a gue,rra e a Rús,sia estivess'e em perigo.
büidade de uma revolução comunista, mas. é tam­ A oolvação da Rússia é a lei suprema, e isto
bém verdade que ao fazer is1to a burocracia é porque a Rússia é um E!stado operário. Vê-8e
efi'caz. Ê-o relativamente a si própria e ao seu p1ortan'to que, .se na realidade a Rús1sia não for
objectivo que não é o 'Comunismo, mas a conso­ um E.stado operário, a política do P.G. se torna
lidação e a extensão do seu poder e do seu regime. duplamente reareionária, simultaneamente nos
E no dia da eficá:cia suprema, qua.rrdo da varanda meios e nos obj ecUvos. Ê-se tentado ,a pensar que
do Figaro Roug e Sartre tiver o privi'lêgio de Sartre examinaria d e mais perto o seu postulado
antes de embarcar no resto, tanto mais que este
(*) «Vien:s rpoupoule>> cançon•eta popular. p�}stulado está cruda vez mais a ser ataoado porr

232 233
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO SARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERARIOS
todos os lados, que há já vários anos foi mesmo kov, iluminado pela graça, recomeças'se a «crer» .
atacado na sua própria revista por lJefort, que Depois, o argumen•to de Sartre sohre a impos­
ainda hoje aí é, indirecta mas claramente, ata­ Siibilidade d e uma «demonstração» é o velho argu­
cado pe1los· artigos de Péju sobre o processo de mento cambado doo cripto-estalini'stas. S·e se diz
Slansky. Mas isso é que era bom ! Examinar os ao cripto�estalinista que o pmletariado é explo­
seus postulados é sem dúvida de um «fal:so rigor», rado na U.R.S.S., ele não fica vermelho d e indig­
«doutoral e simplista». É assim que Sartre se nação. Com o tom de voz mais: neutro e científico
desembaraça rapidamente da «ques,tão ruS's a», que responde que não há informações suficientes para
é a pedra de toque da compreensão dos problemas o demJOnstrar. Mas então também não tem infor­
do movimento operário desde há trinta anos. Que mações sucfidentes para demonstrar o contrário,
os operários frances.es são comidos pela U.R.S.S., ou p·atra o acreditar. A menos que se p ertença
diz ele, •SÓ pode ser afirmado :se se puder «de­ a essa categoria de imbecis que Lenine definia
mons•trar que os dirigentes soviéticos já não como rucreditando nos outros sob palavra - nos
acreditam na Rev1olu ção russa ou que eles pen­ outros, isto é, na bu:mcracia estalinista e na sua
sam que a experiência se &aldou por um malo­ propaganda.
gro. Daqui resulta que, mesmo que isto fosse A isto Sartre responderia verosirnilmente (é
verdade, do que muito duvido, a d emonstração o que indica a sua argumentação contra os trots­
diss·o não seria possível hoj e». E promete voltar kistas) que houve em Outu!bro de 1917 uma revo­
a isto «na segunda parte», o que a·té agora não lução socialista na Rússia, que a classe operária
fez ,,>a menos que se tratasse de uma diSicus:são tomou o poder e que d epois não houve restaura­
com Germain, trotskista, durante a qual Sartre ção burguesa. Mas a questão não é o que se passou
prova que os dirigentes russos são revolucioná­ na Rússia em Outubro de 19·17 mas o que aí se
rios. . . porque não podem fazer outra coisa senão passa em 19613. Não se trata de saber se a classe
aquilo que fazem ! operária russ:a se apoderou do poder, mas sim se
Primeiro, uma criança de dooe anos diria ela o manteve. O postu1ado de que ela não o pode­
a Sarfu:e que o que os diri'gentes sorviéticos ria perder Slimão por uma restauração da burgue­
« crêem» ou não CTêem nada tem a ver com o sia clássica é insustentável no plano teórico (9) .
assunto. A exp,loração do proletariado russo ­ E ·a querela do «socialismo num s6 país» si.gni­
que comanda tudo o resto - não s e poderia in·s­ fica, simplesmente, que na ausência de «infor­
taurar pelo facto· dos dirigentes rus,sos deixarem mações» e d:e provas em contrár1io, um marxis·ta
de crer na revolução, nem se aboUria se Malen- rejeitaria a priori a ideia de um poder operário
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SARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERARIOS
A EXPERI:t!:NiCIA DO MOVIMENTO OPERARIO
gostam de pastis (*) ; n a Rússia são explorados•.
se manter num país ioolado durante trinta e cinco
E depois ? Telefonem a um antropólogo, a um
anos - visto que o próprio Estaline «justificou»
higienista, a um economista, diz Sarlire, nada
a possibilidade de edificar o sooialismo na Rússia
tenho a ver com o assunto. E isto depois de ter
fazendo apeio às •características singulares e
exposto em dezenas de páginas a ideia, tornada
excepcionais do país.
lugar comum depois de Marx, de que a explora­
Mas Sartre �eva o cinism�· mais longe que os ção determina, de uma ponta à outra, a realidade
cripto da variedade corrente. Na «Resposta a s·ocial, e o ser imediato do proletariado em pri­
Lefort» , ataca-o violentamente e pergunta-lh:e : meiro lugar.
disipÕe de d!ocumento.s em .primeira mão para O nosso assunto, afirma Sartre sem pudor,
poder fazer o •estudo da «'Classe operária» na não é se a classe operária é explorada na Rússia,
U.R.S .S. ? «E se não tiver, que pode dlizer ? Que mas se ela se opõe à exploraç.ã:o. Assim, o bur­
o operário é explorado na U.R.S.S. ? Solb esta guês paternalista proclama : os meus operários

:florma, V. ataca soibretudo o sistema económico. estão contentes com a sua so·rte e sabem do que
precisam me]Jhor que os agita.dores. do vosso tipo.
A discussão está aberta, mas não é isso que nos
Ainda aqui se constata quão fadlmente os meca­
ocU:p·a nes•te momento. Que a classe operária
nismos lógiC'o s de um indivíduo s·e transtornam se
(desta vez sem aspas, C.C.) se opõe à explora­
a sua situação real é falsa. Porque o próprio
çã,o.? Sim, isto é que nos inteTessa. Ma.s a única
Sartre explicou no artigo precedente que o objec­
prOIVa que V. noo pode dar, é que ·ela se l'he opõe
tivo essencial do sistema de exploração é destruir
porque não pode deixar de o fazer sem vos não
no explorado a oposição à exploração ( 10) . E, com
dar razão».
efeito, a ideia de que a classe operária russa não
As•sim, o facto do operário s,er explorado na
se oporia à exploração - admitindo esta estabele­
U.R.S.S. visa sobretudo o sistema económico !
cida - não só provaria o contrário daquilo que
E'ste sobretudo tem o qüe se lhe diga. Portanto
Sartre quer provar, mas também foi efectiva,.
isto viisa um pouco outra •codsa quaJlquer ? No con­
mente utilizada para provar o contrário. Foi uti­
texto, é preciso compreender que não. Pall"a Sar­
lizada por aqueles que sustentam que o capita­
tre, o facto do sistema econômico se basear na
lismo burocrático russo é a barbárie, visto que
exploração dos operários nada tem a ver com o
resto. A exploração não determina uma soci'edade,
(*) Bebida alcoólica geralmente tomada como a;peritivo
não esclarece sobre a sua natureza de classe. Na
e bastante popular em França. (N. do E.) .
Alemanha os operários· são loiros ; em Toulon
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236
A I<JXPI.;Rií!.:NCIA DO MOVIMENTO OPERAIUO SARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERARIOS

teria destruído nos proletários russos a possibi­ com que Leverrier estabeleceu a existência de
lidade até de se opôr à exploração, transforman­ N eptuno a partir das perturbações da trajectória
do-os as·sim numa classe de escravos industri a is de Urano.
modernos (11) . De resto, esta oposição surda transfonna-se
E ·de que oposição se trat a ? De uma oposição em opo sição explícita de·sde qu e se v erifique uma
wberta, à luz do dia, através da greve, do co­ fallha na carapaça totalitária como o provam os
mício, da m an ifestaç ão de rua ? Tudo is·to é últimos acontecimentos· na Alemanlha Oriental
praticamente impossível num regime totalitário, e na Clhecoslováquia.
e a s ua ausência nada prova. A ausência destas Mas façamos a stron omi a . S uponha mos, que
· manifesta ções sob Hitler e MussoUni provarão não 'h á n enhuma informação material sobre o
que o prol etariado alemão ou italiano bendizia que se p assa na Rússia. Quem não vê que este
os seus exploradores ? Não é engraça do o torci o­ próprio facto, a ausência de informa ções, é uma
nário de uma vítima amordaçada respo·n der-vos : mina de inform ações ? Porque não há informa­
«Como estão a ver, 'ela não protesta, até gosta». ções. ? Porque as tempestadeR d estru íram as comu­
Tratar-se--á da oposição surda, silenciosa, quo­ n icações, ou porque em Paris ninguém percebe
tidiana e mul tifo rm e que em todos os países do russo ? Não, porque a burocracia não as dá.
mundo e em todas as 'Ci rcun stân ci as lOS 01p erári os E porqu e? Por razões militares ? Mas entã!O po·r­
desenvolvem ,contra a exploração, recusando-se, que é que os E stados Unidos, a Inglaterra e a
tanto quanto p ossível, a oo1laborar com os eX!pl o­ França as dão ? E o que é que seria n ecessário
radore:s e a aderir à produção ? Mas se esta. opo­ esconder, do p ont o d e v ist a da segurança militar?
sição não existe na Rússia, p orquê ·os «crimes As· novas armas, os processos de fabrico, a loca­
económicos», o stakhanovismo, o pagamento à iiz ação das fá:bricas, o número de s01ldados ? Mas
peça, as fraudes na produção - d e que a imprensa nós não pedimos is•to. Ou, pelo menos, o pot en­
russa está constantemente a fal:ar ? Traduziria cial económico global, a produção de carvão, de
tudo isto a adesão dos operários ao regime que aço,. de petró[eo e de tractores ? Mas isto é p ubli­
os explora ? A anál ise económica e ,social não cado ! A partir das informações p ubl icadas, os
tem a p recisão da astronomia, mas a partir da servi ços logísticos americanos conhecem neste
simples existência de normas de produção defi­ momento o p oten cial militar russo com erro de
nidas pelo E.stado pode-s:e, a partir de Paris, esta­ 5 %. Aquilo que a burocracia tenta esconder tanto
belecer a exploração dos operários na Rússia e a quanto pos·sível é outra coisa : é o poder de com­
sua oposição à explora ção 'COm a mesma certeza pra, é a distribuição dos rend imentos. E estas

238 239


A EXPERD!:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO S.ARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERARIOS
coisas são com efeito armas de 'guerra, porque fazer seja o que for explicitamente) a enorme
na guerra que se prepara, com os seus as.pectos desigualdade na repartição dos rendimentos e a
sociais e ideológicos, a verdade sobre isso é uma compressão ,constante do nível de vida operário,
arma. O facto dela ser escondida, significa que e pretendem «justificar» a situação a partir do
é uma arma contra �a burocracia russa. De outro baixo nível das forças produtivas ( em 1913 ! ) e
modo, es.ta utilizá-la-ia. da penúria de quadros ( a qual, a a,creditar-se na
E em que ·condições as. informações sobre o desigualdade cres,cente, deve, por razões desco­
poder de compra e a distribuição dos rendimen­ nhecidas, agravar-se constantemente) . Refutámos
tos na Rús.sia se tornaria uma arma contra o noutra altura estes lamentáveis sofismas ( 12 ) .
regime ? Se elas tendessem a demonstrar que não Evidentemente, Sartre retoma melhor ou pior
há diferença essenciul entre este regime e o re­ estes sofiSllll as. «A forma actual da experiência
gime capitalista no que se refere à situação da russa» é ditada talvez, afirma ele, «pela neces­
classe operária. Portanto, se a burocracia se cala sidade vital de intensificar a produção» , de «de­
perante estas questões, estes dois pontos devem senvo�lver a indústria de produção ( ! ) », pelo
ser simultaneamente verdadeiros' : «perigo de morte» que «impõe uma disciplina de
a) A desigualdade da distribuição dos rendi­ ferro». D€sde quando, para intensificar a pro­
mentos deve ser igual ou pior que a dos países dução ou para a defesa militar, se·rá necessário
capitalistas. não apenas limitar, mas aniquilar o consumo dos
b) O nível de vida dos operário's deve ele­ produtores, e elevar monstruosamente o dos para­
var-se tão lentamente como, nos países capitalis­ sitas ? E se a exploração do homem pelo homem
tas, ou ainda mais devagar. é indispensável para desenvolver a produção, em
Porque é evidente que, se a burocracia pu­ que se torna a perspectiva do socialismo ? Será
desse mostrar efectivamente que na Rússia a então falso dizer que a supressão d a exploração
repartição dos rendimento·s é mais igualitária que é doravante a condição de desenvolvimento das
no Ocidente ou que o níve�l de vida dos operários forças produtivas, « e da maior força produtiva,
sobe aí mais rapidamente que em qualquer outro a própria classe revolucionária» ? E em que é que
sítio, não se ouvia falar noutra coisa senão nisso. o «perigo de morte» é mais premente a partir
Que assim não é, prova-o abundantemente a linha de 1927 do que entre 1917 e 1921, anos de inter­
de defesa adoptada pelos cripta mais experimen­ venção militar estrangeira e de guerra civil, em
tados ( como Bettelheim) . Com efeito, estes. admi­ que, melhor ou pior, a democracia nos Soviete·s
tem explicitamente (tanto quanto um cripto pode e n o Partido não tinha nunca deixado de fun-
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A EXPERI�NICIA DO MOVIMENTO OPERARIO SIARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERARIOS

cionar ? Em que é que o cretinismo burocrático decerto Ieu, em Ciliga ou em Victor Serge ( que
é economicamente mais eficaz que a planificação deixaram a Rússia muito depois do a.d�ento da
da:s massas que, como dizia Lenine, «.só elas burocracia) , a des•crição da condição· operária, e a
podem verdadeiramente planificar, porque ape­ da muliher do :porvo, operária ou camponesa, que
nas elas estão simultaneamente em toda a parte» ? animada por uma imensa es:perança durante ()S
Se tudo isto quer dizer que faclores tanto con­ anos d a revo,lução, voltou a cair na servidão se­
cretos como universais levaram à instalação no cular, e na sua vida d e sordidez e miséria não tem
poder de uma dasse exploradora, a burocracia , outro remédio senão fazer «qui.Jómetros em chine­
e que, racionalizando a história um pouco tarde loo, atraV'és do: pó, da lama ou da neve, para ir
demais, explicamos esta. instalação como um fenó­ ajoelhar-se na única igreja que não foi encerrada
men<} n ecessário, ainda bem ! Mas, c;hamar «Socia­ e que está 'Sempre muito longe, terrivelmente
lismo» ou «Estado operário» ao que dai resulta longe . . . ».Oh, claro, por fim o Pai dos Povos teve
mais não traduz 'do que a glorificação do facto piedade destas pobres mulheres. Mandou albrir
consumado típica do· intelectual contemporâneo. mais igrejas, onde elas pudessem ouvir a boa
E v identemente, a história das « informações» ·
nova - que o reino dos céus l!hes pertencerá já
que fal lariam é na realidade uma pequena brin­ que é impo$ivel o da Terra., e que, enquanto se
ca d ei ra. Sartre, apesar daquilo que nos quer fazer espera., é pr€ciso dar a César o que é de César e
crer, nfw caiu do céu e sabe que as informações estender a outra face à bofetada. Mas tudo isto,
que demonstram a exploração dos, operários e dos sem düvida, diz respeito « S-obretudo» ao sistema.
camp oiwses existem - a burocracia não pode evi­ religioso - taJ como as passa.g€ns de modelos da
dentemente organizar o segredo absoluto, nem alta costura mo·scovita dizem respeito « sobretudo»
impedir que tudo. o que transpira do seu regime aos hábitos de vestir, tal como o,s, campos' de con­
concorra para estabelecer o mesmo significado. centração dizem respeit() «S'ohretudo ao sistema
Ele sabe que a pirâmide do:s rendimentos é extre­ penitenciário, tal ,como a censura e o cretinismo
mamente elevada na U.R.S.S. , e que se aí vivesse, cultural dizem respeito « sobretudo» ao sistema
s.eria milionário (ou depurado) . Ele é ;capaz de ideológico, tal como a dominação e a exploração
resolver este pequeno problema : Tenho cem indi­ dos :países >Satélites diz res·peito « Sobretudo» às
víduos, pego em quinze e dou dez maçãs a cada relações exteriores - em resumo, tal como tudo
um ; se der uma só maça a cada um dos restantes o que é pa·rticular diz respeito. « sobretudo » à
oitenta e cinco, como reparti eu a:s maçãs que particularidade. Mostrem-nos o organicista enver­
tinha entre os quinze e os oiternta e cinco ? E gonhado, o hegeliano miserável ou o determinista

24:2 243
A EXPERI:Jl:: NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO S:ART'RE, O ESTALINISMO E OS OPEHAHIOH

viscoso que ousa1s.se pretender que tudo isto não crê,. porque «vive dos rendimentos do capital» .
se pode organizar senão em torno de uma só ideia, Isso é a exterioridade burguesa., ser burguê>s, por
de um só princípio - a exp,loração e a alienação. acidente, como se é grande ou pequeno, loiro ou
Mostrem-no, o Tomás incrédulo que não quer acre­ moreno. Sartre é burguês porque interiorizou a
ditar que tudo isto prova que na Rússia se mar­ burguesia, porque escolheu ser burguês. E esco­
ciha para o comunismo - mesmo quando se liho lheu no dia em que aceitou definitivamente esta
diz ! convkção •constitutiva da burguesia : a incapaci­
Lefort mO'strou no seu artigo que se pode ( e, dade dos operários para realizarem o comuni>smo.
numa perspectiva revolucionária, se deve) com­ Lamenta a sorte deles como uma dama protec­
preender o desenvolvimento do proletariado como tora : pensa que eles mereciam melhor, que me­
uma história tendente para. o comunismo. Fize­ reciam mesmo o poder ; mas, que se 'há-de fazer,
mo-lo igualmente nesta revista desde o seu pri­ são uns belos sentimentos mas nada disso ge con­
meiro número ( 13 ) . E esta ideia parece tão impor­ segue ; eles não são capazes ! Al·guém tem de fazer
tante como pouco contestável. Porque, se existe o bem pa·ra eles. Se fosse dono de uma fãbrka
uma rebção entre n proletariado e o comunismo, por volta de 1900, Sartre teria sido um burguês
essa relação deve encontrar-se através d<liS· di­ paternalista. Como, em 1943 , só po>ssui direitos
versas fases de existência do proletariado na de autor, é estalinista. Esta comiseração cons­
sociedade capitalista. Deve-se portanto poder con­ ciente da roa swperioridade fornece..lhe a ponte
siderar o desenvolvimento do proletariado como que lhe permite ·abandonar o n avio burguês que
uma história, colocando-no·s sob esse ponto de se afunda e passar ao navio burocrático que pa­
vista. rece a,guentar bem o mar. E quando se sente atin­
Esta ideia provo·ca em Sartre um e.spanto gido nesta cC�rteza abj ecta e justificada, quando
profundo mas bem compreensível. O que está Lefort lhe mostra que se pode ver na história
mais solidamente enraizado na alma do burguês, do prol·etariado mais qualquer cois·a do que as
e o que o s·alva aos seus próprios olhos, é a derrotas, o pó e «a paixão» (14) , defende-se atra­
ideia de que os operários podem recalcitrar ou vés da ironia. Troça, misturando, na sua pertur­
fazer chinfrim, mas são incapazes de tomar o bação, citações de Marx e citações de Lefort ( a
poder e ainda menos de gerir a sociedade. E o ta!l ponto que nem 'Se sabe bem d e quem ele troça)
burguês tem toda a razão - até agora os ope­ do «imanentismo de classe», sob o quai se esconde,
rários ainda não foram capazes. Sartre é burguês « como em todas as dialécticas. . . um finalismo
(tem-no dito bastantes vezes ! ) . Não, como ele envergonhado» . O imanentismo em questão, é,

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A EXPERH';NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO SART'R E, O ESTALINISMO E OS OPERAIHOS

em linhas gerai s., a i dei a de «que produz indo o O Capital na pálgina 273 do Tomo IV da tradução
cwpitai, o proletariado produz...se a si próprio Molitor e dec()['·e a pa &sagem a seguir transcrita .
com o coveiro do capitaHsmo». «0 operário pro­ Pode ser que o que lá está escrito sej a verdade,
duz,.,se produzindo». Vai tudo pelo melhor, por­ pode ser que não, .mas é a chave para a compreen­
tanto, zomba Hartre, não há que se queixar d a são do marxi smo, teoria em voga nestes• últimos
expl or ação, visto que ela é i ns ep arável do· capi­ tempos j unto das pess.oas avan çada s e até junto
talismo, e que este ó o pressupo st o da rev ol ução. da.s outra s :
«Se fosse um jovem p·atrão, seria lefortista». «À medida que diminui o número d e grandes·
E trata de nos informar que esta ideia mons­ ca;pita1istas, que >clhamarn a s i e mon opoUzam
t:vuosa, a de qu e a classe op erária se des envol ve todas as vantagens des>te pro,cesso de transfor­
enquanto classe revo>l,ucionária em e pelo capita­ mação, vê-se aumentar a miséria, a escravatura,
lismo, foi inventada por Lefort a fim deste poder a degenerescên cia, a expl o ração , ·e igualmente a

justi ficar a sua projectada radicrução na burgue­ revolta da classe operária que cre•sce s·ern cessar
sia inte,J€ctual. É em vão que Lefort é « Op aco » ; e que foi preparada, unida e organizada pelo pró­
Sa:rtre « top o u-o » logo. prio m.ecamismo do processo de produçéio C'apita­
Agora é a nossa vez de ficarmo s admirados. lista . . . A c.entralização dos m ei o s de produção e
Será Sartre tão ign oran te ? Aquilo· que lê - aquilo a social ização do trahalho •Chegam a um p onto
que cita - de Marx ser�lihe-á assim tão opaco? tal que não se acomodam mais no seu invólucro

E: 'Se assim é, �orque diabo, em vez de tagarelar capitalista e o faz,ern rebentar. Soou a última hora

sobre o Partido, não frequen ta ele duran te um da p ropri ed ade privada capitalista. O s exprop ri a­

ou dois meses u ma Es,cOila de Estagiári o de dores serão por sua vez exprop ri ad os . »

um partido « marxis ta » qualquer ? Ensinar-'lihe-ão E< o pr6prio Marx cita, numa nota, esta pas­

numa lingua,gem esquemá:tica e clara - que po­ sagem do, Manifesto Comunista :
derá depois to.rnar opaca a seu bel-p razer - que « Ü p.ro'gresso da indús:tria que a burguesia
o ca p italism o conduz ao socialismo p orque desen­ realiza sem o querer e sem se �lhe . poder opôr,
volve tanto as «>Condições oibj ectivas » como as substitui o isolamento dos op erá ri o·s, criado
«con diç ões subj ectivas>> da revolu ç ão e, em par­ péla concorr·ência, pel a �sua união revolucionária,
ticul ar, o prol etaria do como classe revoiu:cionária. criada pela associação. . . E'la (a burgu esia ) pro­
Mas se pensa que j á não tem idade para fre­ duz an tes de tudo o seu pr6prio coveiro· . . . De
quentar a Es·cola de Estagiário e que agora deve todas as rclass•es que a burguesia encontra hoje
entrar di rectamen te no· Comité Central, que abra p eran te .si, s.ó o proletariado é uma dasse ver-

2.416 247
A EXPERH'.:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO SARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERAHIOS

dadeiramente revolucionária. . . ( o proletariado, que nunca o desaprovou. Além disso, o que se


que) é o produto específico da. grande indús­ pode censurar em Engels, encontra-se também
tria.. . . » em Marx ( 1 5) . Isto no que se refere à estupidez.
Desta página, Sartre leu a metade que pre­ A cobM"dia consiste em que estes Senhores,
cede o nosso extracto, uma vez que a cita. É que ao mesmo tempo que negam ser marxistas, não
na sua leitura em diagonal de Marx, deve cair ousam dizer - e a julgar por Sartre, não ousam
sempre nas metades más. Em todo o caso, agora sequer pensar - que não se é obrigado a aceitar
que pode constatar o « imanentismo» e o «fina­ em bloco tudo o que Marx disse ou escreveu.
lismo'» ·envergonhado de Marx, dexe poder expli­ A intervenção de Engels na demonstração de
car-se sobre o próprio marxismo e deixar de nos Sartre conduz a resultados suficientemente engra­
maçar com citações mutiladas de Marx apresen­ çados para que se lhe consagrem aqui algumas
tadas como argumentos. linhas. A citação de Enge,ls que deve provar tanto
Mas se Sartre não tem a coragem de se expli­ o seu ·economicismo como o de Lefort, diz em re­
car sobre Marx, desforra-se em Engels. É Engels, sumo que o simpJe,s funcionamento da lei do valor
afirma, que sopra monstruosidades ao ouvido de chega para produzir o capitalismo - o que nada
Lefort, Engels sorrateiramente atingido de econo­ tem a ver, nem de perto, nem de longe, com o
midsmo, Engels, que sem dúvida queri a também que Lefort afirma. Olaro que esta posição de
radicar-se na burguesia - mas não, vej amos, ele Engels é falsa, e Marx mostrou em O Capital
já ·aí estava solidamente radicado, ele que até pas­ que, S<e bem que o 'Capitalismo funcione segundo
sou a vida à frente de uma empresa. a lei do valor, esta não chega para o criar, que
Há já al!guns anos que se tornou moda, en'tre é prec iso uma ruptura violenta que é a acumu­
os amadores do marxismo e os «Semi-virgens» de lação primitiva. Mas o erro de Engels nada tem
esquerda, üpôr Engels a Marx. Aquilo que se a ver com o « economicismo» nem com a descrição
acha - ou que se crê achar - mecanicista, natu­ de explo·ração «C omo um processo físico-quimico»,
ralista,, « século XIX», no marxismo, é Engels. porque, para Engels, .como para Marx, o valor
Marx - ah, não, Marx, é os manuscritos de 44 é evidentemente uma relação humana social (bem
e nada mais. Esta atitude traduz simultanea­ como o ·capital) e não uma propriedade físico­
mente estupidez e cohardia. Tudo o que Engels -química das coisas. E, segundo Marx, a relação
publicou em vida de Marx, ou foi aprovado por fundamental da sociedade <!a:pitalista, a explo­
este antes da sua publicação - 'Como precisa­ ração do trabalho, baseia-se na i'�ual:dade dos
mente o Anti-Dühring - ou foi lido por Marx, vrulores trocados { 16) .

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A EXPERI:F.:NICIA DO MOVIMENTO OPERARIO BARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERARIOS
Mas há mais c6mico ainda. É que esta mesma gem de uma assustadora. capacidade de anteci­
passagem de Engels que prova agora a ignomínia pação histórica, descreve como as revoluções pro­
físico-química deste, foi citada por Sartre no letárias «interrompem a cada momento o seu pró­
seu primeiro artigo, precedida de uma calorosa prio •curso . . . recuam constantemente perante a
aprovação : «E: depois, como Engels bBm demons­ imensidade infinita dos seus próprios olbdectivos,
trou . . . » ( 17) . Compreende-se que o proletariado até que se crie poiT' fim a ,situação que torne
deva ser desproiVido de memória ; porque haveria impossível qualquer regresso atrás. . . »
Sartre de estar só na sua til"iste sorte ? Um século se passou depois disto. O que Marx
Deixemos Sartre e a sua amnésia e vo1ltemos genialmente antecipou pode-se agora es1tudar na
a •coisas mais sérias. Na passagem adma citada, sua realização efectiva - mas de modo nenhum
Marx descreve desenvolvendo-se para:lelamente rucabada. E esta realização efectiva enriqueceu
o processo de concentração do capital e o cresd­ o processo de um elemento que Marx não fazia
mento numérico do proletariado. Evidentemente, entrar em linha de conta, ou pelo menos não sob
Marx não era mecani'Cista. Tão ou ainda mais a forma pela qual ele entrou : a evolução propria­
importante que �ste cresdmento era para ele o mente polític.ro do proletariado. O proletaria.do
processo de educação ao qual o proletariado estava criou formas de ol"ganização d,iversas. - partido,
sujeito pelo capitalismo. Processo amlbíguo e con­ comunas, sindicatos, sovietes. Seguiu organiza­
traditório, é necessário· dizê-lo. Marx não viu ções com ideologias diferentes - simplesmente
nunca a história do capitalismo como um desenvol­ marxistas, anarquistas, reformistas, 'leninistas,
vimento idílico da economia e da cultura, em que esta1inistas. As formas de organização desmoro­
um dia os operários perfeitamente cuUos acedel­ naram-se ou ·esvaziarrum-se da sua substância ­
riam padficamente - ou por uma « revolução » os partidos políticos desapareceram ou «traíram».
instantânea, quebrando a ,casca - à gestão da No fim de contas, a história do mo;vimento ope­
sociedade. O capitalismo impõe ao proletariado rário aparece antes de mais1 como· uma série
«a miséria, a opressão e a degenerescência» ao de derrotas - e}Cteriores ou interiores. Não porá
mesmo tempo que o «Une, o prepara e o disd­ tudo isto em questão a peiT'spectiva da revolução 7
plina». Estes dois aspectos condicionam-se reci­ Pode-se encontrar um sentido em tudo isto, falar
procamente, e são os dois j untos que estão na ori­ de um processo ou de uma história - ou não
gem Ida revo1u,ção - ou da bai"bá:rie. Este pro­ passa tudo de acidente, ·erro e ilusão, uma his·­
cesso de desenvolvimento nunca foi visto por tória cheia de barulho e de furor e não signifi­
Marx como uma ascensão linear. Numa passa- cando nada ?

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A EXPERI1!:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO SARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERÁRIOS

Pode-se responder que ·estas derrotas se de­ dbjectiva de reformas durante a fase florescente
vem a uma relaç·ão d e forças entre a burguesia do imperialismo, TrotSiky explica a política esta­
e proletariado até aqui desfavorável. Se assim linista eomo a política de uma camada buro•crá­
fosse, porque seria favorável no futuro '? g como tica que usurpou o poder no primeiro Estado
não ve:r que esta relação de forças diz respeito operário.
em primeiro lugar à classe operária '? Em 1918, Aqui, temos um modo de explicação sólido.
a burguesia alemã não existia, por assim dizer. , É •certo, com efeito, que há uma adequação entre
Em 1936, a burguesia francesa também quase
a polítka destas organizações e o s interesses das
que não. Nos dois casos - e facilmente se mul­
camadas sociai& que as dominam, e estas próprias
tiplicariam os exemplos - foram os próprios par­
camadas correspondem a fenómenôs e a fases
tidos da classe operária que a massacraram ou
facilmente descritíveis da economia capitalista.
a fizeram ficar pelo •caminho. Porque agiram
estes partidos desta forma ? Mas esta exp>licação não é suficiente. Deixa
· de fora o principal interessado - o proletariado.
A isto, o s trotskistas respondem com dua:s
Porque pergunta-se não apenas porque fazem os
pal'avras : traição e erros. Infantilidade, claro.
dirigentes reformistas ou estalinistas a poHtica
Assim há um século que as direcções que o pro�
que fazem, mas também porque os segue o pro·­
letariado arranjou traíram ou enganaram-se ­
pelo menos nos momentos decisivos, que são os letariado. Não se pode simplesmente dizer que
que contam. E· porque trairiam e se enganariam eles enganam o proletariado, porque não se pode
elas eonstantemente ? Por uma maldição divina? enganar com o nada - pelo menos durante muito
Ei porque seria ·ela levantada no futuro? tempo. E, do ponto de visrta prático, ca:ríamos
na mesma que,stão : porque não será o proleta­
Lenine para o reformismo, Trotsky para o
riado eternamente enganado ?
estalinismo deram respostas mais sérias. Pode-se
dizer, se se quiser, que o reformismo ou o ·esta­ A exprlieação só pode ser esta : O proletariado
linismo se «enganam» ou «traiem» mas isso segue essas direcções porque até um certo ponto
será uma estenografia. Na realidade, as políticas e durante um certo tempo ele adere à sua política
reformista e estalinista explicam-se por factores e à sua ideologia. Adere, porquê ? Porque, em
sociológicos - Lenine interpretava o reformismo parte, estas políticas e esrtas ideologias o expri­
a partir da aristocracia operária e da burocracia mem, porque c·onstituem simultaneamente res­
política e sindical, combinadas à possibilidade postas à situação concreta na qual o proJetariado

252 253
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO SARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERÁRIOS

se encontra fac e à bu rgues ia durante a etapa os seus resultados estão ali, incorporados na si­
considerada e definiçõ·es prov i sóri as do seu ohj ec­ tuação . Os resultados• da sua acção precedente tor­
tivo, momentos na procu ra da forma concreta lllaram-se parte integrante da experiência actual,
d1a sua emancipação na qua!l constantemente o perc·ep tíveis no presente sem necessidade de re­
capital i smo o faz recair. Porque deixa um dia curso reflectido ao p assado. Nes te s�ent ido,, •Coada
de ·a isso aderir ? AJl,gumas' vezes porque toda a grande U�cção d o proletaria'do tende a ultrapassar
luta se torna impossível e cessa ; a maioria das as precedentes porque as contém no seu objecto
vezes porque a situ1ação concreta mudou ou aquela actual, a realidade social, talhada pelas lutas
anteriores.. O prol eta ri ado não precisa absoluta­
foi'Ima de ideologia fica ultrapass•ada ou as duas
hipóteses ao mesmo tempo. mente nada d,e uma memória para. tirar a lição
resultante do malogro do reformismo, ela está ali,
Mas p'ode-se falar em «momentos. numa perante ele : eis o que o capitalismo p:otde dar atra­
procura» e em «Superação» quando nos referi­ vés das reformas pacíficas, eis tal'Vez o·s 5 %
mos ao proletariado? Não seremos vítimas da
a mais que ele podia ainda, tudo bem ponderado,
linguagem ? E·sta. procu ra, esta superação não
dar. A distinção entre formas de propriedade e
pressupõem um suj eito no sentido próprio do re[ações reais de produção - a compreensão da
termo, que se refere a estr uturas lógicas. e a c ri­ exploração contida na es,tatização buro1erática ­
térios homo.géneos e que permanece no tempo, a visão da ditadura do partido como ditadura
dotado portanto de «memó-ria» ? sohre o proletari<ado e não do proletariado - o
A resposta pode parecer paradoxal, e de facto pro,leta riado russo não terá necessidade de revi­
é ha.nal . É porque o proletariado é obj ectivo que ver a história da degenerescência da Revolução
ele é suj eito poss•ível. Vimos Já que a uni da de do de Outubro, de ler Trotsky ou até Socialism.e ou
proletariado como sujeito - •como experiência e Barbarie para aí chegaa:-. As formas superiores
como critério - é posta pela;s condições olbj ectivas de consciência de dass'e estão potencialmente lá,
do capitalismo em primeiro lugar, e depois pela perante ele, como o negativo da sua acção pas­
reacção dos operários contra essas condições. Do sada. Tornar-se-ão necessariamente explícitas no
mesmo modo, a u nidade da história do proleta­ di a em que' retomar a l uta (1 8) .
riado enquanto encadeamento de significações Valerá a pena acre,scentar que do facto de
encontra uma expressão objectiva na realidade cada partido e�xprimir num momento dado da sua
social actual. O proletariad o não tem neces sidade exis·tência uma etapa necessária deste desenvol­
de s e lembrar das suas lutas anteriores porque vimento do proletariado não resulta 'de modo

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A EXPERI:f:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO SARTRE, O ESTALINISMO E OS OPERARIOS

nenhum que se tem sempre de apoiar o partido tido no presente, sustentar uma perspectiva prá­
«Operário» mais forte no país em que se está ? tica que clarifica, por seu lado, e�ste sentido.
Só um espírito de la,caio ou de p arlamentar pode­ Em suma, não é com Sartre, mas sobre Sar­
ria tirar uma tal conclusão. tre que se pode doravante discutir {19) ( d ) .
Antes de t erminar, demos uma vez mais a
palavra a Sartre : Tudo isso é arbitrário, diz ele,
é a vossa interpretação, a vossa opinião, e s�e
encontram um sentido na história do proletariado,
é porque começaram por decidir que havia um.
Constroem a história do proletariado como uma
dialéctica, e esquecem que a verdade de um movi­
mento dialéctico se proV'a ou porque se está na
praxis ou porque se está colocado no fim da his­
tória.
Tudo is,to é, com efeito, a nossa opinião ; que (d) Este texto poderia parecer injusto a quem não
se pode dizer além disto ? O fado de não ser arbi­ conhec·e de Sartre .senão algumas tomadas de posição depois
de M aio de 196·8 . Ai ! não chega um maio de 19'6 8 para
trária resulta de ser uma das duas opiniões pos­
mudar alguém. Eis o que Sa.rtre declarou há poucos. mes,cs
s.fveis. A outra - a sua e a de Oamus, a de Malen� (Actuel, 218 de Fevereiro de 1!)7!3) : «Opus-me, claro, a
kov e a de Mac Carthy - consiste em não encon­ tudo o que se pud,esse paveccr com oo processos de Mos­
trar sentido na história do pr·oletariado, porque cavo, Ma·s a reV'olução implica a violência e a existência
de um partido mais radical que se imponha em detrimento
começaram por decidir que não podia haver ne­
de outros grupos mais concil:i adorc•s. Conceber-se-ia a ind·e­
nhum. Nós reconstruímos a história do movi­ pendência da Argéli!a sem a eliminação do M.N.A. pelo
mento op€il'ário como uma di,aléctica, porque é a F L.N ? E como censurar a violência do F.L.N., quotidia­
. .

única maneira de dele compreender qualquer coisa namente confrontado durante anos com a rerpres•são do
exévcito francês, as suas torturas e os seus massacres?
e de nele fazer alguma coisa. E o seu dilema wbre É inevitável que o p.artido revolucionário venha a atingir
a praxis e o fim da história pro·va mais uma vez igualmenbe alguns' dos seus eLementos. Creio que exist'e
que nada s abe daquilo que diz. Porque estar na aqui uma necessidade histórica contra a qual nada. pode­
mo·s. Encontrem-me um meio de esc!llpar a isto e eu ime­
praxis significa precisamente colocar o fim da
diatamente o subscreverei. Mas não o vejo. - Actuel :
história - dessa história, precisamente - como É preciso tomar esse partido tão facilmente ? Pode-se pôr
projecto de acção e, de um sentido, possíve,J con- o problema :ante's da. revolução e tentar esc,rup·ar a essa

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A EXPERI:f:NGIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO SARTRE, O ESTALINISMQ E OS OPERÁRIOS

N OTAS

( ' ) Socialisme ou Barbarie, n.0 1, P'· 6!0.


neces,sidad�. - S art11e : lSi.So de pouco serviria. Durante a
rev()lução, cada um é determinado pela próp ri•a revoluçã o. ( ') NeSi.Se d1:a:, ·a mortiali d ade infantil terá d:iiminuído
No máxi mo, podem-se encontrar heró:is: que sej am capazes nos haãrros operários: de }'laris,
de intervi r para fazer resp eitar o debate democrático entre
�s força.s 1'1evolucionárias e manter uma d iscussão livre. (") O que não implica obrigatoriamente que ele ·se
Nad a maJ·s se pode dizer ou desejar» (p. 7'7 ) . Esbe texto torne seu memb:m : Sartre é muito mais rentável p ara o
não 'Precis:a de comentários. Const atemos simplesmente que P.C. não sendo' membro do partido: «Uma vez que alguém
o Sa1'1tre pró-maoista permanece fiel ao S artre pró�estali­ independente, como Sartre, reconhece ele também, etc.».
nista : adoração do facto c·onsumado (a «necessidade his� E videntemente, o P..C. preferiria Bourvil ou Lowson Bobet,
tórica» - que deixaria de o ·ser oo apareces,se um «herói») , muito mais populares, mas nem 'sempre se pode escolher.
a j ustificação antecip•ada de todos oo crimes possíveis de
uma ditadura: buvocrática (aos quais, <é claro», a bela (4) «0 homem é objecto. . . do sol, dJo cão» (p. 1!590) (c)
alma se op õe depois de eles se verificwrem e quando j á - DeoonvolveT'. «a indústria da produção» (p. 1!51'8) - •.

n:ada se pode :Da:z.er) através dos mai& �amentáveis' sofis­ O universal é o que «engloba uma colecção inteira»
ma& (devido à vepvessão do exévcito francês, os .revo·lu­
(p.. 11519r2:) . ----< «As relações de produção permanecem indi­
cionárÍI()S ®vem extffi"ffiinar-se uns ao•s outros ; mas não viduais» (p. 1!5.714) .

era i·sto mesmo que diziam os advogadoo de Estaline, ao (c) Deve tratar-se ·aí de uma vaga reminiscência, de
invoca11em o p·erigo nazi para justificar os procElSIS()s de Marx, que efectivamente afirmava nos Manuscritos de
Moscovo?) , que continuam p.resentes e desempenham sem­ 118414, : «8e.r objecto natural e •Sie'J1sÍ"\"el, ou ter pevante si
p,re 'lll mesma função. objectos, natureza, significações,, ou •aànda ·ser-se obj.ecto,

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A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO SARTRE, O E STALINISMO E OS OPERAIW>H

natureza, 'Significação para um terceiro, tudo isso é idên­ ( "' ) É mais ou menos a pO\SIÍçoo de G. M unis em França
tico. . . O para a planta, o objecto que lhe é indis­
tsol é, e m uito mais cl axamente de Shachtman nos Estados< Uni­
p ensável e, que afirma a sua vitalidade, tal oomo a planta dos'.
é objecto do sol, do qual exprime a força criad,ora de vida, (12) «As relações de p!'odução na, Rússia», Socialisrne
a energ�a da sua essência veal» (Ed. de la Plé iade, V oi. li,
p. 160:) . Mas, comp reensíveis no c ontexto de uma meta­ ou Barbatrie, n.o 2:. ( Reproduzido em A sodedade bur·o­
crática) ,
física hiegelo-naturalisrta, üomo a dos Manuscritos («0 ho­
mem é imediatamente ser natural », �esc!'eve Marx algumas ( ") Socialisme ou Barbatrie, n.o 1, p. 213 a 416. (�epro­
linhas antes da p�assag·em citad a ) , tais enunciados são
duzido em A Sl)ciedade burocrática) .
desprovidos de sentido numa filosofia do cogito e da l iber­
dade absoluta (onde o «partido» tomou o papel da cons­ ('') E�sta expres>são é um rasgo de gén1o. Não de Sar­
ciência) , eomo a que está subentendida nos textos, de Sar­ tre, mas de toda1s as classes exploradoras que existiram ou
tre aqui discutidos - 'e em todos' os outl'os. venham a existir . O operário é <<paixão» pol'que deve ser
<�p aixão,» . Qual é o obj<ecto ideal da exploração ? Um obj ecto
(' ) L'E-re des organisateurs, ps,, 56-58. p uramente passivo .. Só um obJecto puramente pasiSiivo não
pode •se:r explorado., São os escravs e não os boQs,, são os
o

(') A ideologia A lemã, p, 2()16 da ed. Costes ( Tomo VI) , operários e não as máquinas, que produ:llem a. mús.-valia.
(p. 83i da edição de 1f)6S, das E ditions Soci ales ) . Aí começa ,a, tragédia d�s explOI'ru:klrres.

( ') Encontra-s e um impo·rtante des,envolvimento desta (15) Um exemplo entre vários :a,s passagens do pre­

id ei a ·em «0 operário ameri cano», de P. R om ano e S. Stone, fácio ao Capital em de «l eú natural da evo­
que Marx fala

public!lido nos números 1 a ,g de Socix:Llisrne ou Barbarie. lução da sociedade», onde· comp ara a análise econômica à
análise química,
(') Aqui faz,emos evidentemente uma escolha. Decidi­
('6) As desventuras de S artre expli cam-se em parte
mos que ser assalariado na indústria, por exemplo, é uma
p'ela sua ignorância crassa da economia, poHtl.ioo:, E le deve
relação essencial, enquanto que ter ou não p rimos não o é.
ler O Capital como um romance h:istórico-filoisóíico fu­

(') De qualquer forma é discutível, foi discutido e gindo des1esperadamente P'erante aquilo que é es,sencial,

finalmente aband onado pe1o s eu defensor mais encarni­



a saber, .a ideia de que numa, ,etapa dada a fi1ooofia deve
çado, o p róprio Trotsky, que escreveu, alguns meses antes tornar..se economia �sob pe:na de cair na abstracção. As
da sua morte, que, no ca,so de um malogro da !'evolução p assag ens do seu primeiro artigo em que aborda a questão
mund ial, a�s formas que a barhári e assumiria seriam o do salário 'são particultarme:nte rnvertidas. FaZJem lem­
fa:scismo por um lado, ,e a degenerescência do E st ado bra.r esse crítico do qual Kant dizia que teria !:ido Euclides
soviético por outro. (In defense of Marxism, p. 3:1 ) . como um manual de desenho.

( " ) Les Temps Modernes, Julho de 1í9i5�,, p ,, <415.


( ) Obj ectivo
'0 ideal, claro, que o �sistema de explora­
çã'o só pode real iz &r de uma forma fragmentária e tran­ ( ") Neste sentido, a expressão de Lefort <mão há
sitória. nenhum f:actor obJectivo qu:e garanta, ao proletariado o seu

26ü 261
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO

progresso» está incompleta � .a menos que• não �reja dado


tod;o o ênfase ao «g1ara.nta», o que ·a tarnaria V'ecrda­
deira para tudo o que é históriro, e pouco> lintel'ess.ante.
.

S.artre nÍÍio pel'de tempo oom is,so. TUdo• é ga:rontido por


Tho•rez, el1e tem a1 apólice de ·seguros no bolso ..
('") Dora�ante : porque 'eis o que Sartro escrevi:a há
alguns anos:: « . . . não é por noss:a. culpa. qU!e o P.G. já não
é um partido reVJolucionárJo. É verdade que, hoj'e e ;em
Framça., pouco• se pode esrperar das dasses trabalhadoras
a não ser através del,e, mas só por di;s,s•ipação' de taiento

se assimilaria a causa dei.as: à 'sua». E 1ainda : <cO nazismo


era uma mistifkação, o gaullismo é 'outra, o catolicismo
.

uma terceira. Não restam dúvidas;, presentemente, que REISPOS['A AO CAMARADA PANNEKOEK *
o comunismo fmncês é uma quarta». «0 que é a litera­
tura» ? (Le:s Temps Modernes, Julho d'e 119147, p. 00. a, 11017) .
Caro Camarada Pannekoek,

A sua carta (a) deu uma gran de satisfação a


todos os camamdas do grupo. Satisfa ção de ver
o nosso trabaliho apreciad o por um camarada tão
estimado que ·consagrou toda uma vida ao :prole­
tariado e ao soc i·alism o . S wti sfação de ver confir­
m aida a nos,sa 'ideia de um :profundo aJCo rdo 'entre
nós em todos os pontos · fundamentais. S atisfa­
ção, .enfim , de poder di,scutir eonsi·go e de enri­
quecer a nossa revista •com esta discussão.
Antes de d iscu ti r os dois pontos a que é con­
sa;grada a sua carta ( natureza da revolução russa,
.co ncepção e pap el do partido ) , gos tari a. de subli­

nhar os pontos em que s:e baseia. o nosso acordo :


autonomia da olasse operária enquanto, .simul-

(*) S. ou B., n." '1J41 (Abril de 119'514:) .


(a) Repcroduzida no Posfácio a esrte texto.

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A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO RESPOSTA AO CAMARADA PANNE KO:B�K

taneamente, meio e fim da sua acção histórica, Onde há de facto, uma real diferença de opi­
poder total do prol etariado no plano económico nião entre nós, é na questão de saber se, d u ran te
e pol í ti co como único �conteúdo concreto d o socia­ este período revolucionário, estes Conselhos são
lismo. Queria, aliás , desfazer u m m<l!l entendido o único organismo que tem um prupel efectivo na
acerca deste assunto. Não é exacto que r estr in ­ c on dução da revol u ção e, em menor grau, qual
jamos «a actividade destes organi smos ( s o vi é­ é o papel e a tarefa d os militantes revolucioná­
ticos ) à organização do tr abalh o mt,;l, fábri cas rios até lá. Isto é, a «questão do partido».
depois da tomada do p od er . . . ». Pensamos que Diz você «para c on qu i star o poder não é
a actividade d os organismos soviétkos - ou C on ­ preciso que um « partido revolucionário'» tome a
seJIJ:ws Operários' - depois da toma;da do p od er direcção da revolução proletária». E mais adiante
se alargará a toda a organ iz ação da vida social, depois de ter r elemhrado, a j us t o títurlo, que há
quer dizer, etnquanto houver necessidade de um para além de nós uma meia dúzia de outros par­
organis mo de poder e s te papel será desempenhado tidos ou grupos que se reclamam da classe ope­
pelos C onselhos Operários. Também não é exacto rária, acrescenta : « Para que elas ( as m assas nos
que restrinjamos. o papel d os' Conselhos ao período seus Conselhos) se decidam da melhor maneira
seguinte à «tomada do poder» . A experiência his­ poss ível, devem ser esclarecidas por opiniões hem
tórica e a red'llexão mostram conjuntamente que ponderadas, vindaS! do maior número de lados
os Conselhos não poderiam ser organismos que p ossível » . Receio que �esta p os'i'çã:o não corres­
exprimissem verdadeiramente a classe se fossem 'ponda em nada às ca racterís tica s simuHanea­
criados, por assim dizer, por decreto no dia s e­ mente mais engan adoras e profundas da situ ação
guinte a uma revol ução vitoriosa, e que só se­ actual e previs.ível da clas,se operária. Porquanto
rão algo se forem criados espontaneamente por estes parti do s e gru p o s de que fala não represen­
um movimento profundo da classe, antes, por­ tam apenas opiniões diferent.es quanto à mellhor
tanto, da «toma da do p oder » . E S>e ass im é , maneira de fazer a revo,lução, e as reuniões dos
é evidente q u e te,rão um papel primoa.-dia'l durante Conselhos não serão calmas reuniões de reflexão
todo o perí odo revolucionário, cujo começo é m ar­ onde, depo�is de ouvida a opinião dos seus diver­
cado p·recisam ente pela consti tui ção de organis­ sos conselheiros ( representantes: de grupos e par­
mos au t6nomos das mas,sas (com o eu dizia no tido s) a cla;s,s e operária se decidirá a seguir esta
meu texto do n.o 10 sobre o pa.rtido) (b) . via e não aqu ela. A partir da �criação destes orga­
nismo•s da classe operári a, a luta de olasses será
(b) V& acima A direcçlio proletária. transporta mesmo para '<> seio desses, organis mos :

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A EXPERI:Ê:: N CIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO RESPOSrrA AO CAMARADA PANNEKOKK

para aí S'erá transposta pelo1s repres·entantes da que a nossa oviniã.o prevaleceria se rus coisas se
maio.r parte desses «grupos ou partidos» que passassem assim. Mas só neste caso o «partido
s,e reclamam da classe operária mas que, na ou grupo» se poderia limitar às tarefas que
maioria dos casos, representam o s interesses e a você ]he consigna. g este caso é de longe o
ideologia de elasses ho.stis ao proletariado, como mais impro,vável. A classe operária que formará
os refoa:mistas e es1talinistas. Podemos estar cer­ estes Gonsellhos não será diferente da que hoje
tos que mesmo que não se apres.entern sob a sua existe, terá dado um grande passo, em frente mas.,
forma actua.l aí os encontraremos sob outra. É de retomando uma expressão cél·ebre, trará ainda
esperar que tenham a princípi·o uma posição pre'­ em si os esti·gmas da situação de que provém.
ponderante. E toda a experiência dos últimos dez Será em primeira instância dominada por influên­
anos - da guerra de E.spanha, da 'ocupação alemã cias profundamente hostis, às, quai:s, à partida, só
e até inclusive da mais pequena reunião, sindical se oporão a sua vontade revolucionária, ainda con­
actual - nos ens.ina que os militantes' que parti­ fusa, e uma vanguarda minoritária. gsta van­
lham a, nossa opiniã;o terão de conquistar, mesmo guarda deverá. por todos os meios compatíveis
pela luta, o direito à palavra no seio desses orga­ , oom a nossa ideia fundamenta.! da autonomia da
nismos. classe ope,rária, alargar e aprof1undar a .sua
A intensificação da, lu ta de classes• durante o influência nos Cons.eJI'hos e ganhar a maioria pa.ra
período revolucionário tomará, inevitavelmente, a o seu programa. Terá a.té talvez de, agir antes.
forma de intensificação' da luta das diversas frac­ Que deverá fazer se representando 45 % do Con­
ções no s.eio dos organismos de massas. Dizer, nes·­ scllho, tiver conhecimento que um partido neo­
tas condições, que uma organização revolucionária --estalinista qualquer se prepara para tomar o
de vanguarda se limitará a esclarecer « por meio poder no dia seguinte? Nãio deverá ela tomá-lo
de O'piniões ponderadas,», é na minha ·ovinião imediatamente ?
aquilo a que se chama em inglês um «Understa­ Não creio que di•s·corde de tudo isto, pais penso
temenb> (1) . Se os Conselhos v1i essem, enfim, a que o que visa, sobretudo, nas suas, ·críticas é a
ser essas assemlbleias de sábios onde ninguém vem i deia do partido « direcção revolucionária». Não
perturbar a calma, neces.sáría a uma reflexão bem olbstante tentei exprlicar que o partido não podia
ponderada, s.eríamos os primeiro.s a c·ongratular­ ser a direcção da classe, nem antes nem depois da
mo-uos 1Com isso. Estamos certos, com erfeito, de revolução : nem antes, porque a classe nãio o
segue, nem ele saberia dirigir mais que uma mi­
(') Expressão· que peoa por excesso de mod,eração. noria ( sobretudo « dirigir» com um sentido muito

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A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO RESPOSTA AO CAMARADA PANNE KOI�K

relativo : influenciá-la pelas suas, ideias e acção Há �camaradas que dizem : traçar esta pers­
exemplar) . Nem depois, porque o poder pr:o,letário pectiva é deixar aberta a via para uma possível
não pode ser o poder de um partido, mas sim degenerescência do partido num sentido burocrá­
o poder da �classe nos seus organismos autônomos tico. A resposta é : não a traçar significa aceitar
de massas. O único momento em que o partido desde já a derrota da revolução ou a degeneres­
se pode aproximar de um papel de direcção efec­ cência buTocrática dos Conselhos, e já não só
tiva, de corpo que trata, de impor a sua vontade, como possibilidade mas como c erteza. No fim de
mesmo pela, violência, pode ser uma certa fase contas, recusar agir com medo de se transfonnar
do período revoluciooário precedendo imediata­ em burocrata parece-me tão absurdo como deixar
mente o seu desenlace'. Dedsões práticas impor­ de pensar com medo de se enganar. Do mesmo
tantes podem ter de ser tomadas fora dos Con­ modo que a única «garantia» contra o erro con­
selhos se os representantes de organizações de siste Iio exercício de p ensar, também a única
facto contra-revolucionárias nele tomarem parte, «garantia» contra a burocratização consiste· numa
e o partido pode, por pressão das circunstân­ acção pennanente anti-burocrática, lutando con­
cias, ter uma acção decisiva, mesmo se por vo­ tra a burocracia, demonstrando na prática que
tação não é seguido pela. maioria da classe. Agindo uma organização não burocrática de vanguarda
assim o partido nã'O estará a agir como um é possível e que esta pode estabelecer relações
corpo hurocráti'Co visando impor a sua vontade não burocráticas com a classe. Porque a buro­
à clasoo, mas, trul . como a própria expressão cracia não nasce de concepções te6ricas. falsas,
histórica da classe, depende de uma série de fac­ ma,s sim das necessidades próprias da acção ope­
tores que se podem dis�cutir agora em abstra�cto, rária numa certa etapa, e é na acção que s�e
mas cuja apreciação concreta só poderá ter lugar deve mostrar que o proletariado pode passar sem
nesse momento : que proporção da classe está d e a burocracia. No fim de contas, ficar .s.obretudo
acordo com o programa dto :pall'tido, qual 'O estado preocupado com o medo da burocratização é
ideológico do resto da classe, 'Como está a luta esquecer que nas condições aetuais uma organiza­
com as tendências contra-revoluci onárias no seio ção não poderia adquirir uma influência notável
dos C'Onselhos, quais as perspectivas ulteriores, j unto das massas senão exprimindo e concreti­
etc. Traçar desde j á uma série de regras de con­ zando as. suas aspirações anti-burocráticas, é es­
duta para os diversos� casos possíveis s e�ia, sem quecer que um ·grupo de vanguarda só cons�eguirá
dúvida, pueril. B podemos estar certos de que só uma existência real, modelando-se perpetuamente
se apresentarão cas.os não previstos. a estas aspirações das massas, é esquecer que já

269
A EXPERI:f:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO RESPOSTA AO CAMARADA PANNI� KOt•:K

não há lugar para o .aparecimento de uma nova democrático, dado que estes burocratas são sem­
organização burocrática. É esta a causa mais pre eleitos., com confo·rtáveis maiorias, pelos• pró­
p!l'ofunda do pe.rmanente malogro das, tentativas prios operários.
trotskistas de •recriar, pura e simp:lesmente, uma Antes de ·te!l'minar es1ta resposta gostaria de
organização «ho.lchevique». dizer duas palavras, sobre a nossa segunda diver­
Para terminar estas breves reflexões, também gência, que à primeira vista tem apenas carácter
não penso que se possa dizer que no período actual teórico : a da natureza da revolução russa. Pen­
( e daqui à revoluç.ã:o) a tare.fa de um grupo de samos que caractedzar a revolução russa como
vanguarda seja uma tarefa « teórica» . Creio que uma revolução burguesa é uma violência aos fac­
esta tarefa é também, e oobretudo, de luta e tos, às ideias e à linguagem. Que dentro da revo­
organização. Porque a luta de classes é perma­ lução russa 1existiram diversos elementos d e uma
nente, através dos seus altos e baixos, e a matu­ revolução. burguesa - em particular, a «realiza­
ração ideológica faz-se através desta luta. Ora ção de tarefas burguesas-democráticas» - sempre
o proletariado, e as suas lutas, são actualmente foi reconhecido, e mesmo bastan:te antes da revo­
dominados pelas organizações, (sindicatos e par­ lução, Lénine e Trotsky serviram-se disso ·como
tidos) burocráticas, o que tem como resultado base da sua estratégia e táctka. Mas estas' tare­
tornar estas lutas impossíveis, desviá-las do seu fas!, na etapa referida do desenvolvimento histó­
fim de classe ou conduzi-las, à derrota. Uma orga­ rico e da configuração das forças sociai s na Rús­
nização de vanguarda não pode assistir indife­ sia, não poderia ser empreendidas senão pela
rente a este esrpectáculo, nem limitar�se a s�er como classe Otperária que, por nutro lado, não podia
o pássaro de Minena ao cair da noite, �largando assumir senão tarefas essencialmente socialistas.
do seu bico panfletos explicando aos trabalhado­ Diz você : a participação dos operários não
res a razão da sua derrota. Deve ser capaz de chega. E.videntemente, assim que um combate
intervir nestas lutas, combater a influência das passa a combate de massas, os operários estão
organizações burocráticas, propor aos trabalha­ presentes porque eles são as massas. Mas o cri­
dores modos de acção e de organização. D eve até, tério não é esse, é saber se os operários estão
por vezes, s er •capaz de llJS impor. Quinze operários presentes, pura e simplesmente, como infantaria
resolutos, de vanguarda podem, em certos casos, da burguesia ou S'e combatem pelos. �eus próprios
pôr em greve uma fábrica de cinco mil, se esti­ fi.ns. Numa fievolução em que o•s traba!1hado,res
verem dispostos a empurrar alguns burocratas se batam pela «Liberdade, Igualdade e Fraterni­
esta.linistas - o que não é nem teórico nem sequer dade» - e seja qual for o signifiicado que subjec-

2.70 271
A J•� Xl'ERl.f:NCIA DO MOVIM E NTO OPERARIO RESPOSTA AO CAMARADA PANNEKOEK

tivamcnte dêem a estas palavTas de ordem ­ negligenciar sem que nos recusemos a compreen­
serão a infantaria da burguesia. Desde que s e der seja o que for, desta mesma camada, depois1
batam por «todo o poder aos. Sovietes» , batem-se de 1945, estar a estender a sua dominação pelo
pelo socialismo. O que faz da revolução russa mundo, de a sua representação no.s países da
uma revolução proletária é que o proletariado Europa Ocidental ser feilta por partidos profun­
interveio com a sua própria bandeira, o seu rosto, damente enraizados na classe operária - tudo isto
as suas reivindicações, os s·eus meios de luta, as fa� com que pensemos que limitarmo-nos a dizer
suas próprias fo,rmas de organização. É que não que a revolução rus-sa foi uma revolução burguesa
só constituiu organismos de massas visando apro­ equlvale hoje a fechar os olhos aos traços. mais
priar-se de todo o poder, como por si próprio pas­ importantes da situação mundial.
sou à expropriação dos capitalistas e começou a Espero que esta discussão possa ser conti­
realizar a gestão op·erária das fábricas. Tudo isto nuada e aprofundada e creio ser inútil repetir­
faz, para sempre, da revolução russa uma revo­ -lhe que acolheremos com alegria no Socialisme
luçã() proletária, qua.lquer que tenha sido o seu ou Barbarie tudo o que queira enviar-nos.
desenvolvimento posterior - d() mesmo modo que
as fraquezas, confusão e derrota final da Comuna Fraternalmente
de Paris não a impedem de ter -sido uma revolu­
ção proletária.
Esta divergência pode parecer te6rica, à pri­
meira vista : penso no entant(), que tem impor­
tância prática na medida em que traduz uma dife­
rença metodológica a propósito de um problema
actual por excelência : o problema da burocracia.
O facto de a degenerescência da revolução russa
não ter dado lugar à restauração da burguesia
mas à formação de uma no-va camada explora­
dora, a burocracia, de o regime que supoTta esta
camada, apesar da sua entidade profunda com
o capitalismo (enquanto dominação do trabalho
morto sobre o trabalho vivo) , dif,erir do capita­
lismo sob imensos aspectos, que não se podem

272 273

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------- - - - -----
POSFÃiOIO À R.E!SPOSTA
AO OAMARADA PANNEKOEK

A Resposta . . . que foi Lida anteri ormenrte era


precedida, no n.o 11 de S. ou B., d a carta de Pan­
nekoek e de uma nota introdutória, reproduzidas
a seguir.
Descobri depois, para gáudio meu, que teria
.:suprimido» uma segunda carta de Pannekoek
«do mesmo modo que Estaline suprimiu o testa­
mento de Lenine (sic!), por razões que continuam
obscuras para mim, mesmo 'depois da [eitura
desta segunda carta, e que o leirt;or interessad o
no assunto poderá tentar desvendar num libelo
publicado n o n.o 8 (Maio 1971 ) dos Cahiers du
communisme des Conseils ( onde também se intei­
rará, se é que não o sabe já, de que a mentira,
a insinuação, os processos 1de intenÇão e a irrita­
bilidade não são, de modo nenhum, privilégios
dos estalinistas, e que pessoas que se proclamam
prontas a morrer pela verdade e pela autoillomia

275
A EXPEIU:i!:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO
RESPOSTA AO CAMARADA PANNEKOEK
da chts1se operária são, tal oomo outros, capazes
cristalizado no seu seio. (De como eu «dominava»
de se servirem dos mesmos métodos e de por eles
pouco o grupo é exemplo o facto de dois doo meuf.
serem motivados ) . Sobre a única questão que
textos, os malis importantes a meu ver, So bre o
requer, da minha parte, um esclarecimento, o da
conteúdo do socialismo e O movimento �evolucio­
não publicação da segunda carta, há que notar,
nário sob o capitalismo moderrw, não terem sido
simplesmente, o seguinte :
publicados senão depois de ásperas controvér­
1.0 - Era materialmente impossível que eu
sias e com a menção de que «aJbriam uma discus­
(que nunca recebi pessoalmente o correio da re­
são» e que as ideia:s que exprimiam «não eram
vista) ou quem quer que seja, tenha suprimido
necessariamente partilharlas por todo o grupo» ) .
es:ta carta - ou qualquer outra - porque o cor­
reio era •trazido para a reunião do grupo e o seu 3.0 - Parece, enfim, curioso que eu tenha. «SU­
co·nteúdo comunicado a este (como o auto,r do primido» , a carta; de Pannekook e que, uma vez
libelo em questão o sabe perfeitamente por ter nesta boa via, não tenha suprimido a carta de
assistido ele próprio a muitas destas reuniões ) . outro camarada holandês do grupo Spa�rtacus,
2.ó - Uma tal «supressão» teria portanto, exi­ Théo Maassen, que retoma os argumentos: de
gido a cumplicidade de todos os camaradas do Pannekoek ( publicada no n." 8 de S. ou B., Ja­
grupo, por exemplo Mothé, Vivier, Lefort, Guil­ neiro-Março. de 19M) .
laume, Ve·ga, Garros, Simon, Renê Neuvil, G. Pé­
Pela minha parte já não me lembro, vinte
tro, etc. Como a «questão da organização», obj ecto
anos decorn·dos, das circunstâncias que rodeiam
desta correspondência, gerou constantemente ace­
a não publicação desta carta. Mas tenho a ·certeza
sas discussões, tensões e duas cisões no grupo,
de uma coisa, a não publicação só pode ter sido
uma tal cumplicidade teria sido impossível. Para
decidida pelo grupo inteiro (e poderão notar que
além da injúria assim gratuitamente feita aos
o próprio Pannekoek afirma no fim da segunda
camaradas ( alguns dos quais bastante mais pró­
carta que « ela não contem argumentos novos» ) .
ximos da posição de Pannekoek sobre a questão
Em todo o caso ela será aqui reproduzi'da sem
da organização que eu próprio) o libelista apre­
a autorização dos Cahiers du c:ommunÍS'rri;e des
senta assim uma imagem caluniosa do· funciona­
Conseils (nOIVa manilfestação do meu arbitrário
mento do grupo S. ou B., que se não foi sempre
burocratismo) e na tradução que dela é dada no
um modelo de organização, foi sempre muito cioso
número citwdo acima. Lendo-a taLvez se ·com­
da sua independência e ultra-sensível a tudo o
preenda porquê, sentindo-me eu incapaz de lhe
que pudesse aparecer como germe de um «P'oder»
responder, a teria decidido «suprimir».
276
277
UMA C!ART� Dg !ANTON PANNEKOEK

Recebemos do camarada A:rrton Pannekoek a


carta que •publicamos a segui r, com a r esp osta
do camarad á Chaulieu. É , decerto, supérfl'lo lem­
brar aos n ossos ·leitores a l onga, e profund a acti­
vi:dade de militante e teórico de A. Pannekoek,
a sua luta con:tra o oportunismo no seio da li In­
terna!Cional, mesmo antes de 1·9·14, a, atitu de reso­
lutamente internacionalista que o grupo animado
por ele e Gorter teve em 1914,..18, a sua crítica
ao centralismo hur ocrábic o do partido bolchevi­
que a pa rtir de 1'9'191-19·20 (que só é cornheci da
em França. pela resposta Ide Lérnine na Dolf.nça
lnfantü i!J.o Comunismo; a Resposta a Lém"we de
Go·rter foi igualmente publicada em francês) .
E1speramos poder publicar brevemente nesta re­
vista extracto's da sua obra Os Conselhos Operá­
rios. publicada em inglês ·depoi:s da guerra..

8 d,e NoV!embro· de 1 953

279
A EXPERI:t:NCIA D O MOVIMENTO OPERÁRIO UMA CARTA DE ANTON PANNEKOEK

Ca;ro Camarada (:::haulieu, à organização do trabalho nas fábricas depois


da tomada do pod·er social pelos traballhadores,
Agradeço-lhe sinceramente os onze números nós consideramo-los também como um meio pelo
de Socialisrne. ou Barbarie que me enviou através quail os trabalhadores conquistarão esse poder.
do camarada B . . . Li-os (se bem que ainda não
. Paxa conquistar o poder não é preciso qUe «Um
os tenha terminado) com imenso interesse, devido partido revoJucionári'O» tome a direcção da revQi­
à grande concordância de pontos de vista que lução proletária. Es,te « partido !!"evolucionário»
revelam existir entre nós. Prova-velmente fez a é um conceito trotskista que encontrou gra de n

mesma constatação ao ler o meu livro Os Con­ adesão ( depois de 1930) entre o grande número
s ellws Operários. Durante muitos anos pareceu­
. de ex-militantes do P.C:. desiludidos com a prá­
-me que o pequeno número de socialistas que par­ tica do partido. A nossa oposição e a nossa crí­
tilham estas ideias não tinha aumentado. O Hvro tica il'emontam já aos primeiros anos da revolu­
foi ignorado pela quas·e totalidade da- imprensa ção russa e eram dirigidos contra Lénine e sus-
socialista (salvo, ·recentemente no Socialist Lea­ citados pela sua viragem para o oportunismo poaí­
der do I.L.P.) . Fiquei, ·portanto contente de co­ tico.
nheeer um grupo ·que chegara às mesmas conclu­ Por este motivo ficámos fora da; via trots.­
sões por outra- via. O domínio completo dos tra­ kista, não sofremos nunca a sua influência. Con­
balhadores S'obre o seu trabalho que vocês expri­ S'ideramos Trotsky o mais há:bil porta-voz do
mem dizendo : «os produtores organizam eles pró­ bolchevismo e que ele !deveria ter sido o sucessor
prioS! a gestão d a produção» também eu a des­ de Lénine: Mas depois de reconhecer que despon­
crevo nos capítulos sobre «a organização das tava n a Rússia um ·capitalismo de Estado, virá­
secções de fábrica» e « a organização social». Os mos a nossa atenção principalmente para a Eu­
organismos de que os trabalhad·oll'es necessitam ropa Ocidental do grande capital,. onde ·os tra­
para deliberar, formados por assembleias de dele­ balihooores terão de transformar este capita­
gllJdos, a que chamam «organismos swiétieos » são lismo, altamente desenvolvido, num comunismo
os1 mesmos a que nós chamamos. «Conselhos Ope­ re,a;l (no sentido literal do termo) . Trotsky com
rários», «Arbeiterrate», «Workers' Councils». o seu fervor revolucionário cativou todos os dis­
Claro que ihá diferenç31s .. Tratarei este assunto sidentes que o estaünismo levara a abandonar o
considerando-o como um esforço de colabora;ção P.G., e ao inculcar-lhes o ;vírus bolehevique tor­
para a discussão na vossa revista. Ao pas·so que nou-os quase incapazes de compreender as novas
vocês restringem a acbividade destes organismos grandes tarefas da revolução prolemria.

280 281
A EXPERI:f:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO UMA GARTA DE ANTON PANNEKOEK
Dado que a rev�luçã;o russa e as suas ideias revolução proletária, •sendo os operários OIS sou s
têm ainda uma tão grande influência nos espí­ autores através: de greves e acções de massas.
dtos, é necessário penetrar mais profundamente Seguidamente, no entanto, 01 pa.rtido bolchevi­
no seu carácter fundamental. Trata-se, em pou­ que conseguiu, pouco a pouco, apropriar-se do
cas palavras., da última I"evolução burgues•a mas poder ( a clas1se operária era uma pequena mino­
que foi obra da classe operária. Revolução bur­ ria entre a população camponesa) . Assim, o ca­
guesa (1) s•ignifica uma revolução que destrói o rácter burguês: ( em s�entido lato) da revolução
feudalismo e abre a via à industrializaçã;o, com russa torna-se dominante e tomil! a foTIDa de
todas as consequências que esta implica. A revo­ capitalismo de gstado. Depois., pe}a, sua influên­
lução russa está, portanto, na linha da revolução cia ideológiea e espiritual no mundo, a revolução
inglesa de 1 647 e da revolução francesa de 1789, russa torna-se precisamente o contrário da revo�­
e das que se lihe seguiram em 1830, 1848, 1871. luçã;o proletária que deve libertar os op·erários,
No decorrer de todas estas revoluções os artesãos� torná-los s:enhore1s do ap·arelho de produção.
camponeses e operários forneceram o poderio
Para nós, a tradição g1oriosa da revo�ução
maciço necessário à destruição, do antigo1 re­
russa consiste em que, nas suas primeiras explo­
gime. Seguidamente, os comités e os partidos do·s
sões de 190:5 e 1917, foi a primeira a desenvol­
polHicos representantes das camadas ricas, que
ver e a mostrar aos trabalhadores do mundo
constituiriam a futura classe dominante, vêm a
primeiro plano e apoderam-se do poder gover­ inteiro a forma organizada da sua acção revolu­
namental. Era o des[�ho natural, porque a classe cionária autónoma, os sovietes. Desta experiên­
operária não estava ainda preparada para se go­ cia, coofirmada mais tarde, em mais pequena
vernar a si própria, e a nova sociedade era tam­ escala, na Alemanha, tirámos as nossas ideias
bém uma sociedade de úlasses onde o trabalhador sobre a:s formas de acção de massas que são pró­
era explorado. Uma tal dasse dominante tem prias da olasse operária e que ela deve usar para
necessidade de um g01Vern01 oomposto por uma a sua própria libertação.
min·oria de funcionários e político1s . A revolu­ Exemplos do contrário são as tradições, ideias
ção russ1a, mais recentemente, parecia ser uma e métodos saídos da revolução logo que 01 P.G.
tomou 01 poder. Estas ideia:s, que s ó servem de
(') No texto : «Revolução das classes méd!i:rus» (middle obstáculo a uma acção pr<Yletá.ria correcta, cons­
clUJss '1'e11olution) no :sentido inglês dle «cla!SISIOO médli:rus», tituíram a essência e base da propwganda de
isto é burgues�a. Trotsky.

282 283
A EXPER!f.:NGIA DO MOVIMENTO OPERARIO UMA GARTA DE ANTON PANNEKOEK

bastante mais vasta e profunda, é o a:cesso das


A nossa conclusão é que as formas de orga­
massas populares à cons,C'iência da sua existência
nização de poder autónomo, expressas pelos ter­
e do seu carácter. Não será uma convulsã:> única,
mos «Sovietes» ou «Conselhos1 Operários», devem
ela formará o conteúdo inteiro de um período
servir não só para a conquista do poder mas tam­
inteiro da história da humanidade, durante o qual
bem para a direcção do trabalho produtivo depois
a classe operária terá de descülbrir e concretizar
desta conquista. Por um lado, porque o poder dos
as suas próprias faculdades e potencialidades,
trabalhadores na sociedade não pode ser conse­
bem �como os seus fins e métodos de luta. Tentei
guido de outro modo, por exemplo pelo que se
concretizar certos aspectos desta revolução no
denomina partido revolucionário. Em segundo
meu livro Os Cowelhos Operários no capítulo
lugar, porque estes sovietes, que serão mais tarde
intitulado «A revolução operária» . Evidentemente
necessários à produção, não se podem formar
que tudo isto só fornece um esquema abstracto
senão pela �uta de classes para a conquista do
que pode servir para fazer avançar as diversas
poder.
forças em acção e as suas relações.
Parece-me que neste conceito o «nó de con­
Pode ser que agora me perguntem : mas então,
tradições» do problema da «direcção revolucioná­
no quadro desta orientação, para que serve um
ria», desaparece. Porque a fonte das contradi­
partido ou um grupo e quais as suas tarefas ?
ções é a impossibilidade de harmonizar o poder
Podemos estar certos que o nosso grupo não
e a liberdade de uma classe que gOIVerna os 'Seus
chegará a comandar as massas trabalhadoras
próprios destinos com a exigência de obediência
na sua acção revolucionária. Ao nosso lado há
a uma direcção formada por um pequeno grupo
ou partido. Mas poderemos nós manter uma tal mais de uma meia dúzia de outros grupos ou
partidos, que se consideram revolucionários, mas
�igência ? Contradiz completamente a ideia mais
todos diferentes no seu programa e ideias, e com­
citada de Marx de que a libertação dos trabatlha­
parados ao grande partido socialista não são mais
doreSI terá de ser obra dos própdoo trabalhado­
que liliputianos. No quadro da discussão apre­
res. Para além disso, a revolução proJetária· não
pode ser �comparada a uma rebeliã:o única ou a
sentada no n.o 10 da vossa revista, foi com
razão afirmado que a nossa tarefa é principal•
uma campanha militar dirigida por um comando
mente teórica : encontrar e indicar pelo estudo
central, nem mesmo a um pe�ríodo de lutas pare­
cido, por exemplo, com a revolução francesa, que e discussão o melhor caminho de acção para a
classe operária. No entanto, es�ta educação não
não foi mais que um epi,sódio da ascenção da
deve ser dirigida somente aos membros do grupo
burguesia ao poder. A revolução proletária é

284 285
A EXPERI:Il:NCIA DO MOVIMENTO OPERA.RIO UMA CARTA DE ANTON PANNEKOEK

ou 'partido mas sim à massa da classe ope.rária. Espero que, o vosso ·grupo po·ssa pu'blicar ainda
É ela que deve decidir nas' suas reuniões de mais números da sua revis,ta.
fábrica e nos Conselhos, qurul a melhor maneira Peço-vos desculpa de ter escrito esta carta
de agir. Mas para que decidam da melhor ma.. em inglês mas é-me difícil exprimir-me satisfa­
neira possível devem ser esclarecidos por opiniões toriamente em francês.
bem ponderadas e vindas do maior número de Sinceramente, vosso
lados possivel. Por •cons;equência, um grupo que
Ant. PANNEKOEK
proclama que a acção autónoma da clas,se operá­
ria é a força principal da revolução socialista,
considerará que a sua •tarefa primordial é ir ao
encontro dos operários, por exemplo, por meio
de panfletos populares que esclareçam os traba­
lhadores explicando as principais mudanças. da
sociedade, e a necessidade de uma direcção dos
operários por eles mesmos, em todas as suas
acções bem ·como em todo o trabalho produtivo
futuro.
E stas são al:gumas das' reflexões que me sus­
citou a leitura das dis-cussões altamente interes­
santes publicadas n a vossa re,vista. Para m ais'
devo dizer que fiquei satisfeito com os artigos
sobre «0 operário americano» (a) , que clarificam
uma grande parte do enigmático problema desta
classe operária sem sodalismo, e ainda ·com o
instrutivo artigo sobre a classe operária na Ale­
manha Ocidental (b) .

(a) S. ou B., n." 1 a 8.


( b) S. ou B., n.0 7 e 8.

286 287
SEGUNDA CARTA DE ANTON PANNEKOEK

Caro Camarada Clhaulieu,

Foi com imenso prazer que constatei que


tinham publicado na vos,sa revista Socialisme ou
Barbarie uma tradução da minha carta, com
anotações críticas, de modo a possibilitar aos
vossos leitores a participação numa discussão de
questões fundamentais. Como exprimem o desej o
de continuar a dis�eussão envio-vos algumas con­
siderações sobre a vossa resposta. Naturalmente
algumas divergências de opinião, podem aparecer
com mais clareza na discussão'. Tais divergências
são normalmente resultado de uma apreciação
diferente do que se considera como pontos mais
importantes, o que por �sua vez está relacionado
com a nossa experiência prática ou com o meio
emem que no,s encontramos inseridos. Para mim
:foi o estudo das greves políticas na Bélgica
( 1893 ) , na Rú:s:sia ( 1905 e 19'17 ) , na Alema.nha

289
A EXPERif:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO SEGUNDA CARTA DE ANTON PANNEKOI<.:K

( HH8 a 1919) , estudo po•r meio do qual tento passou na Rússia. Lá havia um partido, de bo·ns
ehegar a uma clara compreensão do carácter fun­ princípios revolucionários influenciados pelo• mar­
damental dle tais 3Jcções. O vosso grupo1 vive e xismo e, para mais, seguro do apoio dos Conse­
trabalha no meio da ·3Jgitação de classe dos ope� lhos já formados pelos operários. No entanto
rários de uma grande cidade industrial. Por con­ foi obrigado a apoderar-se do• poder, e o resul­
sequência, a vossa atenção concentra-1se comple­ tado foi o estalinismo totalitário (quando d.igo
tamente num problema prático : como se podem «foi obrigado» quero dizer que as ·circunstâncias
desenvolver mét odos de luta eficazes para além não estavam suficientemente maduras para uma
da luta ineficaz dos partidos e das greves par­ revolução proletária. No mundo ocidental, onde
ciais de hoj e em dia. o capitalismo está mais desenvolvido, as1 circuns­
Evidentemente que não pretendo que as acções tân-cias estão certamente mais maduras : a me­
revolucionárias da classe operária s1e desnvolvam dida é dada pelo desenvolvimento da luta da
todas numa atmosd1era de calma discus1são. O que classe) . Devemos, portanto, pôr a pergunta :
pretendo é que o resultado da luta frequente­ A luta do partido, tal como vocês a põem, poderá
mente violenta, não é determinado• por circuns­ salvar a revolução proletária '? Parece-me que se­
tâncias acidentais, mas sim pelo que é vivo1 no ria antes um pas1so para uma nova opressão.
pensamento do·s operários como base de uma cons­ Claro que haverá sempre dificuldades. Se a
ciência sólida adquirida pela experiência, pelo es­ situação francesa ou mundial exigisse uma luta
tudo ou pelas suas discussões. A d ecisão do pes­ em massa dos o p erários, os partidos comunistas
soal de uma fábrica de entrar em greve não pode tentariam, imediatamente, transformar a acção
ser tomada dando murros na mesa, mas1 normal­ numa demonsrtração pró-russa no quadro do par­
mente pela discussão·. tido. É preciso lutar energicamente contra estes
Vocês põem o probl ema de uma maneira intei­ partidos. Mas não os podemos bater utilizando
ramente prática : que faria o partido se tivesse os seus méto dos. Isso só será possível com os
45 % dos votos dos membros do Conselho e se nossos próprio s métodos. A verdadeira forma de
esperasse que um outro partido ( neo estal inista
-
acção de uma classe em luta é : a força do•s1 argu­
que se esforçasse para co nquis tar o r egime ) ten­ mentos, baseada no princípio• fundamental da
tasse apoderar-se do poder pela força '? A vossa autonomia das decisões ! Os operários não se po­
resposta é : deveríamos ultrapassá-lo fazendo nós dem precaver contra a opressão vinda' do partido
o que tememos1 que ele faça. Qual será o resul­ comunista senão desenvolvendo e reforçando o
tado definitivo de tal acção '? Reparem no que se s eu próprio poder de clas.se, o que quer dizer a

290 291
A EXPERiil:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO
SEGUNDA CARTA -DE ANTON PANNEKOEK
sua vontade unânime de tomar sob o seu controle
os meios de produção e de os gerir. enriquecer o conhecimento das massas' 'no pro­
A principal condição para a conquista da cesso de uma .consciência cada vez mais clara e
líberdade da classe o·p erária é que seja enraizada mais vasta.
na consciência das massas a concepção do :A·gora alguma.s palavras sobre o carácter da
auto-go·verno e da auto-gestão do .aparelho de re•volução russa.
pro·dução. Isto es·tá, em certa medida, de acordo
:A tradução da expressão inglesa «middle class
com o que escreve Jaurés sobre a Constituinte,
revolution» por revolução burguesa não exprime
na sua História Socialista da. Revolução Franr
perfeitamente o seu significado. Em Inglaterra
cesa:
quando a dita classe médi·a tomou o J?'Oder era
«Es,ta assembleia nova, acabada de reunir,
formada, em grande parte, por pequenos capita­
discutindo assuntos políticos, sabia frustrar todas
listas ou !homens de ne,gócios proprietários, do
as manobras da C orte. Porquê ? Porque possuía
aparelho ,industrial de produção. A luta de classes
algumas grandes ideias, longa e seriamente ama­
era n ecessária para arrancar a aristocrada do
durecidas' que lhe davam um panorama daro da
poder, mas, não obstante, esta massa não era
situação.»
ainda ·capaz de se apo:derar por si própria do
(traduzido do holandês)
aparelho de produção•. Num capitalismo tão desen­
volvido, · os operários' só podem esperar a capa­
Claro que os dois casos não são idênticos.
cidade m o•ral, espiritual e de organização atra­
Em vez das grandes ideias políticas da revolução
vés da luta de 'classes. Na Rússia a burguesia
francesa trata-se das grandes ideiaSJ sociais dos
não era importante. A consequência foi que da
trabalhadores, isto é : a gestão da produção por
vanguarda da revolução ·iria nascer uma nova
uma cooperação organizada. Em vez de 500 depu­
«'classe média» como dirigente do trabalho pro­
tados seguros das suas ideias abstractas, adqui­
dutivo, gerindo o aparelho de produção, e não
ridas. pelo estudo, os trabalhadores serão milhões
como um conjunto de proprietários individuais
guiados pela experiência de toda uma vida de
possuindo' cada um uma certa parte do aparelho
exploração no trabalho produtivo. Eis porque vej o
de produção, mas como proprietários do• apare­
assim as coisas.
lho de produção na sua totalidade.
A tarefa mais nobre e mais útil de um par­
tido revolucionário é a de, por meio da sua pro­ Em geral podBHse dizer : s1e as massas traba­
p,aganda em mil pequenos j ornais, brochuras, etc., lhadoras (dado que são produto das condições
pré-capitalistas.) não são capazes de tomar a pro�
2912
2H3
A EXPERIJ!:NCIA D O MOVIMENTO OPERARIO
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO
Espero sinceramente que esta explicação, se
dução nas suas próprias mãos, então inevitavel�
bem que não contenha elementos novos, possa
mente, uma nova classe dirigente tornar-se-á
ajudar a clarificar al·gumas divergências nos nos�
senhora da produção. Ê esta concordância que me sos pontos1 de vista.
fazia dizer que a revolução russa (no seu carác­
ter essencial e permanente) era uma revolução Saudações fraternais
burguesa. Claro que o poder de mass;as do prole­ Voss.o
tariado era necessário para destruir o poder do
Antm Parunekoek
anterior regime ( e foi por isso uma lição para
os trabalhadores do mundo inteiro) . Mas uma
revolução social só pode obter o que corresponde
ao carácter das classes revolucionárias, e se o
maior radicalismo possível era necessário para
vencer todas as resistências, mais tarde torna­
va.-se necessário voltar atrás.

Isto parece ser regra geral em todas as revo­


luções a·té hoje.

Até 1793 a revolução francesa tornou-se cada


vez mais radical até que os camponeses' se tor­
naram definitivamente donos da terra, e os, exér­
citOis estrangeiros ��oram repelidos. Nessa altura
os jacobinos. foram mass.acrados e o capitalismo
fez a sua entrada como novo patrão. Vendo as
coisas assim, o curs.o da revolução russ.a foi o
mesmo das revoluções; precedentes que derrota­
ram o poder na Inglaterra, na França e na Ale­
manha. A revolução rus.sa não fo·i de modo al1gum
uma revolução proletária prematura. A revolu­
ção proletária pertence ao futuro.
295
29":1:
AS GREVES SELVAGENS
DA INDúSTRIA AUTOMóVEL AMERICANA *

A propaganda burguesa e reformista n a Eu­


ropa gosta de referir-se à situação do proleta­
riado americano. Pretende mostrar com tal
exemplo que a «ausência de luta de classes», a
«Colaboração amigável» entre operários e pa­
trões - implicando uma «atitude social» da
parte daqueles -, leva à felicidade de todos os
interessados, porque permite aumentar a pro­
dução e conceder um nível de vida elevado à
classe operária. E, quando os contratos entre
os sindicatos americanos do automóvel e a Ford,
primeiro, a General Motors, depois, foram con­
cluídos, os jornalistas franceses mais «sérios»
não hesitaram em falar do fim do capitalismo

* S. ou B.., n.o 1& (Janeiro de :L956r) .

297
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPEIURIO A S GREVES SELVAGliJNS . . .

nos Estados Unidos e de uma nova era da his­ arrancado pela força o u imposto pela ameaça
tória social que estaria em vias de iniciar-se. da luta ; a história do proletariado americano
A realidade americana é, evidentemente, está cheia de combates que, se até agora não
muito diferente desta imagem de Épinal. Por atingiram o nível político dos do proletariado
certo, o capitalismo americano pôde durante europeu, os ultrapassaram por vezes pela sua
mais de um século desenvolver-se sem qualquer violência e pela eficácia da sua organização (8) .
entrave interno ou externo num continente vir­ Mas do ponto de vista da perspectiva a longo
gem ricamente dotado pela natureza e levar prazo, o mais importante é, sem dúvida, que a
assim a produção a niveis que nenhum outro luta de classe ao nível da própria produção, a
capitalismo pôde alcançar. Esta prosperidade revolta do proletariado contra a estrutura da
permitiu-lho conceder salários relativamente ele­ fábrica capitalista, os seus métodos de organi­
vados, ao meamo tempo que, aliás, a existência zação da produção e as condições de trabalho
de terras livres até ao princípio deste século o que acarretam, é mais viva e mais profunda do
obrigava a fazê-lo ( ' ) . Mas o nível relativamente que em qualquer outra parte. Não foi por acaso
elevado dos salários está muito longe de fcrmar que, após o taylorismo, se desenvolveu nos Es­
o único traço, ou mesmo o traço mais importante, tados Unidos o movimento dito das «relações
da situaçílo dos trabalhadores americanos. Sem humanas», destinado a inventar técnicas capa­
falar do «terço inferior da nação», tristemente zes de matar lentamente - uma vez que é im­
famoso - cinquenta milhões de Americanos vi­ possível fazê-lo brutalmente - a revolta inces­
vendo na miséria, avaliada esta mesmo pelos pa­ sante dos operários contra as relações de pro­
drões europeus -, basta lembrar que o operário dução capitalistas ( 4 ) .
americana paga o seu salário por meio de uma Resta, no entanto, que, perante este conjunto
exploração muito maior da sua força de traba­ de condições e uma combatividade crescente do
lho na produção, por meio de um ritmo de tra­ proletariado, o capitalismo americano foi levado
balho embrutecedor, por meio de uma submis­ a seguir uma política que se pode esquematica­
são completa à máquina e à cadeia de produção. mente resumir dizendo que, quando é forçado
Mas, além disso, contrariamente às afirmações a concessões, se revela, mais do que o capita­
da propaganda burguesa - que se reúne nesta lismo europeu, disposto a ceder no plano dos
ocasião à dos estalinianos ( 2 ) -, os patrões nos salários, recuperando no aumentar da produção
Estados Unidos também não cederam nada que, e no intensificar desenfreado do rendimento do
tal como fora da América, não lhes tenha sido trabalho.

2'98 299
...
I

AS GREVES SELVAGENS . . .
A E XPERI1!:NCIA DO MOVIMENTO OPEIURIO
I d e um ponto relativamente secundário, tentare­
I; Esta política, 'goza desde a guerra, da cum­ mos mostrá-lo brevemente para o caso do «Sa­
plicidade total da burocracia sindical. Incapaz lário anual garantido», a cuja obtenção se
de defender as reivindicações operárias no plano ligam as greves a que é essencialmente consa­
das relações de produção, da organização e das grado este artigo.
condições de trabalho - uma vez que estas rei­
vindicações consistem, em última análise, em Os operários americanos estão ligados aos
contestar o poder capitalista na fábrica e não seus patrões por convenções colectivas o� «COn­
poderiam deixar de levar ao resultado final da tratos» de duração determinada e que, alem das
gestão operária da produção -, tudo o que faz taxas salariais, especificam de modo extrema­
é utilizá-las para tentar pen etrar ela própria mente pormenorizado a correspondência entre
I
nas instâncias de controlo da produção; e tenta as qualificações dos operários, os empregos em
apaziguar os operários «satisfazendo» as suas que podem ser utilizados e o conjunto das con­
reivindicações salariais. Mas toda a sua política .
dições de trabalho. Estes contratos, negociados
leva cada vez mais a esta contradição : tentar por ocasião do termo dos anteriores entre os
manter a sua influência sobre os operários �eral­
dirigentes sindicais e os patrões, excluem
- sem o que não é nada - compensando a sua A
mente o recurso à greve durante a sua VIgen­
incapacidade de satisfazer as exigências. essen­ cia · nos casos em que esta continua possível,
ciais destes pela obtenção de vantagens econó­ ;
de e ser patrocinada pelos sindicatos, isto é,
micas mais ou menos reais, mas que, de qualquer «legal» ou « oficial». Se não o for ( «wildcab :
modo, se tornam cada vez menos importantes à greve selvagem) , os grevistas são abandonados
medida que se eleva o nível material e cultural. às suas próprias forças : o sindicato não os
Foi assim que a burocracia sindical ameri­
apoiará financeiramente, os tribunais proibirão
cana obteve sucessivamente dos capitalistas uma
os piquetes de greve, etc.
espécie de escala móvel ligando os salários ao
custo de vida, depois ao aumento da produtivi­ A renovação periódica destes contratos é
dade, depois um «plano de pensões» e, final­ sempre ocasião de árduas negociações entre si�­
mente, em Junho de 1955, o «salário anual ga­ dicatos e patrões, negociações durante as quais
rantido. a ameaça de greve em caso de impasse e de ex­
Bem entendido, todas estas «reformas» estão piração do contrato em vigor se encontra sus­
longe de conter realmente a totalidade do que pensa sobre estes últimos.
as suas denominações implicam. Embora se trate
301
300
A EXPERI:ti;NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO
AS GREVES SELVAGENS . . .
No ano que acaba de passar (a) , expirando
rário receber n o total 65 por .cento do seu salá�
os contratos dos sindicatos do automóvel
rio durante quatro semanas e 60 por cento
(U. A. W.) com os «três grandes» da indús­
durante as outras vinte e duas. O « salário anual
tria ( Ford, General Motors e Chrysler) , o pre­
garantido» é, assim, de facto, um «salário garan­
sidente do U. A. W. (e ao mesmo tempo presi­
tido em menos de dois terços durante seis me­
dente do C. I. 0.) Walter Reuther pôs no centro
ses», e é financiado metade pelos patrões e
da mesa de negociações o seu plano de um «Sa­
quanto à outra metade, pelos fundos públicos.
lário anual garantido», quer dizer de uma caixa
Na hipótese acima aventada (metade dos ope­
d e desemprego alimentada por pagamentos pa­
rários no desemprego um ano em cada seis ) ,
tronais que proporcionasse aos operários desem­
significa um aumento das despesas em salários
pregados o equivalente ao pagamento de um
da empresa d a ordem de 1,5 por cento (5) .
ordenado completo durante um ano. O Estado
Tendo assim cedido muito exactamente três
paga já uma indemnização por desemprego du­
quartas partes do terreno de luta em que ele
rante vinte e seis semanas, equivalente a cerca
próprio se colocara, sem pedir uma única vez
de um terço do salário ; os patrões deveriam,
o parecer dos operários, Reuther não só publi­
segundo o plano de Reuther, contribuir para a
cou comunicados de vitória como tentou ainda
indemnizaçiio de maneira a que esta atingisse
persuadir os operários da importância «histó­
oitenta por cento do pagamento do salário du­
rica» do novo contrato.
rante um ano. Supondo que metade dos operá­
Mas a Reuther e à sua burocracia, que ti­
rios se encontra no desemprego um ano em cada
nham decidido, sem consultar ninguém e menos
seis, isto equivaleria a um aumento das despe­
que ninguém os interessados, que o que faltava
sas em salários da empresa (ou das somas glo­
aos operários não era nem um aumento de sa­
balmente recebidas pelos operários) da ordem
lário, nem uma diminuição das cadências, nem
dos 6 por cento.
meia hora de pausa quotidiana do trabalho, não,
Esta proposta não foi aceite pelos patrões,
nem isto, nem aquilo, mas sim o que Reuther,
e o que Reuther « Obteve», no fim de contas, foi só ele, sabia que lhes faltava, ou seja o seu
uma contribuição patronal limitada a vinte e plano «histórico» de um salário anual garantido,
seis semanas e inferior à pedida, devendo o ope-
a Reuther os operários responderam por uma
explosão de greves selvagens, dirigidas tanto
contra a . burocracia sindical como contra os pa­
(") 1955.
trões e que demonstraram que Reuther comete

303
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO O:PER.ARIO AS GREVES SELVAGENS . . .
uma escroquerie quando fala «em nome dos ope­ N a fábrica de Rouge (Ford ) , que emprega
rários». 48 mil operários, a maior parte dos operários
A descrição destas greves nas páginas se­ pensava que não se podia fazer outra coisa se­
guintes provém de testemunhos em primeira não votar pela greve : «de outro modo, a com­
mão, publicados por dois jornais operários ame­ panhia poderá esmagar o sindicato». Outros ope­
ricanos : Correspondance e News and Letters, rários verificavam que não podiam votar pela
. .
que se publicam em Détroit, o centro da indús­ greve, mas que não podiam também votar contra
tria automóvel americana. o sindicato ; decidiram, assim, simplesmente não
votar. Deve observar-se aqui uma grande dife­
A ESTRATI1'JGIA DE REUTHER rença em relação ao passado : anteriormente,
FJ A A'l'ITUDE DOS OPERÁRIOS quando os operários não votavam, tin h a m ver­
gonha em o admitir e tentnvam encontrar um
A estratógia utilizada por Reuther para ob­ pretexto que os justificasse.
ter o salário anual garantido consistiu em ne­ Alguns operários avançadcm ( nem eHtnlinia­
gociar sucessivamente com cada um dos «três nos, nem trotsquistas ) formn ainda maiH longe :
grandes» da indústria automóvel :americana, disseram que votariam contra a greve. Não
Ford, General Motors e Chrysler. Aos operários eram contra o «salário anual garantido », mas
foi apenas pedido que pagassem cin,co dólares também não eram por esse salário. Rejeitavam
por mês até se encontrar reunido um fundo de o programa de Reuther e a sua estratégia de
greve de 25 milhões de dólares e que se manti­ uma ponta a outra. Diziam que estavam fartos
vessem a postos «para o caso de os sindicatos dos abandonos contínuos do sindicato no campo
terem necessidade deles». Quanto às negocia­ das condições de trabalho e da sua política le­
ções, foram entabuladas secretamente entre a vando sempre ao aumento dos poderes da direc­
direcção sindical e a direcção de Ford. Ao mesmo ção da empresa. A partir do «plano de pensões»
tempo, Reuther exortou os operários a que vo­ de 1950 e do contrato de trabalho de cinco anos
tassem greve em caso de malogro das negocia­ que o a-companhou, os1 operá,rios do automóvel
ções. No passado, em casos análogos, os operá­ tinham aprendido o que é que as «grandes vitó­
rios votavam sempre pela greve, para reforçar rias económicas» de Reuther significavam para
a posição do sindicato na negociação. Mas desta eles. Todos os operários com menos de cinquenta
vez, discussões intermináveis rebent:aram nas anos tinham compreendido que o «plano de pen­
fábricas. sões » de Reuther os acorrentava por 15, 25 ou
304
305
A E XPERI�NCIA DO MOVIMENT'O OPERARIO AS GREVES SELVAGENS . . .

45 anos de trabalho sempre igual à mesma fá­ gia. Um rapaz disse que mudara d e opm1ao e
brica. Estes operários desejavam ver garantidas que votaria pela greve, uma vez que «O nosso
as suas condições de trabalho ; e não que lhes trabalho é para esses sacanas».
fosse garantido que teriam de trabalhar sempre A maioria dos operários de Rouge não tinha
do mesmo modo durante o resto da vida. Opu­ confiança em Reuther e nos seus associados.
nham-se tanto ao «Salário anual garantido» como Mas um voto por ou contra a greve não os dei­
à estratégia de Reuther, que consistia em fazer xava escolher, e votaram pela greve para ex­
entrar em greve uma fábrica de cada vez, en­ primir claramente a sua oposição à companhia.
quanto as outras continuavam a trabalhar. A O voto resultou : 45 458 pela greve, 1 132 con­
maioria dos operários de Ford pensava que uma tra e 10 000 abstenções aproximadamente.
greve só poderia ser eficaz por meio de uma en­ Alguns dias antes da data limite das nego­
trada em luta de todo o C. I. O. ciações, a direcção da Ford formulou como con­
Como diziam vários operários, « a companhia tra-proposta para o « Hnlftrio anual garantido» a
e o sindicato decidem o que vamos ter - e nós oferta aos operários, por metade do preço, de
só temos que votar a favor. Se o sindicato nos acções da companhia.
representasse verdadeiramente, ter-nos-ia per­ Intermináveis brincadeiras acolheram entre
guntado o que é que queremos e entabularia ne­ os operários a proposta ela direcção. Passaram
gociações para o obter» . Estavam fartos de um a cumprimentar-se pelo nome de «Caro accio­
sindicato que decide por que é que hão-de lutar. nista» e começaram a mandar passear os capa­
No entanto, aproximando-se o dia da vota­ tazes dizendo que se encontravam numa «assem­
ção, vários operários que haviam decidido votar bleia geral». De facto, tinham descoberto a as­
contra a greve mudaram de opinião. Uma das túcia da direcção que teria tido assim a possibi­
razões era o sindicato ter publicado uma bro­ lidade de aumentar as cadências e o ritmo da
chura intitulada «Trabalhamos na Ford», lem­ produção «no interesse dos próprios operários»
brando a situação dos operários na Ford antes tornados accionistas.
do reconhecimento· do• sindi·cato. Era a demagogia Reuther lá tinha as suas razões para esco­
habitual da burocracia. Tratava-se, em 1955, das lher Ford, e não a General Motors, como pri­
condições da Ford antes de 1935, condições que, meiro interlocutor. Henry Ford 11 e o seu
aliás, só puderam ser transformadas pelas gran­ séquito pertencem 'à m esma geração de «pla­
des lutas operárias de 1935-37. No entanto, os nificadores» d01 próprio ReutJher. O «Salário
operários foram influenciados por esta demago- anual garantido» surge como tão natural aos

3(}6 307
A EXPERI:€NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES SELVAGE NS . . .

olhos de Ford como o é aos de Reuther. Mais nho. Enquanto Reuther e Bugas, vice-presidente
do que lutar para obter ou para recusar um da Ford e negociador principal por parte da
aumento de 5 cents para os operários, tanto companhia, posavam triunfalmente para os fo­
Ford como Reuther prefeririam que esses 5 tógrafos, explicando quantas horas de sono ti­
cents por hora fossem postos de parte para a : !• nham perdido e quantas chávenas de café tinham
«segurança» dos operários ; assim, o operário já tomado, inclinando-se cada um deles em direc­
não poderia «desperdiçar» o seu dinheiro. ção ao outro para o felicitar e gabar a sua inte­
Aceitando o «salário anual garantido», Henry ligência, nas fábricas Ford de todo o país ex­
Ford II continuava a tradição de seu pai, de con­ plodia uma vaga de greves selvagens.
trolo sobre toda a vida dos operários da sua Foram os 4 300 operários de Rouge que
empresa. A única diferença é que o velho Ford começaram a greve e os 6 000 operários da ma­
exercia este controlo por intermédio de bufos nutenção puseram-se imediatamente em greve
ao seu serviço e por meio da sua policia privada também, para apoiar os primeiros . Os operá­
dirigida por Benett, enquanto Reuther e o jovem rios diziam que não se interessavam pelo «Sa­
Ford querem exercê-lo através de um corpo lário anual garantido», e pediam um aumento
de administradores do sindicato, da empresa e de trinta cents (cento e cinco francos) por hora.
do Governo em estreita cooperação entre si. Mas a extensão das greves selvagens mostrou
Preparando o «salário anual garantido», Reu­ que se tratava de muito mais do que de trinta
ther reunira antecipadamente um pessoal de 250 vents. A Ford Motor Cy' possui fábricas em
administradores. Para elaborar os aspectos econó­ vinte e três grandes cidades espalhadas um
micos do SAG, fez um apelo às universidades e re­ pouco por todas as regiões dos Estados Unidos.
crutou alguns dos melhores sociólogos e econo­ No momento culminante das greves, nos dias
mistas do país. Passo a passo, ao mesmo tempo 7 e 8 de Junho, havia paragens do trabalho em
que afastava dos operários o sindicato, Reuther trinta e sete fábricas e 74 000 dos 140 000 ope­
estabelecia uma aparelho de administradores e rários de Ford não trabalhavam. Em vários ca­
de burocratas destinado a fazer concorrência ao sos, a greve desenrolou-se em torno de « reivin­
da indústria e ao do Estado. dicações locais» (segurança, asseio, repouso,
desigualdades salariais, etc.) , expressão que
A GREVE SELVAGEM DE ROUGE
foi então utilizada pela primeira vez, e que, pou­
O acordo entre Ford e o sindicato C. I. O. cos dias depois, os operários da General Motora
do automóvel, U. A. W., foi assinado a 6 de Ju- iam espalhar por todo o país.

308 309
A EXPERI:eNCIA DO MOVIMENTO OPIDRARIO AS GREVES SELVAGENS . . .

O presidente do sindicato local de Rouge, ram muitas vezes cortados e o ruído das vaia�:-�
«Local 600», é Carl Stellato, que adquirira uma tecnicamente atenuado, mas a imagem domi­
certa reputação como opositor «de esquerda» a nante de milhares de operários erguendo-se con­
Reuther, mas cuja política, quando se trata de tra um chefe não pôde ser elidida.
greve, não difere em nada da de Reuther. No Todas as equipas das ruas à volta da fábrica
dia 5 de Junho, à meia-noite, Stellato lançou um de Rouge se haviam transformado em locais de
apelo aos dirigentes sindicais do «local» para reunião, e os dirigentes sindicais distribuíam
«manter os homens no trabalho». panfletos que convidavam os operários a reto­
O discurso de Stellato, a 6 de Junho, merece mar o trabalho e que os informavam de que os
ser registado pela história. Aos milhares de ope­ estatutos do sindicato os obrigavam a trabalhar
rários que o vaiavam e assobiavam, Stellato até o contrato ser aceite ou recusado por voto.
disse : «Não me assobiem a mim. Vão assobiar Os operários qualificados manifestavam-se gri­
Ford. . . Vocês não podem assobiar a segurança. tando : «Acabemos com Reuther». «Reuther e
E foi isso que acabaram de obter, a segurança. Stellato venderam-nos pelo SAG». Esta revolta
Este contrato vai ficar na história. » dos operários qualificados é de uma importân­
A televisão mostrou imagens desta reunião cia particular porque, depois de ter perdido a
a t odo o país. As câmaras fiz,e ram «travelling» confiança dos operários de produção (b ) , Reu­
dos milhares de operários, detendo-se por vezes ther tentou constituir uma base entre os profis­
num rosto que gritava o seu descontentamento sionais qualificados. Os operários qualificados
e a sua reprovação, antes de chegar ao estrado publicaram então uma declaração dizendo que
de onde Stellato falava. Mas o seu discurso, em não travavam uma luta limitada, exclusivamente
si mesmo impressionante, perdia todo o sentido pelos seus interesses próprios, mas que «a luta
contra este pano de fundo. Não passava de um transpõe-se para um novo campo, uma campa­
homem só. Mas quando um homem da base vi­ nha contra a adopção do novo contrato». Ape­
nha ao microfone da televisão dizendo que os lavam para que «todos os operários de Ford se
delegados sindicais estavam vendidos à compa­ juntem a esta campanha» .
nhia e tinham enrolado os operários, era visível
que se tratava de um membro da multidão e
todos os homens que o rodeavam gritavam o (b) ü s semi-skilled rwodutim workers, essencilalmente
seu acordo com ele. No decurso das emissões da operários não qualificados das máquina.s ou das cadeias
noite, estes discursos dos operários da base fo- de montagem.

3.10 311
A EXPERI1liNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES SELVAGENS . . .

O retomar da produção na Ford dependia da possível a quem quer que fosse falar da pre­
atitude dos homens da manutenção. As suas dis­ sença de «agitadores comunistas» .
cussões foram vivas. Alguns diziam : «Não que­ Alguns dias após a assinatura d o contrato,
remos o actual sistema de delegados, mas que Henry Ford II propôs que a próxima etapa
podemos fazer ?». Outros diziam : «Se pedirmos fosse uma negociação alargada ao conjunto da
mais dinheiro, o único resultado será o aumento indústria automóvel. Reuther respondeu que esse
do preço dos automóveis. » Perguntavam-se : seria o meio de transformar as pequenas em
«Haverá outra solução concreta ? Se o acordo grandes crises. O pesadelo da greve geral assom­
não for aceite, todo o contrato terá de ser re­ bra doravante Reuther e as companhias auto­
digido de novo.» móveis.
Finalmente, os operários qualificados vol­
taram ao trabalho a 8 de Junho. O voto por ou AS GREVES DA GENERAL MOTORS
contra o novo contrato com Ford teve lugar na
fábrica de Rouge a 20 e 21 de Junho. O con­ O êxito de Reuther com Ford amansara in­
trato foi aceite por 17 567 votos contra 8 325 ; dubitavelmente a General Motors ; Reuther pre­
mas 30 000 operários não votaram, porque se parava-se, pois, para uma nova «Vitória».
opunham ao contrato, mas não viam qualquer A General Motors tem 119 fábricas em 54
outra solução positiva. De facto, o contrato foi cidades, empregando cerca de 350 000 operá­
então aprovado por menos de um terço do con­ ri'os ( à ho·ra) . De 6 a 13 de Junho,, durante a
junto dos operários. semana de negociações com a GM, desenrola­
Stellato saudou o voto a favor do contrato ram-se as greves da Ford. Foram como que o
como «a demonstração definitiva de que os mem­ sinal para a explosão de greves selvagens numa
bros do sindicato não escutaram o canto de dúzia de fábricas da GM em vários Estados
cisne dos elementos que tentaram explorar po­ (Massachussets, Pennsilvânia, New Jersey, Mis­
liticamente a situação à custa dos operários da souri, Kansas, Michigan e Califórnia) . Na maior
Ford e das suas famílias». Este político ambi­ parte dos casos, estas greves visavam a satisfa­
cioso foi o único a ousar insinuar que houvera ção de «reivindicações locais» .
políticos na origem da greve. Ao contrário de Na fábrica Buick - Oldsmobile - Pontiac de
todas as outras acções importantes da classe Southgate (Califórnia) , os grevistas diziam que
operária americana no período recente, esta o sindicato não discutia com a companhia aquilo
greve foi a primeira a propósito da qual não foi que eles queriam ver discutido.

3 12 Bl8
A EXPERI11':: NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES SELVAGENS . . .

Um . operário dizia : «Aqui queremos quatro operan.os de Détroit independentemente da es­


coisas. Queremos uma interrupção de quinze mi­ trutura sindical.
nutos de manhã e outra à tarde para tomar uma Cheios de raiva perante as greves, Reuther
chávena de café. Será muito ? e Livingston (dirigente do sindicato U. A. W.
Queremos um sistema decente de substitui­ na General Motors) enviaram a 8 de Junho um
ções, de modo a que um tipo possa ir satisfazer telegrama aos responsáveis dos sindicatos locais,
as suas necessidades físicas quando precisa. Não acusando os grevistas da GM de «Sabotar as
acreditariam se vos dissessem que há tipos que negociações à escala nacional» . Reuther exigia
têm de esperar durante horas antes de se po­ a lealdade do seu aparelho. «Princípios do sindi­
derem ausentar por dois minutos da sua cadeia. calismo, trabalho colectivo e responsabilidade re­
cíproca, eis o que está em causa», dizia no seu
Queremos vestuários protectores por conta
telegrama. «Nenhuma justificação para dirigen­
da companhia.
tes abandonando estes princípios na hora actual,
Queremos alguns minutos por conta da com­ seja qual for a situação existente. Dirigentes
panhia para lavar as mãos e arrumar a ferra­ locais consequentemente mandatados conforme
menta.» estatutos notificar membros instruções acima e
O presidente do sindicato local e o director trabalhar incansavelmente terminar paragens de
regional tentaram fazer os operários retomar o trabalho não autorizadas.»
trabalho, mas estes votaram a continuação da Na sequência desta atitude da direcção sin­
greve, numa proporção de 10 contra 1. O pre­ dical, os dirigentes locais da fábrica Chevrolet
sidente do sindicato local foi obrigado a admitir em Cleveland publicaram uma circular pedindo
que a base controlava a situação. «São eles que aos operários que retomassem o trabalho. «Sa­
conduzem todo este caso, disse, disseram-me bemos que vos manifestais contra as más condi­
que continuariam a greve até serem atendidos». ções de trabalho na fábrica», diziam. «Se a GM
O sindicato do automóvel enviou de Détroit um não ceder às nossas1 justas exigências, faremos
representante especial para tentar persuadir os greve, mas então de um modo regular, legal e
operários a voltarem ao trabalho. Então os ope­ autorizado.»
rários decidiram por votação publicar um anún­ À excepção da fábrica D. O. T. de South­
cio nos jornais de Détroit formulando as suas gate (Califórnia) , estas greves da GM anterio­
·
reivindicações. Assim, estes operários da Cali­ res à conclusão do contrato terminaram na sex­
fórnia tentavam estabelecer um contrato com os ta-feira, 10 de Junho. Na fábrica de Southgate,

314 315
A EXPERI:f':NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES SELVAGENS . . .

os grevistas só retomaram o trabalho a 14 de reivindicações locais». Quarenta e oito dirigentes


Junho, após uma reunião de discussão que durou do sindicato local disseram que se demitiriam a
hora e meia. menos que o sindicato nacional reconhecesse a
O contrato com a GM foi assinado a 13 de legalidade da sua greve. Um dirigente do sindi­
Junho. Reuther e Livingston publicaram imedia­ cato nacional respondeu que, se os dirigentes
tamente um comunicado de vitória, que termi­ locais se demitissem, o sindicato nomearia pro­
nava assim : «0 mérito desta vitória pertence, vavelmente um administrador para dirigir o
bem entendido, aos operários da base das fábri­ «local». No decurso de uma reunião dos mem­
cas da GM, cuja maturidade e determinação na bros do sindicato local, certos grevistas propu­
defesa dos princípios em que acreditam consti­ seram interditar o acesso por meio de piquetes
tuíram a força principal dos negociadores do sin­ de greve à Casa da Solidariedade, quer dizer à
dicato. » sede da direcção do Sindicato do Automóvel.
A resposta dos operários da base a Reuther Esta proposta foi rejeitada, mas, enquanto os
foi imediata : 125 000 operários da GM suspen­ dirigentes do «local» apresentavam as reivindi­
deram o trabalho nessa mesma segunda-feira, cações da fábrica à direcção nacional, 150 gre­
13 de Junho. vistas de Fleetwood reuniram-se diante da Casa
Quase por toda a parte, os operários formu­ da Solidariedade, vaiaram os dirigentes · do «lo­
laram «reivindicações locais» a respeito das con­ cal», e ameaçaram reunir a si todos os grevistas,
dições de trabalho. Em Détroit, a greve mais se o sindicato não reconhecesse a sua greve.
importante foi na fábrica Cadillac e na fábrica Os dirigentes do «local» convidaram Reuther,
Fleetwood que fabrica as carroçarias dos Cadil­ Livingston e outros dirigentes nacionais a vir
lac. Os operários de Fleetwood apresentaram à sede do sindicato local. Os dirigentes declina­
trinta e quatro reivindicações locais, entre as ram o convite. Reuther nunca mostrou o rosto
quais o fornecimento de luvas, de botas e fatos em parte nenhuma, excepto em torno das me­
de macaco por parte da companhia, pausas para sas de negociações com as companhias, nas ins­
tomar o café, tempo para lavagens, etc. talações burocráticas do sindicato nacional e na
Numa declaração que assinaram, Anthony capa da Time (6) .
Kassib, presidente do sindicato local de Fleet­ Na fábrica vizinha de Cadillac, trinta e duas
wood, e o comité executivo faziam saber a Reu­ reivindicações locais foram apresentadas contra
ther que «nenhuma carroçaria sairá das cadeias a aceleração das cadências, contra as desigual·
de montagem antes da satisfação das nossas dades salariais, por aumento do tempo para OI

316 817
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO AS GREVES SELVAGENS . . .

operários se lavarem e do intervalo para o al­ cionais que lhes ordenavam que retomassem o
moço, etc. Os grevistas de Cadillac enviaram trabalho. Votaram a decisão de continuar a greve
uma delegação aos grevistas de Fleetwood. En­ e disseram que colocariam piquetes à volta da
quanto os sindicatos não fazem senão enviar Casa da Solidariedade (sede do sindicato nacio­
ordens e representantes dos estados-maiores na­ nal) , bem como em volta da fábrica, porque o
cionais para as unidades de base, estas, pelo con­ sindicato «tenta fazer-nos engolir à força o con­
trário, tentavam constantemente organizar os trato». Exigiram saber «O que é que aconteceu
seus contactos umas com as outras. aos nossos desembolsos mensais de cinco dóla­
Em todo o país, durante a semana de 13 a res para o fundo de greve».
17 de Junho, os operários da GM estiveram em Depois desta reunião, o sindicato nacional
greve. Durante este tempo, a imprensa capita­ convocou uma outra para o domingo seguinte,
lista não podia habituar-se a esta ideia, que re­ porque «estava certo de que uma expressão au­
sultava claramente dos acontecimentos : Reuther têntica da vontade da maioria dos membros sig­
já não representava os operários do automóvel. nificaria uma retomada imediata do trabalho».
A imprensa foi apanhada completamente des­ Os operários de Détroit, seguindo atentamente
prevenida pela vaga de greves. Assim, o jor­ os acontecimentos, esperavam que o sindicato
nal Detroit Free Press publicou um longo artigo recorresse aos seus golpes habituais, enchendo
do seu especialista em questões operárias com a reunião com arruaceiros profissionais e con­
um título enorme na primeira página, dizendo vocando-a para uma hora e para um lugar onde
que «O salário anual garantido significa que as os operários não iriam. Mas na reunião de do­
grandes greves do automóvel morreram» ! mingo, estando presentes mais de um milhar
Na segunda-feira, 20 de Junho, o sindicato de operários, o voto foi de 9 contra 1 pela con­
forçara já a maior parte dos grevistas a retomar tinuação da greve ; além disso, por 514 votos
o trabalho. No entanto, uma nova greve reben­ contra 377, o contrato com a GM foi recusado.
tou na fábrica da GM do Willow Run (perto de Na segunda-feira, 27 de Junho, os operários in­
Détroit) . Esta fábrica fabrica as transmissões vadiram a fábrica, receberam a féria e partiram.
automáticas para todos os automóveis Pontiac, A GM, compreendendo que a direcção sindical
Oldsmobile e Cadillac. A greve rebentou de novo já não controlava a base, recorreu ao tribunal
em torno de «reivindicações locais». Na sexta­ e obteve uma interdição dos piquetes de greve.
-feira, 24 de Junho, numa reunião do «local», A direcção do C. I. O. associou-se à GM e, pela
os grevistas vaiaram os dirigentes locais e na- primeira vez na sua história, apareceu diante

318 319
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES SELVAGENS . . .
de um tribunal contra uma greve. Grevistas fo­ saída d o U. A . W. e d a C . I . O. e a formação de
ram citados individualmente perante o tribunal. um novo sindicato.
Os advogados do sindicato defenderam perante Citemos, para concluir, uma apreciação de
o juíz a ausência de qualquer responsabilidade um dos jornais operários americanos onde colhe­
dos dirigentes nacionais e locais do sindicato na mos estas informações : «Encontra-se actualmen­
greve. «Repudiamos todos os que participam te em marcha», escreve Correspondence, «um
nesses piquetes. Não os representamos. O que movimento que visa quebrar o controlo da buro­
eles fazem não passa de loucuras que lhes são cracia do C. I. O . estabelecendo novas formas de
pessoais.» organização. Ninguém sabe o que acontecerá e
Finalmente, no decurso de uma reunião tem­ quais as formas que poderá assumir esta revolta.
pestuosa, a 28 de Junho, foi aprovado o regresso Os operários do automóvel sabem agora que
ao trabalho. Livingston ameaçou os instigadores, lhes é possível conduzir uma greve à escala na­
que tinham estado na origem da greve, de os cional sem o auxílio da máquina burocrática.»
correr do sindicato e de os levar a tribunal. Os
grevistas gritavam que os operários eram capa­
zes de vencer «sem precisar do sindicato». O voto
da decisão de voltar ao trabalho foi finalmente
aprovado por 1 259 votos contra 513, e 1 400
abstenções.
Quando a greve de Willow Run chegava ao
fim, os operários das fábricas Ternstedt, em
Flint, que fabrica acessórios para os automóveis
General Motors, entraram em greve, sob a ini­
ciativa dos operários qualificados. Na reunião do
«local», o contrato com a GM foi rejeitado e os
dirigentes do «local» tiveram de convocar outra
reunião, conseguindo dessa feita a votação pre­
tendida.
Após estas greves, 2 000 operários qualifi­
cados de Michigan, de Indiana e do Ohio reuni­
ram-se em Flint para preparar a su:a eventual

31.20 321
AS GREVES SELVAGENS . . .

NOTAS

(1 ) O famoso «encerramento da fronteira» só teve


efectivamente lugar pouoo antes da Primeira Guerra
Mundial ; até então, a existência abundante de terras
livres e ricas abertas à emigração interna significava
que o salário real do ·operário industrial não podia ser
inferior ao rendimento real de um operário indepen­
dente dispondo de tanta terra quanta a que ele e a sua

família podiam cultivar.

(�) A «passividade» dos operários americanos foi


muitas vezes invocada pelos propagandistas estalinianos
e cripto-estalinianos', sobretudo no apogeu da guerra fria,
para criar uma psicologia antiamericana englobando toda
a população dos E·stados Uni dos, tal como, durante a
S•egunda Guerra Mundial, •a sua propaganda, dlirigidta
contra os Alemães enquanto tais, apresentava
, o pl'ole­
tariado ·alemã o c:omo inteiramente integrado no nazismo.

(B) As grandes greves com ocupação das fábricas de


193.5-1913 7 que levaram à formação do C. I O. são apenas
..

um exemplo..

(4 ) O documento de Paul Romano «0 operário ame­


ricano», e ·o estudo de Ri a ·Stone «A reconstrução da

323
A EXPERHI>NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO

sociedade>}, publicados nos númeTOS 1, a 8 de S. ou B. moa­


tram impressionantemente estes .a51pectos da luta de
classe nos Estados Unidos, e a sua enorme importância
em relação ao futuro.
(5) A hipótese aqui feita quanto à duração do de­
semprego e a proporção de operários atingidos equivale
a supor um nível médio doe desemprego permanente igual
a 1/12 da mão-de-<>bra total, ou seja de 8 1/3 por cento

- proporção muito mais elevada do· que a re·almente


observável. Nesta medida, o SAG vepresenta um custo
efectivo ainda mais pequeno para os patrões. As per­
centagens do aumento· das de8pesas 1em salários da em­
presa dadas no texto apoiam-se num cálculo simples. An­ AS GREVES DOS DOCKERS INGLESES '*
tes do contrato, a empresa gastava -em seis anos, 5 1/2
anos de s·alário, ou seja 286 semanas. Agora gastará
mais 35 por cento de quatro semanas, m ais 3Q por cento De Outubro de 1954 a Julho de 1955, as lutas
de vinte e duas semanas : 4 X 0,35+22X0,3()=7,8 semanas, operárias em Inglaterra atingiram sucessiva­
que divididas por 2 (metade dos operários no desem­ mente os mais diversos sectores da economia
prego) e referidas a 286 dão um pouco de 1,5 por cento capitalista. Em Outubro de 1954, os dockers con­
de aumento. Lembremos que o Estado paga já durante
duziram uma greve de cinco semanas. Nos fins
vinte e seis soemanas uma indoemnização de desemprego
equivalente a 30 por cento do s·alário completo. de Março de 1955, rebentava a greve dos elec­
tricistas e maquinistas das tipografias da im­
(6) Revista ilustrada americana «séria>> e de grande
circulação. prensa, deixando Lodres 1sem j ornais durante
três semanas. Nos fins de Abril, eram os 90 000
mineiros do Yorkshire que arrancavam para a
greve durante várias semanas. No próprio mo­
mento das eleições, fins de Maio, 67 000 con­
dutores e mecânicos de locomotivas abandona­
vam o trabalho durante 17 dias. Quase ao mesmo
tempo, a 23 de Maio, 18 000 dockers dos prin­
cipais portos do país (Londres, Liverpool, Bir-

* S. ou B., n.• lí8 (Janeiro de L�56).

324 325
A E XPERI:eNCIA DO MOVIME NT.O OPERARIO AS GREVES, DOS DOCKERS INGLESES

kenhead, Hull, Manchester) entravam de novo «Condutores» ( 2 ) . Em termos só ligeiramente


em greve, prolongando-a até ao começo de Ju­ mais camuflados, M. Herbert Morrison, líder do
lho. Alguns dias após o início da greve dos doc­ Partido Trabalhista, declarava por ocasião da
kers, os marinheiros dos navios transatlânticos greve dos dockers do Outono de 1954: «Os be­
suspendiam por sua vez o trabalho. nefícios do pleno emprego acarretam consigo o
Estes momentos são apenas os mais impor­ poder e a tentação de um comportamento
tantes de uma vaga ascendente de lutas, em egoísta, e a isso uma resistência deve ser agora
progressão constante desde 1950, e que elevou oposta» (3) .
o total dos «dias perdidos em greve:� das esta­ Que o pleno emprego crie condições favorá­
tísticas oficiais de 1 600 000 em 1951 para veis às lutas operárias é uma coisa ; o carácter,
2 460 000 em 1954 e quase para 3 000 000 nos o conteúdo e a orientação de tais lutas, outra.
primeiros seis meses de 1955 ( 1 ) . Toda esta literatura sobre o pleno emprego, bem
A interpretação habitualmente dada pelos como a frase impudente de Morrison sobre o
porta-vozes da burguesia inglesa a esta comba­ egoísmo dos operários, dão a entender que os
tividade crescente é que o pleno emprego, reali­ operários se entregam a uma sobrevalorização
zado praticamente sem interrupções da Guerra exorbitante de reivindicações no campo salarial.
para cá, fez perder aos operários o sentido do Ora, o facto extraordinário é precisamente este :
que é possível e do que o não é, permitindo-lhes os operários lutam cada vez menos por reivindi­
apresentar reivindicações abusivas. Alguns con­ cações de salário. Significará isso que estão
cluem que uma «pequena» crise de desemprego satisfeitos com os salários existentes ? Certa­
seria bem-vinda para reconduzir os operários ao mente que não. Segundo os indicadores oficiais,
sentido das realidades e para lhes lembrar que de 1947 a 1954, os salários aumentaram 42 por
só valem alguma coisa quando existe uma pro­ cento, quer dizer um pouco menos do que o custo
cura de força de trabalho no mercado. Outros, de vida, que aumentou 43 por cento durante o
mais realistas, sabendo que nem do ponto de mesmo período. Graças às horas extraordinárias,
vista interno, nem do ponto de vista externo, aos prémios de produção, etc., as remunerações
o capitalismo inglês pode pagar-se voluntaria­ efectivas em termos reais devem ter aumentado
mente o luxo de uma deflação, insistem na ne­ um pouco no decurso destes sete anos ; mas cer­
cessidade de uma nova regulamentação das gre­ tamente muito menos que o rendimento efectivo
ves, que tornasse algumas categorias destas do trabalho dos operários que aumentou mais
«ilegais», com perseguições judiciais contra os de 30 por cento entre 1947 e 1954. E no entanto,

327
A EXPERit!:NCIA DO MOVIMENT'O OPERARIO A EXPERH':NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO

perante esta situação, apenas um quinltO do total nor e tem recebido assim uma atenção mais re­
dos operário.� em oreve durante o primeiro se­ duzida do que a que merece. É que, enquanto
mestre de 1 95.? o estava por causa de ElXistências exemplo - mais um - do mal-estar estrutural
de aumento,<r .<rnlat-ini<r ( 4). que se tornou, segundo todas as aparências, en­
O primeiro facto que impressiona é precisa­ démico no movimento sindical, merece um exame
mente as lutas desenrolarem-se cada vez mais atento.
em torno do questões respeitantes às condições As circunstâncias em que a greve teve lugar
de trabalho e ao controlo ou à organização da comportam alguns traços que vêm a tornar-se
produção. habituais. Houve recentemente negociações so­
O Aegundo facto importante, intimamente bre salários e condições de trabalho na Marinha
ligado 1to primeiro, é as greves desenrolarem-se Mercante ; o acordo concluído entrava em vigor
muitas VfJZeH independentemente da lmrocracia no dia anterior à explosão da greve. A greve,
sindical ou mn oposição directa a esta. Tanto a de facto, é totalmente não oficial ; o sindicato
greve da imprensa como a dos ferroviários não exortou os homens a cumprirem os acordos ; os
foram rm�onhecidas pelos respectivos sindicatos. armadores recusaram-se a discutir com os por­
As mata importantes destas greves, as duas gre­ ta-vozes dos grevistas. Jiistcs, por outro lado,
ves doA dockcrs do Outono de 1954 e do Verão declararam que não reconheciam o sindicato e
de 1955 dcBcnrolaram-se por assim di.;!:er contra pretendiam que este é controlado pelos próprios
a burocracia sindical enquanto tal. armadores. Formaram o seu próprio com ité local
Ji]s1Le a::; pecto inquieta cada vez mais •a bur­ e enviaram delegações aos outros portos.
guesia inglesa que compreende que a :sua situa­ A greve (!Omeçou n as m argen:-� ele Mersey,
ção se tornaria impossível se a barreira protec­ epicentro da revolta dos dockcrs, c alguns indí­
tora que a burocracia sindical interpõ·e entre o cios mostram que há factores especiais em jogo
sistema actual e a revolta operária viesse a ruir. nesta região. Parece que uma revolta emocional,
Um editorial do Fina,ncial Times (5) consagrado muito difundida, existe entre os homens, contra
à greve dos marinheiros dos navios merece ser ,,, todas as direcções oficiais (incluindo a do Par­
•amplamente citado e dispensa qualquer comen­ :r tido Comunista) , como também certos desacor­
tário. dos entre os dirigentes dos grevistas no que res­
«Comparada às greves dos ferroviálrios e dos peita à sua atitude perante a greve. Ao mesmo
dockers», escreve o órgão da City de Londres, tempo, houve violências, e homens que não eram
«a dos marinheiros parece de import��ncia me- marinheiros desempenharam um papel impor-

3'28 329

I
A E XPERI :f:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES, DOS DOCKERS INGLESES
tante nos meetings dos grevistas. Seria uma gente reexaminar, discutir e, se necessário, rever
simplificação excessiva e demasiado fácil insi­ a estrutura do sistema sindical.»
nuar que interesses privados exteriores à greve Mas foram, sem qualquer dúvida, as duas
são inteiramente responsáveis por este estado greves dos dockers que iluminaram mais inten­
de coisas ( 6 ) Factores especiais, porém, actuam
• samente estes dois aspectos, cuja importância
em Mersey e nos portos em geral, factores cer­ histórica não é exagero acentuar, das lutas ope­
tamente complexos e que talvez seja desagradá­ rárias actuais : a passagem do plano das reivin­
vel olhar de perto. dicações puramente económicas ao de reivindi­
Existe, no entanto, um outro aspe<Cto do pro­ cações que levantam o problema da própria es­
trutura das relações de produção capitalistas,
blema. O sindicato nacional dos marinheiros é
por um lado, e a oposição crescente entre ope­
relativamente pequeno. O próprio facto de os
rários e burocracia sindical, por outro.
seus membros passarem a maior parte do tempo
no mar e de se deslocarem constantemente de
um para outro porto torna quase impossível as AS CONDIÇõES E A ORGANIZAÇÃO
reuniões sindicais. A direcção não tem contacto DO TRABALHO NAS DOCAS INGLESAS
com os homen s, e a insatisfação subia desde há
A primeira greve dos dockers, que teve lugar
tempos . A greve actual de�:�cnrola-fw n. propó­
em Outubro de 1954 e durou cinco semanas, de­
sito das horas de trabalho c da pretmum insu­
senrolou-se em torno da questão das horas ex­
ficiêncht do ttímwro du honwnH das equipagens,
traordinárias. Os grevistas exigiam que as horas
mas a sua causa fundmnental é os membros do
extraordinárias realizadas pelos dockers fossem
sindicato não terem confiança na sua direcção.
«facultativas» e não «Obrigatórias». Por detrás
Certamente, a situação dos maldnheiros é destas palavras, de significação aparentemente
muito particu lar ; uma organização sindical nor­ menor, estava implicitamente colocado de facto
mal é quase impossível nas condições que entre o problema da gestão da produção.
eles prevalecem. Mas mesmo neste caso, há sin­ Os dockers não eram e não podiam ser con­
tomas evidentes de um conflito entr�e os grupo tra as horas extraordinárias. Não é somente que
locais e a organização central, e um sentimento estas horas sejam actualmente indispensáveis
de frustração decorrente do sistema actual de para completar uma féria que permita viver. li:
negociações, sentimento que interess:es exterio­ que pela própria natureza do trabalho nas docas,
res podem explorar. Torna-se cada VE�z mais ur- as horas de trabalho não podem ser regulares,
3�0 331

----- _ _ _ _ _ _________________
...._
..._ ______________________ ...
A EXPERI:e:: NCIA DO MOVIMENTO OPER.ARIO AS GREVES DOS DOCKERS INGLESES

nem fixadas antecipadamente. A chegada e a dos operários gerais e dos transportes» (T. G.
partida dos navios dependem das marés, e o W. U. ) no qual se encontram filiados, na sua
trabalho deve forçosamente adaptar-se a este grande maioria, os dockers, e um dos principais
ritmo. Quem organiza, portanto, as « horas ex­ ministros do governo trabalhista, preparou um
traordinárias», organiza de facto toda a activi­ projecto de «normalização» do trabalho nas do­
dade dos portos (e não é necessário lembrar cas, visando «pacificar» as relações de trabalho
rugora o qtw os portos significam para a Ingla­ e, ao mesmo tempo, fazer participar a burocra­
terra) . cia sindical do T. G. W. U. na organização da
li.: necessário abrir aqui um parênbesis sobre produção. Este projecto, tornado lei em 1947,
a organização do trabalho nas docas inglesas. sob o nome «Plano de trabalho nas docas» (Dock
Tradicionalmente, o trabalho dos dockers labour Scheme) , contém entre outras as dispo­
era «oeaKional» ; os dockers estavam na prática sições seguintes :
permanentemente à disposição dos empregado­
a ) Os dockers que se apresentassem duas
res ; eHperando em recintos de gado chamados
vezes durante o dia ao trabalho, receberiam, se
«átriofl de espera», eram contratados à medida
não obtivessem trabalho, uma «indemnização
das tweeKHidades dos patrões para este ou aquele
por comparência» igual a cerca de 40 por cento
trabalho desta ou daquela duração, recrutados
do salário mínimo. Esta indemnização equivale
segundo os critérios dos patrões ; as horas ex­
actualmente a 55 xelins (2 750 francos) por se­
·

traordinárias a cumprir eram determinadas pelos


mana.
empregadores. Estas condições de trabalho cria­
vam conflitos constantemente renovados, que b) Um gabinete nacional do trabalho nas
culminaram em 1945, imediatamente após o fim docas era instituído, composto por representan­
da guerra, numa série de grandes g�eves (a) . tes dos empregadores e dos sindicatos. Este ga­
Com a chegada do Labour Party ao poder binete age de facto como empregador dos doc­
em 1945, Ernest Bevin, o dirigente do «sindicato kers ; é ele quem contrata para cada trabalho e
quem impõe sanções disciplinares por intermé­
dio das suas comissões de porto.
(a) Actualmente, pode consultar-se a este respeito
c) No que se refere a horas extraordinárias,
M. Brinton, «Theory and Pvactice : t94i5,.19�il», Solida­
rity, vol. III, n.o 41 1:964, republicado separadamente sob
a lei limita-se a dispor que cada docker deve
o título The Labour Government versus the d:ockers (So­ «trabalhar durante um período que seja razoá­
lidarity, c/ o 1:213 Lathom Road, London E t5) . vel para o seu caso particular».

332 333
!'r

A EXPERI11:NCIA DO MOVIMENTO On.al.ARIO AS GREVES DOS DOCKERS INGLESE S

Exceptuando o enorme aumento dos poderes a s «responsabilidades» inerentes à s suas novas


da burocracia sindical, esta nova regul a m en ta­ funções e transformaram-se em puros e simples
ção nada mudou quanto ao essencial nas con­ capatazes de galé. O estudo universitário acima
dições de trabalho nas docas. mencionado refere o incidente seguinte, respei­
Eis por exemplo como se expressa àeeN�a do tante a um «permanente sindical, do qual se diz
sistema de esper� e de phamada individual ao ter afirmado aos operários das docas no decurso
trabalho um estudo publicado em 195i4, na 1-íc­ de uma reunião sindical local que se estava li­
quência de inquéritos pormenorizados:, rcalbr.a­ xando para o que eles pudessem pensar dele ;
dos em 1950-51 pelo Dep·artamento de C it•r11� 1 a� tinha de pensar antes do mais em si próprio e no
Sociais da Universidade de Liverpool : seu trabalho, e se tivesse de escoliher entre a
« . . . Este sistema deteriora as relações entre sua popularidade entre os trabalhadores e a boa
os próprios dockers. opinião dos dirigentes sindicais superiores, não
Em primeiro lugar, o processo de chamada hesitaria em escolher esta última» (8 ) .
sucessiva deve ser considerado como provocando Os resultados deste estado de coisas no que
uma concorrência excessiva e mesmo conflitm-1 respeita às relações dos dockers com a burocra­
entre os operários das docas. A luta que surg-e cia sindical não se fizeram esperar. Como escre­
desta maneira entre eles é, além di�so, exacer­ via o Observer :
bada pelas condições físicas em que tem lugar. «Há toda a evidência de que os dirigentes
Estas não encorajam um comportamento orde­ sindicais perderam em grande grau a confiança
nado ou cooperativo e os dockers int·errogados dos homens.
a este respeito mostraram-se muito conscientes Nas docas, há para isso uma razão especí­
de que assim é. Fizeram numerosas observações fica (entre outras) . Os gabinetes de trabalho
sobre o «átrio de espera» , sendo a mais fre­ nas docas, que têm em todas elas a tarefa de
quente que a sua situação assemelhava-·se à exis­ fornecer mão-de-obra, incluem representantes
tente num mercado de gado . . . » (7) . sindicais, que agem como agentes dos emprega­
A p articipação dos representantes sindicais dores contra os próprios homens que represen­
no gabinete nacional das docas e nas comissões tam.»
de porto teve como único resultado ngravar a Finalmente, no que se refere à questão escal­
situação dos operários ; os burocratas sindicais, dante das horas extraordinárias, a lei nada
sentindo-se agora muito mais independentes em regulara e nada podia regular. A regulamenta­
relação às suas bases, assumiram inteiramente ção geral para toda a indústria estipula que o

334 335
A EXPERI:I!:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES DOS DOCKERS INGLESES

trabalho semanal é de 44 horas, sendo todo o zoavelmente» obrigatórias, podiam, por intermé·
trabalho suplementar facultativo. A lei sobre o dio dos directores dos portos (eles próprios sob
trabalho nas docas prevê, como vimos , que um o controlo do gabinete nacional do trabalho nas
docker seja obrigado a aceitar o trabalho su­ docas) , chamar os dockers a fazer horas extra­
plementar «durante um período que seja razoá­ ordinárias e, em caso de recusa, sancioná-los
vel para o seu caso particular» . Esta expressão (habitualmente por meio da suspensão durante
voluntariamente ambígua resultava da impossi­ três dias com a perda do salário correspondente) .
bilidade de resolver por meio de uma fórmula A questão das horas extraordinárias com­
geral o problema, sem provocar uma explosão porta evidentemente vários aspectos. O sistema
do lado dos dockers ; mas, no mesmo acto, o con­ actual permite aos empregadores manter uma
flito era assim oficialmente transformado em parte dos dockers no semi-desemprego e exeree,r
conflito permanente. O que é um «período razoá­ assim uma pressão sobre os salários, praticar
vel», e quem o determina ? Durante cinco anos, uma contratação discriminatória, criar uma ás­
de Outubro de 1948 a Outubro de 19�53, os repre­ pera concorrência entre os operários , etc. É o
sentantes patronais e sindicais discutiram o sen­ que se pode chamar o aspecto económico no sen­
tido das palavras «período» e «razoável». Esta­ tido estrito. Tanto os estalinianos como outros
vam todos de acordo em afirmar que as horas «marxistas» ingleses, quiseram apresentá-lo como
extraordinárias deviam ser consideradas obriga­ o único aspecto, e apresentar a luta dos dockers
tórias ; existia uma pequena diferença entre a exclusivamente como uma luta contra a exten­
posição do grande sindicato T. G. W. U., que são do dia de trabalho. Mas este aspecto é um
considerava que o «razoável» não podia ser de­ aspecto subordinado, porque a tentativa de re­
terminado à escala nacional e devia ser definido solver o problema assim levantado leva a colo­
em cada porto por acordo entre o sindicato e car um problema de gestão, o problema da or­
os empregadores1, e o pequeno sindieato N. A. ganização do trabalho nas docas. A luta não é
S. D., que exigia um acordo nacional pura e simplesmente uma luta contra a extensão
As negociações que não levavam a parte ne­ do dia de trabalho, porque, como já foi dito, não
nhuma foram suspensas no fim de 1953. Mas, há trabalho nos portos sem horas extraordiná­
antes como depois desta suspensão, os empre­ rias. Lutando por que estas horas sejam «fa­
gadores, seguros do reconhecimento pelos sin­ cultativas», os dockers lutam pel o poder de
organi�arem ele's próprios o seu trabalho. O ca­
dicatos do facto de as horas suplementares
serem facultativas. . . no sentido de serem «ra- rácter obrigatório das horas extraordinárias sig-

336 337
A EXPERI!:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GJmVES DOS DOCKERS INGLESES

nifica que o trabalho é organizado pelos empre­ e dirigido por permanentes sindicais bom pa·
gadores e pelos burocratas sindicais. O carácter gos (9) . Paralela a esta extensão do número doi
facultativo das horas extraordinárias significa membros do sindicato foi a deserção das reu..
que os dockcrs o orgnnizam entre sil. Foi o que niões pelos mesmos membros e a sua abstenção
compreendeu lindamente o falecido M. Deakin, em massa durante as eleições sindicais. Na maior
grande burocrata c dirigente do T. G. W. U., que parte dos grandes sindicatos britânicos, mas em
interrm�tou nn t-mn linguagem a greve de Outu­ particular no T. G. W. U., a burocracia dirigente
bro tl fl 1 !Hí4, romo ( \I U :ta ten t.al.i va l ouca de mer­ forma uma camada inamovível que se perpetu a,
gulhar to1loH OH portos do paÍH no caos». por cooptação.
A incarnação desta burocracia do T. G. W. U.,
Arthur Deakin, sucessor de Ernest Bevin, era,
A ORGANIZAÇÃO DOS DOCKERS aos olhos dos operários ingleses, o símbolo da
ditadura da burocracia sindical. A sua ausência
Se a primeira greve, em Outubro de 1954, de contacto com a base tornara-se proverbial ;
se travou em torno da questão da:s horas ex­ quando morreu, na Primavera de 1955, os jor­
traordinárias, a segunda, em Maio-Junho de 1955, nais escreveram dele que era «como um chefe
teve lugar pelo direito dos dockers a organiza­ sindicalista americano». «Elegante, com um gos­
rem-se no sindicato que prefiram. l�, portanto, to americano no que se referia à cor das gra­
necessário dizer algumas palavras s:obre a ma­ vatas, Arthur contribuiu para liquidar a bar­
neira pela qual os dockers estão organizados. reira de classe entre patrões e operários que
Tradicionalmente, os dockers pertenciam à continuava a existir na sociedade britânica. Ves­
União dos Trabalhadores Gerais e dos Transpor­ tia-se como um patrão, falava como um patrão».
tes (T. G. W. U. ) , o maior dos sindicatos britâ­ Sob o título «Morte de um homem de Estado»,
nicos. O núcleo inicial deste sindicato fora o sin­ o Economist escrevia noticiando o seu faleci­
dicato dos dockers, formado por ocasião da mento : «M. Deakin era um exemplo notável do
grande greve das docas de Londre:s, em 1889. tipo de líder sindical que surgiu de há vinte anos
Mas, mais tarde, o T. G. W. U. tornou-se um a esta parte . . . Estava profundamente consciente
grande sindicato «amalgamado» !(quer dizer das responsabilidades de um movimento sindical
incluindo categorias de operários pertencentes a poderoso face à nação . . . Foi o que o levou a
ramos muito diversos da indústria) , compreen­ apoiar a política impopular das restrições volun­
dendo cerca de um milhão e meio de membros tárias das reivindicações de salário e a opor-se

338 889

--- -·--- -� ------ ----- � -


A EXPERI:l!:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO
AS GREVES DOS DOCKERS INGLESES
à nacionalização maciça . . . Morre num momento
dirigentes por outro, as organizações «de es­
em que de novo pode haver dúvidas sobre a ca­
querda » concluíram que os dockers eram atra­
pacidade da Grã-Bretanha para resolver o grande
sados e não compreendiam nada das questões de
problema económico da era post-keynes1ana _ ; a organização.
manutenção da produção e do emprego ao mvel
No entanto, os dockers tinham os seus mé­
mais alto possível, sem a inflação e a irresponsa­
todos próprios de organização, dos quais estes
bilidade operária que poderiam destruir tanto a
políticos atrasados não compreendiam grande
produção como o pleno emprego . . . » ('�)
� coisa.
A esquerda trabalhista, os estabmanos, os
Em Londres, como em todos os outros por­
trotsquistas, dirigindo-se aos operários do T. G.
tos ingleses, os dockers «no papel» estão sindi­
W. U. e em particular aos dockers, tentaram du­
calizados pelo T. G. W. U. São sindicalizados
rante muito tempo persuadi-los a militar mais
porque não podem trabalhar de outro modo : o
activamente no sindicato a fim de expulsar Dea­
cartão sindical equivale na prática a uma carta
kin. Aconselhavam aos dockers que se apresen­
de trabalho. Mas sindicalizados são-no apenas
tassem nas reuniões sindicais e lutassem por
um programa de «democratização» do sin ica:o. � no papel ; a maior parte das suas greves após
1945, foi «não oficial», quer dizer greves contrá­
Muito recentemente ainda, depois dia pr1mmra
rias às decisões das direcções sindicais e não
greve dos dockers ter mostrado a maneira pela
apoiadas financeiramente por estas. Têm de­
qual estes entendem dever lutar contra � buro­
legados locais, eleitos em cada porto pela base,
cracia, M. Harry Pollit, dirigente do partido es­
perpetuamente revogáveis pelos que os elege­
taliniano, dizia : « . . . Que os arrimadores, dockers
ram, e os meetings da base, independentes de
e marinheiros dos lanchões utilizem as posições
toda a convocação ou organização sindical, são
altivas que acabam de conquistar, pa1ra cimentar
extremamente frequentes. Estes delegados re­
entre si uma unidade ainda mais estreita e, so­
presentam efectivamente os dockers nos confli­
bretudo, que se empenhem em que a luta pela
tos quotidianos que surgem com os empregado­
democracia real no T. G. W.U. atinja novas al­
res e estão em oposição mais ou menos perma­
turas ! É deste modo que poderão ajudar a mu­
nente com os aparelhos sindicais ( 1 2) . Como no­
dar a política e os dirigentes não só do T. G.
-lo escreve um camarada de Inglaterra, «OS ver­
W. U. mas do movimento sindical em geral» ( 11) .
dadeiros dirigentes dockers são comissões for­
Como os dockers ignoraram estes apelos re­
madas pelos representantes dos operários do
petidos, visando substituir o grupo actual dos
porto. Estes representantes são constantemente
340
341
A E XPERIJ\'.:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES DOS: DOCKERS INGLESES

revogáveis, de modo que, quando uma situação decurso das greves, a atitude de Barrett e dos
crítica se desenvolve, é difícil para quem seja outros dirigentes oficiais orientou-se no sentido
do exterior compreender o que os dockers estão da capitulação.
a fazer, porque revogam os seus representantes
e mudam de política com uma rapidez descon­ A GREVE DE OUTUBRO DE 1954
certante».
Ao lado do grande sindicato T. G. W. U.,:
existe em Londres desde 1923 um pequeno sin­ A 3 de Janeiro de 1954, um certo número de
dicato, a Associação Nacional dos Arrimadores dockers, incluindo um dirigente do N. A. S. D.,
e Dockers (N. A. S. D.) , aceite pelos emprega­ foi objecto de sanções por recusa de prestação
dores como representativo duma secção dos de horas extraordinárias. Em resposta, os do:­
dockers. Por intermédio dos seus comités locais ckers do N. A. S. D. realizaram um meeting a
e das suas reuniões de base, os dockers conse­ 16 de Janeiro, decidindo proibir inteiramente
guem mais ou menos controlar um sindicato todo o trabalho para além das horas normais e
pequeno como o N. A. S. D., coisa que está fora recusando o apelo a favor das horas extraor­
de causa frente ao enorme aparelho do T. G. dinárias que o comité executivo do N. A. S. D.
w. u. lhes dirigiu. Esta decisão surtiu efeito a partir
Esta possibilidade de controlo não significa de 25 de Janeiro ; os membros de um outro pe­
que a direcção do N. A. S. D. seja de uma na­ queno sindicato, o W. L. T. B. U. (Sindicato dos
tureza fundamentalmente diferente da do T. G. marinheiros dos rebocadores e lanchões) , jun­
W. U. Vimos acima que a sua atitude por oca­ tavam-se a esta decisão a 9 de Feveireiro. De
sião das ne,gociações, entre 1948 e 1953, sobre Janeiro a Agosto, numerosas tentativas visando
as horas extraordinárias não diferia substancial­ fazer os dockers reconsiderar a sua decisão ti­
mente da do T. G. W. U. O dirigente do N. A. veram lugar, entre outras um apelo assinado pe­
S. D., Barrett, declarara por várias vezes que las direcções de todos os sindicatos implicados ;
as horas extraordinárias eram «em princípio» todas permaneceram sem efeito. Os empregado­
inteiramente facultativas, devendo ser determi­ res não ousaram sancionar os dockers que re­
nadas «por acordo recíproco», mas também que cusavam horas extraordinárias ; a sua única res­
«Uma certa quantidade de horas extraordinárias posta foi recusar qualquer discussão com o
é essencial e, para as garantir, é necessário tam­ N. A. S. D. até os seus membros reconsiderarem
bém um certo grau de direcção». E, durante o a decisão tomada.

342 343
r •

A EXPERif:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO AS GREVES DOS DOCKERS INGLESES

De modo que, quando em Setembro de 1954, «M. P. J. O 'hara, secretário distrital do T. Q.


a propósito de um incidente banal com o des­ W. U., disse no decurso do fim-de-semana que
carregamento de um navio em Londres, os em­ o seu sindicato não estava a fazer bluff quando
pregadores se recusaram a discutir com o N. A. advertia os membros de Birkenhead de que toda
S. D., os membros deste realizaram uma reu­ a tentativa de cisão poria em perigo os seus pos­
nião, recusaram as propostas de Barrett que tos de trabalho. A secção sindical de Birke­
queria adiar a greve e decidiram parar o tra­ nhead», disse, «abriria imediatamente as suas
balho ató ao momento em que os empregadores listas» e, se necessário, entraria em contacto
aceitaHHem discutir «todos os problemas em sus­ com centros de emprego. Não haveria dificul­
penso», portanto, essencialmente a questão das dade em encontrar novos homens. M. O'Hara
hora�:� extraordinárias. disse que nenhum outro sindicato poderia for­
necer o cartão que o docker tem de mostrar no
A greve começou a 4 de Outubro ; aos 7 000
controlo antes de poder obter a sua caderneta
membros do N. A. S. D. juntaram-se imediata­ de trabalho . . . » (18) .
mente os 4 500 membros do W. L. T. B. U. e
Perante esta ameaça, a maior parte dos do­
15 aoo dos 22 000 dockers do T. G. W. U. , estes
ckers, embora organizando-se no interior do
últimoA <<não oficialmente», porque a sua direc­
N. A. S. D., continuou a pagar a sua quota ao
ção nfio só era contra a greve como, ao contrá­ T. G. W. U. Este último, no entanto, conseguiu
rio da do N. A. S. D., as suas decisões eram excluir o N. A. S. D. das reuniões comuns com
«sem apelo» perante a base. Pouco tempo de­ os empregadores.
pois, a maioria dos dockers de T. G. W. U. de Mas, após a greve de Outubro, os dockers
Hull, de Birkenhead e outros portos juntavam­ começaram a aderir em número importante ao
-se à greve. No total, 70 000 dockers deixaram
N. A. S. D. numa série de outros portos, em par­
de trabalhar, dos quais 27 000 (em 34 000) em ticular em Mersey (Liverpool, Manchester) . A
Londres. direcção do T. G. W. U. pediu então a interven­
A greve durou cinco semanas e terminou-se ção do Trade Union Council, organismo dirigente
por uma espécie de armistício. Os dockers reto­ supremo dos sindicatos ingleses, acusando o
mavam o trabalho, e as horas extraordinárias N. A. S. D. de estar a caçar nas suas terras (14) .
não seriam obrigatórias até que a questão fosse O T. U. C. exigiu ao N. A. S. D., a 18 de Ou­
definitivamente resolvida por meio de negocia­ tubro de 1954, a garantia de que deixaria de
ções entre os sindicatos e os empregados. organizar os dockers que abandonassem o T. G.

344 345
A EXI'KHJENCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES, DOSr DOCKERS INGLESES
W. U. ; como o N. A. S. D. se recusasse a fazê�lo,
l
capitulou imediatamente e renovou todas a1
foi auHpcnso da União dos Sindicatos alguns dias cartas.
nmia tarde. Mas a constituição de secções do
N. A. S. D. continuou, em particular em Liver­
A GREVE DE MAIO-JULHO DE 1955
pool, Manchester e Hull.
A direcção do N. A. S. D. tomara desde o iní­ No entanto, após a exclusão do N. A. S. D.
cio uma atitude irritante, tentando resolver a decidida pelo T. U. C., este sindicato já não es­
sua oposição com o T. G. W. U. por meio do re­ tava representado em nenhuma das discussões
com os empregadores que tratavam os seus
curso às instâncias oficiais ; dirigiu�se a 20 de
membros como «não organizados» e dirigiam os
Novembro de 1954: ao ministério do Trabalho,
seus assuntos ao T. G. W. U. «a fim de serem
exigindo que fosse permitido aos dockers or­
tratados pelas vias normais».
ganizarem-se no sindicato que preferissem. O
Foi a·ssim que, a 23 de Maio, 18 000 dockers
,
ministério respondeu com um silêncio total. Mas
do N. A. S. D. em Londres e no Norte começa­
a base do N. A. S. D. entendia travar seriamente
ram uma greve, que ia durar sete semanas, exi·
a luta pelo direito dos dockers a organizarem-se
gindo que as secções do N. A. S . D. fossem ofi­
como quisessem. Por iniciativa dos membros de
cialmente reconhecidas por toda a parte onde
Londres, alguns de entre os dockers mais com­
existissem, que estivessem representadas nas
bativos de Londres foram enviados aos portos
comissões oficiais, etc.
do norte de Inglaterra e organizaram em vários
O desenrolar da greve testemunha uma matu­
portos secções do N. A. D. S. com os homens que
ridade política extraordinária por parte dos do­
abandonavam o T. G. W. U.
ckers. A greve foi conduzida apesar das tentati­
O primeiro conflito rebentou em Abril, no vas constantes de capitulação da direcção do
momento da renovação anual das cartas de tra­ N. A. S. D. e do seu secretário Barrett. Dois dias
balho dos dockers. O T. G. W. U. e os seus re­ antes da explosão da greve, o Economist escre­
presentantes no gabinete nacional do trabalho via : « . . . 0 T. U. C. mudou de opinião sobre a
nas docas recusaram a renovação das cartas dos possibilidade de negociar com um fora-da-lei,
dockers que haviam aderido ao N. A. S. D. Os desde que M. Barrett disse que queria discutir.
membros do N. A. S. D. abandonaram então o Talvez este hesite por ter medo . de ser dema­
trabalho, e os membros do T. G. W. U. juntaram­ siado notado como chefe de greves ou por temer
-se�lhes por solidariedade. O gabinete nacional não ser seguido nesta greve senão pelos dockers

347
AS GREVES DOS DOCKERS INGLESES
A E XPERií:: NCIA DO MOVIMENT'O OPERÁRIO
com o seu grande poder e os seus tentáculos
do seu sindicato. Mas não tem o papel principal
por todos os ramos da indústria, a tentar des­
no actual conflito. Foi empurrado para segundo
locá-los ; oficiosamente, os comunistas terão de­
plano por dois dos seus lugar-tenentes e consta
cidido ser prudente's absterem-s,e de participar
que sofre de perturbações nervosas>> (15) .
num empreendimento que provavelmente pensam
Com efeito, imediatamente após a explosão
votado ao fracasso» (1 6 ) .
da greve, o' comité executivo do N. A. S. D. reú­
Que o órgão da burguesia inglesa ache «me­
ne-:s�e e chama os homens a retomar o trabalho.
nos tranquilizador» que os comunistas não par­
Mas o comitê dos representantes dag; secções
ticipem na greve, eis o que nada tem de surpreen­
locai s dos doekors rej eita 01 apelo , afirma que
dente ; são feitos, afinal de contas, da mesma
a greve continuará . . . e decide mandar Barrett
farinha que ela, e há sempre algumas possibili­
para férias p0or mo tivos de saúde !
dades de entendimento com o P. C., enquanto
18 000 do ckers participaram na greve ; já vi­
não existem nenhumas em relação às massas
mos que seis meses antes o N. A. S. D. não con­
«irresponsáveis » .
tava com mais de 7 000 membros. A diferença
N o entanto, mesmo após a s férias dadas a
entre estes números representa os dockers que
Barrett, o comité executivo do N. A. S. D. con­
entretanto aderiram a o N. A. S. D., mas tam­
tinuou nas suas tentativas de capitulação. «Ü
bém um número de dockers que, continuando a
comité executivo», nota o Economist de 4 de Ju­
pertencer ao T. G. W. U., lutaram pelo direito
nha, «perante o fracasso da extensão da greve
dos seus camaradas a organizarem-se de acordo
e�tre os operários do T. G. W. U., quer pôr-lhe
com a própria vontade.
f1m. Mas os membros persistem na greve . . . ».
A direcção efectiva da greve pertence de uma
Alguns dias mais tarde, o comité executivo
ponta à outra aos representantes eleitos dos
dirige uma carta de capitulação ao T. U. C. «A
grevistas, e b.s decisões principais foram sempre
atitude inflexível do T . U. C.», escreve 0 Eco­
tomadas em meetings de massa. Sobre o papel
nomist de 11 de Junho, «deu resultados. M. New­
- ou antes, a ausência de qualquer papel - dos
man, do N. A. S. D., rasteja agora abjecta­
estalinianos, o Economist exprimia-se assim :
mente ( ! ) sob as novas condições. Aceita de
« . . . Em quarto lugar - o que é menos tranqui­
antemão e sem reservas o juízo que possa vir a
lizador -, os agitadores comunistas, por uma
ser emitido pelo comité de conflitos do T. U. C.
vez, não estão presentes.. Oficialmente, a linha do
sobre a disputa entre o N. A. S. D. e o T. G.
partido comunista é a de que é preferível traba­
W. U. ; e aceitou duas das condições prévias
lhar para adquirir. o controlo do T. G. W. U.,
349
348
A F.XPERI€NCIA DO M OVIMENTO OPERARIO AS GREVES DOS DOCKERS INGLE SES

postas pelo T. U. C. para a reunião desse comité. diada pelos comitéS! de greve, e a greve conti­
Aceita parar o recrutamento de novos mem­ nuou.
bros e a recepção das quotas dos membros Após quatro semanas de greve, tendo o
«roubados» ao grande sindicato ; mas pretende T. U. C. aceite apenas a refiliação do N. A. S. D.
que lhe seja permitido prosseguir os esforços e quanto ao resto conservando a sua intransi­
visando a representação do N. A. S. D. nas gência perante a atitude rastejante dos buro­
comissões de porto por meios pacíficos. Diz, com cratas do N. A. S. D., estes últimos conseguira.n
uma certa dose de verdade ( ! ) , que não se po­
fazer aprovar, num meeting dos dockers de Lon­
dem conduzir homens como se estes fossem
dres, realizado a 21 de Junho, uma recomenda­
gado. M. Newman, na realidade, acha aue os
ção de retomada do trabalho para o dia 27, se
homens são tudo menos dóceis, porque estão
os homens dos portos do Norte o aceitassem
muito mais cheio,SI de entusi asmo do que os
também. Lembremos que os d ockers de Londres
seus próprios chefes, que tentaram parar a
estavam em greve para que fosse reconhecido
greve . . . Mas seria necessário algo mais que uma
aos seus camaradas do Norte o direito a orga­
carta de M. Newman ou que um franzir de so­
nizarem-se no sindicato da sua escolha. Mas os
brancelhas de Sir Vincent Tewson {17) para im­
dockers do Norte recusaram-se absolutamente
pedir essas pessoas de realizai' os meetings que
a retomar o trabalho. A 29 de Junho, após cinco
desejam. O T. U. C. agiu, portanto, prudente­
semanas de greve, e apesar da oposição de uma
mente aceitando a oferta de M. Newman ; já
forte minoria, os dockers de Londres votavam
não parece haver razões para que os dockers
a retomada do trabalho ; mas os dockers do
não retomem o trabalho».
Norte declararam então que organizariam uma
Com efeito, a partir do momento em que um
«marcha sobre Londres» para aí discutirem o
pequeno burocrata escrevia a um grande buro­
assunto com os seus camaradas, e o simples
crata, já não haveria qualquer razão para que
anúncio desta marcha fez com que os homens
os dockers continuassem a greve ! A mentali­
dade de negociantes de gado comum ao Econo­ de Londres reconsiderassem a sua decisão.
mist, aos grandes burocratas do T. U. C. e aos Nos fins de Junho, o comité de conflitos do
pequenos burocratas do comité executivo do T. U. C. pronunciava o seu veredicto sobre a
N. A. S. D. não p odia, evidentemente, levar em disputa entre o T. G. W. U. e o N. A. S. D. ;
conta a vontade dos próprios dockers. A carta como era de prever, declarava este último cul­
de Newman ao T. U. C. foi publicamente repu- pado de caçar nas terras do vizinho e ordena-

350 351

�-- -
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES DOS DOCKERS INGLESES
va-lhe que devolvesse ao T. G. W. U. os mem­
bros que lhe tirara.
O trabalho só foi retomado a 4 de Julho,
após seis semanas de greve, durante as quais
o.s dockers lutaram sozinhos, sem qualquer apoio
financeiro, contra a grande burocracia do T. G.
W. U., despistando constantemente todas as ma­
nobras da sua própria direcção sindical. Do
ponto de vista do objectivo a que se propunha,,
o reconhecimento da representatividade das sec­ N O TA S
ções novas do N. A. S. D. nos portos do Norte,
a greve foi, sem dúvida, um fracasso. Mas, ul­ (1) The Economist n.•• de 16 e 30 de Julho e de 20
trapassando em muito este fracasso, permanece de AgoSito de 19t5<'i·.
a significação histórica da primeira grande luta
(2) As,sim, The Economist de . 18 de Junho de 19'515
que uma secção do proletariado inglês conduziu consagra um editorial de três páginas a propor novas
frontalmente contra a sua própria burocracia medidas legislativas nesse sentido, send-o a tônica posta
enquanto tal ; permanece o abismo definitiva­ na neces,sidade de acabar com as greves «não oficia:is»

mente aberto entre os operários e os falsários ou selvagens.

que pretendem «representá-los» ; permanece a (S) The ObserveT, 7 de Novembro de 1954.


demonstração das surpreendentes capacidades
de auto-organização da fracção mais «atrasada» (4) The Economist, 30 de Julho de 1955, p. 375 .

dos trabalhadores ingleses. (5) 7 de Junho de 19155 .


Resta que, segundo todas as indicações de
que actualmente podemos dispor, os dockers in­ (6) Era assim que The Economist escrevia alguns
dia.s mais tarde a propósito dos marinheiros : «Estes ho­
gleses ainda não acabaram de nos dar as suas
mens estão em greve contra a comunidade nacional. A
lições. sua acção foi astuciosamente planeada por alguém que
quer provocar o maior dano possível ao turismo deste
país.» (25 de Junho de 19•55, p. 1114) . Quando não é a
mão de Mo•scovo, é a de um maldoso concorrente quem
provoca as greves. Que os operário•s possam agir por
sua própria iniciativa �. evid,entemente, inconcebível para
um burguês.

R 52 3'53
A EXPERI:J!:NGIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO

( 7) The Dor:k Worker, University orf Uverpool P:ress,


l:lt54, p, 65, citado stegundo
Contemporaru Issues, n.• 25
(Outubro-Novembro de 1915,5 ) , pp. 60-71.

( A) Ihül, l'· 13:1'.

('') HP,g t ltlclll�


Ol'> relatório•s ofi'cia:irs,, os haV'e:nes totais

do T. G. W. U. �m 19'53• atingiam cerca de dez milhões


de libntr< mtterlina,s, ou "Seja dez mil milhões de francos.
Os rnnclinwn tos deste capital ( deti do sob forma de obri­
gaçõe,.. v;ovt·rnamentais e municipais' e a outros títulos) ,
com llll quotizaçÕeS! dos membros (mais de duas libras
por ur1o P por membro) permitem-lhe despesas anuais
de et�rra dt• mil •e quinhentos milhões de francos, doS' qua:is OS OPERÁRIOS FRENTE Ã BUROCRACIA *
mil m i l hões são consagradQis ao pagamento do& perma­
nentes P das despesas do comité executivo. Relatóri o do Os textos que precedem ( a ) dão uma des­
Ghit'f R t• K i strar of Friendly Societies, cit ada in Contem­
crição que se pretendeu tão completa quanto pos­
por(lll'JI IRH1Ws, loc. cit., p. 72,,
sível das principais lutas operárias de 1955, em
(10) 71 de Ma:io de 1955·, p. 45:7. França, em Inglaterra e nos Estados Unidos.
Não é uma simples preocupação informativa que
(11 ) ])aily Worker, l de Novembro de 19'54·.
justifica a sua extensão, nem mesmo o número
(H) Existem •em toda a indústria ingLesa delegados dos participantes nessas lutas, a sua combati­
de oficina (shop stewards) com o mesmo carácter. vidade física ou as concessões arrancadas. :Ê que
essas lutas, pelo seu conteúdo, revestem-se aos
(H) Manchester Guardian, 13 de Setembro de 1954.
nossos olhos de uma significação histórica. Para
(1') O termo inglês <<p�oaching>> é tomado de emprés­ o leitor que percorreu as páginas que precedem,
timo à gíri a, dos caçado11es e .significa exa.ctamente caçar não é antecipar as conclusões deste artigo dizer
nas terras de outrém.

(15) 2;1 de Maio d;e f9!515, p. 659. * S. ou B., n.O 13. (Janeiro de 19'56,) .
(a) Além dos dois texto•s preceoonte& (As greves sel­
(16 ) 28 de Maio de 1915:51. p . 749, vagens da indústria autom6vel americana e A s greves
dockers ingleses) , o n.• 1!8 dle S. ou B. continha uma
d:o.�
(17) Burocrata sindical tornado nobre,. presidente do série de 'análises das greves de 1:9:55 em França (em
T. U. C. particular das de Nantes e Sadnt-Nazaire) .

354
rrr

A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO OS OPERARIOS FRENTE À BUROCRACIA

que, no Verão de 1955, o proletariado se mani­ racto o problema daSl relações do pmletariado
li festou de um modo novo. Determinou de modo com a burocracia « operária». Uns consideravam
autónomo os seus objectivos e os s�9us meios de que não existe proletariado fora das organiza­
.
luta ; colocou o problema da sua organização ções burocratizadas, portanto, fora da burocra­
autónoma ; definiu-se finalmente fr1ente à buro­ cia. Outros, que os operários não podiam senão
cracia e separou-se desta de uma maneira que seguir servilmente a burocracia ou resignarem-se
está cheia de consequências futuras. caindo na apatia, e que, portanto, era necessá­
O primeiro sinal de uma nova. atitude do rio tomar o partido desta. Outros ainda, mais
proletariado face à burocracia foi, sem dúvida, audazes, pretendiam que os operários tinham es­
a revolta do proletariado de Berlim Leste e da quecido tudo, que era necessário assim reeducar
Alemanha Oriental em Junho de 1B53 contra a a sua consciência de classe. Diferente na sua
burocracia estaliniana no poder. Durante o Verão motivação, mas não nas su.as consequências prá­
de 1955, apareceu claramente a mesma separa­ ticas, era a paranóia dos trotsquistas «ortodo­
ção entre o proletariado e a burocracia «Operá­ xos», para quem a burocracia mais não era do
ria» nos principais paises capitalistas ocidentais. que o produto fortuito de um concurso de cir­
O importante é que se trata doravante de u ma cunstâncias fortuitas, produto votado ao desa­
separação activa. O proletariado já não se limita parecimento logo que os operários entrassem em
a recusar a burocracia por meio da inac<;íio, a luta ; para isso, bastava retomar as boas velhas
compreender passivamente a oposi��ão entre os palavras de ordem bolcheviques e propor aos
seus interesses e os dos dirigente8 sindicais e operários um partido e um sindicato «honesto».
politicos, ou mesmo a entrar em luta apesar Sempre se afirmou, nesta revista, face à
das directivas burocráticas. Entra Elm luta con­ conspiração dos mistificadores de todas as obe­
tra a burocracia em pessoa (Inglaterra, Estados diências, que o verdadeiro problema da época
Unidos) , ou conduz a sua luta como se a buro­ actual era o das relações entre os operários e a
cracia não existisse , reduzindo-a à insignificân­ burocracia : que se tratava para o proletariado
cia e à impotência através do enOJ•me peso da de uma experiência inédita que prosseguiria du­
sua presença activa (França) . rante muito tempo, não podendo a burocracia
É necessário andar um pouco pa:ra trás para «operária», fortemente enraízada no desenvol­
situar os acontecimentos na sua perspectiva. Há vimento económico, político e social do capitalis­
alguns anos, os «marxistas» de to1do o calibre mo, abater-se de um momento para o outro ; que
estavam no conjunto de acordo para ignorar de os operários atravessariam necessariamente um

356 357
A E XPERif:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO OS OPERARIOS FRENTE À BUROCRACIA

período de maturação silenciosa, porque era im­ Por oposição ao primeiro período consecutivo
possível retomar pura e simplesmente contra a à «Libertação», em que os operários seguem de
burocracia os métodos de luta e as formas de um modo geral a política das organizações bu­
organização tradicionalmente utili�:adas contra rocráticas e em particular do P. C., verifica-se
o capitalismo ; mas também que esta experiên­ a partir de 1947-48 uma «descolagem» cada vez
cia historicamente necessária levaria o proleta­ mais acentuada entre os operários e estas orga­
riado a concretizar definitivamente as formas da nizações. A partir da sua experiência da atitude
sua organização e do seu poder. real destas, o proletariado submete a uma crítica
O desenvolvimento da sociedade contempo­ silenciosa as organizações e traduz esta crítica
rânea será cada vez mais dominado pela separa­ no plano da realidade pela recusa de seguir sem
ção e pela oposição crescentes entJ�e o proleta­ mais as suas instruções. Esta descolagem, esta
riado e a burocracia, no decurso daEI quais emer­ recusa, toma formas muito distintas que se S·U­
girão as formas de organização que permitam cedem no tempo:
aos operários abolir o poder dos exploradores, a) De 1948 a 1952, a recusa total e obsti­
sejam estes quais forem, e reconstruir a socie­ nada dos operários em seguir as palavras de or­
dade em bases novas. Este processo encontra-se dem burocráticas exprime-se pela inacção e pela
ainda na sua fase embrionária ; mas: os seus pri­ apatia. As greves decididas pelos estalinianos
meiros elementos aparecem já. Ap16s os operá­ não são seguidas na grande maioria dos casos,
rios de Berlim Leste, em 1unho de 1953, os me­ não só quando se trata de greves «políticas»,
talúrgicos de Nantes, os dockers de Londres e mas mesmo no caso de greves reivindicativas .
de Liverpool, os operários da indústria automó­ Não se trata apenas de desencorajamento ; há
vel de Detroit mostraram claram ente, em 19'55, também a consciência de que as lutas operárias
que contavam apenas consigo próp1rios para lu­ são utilizadas pelo P. C. e desviadas dos seus
tar contra a exploração. objectivos de classe em proveito da política rus­
sa. A prova é que, nos raros casos em que «a
unidade de acção» entre sindicatos estalinianos,
A SIGNIFICAÇÃO DA GREVE D:ID NANTES
reformistas e cristãos se realiza, os operários
Para compreender as lutas op·erárias do se mostram prontos a entrar em luta - não p or­
Verão de 1955, em particular as de Nantes, é que valorizem a unidade enquanto tal, mas
necessário situá-las no contexto do desenvolvi­ porque vêem nela a prova de que a luta consi­
mento do proletariado em França após 1945. derada dificilmente poderá ser desviada para

358 359

-�-------�--
A l�XPERif>NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO OS OPERARIOS FRENTE À BUROCRACIA

objectivos burocráticos e que, por conseguinte,. o desprendimento em relação às direcções tradi­


eles próprios não se encontrarão divididos. cionais ; mas a consciência da oposição entre os
b) Em Agosto de 1953, milhões de trabalha­ interesses operários e a política burocrática, de­
dores entram espontaneamente em greve, sem senvolvendo-se, traduz-se por um comportamento
directivas das burocracias sindicais ou contra concreto dos operários cada vez mais activo.
elas. No entanto, uma vez em greve, deixam a Expressa inicialmente por uma simples recusa
sua direcção efectiva aos sindicatos e a própria conducente à inacção, concretizou-se em 1955
greve será «passiva» (1) ; os casos de ocupação por uma acção operária tendente a controlar sem
dos locais de trabalho são raríssimos, nas reu­ intermediários todos os aspectos da luta. Pode­
niões de grevistas a base quase nunca se mani­ mos vê-lo claramente reflectindo sobre os acon­
festa a não ser pelo voto. tecimentos de Nantes.
c) No Verão de 1955, os operários entram Quis-se ver nas greves de Nantes e de Saint­
de novo em luta espontaneamente ; mas já não -Nazaire essencialmente uma manifestação da
se limitam a isso. Em Nantes, em Saint-Nazaire, violência operária, uns felicitando-se com isso,.
noutras localidades também, não estão simples­ outros afligindo-se. E, na verdade, pode-se, de­
mente em greve, nem mesmo se contentam com ve-se mesmo, começar por verificar que lutas
a ocupação das instalações. Pass am ao ataque, operárias atingindo um tal nível de violência são
apoiam as suas reivindicações por meio de uma raras em períodos de estabilidade do regime.
pressão física extraordinária, manifestam-se nas Mas, muito mais que o grau de violência, im­
ruas, batem-se contra os G. R. S. (2 ) . Também não porta a maneira pela qual essa violência foi exer­
deixam a direcção da luta aos burocratas sin­ cida, a sua orientação, as relações que traduz
dicais ; nos momentos culminantes da luta, em entre os operários por um lado, o aparelho do
Nantes, exercem por meio da sua pressão colec­ Estado capitalista e as burocracias sindicais por
tiva directa um controlo total sobre os burocra­ outro. Mais exactamente, o grau de violência
tas sindicais, a tal ponto que nas negociações modificou-lhe o . conteúdo, e levou o conjunto da
com o patronato estes não desempenham senão acção operária até um outro nível. Os operários
um papel de encarregados, ou melhor ; de porta­ de Nantes não agiram violentamente seguindo
-vozes ( 3) , e que os verdadeiros dirigentes são as ordens de uma burocracia - isso acontecera
os próprios operários. em certa medida em 1948, durante a greve dos
:J!:: impossível confundir as significações dife­ mineiros (4) . Agiram contra. as instruções' sin­
rentes destas atitudes sucessivas. li'J-lhes comum dicais. Esta violência significou a presença per-

360 361
A EXP.E:RiftNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO OS OPERÁRIOS FRENTE A BUROCRACIA

manente e activa dos operários na greve e nas nem a sua defesa, nem a sua negociação, e que
negociações, e permitiu-lhes assim não exercer contam apenas consigo próprios. Esta descon­
o controlo sobre os sindicatos, mas claramente fiança total, expressa em actos, é infinitamente
ultrapassá-los de uma maneira absolutamente mais importante do que aquilo que esses mesmos
imprevista. Não há a menor dúvida sobre a von­ operários pudessem «pensar» ou «dizer» no
tade das direcções sindicais, ao longo de toda mesmo momento (incluindo o facto de terem po­
a duração da greve, de limitar a luta no tempo, dido votar no decurso das recentes eleições le­
no espaço, no alcance das reivindicações, nos gislativas) . Isso não impede a existência de con­
métodos utilizados, de obter o mais rapidamente tradições na atitude dos operários : em primeiro
possível um acordo, de fazer entrar tudo de novo lugar, entre esse «pensamento» que se manifesta
na ordem. No entanto, diante dos 15 000 me­ por ocasião das discussões dos votos sindicais
talúrgicos que ocupavam constantemente as ou políticos anteriores ou ulteriores à greve, e
ruas, esses «chefes» insubstituíveis fizeram-se essa «acção» que é a própria greve. Ali, o sin­
muito pequenos ; a sua «acção» durante a greve dicato é tolerado, e não o seria de outro modo,
era invisível a olho nu, e só por meio de mise­ como um mal menor - aqui, é ignorado. Mas
ráveis manobras de bastidores puderam desem­ mesmo no interior da acção, as contradições sub­
penhar o seu papel de sabotadores. Durante as sistem : os operários estão por assim dizer e ao
próprias negociações, nada foram além de um mesmo tempo «aquém» e «além» do problema
fio telefónico transmitindo para o interior de da burocracia. Aquém, na medida em que dei­
uma sala de deliberações as reivindicações una­ xam a burocracia no seu lugar, não a atacam de
nimemente formuladas pelos próprios operários frente, não lhe subtituem os seus próprios órgãos
- até ao momento em que os operários des­ eleitos. Além, porque no terreno em que se colo­
cobriram que esse fio não servia para nada e cam, o de uma luta total feita por meio da sua
irromperam eles próprios na sala. presença permanente, o papel da burocracia tor­
É certo que não se podem ignorar as carên­ na-se menor. Para falar verdade, preocupam-se
cias ou os aspectos negativos do movimento de muito pouco com ela : ocupando em massa a cena,
Nantes. Superando efectivamente os sindicatos, deixam a burocracia agitar-se o melhor que po­
o movimento não os eliminou enquanto tais. Há de nos bastidores. E os bastidores não contam
na atitude dos operários de Nantes uma con­ para nada durante o primeiro acto. Os sindica­
testação radical dos sindicatos, uma vez que já tos ainda não podem causar estragos: os ope­
não lhes confiam a definição das reivindicações, rários estão demasiado longe deles.

362 363
A EXPERitNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO O S OPERÁRIOS FRENTE A BUROCRA CIA

Esta distância não chega, no entanto, dir-se-á, A importância de uma comissão deste tipo
a cristalizar-se positivamente numa forma de estaria alhures : poderia, por um lado, tentar
organização própria, independente dos sindica­ alargar a luta para além de Nantes, por outro,,
tos ; não há sequer comissão de greve eleita que durante o período de recuo do m ovimento, permi­

represente os grevistas, que seja responsável pe­ tir aos operários defenderem-se melhor contra
rante eles, etc. as manobras sindicais e patronais. Mas é pre­
Podem traçar-se várias destas verificações de ciso que não haja ilusões sobre o papel real que
carência ; só têm um alcance limitado. Com efeito, teria podido desempenhar : a extensão do movi­
pode dizer-se que o movimento não atingiu uma mento dependia muito menos dos apelos que uma
comissão de Nantes tivesse podido lançar e muito
forma de organização autóhoma ; mas é porque
mais de outras condições que não se encontra­
se tem então uma certa ideia da organização
vam reunidas. A condução das negociações du­
autónoma na cabeça. Não· há formCJ� nenhuma
rante a fase de declínio do movimento tinha uma
de organização mais autónoma do que 15 000
importância relativamente secundária, era a re­
operários agindo unanimemente na rua. Mas,
lação de forças na cidade que era decisiva e esta
dir-se-á ainda, não elegendo uma comissão de
era cada vez menos favorável.
greve, directamontc responsável perante eles e
Estamos, e•v.i dentemente, longe de criticar a
sempre revogável, os operários deixaram os bu­
noção de uma comissão de greve eleita, em ge­
rocratas sindicais com toda a liberdade de ma­
ral, ou mesmo no caso de Nantes. Dizemos sim­
nobra. E é verdade. Mas como não ver que plesmente que, neste último caso, e dado o nível
mesmo sobre uma comissão de greve eleita os atingido pela luta operária, a importância da
operários não teriam exercido mais controlo do sua acção teria sido de todos os modos secun­
que exerceram de facto sobre os representantes dária. Se a acção dos operários de Nantes não
sindicais a 17 de Agosto e que semelhante comis­ foi coroada por uma vitória total, é porque se
são eleita não teria podido fazer mais do que achava perante condições objectivas em relação
estes últimos fizeram sob a pressão dos operá­ às quais a eleição de uma comissão de greve nada
rios ? Quando a massa dos operários, unida num teria mudado.
só corpo, sabendo claramente o que quer e de­ A dinâmica do desenvolvimento da luta em
cidida a tudo para o obter, está constantemente Nantes tinha chegado, com efeito, a uma con·
presente no local da acção, que pod1erá trazer tradição que se pode definir assim : métodos re­
de novo uma comissão de greve eleita ? volucionários foram utilizados numa situação 1

8815
A E XPERI1l:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO OS OPERÁRIOS FRENTE A BUROCRACIA

para objectivos que o não eram. A greve foi se­ No entanto, pretendeu-se que esta extensão
guida da ocupação das fábricas ; os patrões ri­ era «objectivamente possível». E é certo que fo­
postaram fazendo vir regimentos de C. R. S. ; os ram necessários à burguesia 8 000 C . R. S. para
operários ripostaram atacando esses regimeJ)tos. resistir com um grande esforço a 15 000 meta­
A luta poderia ir mais longe ? Mas que mais lon­ lúrgicos de Nantes, não se vê onde acharia en­
ge havia ? A tomada do poder em Nantes ? Esta tão as forças necessárias para resistir a cinco
contradição scrin de flwto levada ao paroxismo milhões de operários em todo o país. Mas o facto
pela constituição de organismos que, na situação é que a classe operária francesa não estava pron­
dada, nãn pod iam dei xa r dn ter u m co nteú do re­ ta a entrar numa a.cçã01 decis:iva, e não entrou.
volucionário. Uma comissão que tivesse enca­ Os traços que acima analisámos só se encon­
rado seriamente a situação ter-He-ia demitido, tram claramente no movimento de Nantes. Sob
ou então empreenderia mctodicament1e u expul­ uma forma embrionária, aparecem apenas nal­
são dos C. R. S. para fora da cidade -- eom que gumas outras localidades ; e formam um con­
perspectiva ? Não dizemos que esta prudência traste impressionante com a ausência de um
a posteriori estivesse na cabeça dos operários qualquer movimento importante na região pa­
de Nantes ; dizemos que a lógica objcctiva da risiense. No próprio momento em que se desen­
situação não dava grande sentido a uma tenta­ rolam as lutas de Nantes, a Renault, em Paris,
tiva de organização permanente dos operários. dá a imagem mais clássica da dispersão e da
Mas essa perspectiva, dir-se-á, exi::1tia : era a impossibilidade de superar a sabotagem discreta
extensão do movimento. É uma vez mais intro­ das direcções1 sindicais ( 5 ) .
duzir subrepticiamente as próprias ideias numa Dizer, nestas condições, que a falta de exten­
situação real que não está de acordo com elas. são do movimento foi devida à atitude das cen­
Para os operários: de Nantes, tratava- s e de uma trais burocráticas não significa nada. É dizer
greve local, com um objectivo preciso :: quarenta que as centrais cumprira m a sua missão. Aos
francos de aumento. Não era, para eles, o pri­ trotsquistas cabe admirarem-se com o facto, e
meiro acto de uma revolução, não se tratava, amaldiçoarem as centrais. Aos outros, tentar
para eles, de entrar nesse campo. lJtilizaram compreender que as cen trais só podem j ogar o
meios revolucionários para fazer vencer essa rei­ seu jogo enquanto os operários não atingirem
vindicação limitada - é a própria essência da o grau de clareza e de decisão necessário para
nossa época ; mas isso não quer dizer que a re­ agir por si próprios. Se os operários parisienses
volução seja possível a todo o momento. tivessem querido entrar em luta, os sindicatos

367
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO OS OPERÁRIOS FRENT'E À BUROCRACIA

teriam podido impedi-los ? Provavelmente não. tado capitalista ? A resposta é que, ao nível ele­
A prova ? Nantes - precisamente. mentar, esta forma não é outra coisa senão a
Bem vistas as coisas, há duas maneiras de massa total dos próprio·s trabalhadores. Esta
ver a relação ontre a acção dos operários de massa não é somente, ·como s•e quis crer e fazer
Nantes c a inacção da maioria do proletariado crer durante muito tempo, a força de choque, a
francês. Uma é insistir no isolamento do movi­ «infantaria» da acção de classe. Desenvolve,
mento de Nant cs e tentar a partir daí limitar o quando as condições estão dadas, capacidades
s1eu rtl<�;mcP. l•�sta visão é correcta se s.e tratar surpreendentes de auto-organização e de auto­
de uma nprcciação da conjuntura : é necessário -direcção ; estabelece no seu interior as diferen­
precaverm o-nos contra as interpretações aven­ ciações necessárias de funções sem as cristalizar
turciristas, lembrar que o proletariado francês em diferenciações de estrutura, estabelece uma
não s<� Pll eontra em vésperas de travar uma luta
divisão de tarefas que não é uma divisão de tra­
total. M a s é fal sa quando s·e trata; de s.ignifica­
balho : em Nantes, houve de facto operários que
ção dos modos de acção utilizados em Nantes,
fabricavam «bombas» enquanto outros faziam li­
da aiitudo dos operários perante a burocracia,
gações, mas não houve «estado-maior», nem ofi­
do sentído da maturação em curso na classe
cial, nem oculto. Este «núcleo» elementar da
operft.ria. Deste ponto de vista, um revolucioná­
classe operária revelou-se à altura dos proble­
rio dirá sempre : se os operários de Nantes, iso­
lados na sua província, mostraram uma · tal ma­ mas que se impunham, capaz de dominar quase
turidade na luta, então, a maioria dos operários todas as resistências com que deparava.
franceses, e em particular os operários parisien- Dizemos bem : embrião de resposta. Não só
. - I porque Nantes foi uma realidade e não um mo­
ses, crtarao, quando entrarem em movimento,
formas de organização e de acção ainda mais ele­ delo, e que portanto, a par destes traços, encon­
vadas, mais eficazes e mais radicais.. tram-se outros traduzindo as dificuldades e os
Agindo como o fizeram, como massa coerente, fracassos da massa operária ; isso é secundário ;
como colectividade democrática em movimento, para nós, em primeiro lugar, é importante o que
os operários de Nantes realizaram, durante um na realidade actual perfigura o futuro. Mas por­
longo momento, uma forma autónoma de orga­ que as limitações desta forma de organização no
nização que, em embrião, contém a resposta à tempo, no espaço e em relação a objectivos uni­
questão : qual a forma de organiza1ção proletá­ versais e permanentes são claras. Hoje, no en­
ria capaz de triunfar sobre a burocr:acia e o Es- tanto, não é este o nosso tema : antes de ir mais

368 369
A EXPERIE.:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO OS OPERARIOS FRENTE A BUROCRACIA

longe, deve assimilar-se a significação do acon­ unanimidade que se realizou entre trabalhado­
tecido. res, com remunerações muito diferenciadas, sobre
Que condições permitiram ao movimento de a exigência dum aumento uniforme para todos
Nantes elevar-se a este nível ? torna-se ainda mais digna de nota.
A condição fundamental foi a unanimidade A unanimidade manifestou-se igualmente em
praticamente total dos participantes. Esta una­ relação aos meios, e isso ao longo de toda a luta :
nimidade, a verdadeira unidade operária, não a cada transformação da situação «táctica», os
deve, evidentemente, ser confundida com a uni­ trabalhadores deram espontânea e colectivamente
dade de acção dos estalinianos ou dos trotsquis­ a resposta adequada, passando da greve ilimi­
tas. Esta, mesmo quando pretende preocupar-se tada à ocupação das fábricas, depois à acção
com a base, não é de facto senão a unidade das contra os G. R. S.
burocracias ; existiu em Nantes, mas foi o resul­ Finalmente, a unanimidade foi total em re­
tado da unidade operária, foi imposta à burocra­ lação ao papel próprio dos operários : não há
cia pelos operários. Não que estes se tenham nada a esperar de ninguém, excepto o que cada
ocupado com o problema nem por um momento, um pode conquistar por si mesmo. De ninguém,
não que tenham «pedido» às suas direcções que incluindo os sindicatos e partidos «Operários».
se unissem ; de facto ignoraram-nas, e agiram na Estes foram condenados em bloco pelos operá­
unanimidade. Os burocratas compreenderam en­ rios de Nantes na sua acção.
tão que a única hipótese de manter um mínimo Esta atitude frente à burocracia é, evidente­
de cont acto com o movimento era apresentarem­
, mente, o resultado de uma profunda experiên-cia
-se «Unidos» . objectiva desta. Não podemos insistir aqui neste
A unanimidade operária manifestou-se pri­ ponto, que por si só mereceria um longo exame.
meiramente no plano da d efinição da reivindica­ Digamos simplesmente que as condições desta
ção. Ninguém até hoje, salvo erro, sabe «quem» experiência em França aparecem dadas num
adiantou a palavra de ordem de quarenta fran­ facto elementar : após dez anos de «acção» e de
cos de aumento para todos. Em todo o caso, não demagogia sindicais, os operários verificam que
foram os sindicatos ; em vão se procuraria nos não puderam limitar a deterioração da sua con­
seus programas os objectivos da greve. Mais dição a não ser quando entraram em greve. E
ainda, pelo seu carácter não hierarquizado, a rei­ acrescentemos que o sucesso, mesmo parcial, dos
vindicação dos operários de Nantes vai directa­ movimentos de Nantes e de Saint-Nazaire fará
mente contra todos os programas sindicais. A esta experiência dar um salto em frente, porque

370 371
r\ KXPI<:Inf'JNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO
OS OPERÁRIOS FRENTE A BUROCRACIA
fornece uma nova contra-prova : estes movimen­
e do proletariado, reivindicações diferentes das
tos fizeram ganhar aos operários, no espaço de
salariais, e em primeiro lugar, as relativas às
algumas semanas, mais do que dez anos de «ne­
condições de trabalho, que levam directamente
gociações» sindicais.
à posição do problema da organização da produ­
A análise destas condições mostra que a for­ ção e em última análise da gestão. Não podemos
ma assumida pelo movimento de Nantes não é empreender aqui essa análise ; o leitor poderá
uma forma aberrante, menos ainda um resto de recorrer aos artigos consagrados a estas lutas
traços «primitivos», mas o produto de factores nas páginas anteriores.
que se encontram em acção por toda a parte e Importa, no entanto, definir, desde já, os
que conferem á sociedade actual o rosto do seu traços comuns a todos estes movimentos. O
futuro. A democracia de massas ·em Nantes de­ principal é evidente : é a oposição aberta e mili­
corria da unanimidade operária ; esta, por sua tante dos operários à burocracia, a sua recusa
vez, resultava de uma consciência dos interes­ em «Se deixarem representar». Tomou a forma
ses elementares e de uma experiência comum do mais explícita possível em Inglaterra : os dockers
capitalismo e da burocracia, experiência cujas ingleses fizeram greve durante sete semanas
premissas foram amplificadas dia após dia pela contra a própria burocracia sindical e mais nin­
própria acção dos capitalistas e dos burocratas. guém. Do mesmo modo que os operários da Ale­
manha Oriental em 1953, os dockers ingleses ata­
OS TRAÇOS COMUNS DAS GREVES caram a burocracia - aqui, «socialista» ; ali,
«comunista» - enquanto inimigo directo. O ata­
EM FRANÇA, EM INGLATERRA E
que foi menos · explícito nos Estados Unidos,
NOS ESTADOS UNIDOS
mas pouco menos : as greves dos operários do
automóvel consecutivas à assinatura dos acor­
Uma análise análo·ga à que acima t entám os
dos C. I. 0.-Ford-General Motors sobre o salário
seria necessária no caso das greves dos dockers
anual garantido, eram certamente dirigidas con­
ingleses e dos operários americanos do automó­
tra os patrões pelo conteúdo das reivindicações
vel. Permitiria destacar outras características
apresentadas, mas ao mesmo tempo constituíam
destes -movimentos, igualmente profundas e
uma manifestação eioquente do repúdio d()S
cheias de consequências : para citar apenas uma,
operários pela burocracia sindical. Equivaliam
a importância crescente que tomam, à medida
a dizer aos sindicatos : Vocês não nos represen­
do desenvolvimento concomitante do capitalismo
tam, o que vos preocupa não nos1 interessa e o
37'2
3.73

...
A EXPERil!:NCIA DO MOVIMENTO OPER.ARIO OS OPER.ARIOS FRENTE A BUROCRACIA

que nos interessa, vocês ignoram-no. Finalmente que as massas entram em acção a partir de uma
vimos que, em França, os operários de Nantes experiência da burocracia prévia em relação à
«deixaram de lado» a burocracia durante a sua própria acção, portanto, independentemente da
luta, ou « utiliz aram na» em serviçoS< menores.
- burocracia - se não contra esta. Ê que a buro­
Em segundo lugar, não há sinal de um cracia adquiriu, entretanto, uma existência ob­
«transbordar» da burocracia pelos operários em jectiva como parte integrante do sistema de ex­
nenhum destes movimentos. Estas lutas não es­ ploração. O menchevismo em 1917 era apenas
tão contidas, por assim dizer, de início num qua­ um discurso ; o estalinismo, o trabalhismo, o
dro burocrático no interior do qual se desenvol­ C. I. O. são, em graus diversos, poderes.
vessem e que acabassem por «transbordar». A Somos assim levados a uma terceira conside­
burocracia foi ultrapastmda - o movimento si­ ração. De 1923 a 1953, os revolucionários esta­
tua-se à partida num terreno outro. Isto não
vam reduzidos à contemplação impotente de um
quer dizer que a burocracia esteja abolida, que
círculo vicioso. A classe operária não poderia
o proletariado evolua num mundo onde já não
fazer a experiência definitiva das direcções bu­
pode mais encontrá-la ; a burocracia continua
rocráticas senão no decurso da luta ; mas a pró­
presente, e as relações do proletariado com ela
pria existência e influência dessas direcções sig­
não são somente complexas, são confusas : é ao
mesmo tempo mandatária, inimiga1, otbjecto ime­ nificava ou que as lutas simplesmente não avan­
diato de p ressão, quantidade negligenciável. Mas çavam, ou que eram derrotadas, ou que perma­
há uma coisa que já não é : direcção aceite e neciam até final sob o controlo da burocracia e
seguida por ocasião das lutas, mesmo no seu utilizadas por ela. Não se trata de uma teoria,
início. A concepção trotsquista do «transbordar» mas da descrição condensada e fiel dos trinta
(teorização da prática de Lenine face à social­ anos últimos da história do movimento operá­
-democraJCia e em particular da experiência de rio. A própria existência e a influência do esta­
1917) pressupunha que as massas se situam no linismo, por exemplo, impedia que a experiência
início no mesmo terreno que as direcções «trai­ do proletariado no decurso de uma crise tomasse
um sentido revolucionário. Dizer que isso se de­
doras» e que permanecem sob a sua influência
até que a experiência adquirida, com o auxílio via à ausência de um partido revolucionário não
do partido revolucionário, no decurso das lutas, muda nada ; a influência estaliníana significava
as separe destas. Ora, a experiência contempo­ precisamente a. supressão da possibilidade de um
rânea, e a de 1955 em primeiro lugar, mostra partido revolucionário, e, em primeiro lugar, a

374 376
A EXPERif.:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO OS OPERÁRIOS FRENTE À BUROCRACIA

supressão física dos seus eventuais militan­ não são nem podem ser permanentes sob o re­
tes ( 6 ) . gime capitalista. O problema da organização de
Ora, as lutas de Verão de 1955 são um pri­ minorias operárias durante os períodos de inac­
meiro sinal de que o círculo vicioso se quebrou. ção subsiste. No entanto, coloca-se de modo di­
Quebrou-se pela acção operária, a partir de uma ferente.
experiência acumulada não tanto do papel da É preciso verificar em primeiro lugar que
burocracia como direcção «traidora>> das lutas o grau de maturação que revelaram as lutas de
revolucionárias, mas da sua actividade quoti­ 1955 impede que se coloquem os problemas «rei­
diana como cão de guarda da exploração capi­ vindicativos» e «políticos» separadamente uns
talista. Para que esta experiência se desenvolva dos outros. Há muito que é sabido que objec­
não é indispensável que a bu:rocraci:a aceda ao tivamente são indissociáveis. Sê-lo-ão cada vez
poder ; o processo económico, por um lado, a luta mais na consciência dos operários. Uma mino­
de classes elementar e quotidiana na fábricas, ria organizada numa empresa, toma a forma de
por outro, levam-na inexoravelmente a integrar­ uma comissão de luta, de um grupo reunido em
-se no siRtema de exploração e revelam a sua torno de um jornal operário, ou de um sindi­
natureza perante os operários. Tal como era im­ cato autónomo, deverá desde o início afirmar cla­
poss.ívcl constituir uma organização revolucio­ ramente esta unidade. Não entendemos, ao dizê-lo,
nária explicando aos operários franceses a trai­ que deva entregar-se às prestidigitações trots­
ção esta1iniana na China em 1927, assim é pos­ quistas tendendo a fazer surgir de uma exigên­
sivel fazê-lo ajudando-os a organizar a sua luta cia de aumento de cinco francos a greve geral
quotidiana contra a exploração e contra os seus e a revolução, como um coelho de uma cartola :
instrumentos sindicais e políticos «operários». deverá, pelo contrário, evitá-las cuidadosamente,
Que conclusões se podem tirar desta análise e condenar, quando aparecem, os saltimbancos
no que se refere ao problema da organização do que a elas se entregam. 999 vezes em 1000, uma
proletariado e da vanguarda ? greve p or cinco francos é uma greve por cinco
Tanto a greve de Nantes como a greve dos francos e nada mais. Ou melhor, o que contém
dockers ingleses mostram a forma adequada de a mais não vem de conduzir à luta pelo poder,
organização dos operários durante a :acção. Não mas de chocar, sob uma forma ou outra, com
voltaremos ao conteúdo desta form:a, nem às o aparelho d e dominação capitalista interno à
suas limitações eventuais. Mas pela própria na­ fábrica e incarnado pela burocracia «operária:..
tureza das coisas e até nova ordem, tais formas A organização da luta contra esta é impossível

37:6 877
A EXPERI�NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO OS OPERÁRIOS FRENTE À BUROCRACIA

se não se puser à luz do dia a sua natureza total,


ao mesmo tempo económica, política e ideológica.
Simultaneamente, os operários não podem mo­
ver-se eficazmente no meio das múltiplas con­
tradições que suscita mesmo a luta reivindica­
tiva mais elementar nas condições do capitalismo
decadente - contradições que acima foram in­
dicadas no exemplo c.le Nantes - a não ser que
consigam situar as suas lutas numa perspectiva
mais geral. Trazer para a ordem do dia essa
perspectiva é a função essencial das minorias
N OTAS
organizadas.
Mas é necessário compreender igualmente
(1) À excepção de algumas localidades, rsenoo Nantes
que, mesmo quando se trata de lutas elementa­
a mais impoTtante.
res, as minorias organizadas têm por tarefa au­
xiliar a eclosão das formas de organização co­ ( 2) ·Compagnies Républicaines de Sécurité,. oorpo pro-a­
-militar que desremplffilha funções de polícia de choque
lectiva-democráticas da massa dos operários,;
(N. do E.).
formas de que Nantes forneceu o exemplo, for­
mas de organização que se revelaram já como (3) Referimo-nos aqui à faoo a:scendente do movti­
mento: o seu declínio significou uma certa retomada de
as únicas eficazes e que se revelarão cada vez
controlo ;por P'arte dos burocvatas - aliás muito relativa:.
mais como as únicas possíveis.
(4) Houve em 19�8, nalguns locais,. verda:dreiras ope­
rações de guerra civil entre os mineiros e a polícia.

(5) Ver o ·artigo de Daniel MO'thé publicado no n.o 18


de S. ou B .,. bem como a descrição da greve Citroen nQIS
extractos de T'l'ibune Ouvriere, no fim do mesmo nú­
mero.

(6) De :rte•sto, os defensores trotsquistas desta postição


poderiam perguntar-G�e - uma vez não são vezes - por­
que é que semelhante partido não pôde constituir-se ao
longo de trinta anos. Seriam assim reconduzidos·, oomo
se diz, ao problrema precedente.

378 �79
l
AS GREVES DA AUTOMAÇÃO
EM INGLATERRA *

Há ano e meio que o equilíbrio precário so­


bre o qual vive desde a guerra o capitalismo bri­
tânico ameaça de novo romper-se. Os preços
sobem, as importações aumentam, as exporta­
ções, sob a pressão crescente da concorrência
internacional, em particular a alemã e a japo­
nesa, estagnam. Considerando que as raízes do
mal se encontram numa procura interna exces­
siva, absorvendo uma parte demasiado grande
da produção e não deixando o suficiente para a
exportação, o governo conservador de Eden ten­
tou combater as «pressões inflacionistas» atra­
vés� do aumento de impostos e restrições ao cré­
dito, em particular ao crédito para a venda de
automóveis ; visava também, por meio destas

• S. ou B., n.• 19 (Julho de 191/i,6)

381
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES DA AUTOMAÇÃO EM INGLATERRA

medidas, provocar um certo aumento de desem­ completo da fábrica de tractores ; a introdução


prego, coisa que os capitalistas ingleses conside­ de métodos « automatizados» nesta permitirá
ram um excelente meio de disciplinar os ope­ elevar a produção anual para 100 000 tracto­
rários e de os obrigar a «moderar as suas res, reduzindo em metade o pessoal. A redução
reivindicações». As medidas governamentais não do pessoal foi apresentada pela companhia como
tiveram até agora mais que um efeito tardio, «temporária», acompanhada de promessas de
limitado c incerto na balança externa ; em com­ readmissão uma vez terminado o reequipa­
pensação, conseguiram provocar uma paragem mento. Os operários recusaram-se a aceitá-la, e
no aumento da produção, praticamente estag­ os seus delegados apresentaram contrapropostas
nada desde hft um an o, e atingir seriamente a visando uma redução do tempo de trabalho para
indústria automóvel, onde a duração do traba­ todo o pessoal e uma reorganização dos planos
lho foi reduzida por várias vezes desde o começo de produção da companhia. Estas propostas
do ano. foram rejeitadas pela direcção. A greve durou
In neste clima que se situa a greve de Abril­ quinze dias. Acabou a 11 de Maio com um re­
-Maio de 1956 dos operários da Standard Motor cuo parcial da direcção e com a sua promessa
Com pany Ltd., em C oventry. Já no mês de Março de reexaminar o problema em conversações com
tinha rebentado um conflito, e os operários não os delegados dos operários. A 25 de Maio, a di­
haviam aceitado a colocação no desemprego al­ recção aceitava uma parte das propostas operá­
ternado de 2150 operári os por dia que a comp a­ rias, mas a 31 de Maio rejeitava as outras,
nhia decidira. Mas quando, a 27 de Abril os 2000 declarando que iria despedir 2600 operários. A
operários da Standard se puseram em greve, partir de então, está em vias de se desenvolver
recusando o despedimento de 3000 de entre eles, um conflito entre os homens e os seus delegados
o acontecimento tomou um alcance infinitamente de secção. por um lado, que querem entrar em
maior. A Standa:rd, um dos «cinco grandes» da greve, e os sindicatos oficiais que tentam atra­
indústria autom6vel inglesa, possui em Corventry vés de manobras de todas as espécies evitar a
a fábrica de Canley onde 6000 operários fabri­ luta, por outro.
cam automóveis, e a fábrica de Banner Lane,. A greve dos operários da Standard teve uma
onde 5000 operários produzem 70 000 tractores imensa repercussão em Inglaterra. Não é exa­
por ano (cerca de metade da produção inglesa) . gero afirmar que a partir de 26 de Abril, a
O despedimento de 3000 operários surgia como «automação» se tornou uma preocupação maior
resultado da reorganização e do reequipamento dos operários, dos sindicatos, dos capitalistas e

382 383
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO
AS GREVES DA AUTOMAÇÃO EM INGLATERRA

do governo inglês. O que não foi durante muito independentes do sindicato, são eleitos por cada
tempo mais do que utopia e «science-fiction», o departamento da fábrica ; podem ser revogados
que era na véspera ainda objecto dos cálculos por uma simples assembleia dos operários do
dos engenheiros e dos grandes contabilistas da respectivo departamento, por um voto de «não
indústria, tornou-se em poucos dias um factor confiança» e nesse caso um novo delegado é
dominante na história social do nosso tempo e imediatamente eleito. São os delegados que con­
tema de enormes títulos de primeira página em duzem a maior parte das negociações com a di­
todos os jornais de grande circulação. É que os recção sobre os conflitos que surgem quotidiana­
problemas levantados pela automação atingem mente a propósito da produção, das normas, dos
ao mesmo tempo a estrutura «liberal» do capi­ níveis, etc. De facto, o papel dos sindicatos tende
talismo ocidental e a estrutura da fábrica capi­ a ser reduzido à formulação, uma vez por ano,
talista. Ao mesmo tempo, alguns dos aspectos de reivindicações sobre os níveis dos salários de
profundos das relações existentes na fábrica base que, em Inglaterra como aliás por toda a
moderna entre os operários, os sindicatos e a parte, têm apenas uma relação cada vez mais
dirccçiio eram brutalmente trazidos à luz do dia : longínqua com os salários efectivos dos operá­
o grau de organização espontânea dos operários, rios.
a sua atitude face à organização da produção, O movimento dos delegados de secção sur­
a incapacidade da direcção em controlar efecti­ giu em Inglaterra nos fins da Primeira Guerra
vamentc a fábrica surgem claramente na greve Mundial. Entre as duas guerras, foi constante­
da Standard. mente tema de uma luta entre operários e capi­
talistas, recusando-se estes a reconhecer os
O PAPEL DOS DELEGADOS DE SECÇÃO delegados e despedindo-os sempre que podiam ;
frequentemente obrigados a recebê-los, aprovei­
O papel desempenhado pelos delegados de tavam o primeiro afrouxamento da pressão ope­
secção (shop stewards) durante a greve da Stan­ rária para os atacar de novo. Mas durante a
dard torna necessárias algumas explicações so­ Segunda Guerra Mundial, os capitalistas foram
bre esta forma de organização dos operários obrigados a compreender que o desenvolvimento
ingleses, que não tem equivalente em França da produção de que dependia a sorte da Ingla­
(onde os delegados de secção ou oficina foram terra seria impossível se não reconhecessem os
inteiramente integrados pelo aparelho sindical) . delegados de secção. Assim estes acederam a
Os delegados de secção ingleses são de facto um estatuto semi-legal. Hoje em dia, os oper!-
3 84
885

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A EXPERI�NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES DA AUTOMAÇÃO E M I NGLATERRA

rios considerariam qualquer ataque contra os Mas o aspecto mais característico do movi­
delegados como um ataque contra o movimento mento dos delegados de secção é que este tende
sindical e contra os direitos democráticos ele­ a superar o nível da secção ou da fábrica e a
mentares. organizar-se a uma escala muito mais vasta, ao
Os sindicatos controlam teoricamente o mo­ nível da indústria e ao nível da região. Reuniões
vimento dos delegados de secção porque são eles regulares, totalmente não oficiais, de delegados
quem passa o certificado que atesta essa quali­ de secção de fábricas dos quatro cantos do país
dade. Mas, de facto, não há um único exemplo têm lugar para a maioria dos grandes ramos
em que o sindicato se tenha recusado a reconhe­ da indústria ; nessa ocasião, os delegados de to­
cer um delegado eleito pelos operários (em dos os ramos da indústria de uma dada região
França, como se sabe, os delegados são pratica­ reúnem-se. Depois de ter ignorado ou pretendido
mente designados pelos sindicatos, e é por este ignorar este facto durante anos, a imprensa bur­
ou aquele sindicato que os operários são efecti­ guesa começa agora a ter que o referir. Podia
vamentc chamados a votar) . A independência de ler-se nos jornais ingleses de 5 de Março que, no
facto dos delegados de secção exprime-se cla­ sábado, 3 de Março, tinha tido lugar em Bir­
ramente na altura das greves. Como no mais mingham uma reunião da comissão (não oficial)
das vezes, os sindicatos se opõem à greve, os dos delegados de secção da indústria automóvel ;
delegados começam por declarar a greve que os esta votara uma resolução acusando o governo
homens exigem ; dirigem-se a seguir ao sindicato como directamente responsável pela situação de
e pedem que a greve seja «reconhecida» ( o que crise na indústria automóvel, apelando aos ope­
permitirá aos operários receber um subsídio de rário's do automóvel para que realizassem «mee­
greve dos importantes fundos de que o sindicato tings» e manifestações de massa a 2,6 de M·arço,
dispõe) . Então, o sindicato dirá quase sempre convidando os representantes dos operários das
que não pode ser e pedirá ao delegado que per­ outras indústrias afectadas pela política econó­
suada os homens a retomarem o trabalho. O mica do governo a que se lhes juntassem, e de­
delegado convocará uma reunião puramente for­ cidira convocar uma conferência especial de de­
mal, depois voltará ao sindicato para explicar legados de secção da indústria automóvel para
que não pôde fazer nada. Na maioria dos casos, Birmingham, a 22 de Abril. Do mesmo modo,
o sindicato cederá e reconhecerá a greve. Mas logo que o problema da automação foi colocado
se não ceder, os delegados, de um modo geral, na prática, ignorando as resoluções grandilo­
prosseguem na sua acção, ignorando-o (1) . quentes e platónicas votadas pelos sindicatos, os

386 387
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO
AS GREVES DA AUTOMAÇ.ÃO EM INGLATERRA
delegados de secção organizaram os seus con­
tre os delegados serão ao mesmo tempo sindica­
tactos à escala nacional. Os jornais de 28 de
listas activos, e entre estes haverá os que ten­
Maio davam conta da realização de uma confe­
derão a fazer prevalecer junto dos operários a
rência nacional de delegados de secção das in­
linha do sindicato. Mas a sua revogabilidade per­
dústrias mecânicas e assimiladas que se reunira
manente impede que possam fazê-lo de modo
em Londres, no domingo, 27 de Maio. Esta con­
sistemático ou sobre questões consideradas im­
ferência exigiu «que uma consulta completa aos
portantes pelos operários. Entretanto, basta
operários da base (at shopfloor level) tiveS!Se
comparar a linha de acção efectiva dos delegados
lugar antes da introdução de novos métodos de
na grande maioria dos casos, ou a resolução
produção . . . que o aumento da produção se re­
sobre a automação acima citada, com a atitude
flectisse no aumento do salário . . . os empregado­
e o falatório dos sindicatos, para compreender
res foram avisados de que se não levassem em
que o movimento dos delegados de secção e a
conta estas reivindicações, teriam de contar com
burocracia sindical se encontram efectivamente
uma resistência até ao fim». A moção unanime­
divididos por uma linha d e classe.
mente aprovada declara : «Não nos opomos à
introdução de novos progressos técnicos, mas
insistimos em que uma consulta completa dos O PODER EFECTIVO NA FABRICA
operários da base deve ter lugar antes dessa
E A ATITUDE, DOS OPERÁRIOS
introdução. Estamos decididos a salvaguardar
os interesses dos operários e a lutar pela eleva­
A partir do momento em que uma tal forma
ção do nível de vida como consequência da au­
de organização existe, apesar do seu carácter
tomação, pela consulta plena, pela eliminação do
parcial e não formal, das manobras da buro­
desemprego, pelo pagamento integral dos ope­
cracia sindical e do peso enorme dos meios de
rários enquanto a solução satisfatória dos pro­
que dispõe o capitalismo na fábrica e na socie­
blemas que surjam numa empresa não for en­
dade, surge a força do proletariado moderno,
contrada, pela redução do tempo de trabalho
aparece neste facto que faz com que a direcção
semanal e por três semanas de férias anuais
capitalista já não seja senhora absoluta na sua
pagas» (2) .
«própria casa». Os operários, unificados em
Sem dúvida, seria falso pensar que o movi­
torno dos delegados de secção, recusarão em
mento dos delegados de secção é inteiramente
muitos casos executar sem mais as directivas
independente da burocracia sindical ; alguns en-
dos gabinetes ; nos conflitos que nascem quoti-
388
389
A EXPERif:NCTA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES DA AUT OMAÇÃO EM INGLATERRA

dianamente no interior da produção é realizado semana de trabalho de 36 horas e com o mesmo


a todo o momento um compromisso perpetua­ salário. Sob a ameaça da greve, a direcção teve
mente instável e móvel entre a linha da direc­ de aceitar um compromisso.
ção e a resistência colectiva dos operários. Os Ainda mais característica foi a atitude dos
dois exemplos seguintes mostram que, dado um operários e dos delegados por ocasião do pro­
certo nível de organização e de combatividade blema dos despedirnentos a fazer por motivo da
dos operários, sem barricadas nem sovietes' o introdução da automação na fábrica de tracto­
que está mais ou menos em questão é já o pró- res de Banner Lane, surgido no fim de Abril.
prio poder dos capitalistas da fábrica. A direcção anunciara inicialmente a sua inten­
Em 1!154, a direcção da Standard editou uma ção de despedir temporariamente 2500 operários
regulamentação da actividade e dos direitos dos durante a reorganização da fábrica afectada
delegados de secção - o que revela já o grau de pela automação ; a seguir, elevou esse número
tensão permanente que existe na empresa. Os para 2900 e ao mesmo tempo anunciou que re­
delegados não o levaram em conta a não ser cusava qualquer redução do tempo de trabalho.
no que lhe acharam de útil. Em Dezembro de Os 11 000 operários da firma entraram então
1954, a direcção despedia três delegados por in­ em greve, e os delegados apresentaram um plano
fracção desse regulamento. Os 11 000 operários de reorganização da produção da fábrica. Pro­
da fábrica puseram-se imediatamente em greve, puseram : que urna parte dos operários fosse
e após alguns dias a direcção capitulava e rein­ ocupada na produção de peças comuns ao velho
tegrava os delegados. e ao novo modelo de trator, peças que serviriam
O segundo exemplo é fornecido pela série em parte para os stocks de peças de substi­
de movimentos que começaram, a partir de tuição do velho modelo e em parte para o fa­
Março, na Standard. No início de Março, antes brico ulterior do nocvo ; que a produção come­
de qualquer conflito relativo à automação, a çasse imediatamente ao seu ritmo máximo actual
Standard decidia reduzir a sua produção de au­ nas partes já reequipadas e nas que o pudessem
tomóveis, que ultrapassava a procura, e intro­ ser rapidamente ; que o restante dos operários
duzir um sistema de rotação comportando o afas­ da fábrica de tractores fosse absorvido pela
tamento do trabalho de 250 operários por dia. fábrica de automóveis, organizando-se nesta o
Os operários responderam, através dos seus de­ trabalho por três equipas breves, em vez de uma
legados, propondo uma outra maneira de redu­ longa equipa diurna e de uma breve equipa noc..
zir a produção na quantidade pretendida : a turna como anteriormente. Ao argumento da

390
/

A EXPERIJ!:NGIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO AS GREVES DA AUTOMAÇÃO EM INGLATERRA

direcção dizendo que isso obrigaria a triplicar talistas. Após uma série de declarações contra­
os contramestres e o resto do pessoal não pro­ ditórias e de esquivas, a sua atitude foi, enfim,
dutivo, a comissão de greve respondeu que os claramente expressa por M. J. Crawford, mem­
contramestres poderiam trabalhar por duas bro do Conselho Geral das Trades-Unions :
equipas longas correspondentes às três equipas «Quando se trata de formular a política sin­
breves dos hom en s ; e, de qunlquer maneira, «que dical relativamente à automação, as discussões
os contramestres estejam ou não presentes, não devem ser conduzidas por homens situados ao
faz a mínima diferença , porque é o pagamento nível mais elevado (men (Ü the top lm;el) , não
de prémios que estimula o trabalho» (n) . por delegados de secção . . . De outro modo, a
O que é importante aqui, para além destas anarquia instalar-se-á entre nós . . . » ( 6 )

propostas concretas, é a atitude gestionária dos Durante a greve de Abril-Maio, os sindicatos


operários e dos delegados, o facto de se coloca­ tinham conseguido, através de uma série de
rem no ponto de vista da organização de corn­ manobras dilatórias, evitar tomar posição sobre
junto da produção da fábrica e de serem forço­ a greve. Mas não puderam escapar-se com a
samente levados a fazê-lo para lhes ser possível mesma comodidade posteriormente.
responder concretamente à organização capita­ Quando, a 31 de Maio, a direcção da Standard
lista da fábrica e travar os danos que esta lhes anunciou o despedimento definitivo de 2600 ope­
provoca. rários, o secretário sindical do distrito de Coven­
try declarou que o seu sindicato se sentia «for­
temente chocado» com a notícia. No mesmo dia,
A ATITUDE DOS SINDICATOS os delegados de secção da fábrica decidiram pe­
dir aos sindicatos que apelassem oficialmente
A partir do mês de Abril, as resoluções das para a greve dos operários. A atitude prudente
conferências anuais de diversos sindicatos ou dos dos delegados explica-se pela transformação da
seus órgãos directivos sucedem-se, «felicitando­ situação após o mês de Abril : a Standard estava
-se» todas elas pela resistência dos operários aos em vias de reduzir a sua produção de automó­
despedimentos (4) , ameaçando os patrões com veis, uma parte dos despedidos pertencia à fá­
greves (5) , etc. De facto, os sindicatos - as di­ brica de automóveis da companhia ; a greve po­
recções oficiais - fizeram tudo o que puderam deria ser longa, e os operários não poderiam
para evitar que o problema se colocasse no ter­ sustentá-la sem o apoio financeiro do sindicato.
reno da luta real dos operários contra os capi- As direcções sindicais deviam reunir-se a 3 de

393
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO
AS GREVES DA AUTOMAÇÃO EM I NGLATERRA

Junho para decidir da sua atitude. A reunião foi


por meio de processos electrónicos. Não há in­
depois adiada para 6 de Junho. Quando se rea­
venção absolutamente nova na base da nova or­
lizou, os dirigentes sindicais pronunciaram-se
ganização da fábrica de Banner Lane. Houve,
unanimemente contra a greve. «Em lugar da
durante anos, investigação e aplicação parcial de
greve», observa inocentemente o Manchester
novos processos «automáticos» num grande nú­
Guardian de 7 de Junho, «pedirão ao ministro
mero de ramos da indústria. Depois, subitamente,
do Trabalho, M. Macleod, que convoque uma
a reorganização total de uma fábrica na base
reunião de todas as partes interessadas para .
desses processos, levando-se a aplicação o mais
discutir a situação». O ministro do Trabalho re­
longe possível em cada sector particular e re­
cebeu efectivamente os dirigentes sindicais a 7
pensando a sua integração num conjunto pro­
de Junho, para lhes declarar que «a questão de
dutivo por métodos eles próprios «automatiza­
saber se esta ou aquela firma tinha trabalho
dos», torna-se tecnicamente possível e economi­
suficiente para conservar todos os seus operá­
camente rentável. O aspecto revolucionário da
rios só pela firma podia ser decidida . . . » .
«automação» actual consiste em que existe
.,._Não há qualquer dúvida de que os operários
agora a capacidade de fazer tábua rasa da orga­
da Standard e de outros lugares apreciaram pelo
nização precedente da fábrica e aplicar em massa
seu justo valor este resultado palpável das «dis­
em todos os departamentos os processos e as
cussões ao nível mais elevado».
máquinas que até então só eram utilizados de
modo parcial e esporádico.
A AUTOMAÇ�O E A Mas a aplicação dos novos p�ocessos numa
ECONOMIA CAPITALISTA escala anteriormente desconhecida, não só dá à
fábrica «automa:tizada» uma estrutura qualita­
O que é a automação e em que consiste no
tiva nova, mas põe à escala da sociedade inteira
caso da Standard ? A palavra é vaga, e recobre
problemas enormes que desde o início põem em
uma realidade complexa e confusa. As técnicas
causa a organização pseudo-liberal do capita­
introduzidas pela Standard nada têm de revolu­
lismo ooidental.
cionário, quando tomadas separadamente. Na
O primeiro desses problemas é, evidentemente,
medida em que é possível sabê-lo, apresentam
o do desemprego tecnológico dos operários ex­
uma combinação de «máquinas-transferência»
pulsos das fábricas «automatizadas» . A econo­
(utilizadas na Renault há já anos) e de um
mia de força de trabalho resultante da «auto­
certo grau de controlo automático da produção
mação» parece enorme. No caso da Standard,

:391)

A S GREVES D A AUTOMAÇÃO E M INGLATERRA


A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO
da acumulação e da sua repartição entre inves­
pa�ece que haverá um aumento da produção de timentos tradicionais e novos, mas, no fim de
mais de 40 por cento com urna redução de pes­ contas, a todos os aspectos importantes da eco­
soal da ordem dos 50 por cento. Isto equivale a nomia capitalista. Tão falso como pensar que o
um aumento da produtividade do trabalho de desemprego resultante da automação será exac­
.
mais de :sopor cento, e significa que 0 nível tarnente equivalente ao número de operários ini­
d� produçao anterior poderá doravante ser atin­ cialmente despedidos ( 7) , é dizer que a pro­
gido com um terço da mão-de-obra anterior­ dução capitalista criará automaticamente um
mente empregada. número equivalente de novos empregos ( 8 ) .
Isto não quer dizer, evidentemente, que 0 Mas mesmo abstraindo da questão : qual será
desemprego total aumentará exactarnente em o desemprego global resultante da automação ?
números equivalentes de operários despedidos. - uma coisa é certa : o desemprego dos operá­
P�r um lado, o emprego deve aumentar nas fá­ rios directarnente atingidos por ela. Do ponto
briCas que produzem o novo equipamento, que de vista económico abstracto, é possível que haja
_
o arranJam, o substituem no fim da sua vida igualmente entre o número de operários despe­

pro utiva, etc. - e este aumento do emprego didos pela Standard e o dos que são no mesmo
tera repercussões secundárias nas indústrias momento absorvidos pela indústria do equipa­
que produzem bens de consumo para os respec­ mento electrónico, das máquinas-utensílio ou

tiv�s ?perár os. Por outro lado, a acumulação mesmo dos produtos químicos. Do ponto de vista
capitalista nao toma imediatamente e integral­ real, não é de modo nenhum assim. Os novos
mente a forma de investimento nas fábricas empregos criados pelo próprio facto da automa­
«automatizadas» ; continua, na sua maioria, a ter ção ou pela expansão geral do capitalismo não se
lugar sob a forma de investimentos do tipo cor­ encontrarão na mesmo localidade ; nem exigem
rente, em que cada mil milhões de francos de as mesmas qualificações. Mais ainda : os empre­
novo equipamento criam, digamos, urna procura gos que subsistirem na fábrica « automatizada»
de �ml_ novos operários. Não é possível entrar
só numa fraca medida poderão ser ocupados pe­
aqm nos problemas complexos que s e colocam a los operários que antes aí se encontravam, por­
est� propósito. O resultado final líquido depen­ que a sua natureza é diferente. Como disse o
dera de uma quantidade de factores que dizem Manchester Guardian, parafraseando, provavel­
respeito não só ao grau de economia de força mente sem o saber, Marx : «Para que é que serve

de tra alho �ealizada pelas novas invenções, à a um mecânico despedido de Coventry saber que
extensao dos mvestirnentos necessários, ao ritmo
897
39!6
A EXPERil!:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES DA AUTOMAÇÃO EM INGLATERRA

há empregos vagos nos autocarros de Edin­ râneo. A sua força efectiva no interior da so­
burgo ?». ciedade impede que se pretenda deixar os operá­
Os problemas resultantes deste contexto são rios morrer de fome ou desembaraçarem-se por
para o operário praticamente insuperáveis. A fa­ si próprios ; de outro modo, destes problemas os
çanha que é para o operário individual a aqui­ capitalistas sabem que os operários, nesse caso,
sição de uma qualidade, o encontrar de um alo­ poderiam desembaraçar-se de um modo comple­
jamento e a sua instalação aí, é algo que dificil­ tamente novo. Os problemas levantados pela «re­
mente pode repetir-se duas vezes numa vida. Do classificação» dos operários despedidos - aloja­
ponto de vista capitalista, estes aspectos não mento numa outra localidade, nova aprendiza­
podem ser levados em consideração ; uma firma gem, despesas relativas a tudo isso - só podem
não pode ordenar o seu equipamento e a sua ser encarados no plano nacional, e invocam a
produção de acordo com o princípio da manu­ acção do Estado. Este factor, nas sociedades
tenção do emprego dos seus operários actuais. capitalistas ocidentais, não pode deixar de dar
Está na lógica absoluta da produção capitalista novo impulso à intervenção concreta e especí­
tratar o operário como não importa que outra fica da burocracia estatal e sindical na organiza­
mercadoria, que deve deslocar-se até encontrar a ção da economia.
respectiva procura, transformar-se para respon­ É assim muito natural que o diário do Par­
der às exigências desta. O facto de o objecto tido Trabalhista, o Daily Mirror, publique a vá­
desta deslocação ou desta transformação ser a rias colunas e na primeira página, a 8 de Maio,
própria pessoa de um operário em nada muda a um «plano em dez pontos para a segunda revo­
questão. No limite, se o operário não pode ser lução industrial». Partindo do princípio de que
transformado de acordo com as exigências de um «à falta de um plano governamental, a indús­
universo mecânico em revolução perpétua, a sua tria mergulhará no caos», o jornal trabalhista
sorte não pode nem deve ser diferente da de que quer que o governo forneça os fundos para a
não importa outro instrumento de produção que mudança para outras localidades dos operários
se acha fora de moda antes da sua completa despedidos, que lhes forneça os alojamentos ne­
usura : a sucata. cessários, que tome a seu cargo as despesas de
Foi, com efeito, assim que o capitalismo «re­ aprendizagem dos operários que tiverem de mu­
solveu» o problema do desemprego tecnológico dar d e qualificação, que constitua «equipas mó­
no passado. Mas o que era possível no século XIX, veis de especialistas» para enfrentar os proble­
já o não é em relação ao proletariado contempo- mas criados nas diversas regiões pela introdução
398 899
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO
AS GREVES DA AUTOMAÇÃO EM INGLATERRA
da automação ( 9) , etc. Mas é muito mais carac­
verno». Mas esta atitude não poderá ser man­
terístico que o grande diário liberal Manchester
tida senão enquanto a introdução dos novos mé­
Guardian não só adapte completamente este
todos de produção permanecer limitada. A :x­
ponto de vista, e insista no facto de só o Estado
tensão fatal da manutenção obrigará os Tones
poder garantir a solução dos problemas , criados
a deitar borda fora a sua « ideologia» (não, seria
pela introdução da automação, mas chegue a
a primeira vez) - ou a ceder o lugar.
escrever : «Podemos neste problema adaptar al­
guns dos métodos dos soviéticos. Ontem, numa
A AUTOMAÇÃO E A
discussão sobre a maneira pela qual os Russos
FABRICA CAPITALISTA
trataram o problema da automação, M. S. Ba­
bayants, dirigente dos sindicatos russos da in­
Mas os efeitos da automação sobre a estru­
dústria mecânica, actualmente em visita ao país,,
tura da fábrica capitalista, sobre as relações con­
dizia que as novas máquinas não acarretam pre­
cretas de produção e a actividade quotidiana dos
juízos para os operários, porque os que são subs­
operários, tem um alcance ainda maior.
tituídos pela automação, são reeducados em
De 14 a 17 de Maio, teve lugar em Londres
vista da realização de outras tarefas, recebendo
uma conferência internacional de sindicatos · so­
o salário completo, antes de qualquer nova trans­
bre a automação, organizada pela Agência Euro­
formação». «As direcções das firmas indivi­
peia de Produtividade. Eis as declaraçõ:s ?e um
duais», continua o jornal, «têm uma responsabi­
dos participantes, M. Serge Colomb, tecmco. na
lidade evidente neste domínio, mas é claro que
Renault em Paris, tais como foram referidas
Iião pode esperar-se que assumam toda a res­
pelos jornais ingleses (1° ) . Tomam toda a sua
ponsabilidade da solução. Se tivéssemos um
significação se pensarmos que os sindicatos reu­
plano nacional deste tipo, o medo do desem­
nidos pela A. E. P. são tudo menos «subver­
prego seria muito menor . . . Eis o género de au­
sivos».
xílio que os sindicatos deveriam exigir ao go­
Depois de ter lembrado que a Renault lan­
verno, e o género de auxílio que lhes deveria ser
çara o seu programa de automação a partir de
concedido».
1947, e que desde esse ano a força de trabal�o
De momento, o governo conservador limita-se
da fábrica aumentara 15 por cento e a produçao
a lançar apelos à calma e a declarar que «a di­
300 por cento, M. Colomb continuou :
mensão da mão-de-obra é essencialmente um .
«Não foi possível atingir um estado de eqUI·
problema que . não deveria ser da alçada do go-
líbrio no redesdobramento da força de trabalho.
400
401
A EXPlmi�NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO AS GREVES DA AUTOMAÇÃO E M INGLATERRA

O número de operários que foram transferidos ção alargada das diversas tarefas e definir uma
para trabalhos de qualificação inferior após a grande gama de novas tabelas.
introdução da automação é mais elevado do que Esta surpreendente declaração não tem ne­
o dos novos postos criados, e muitas vezes, a na­ cessidade de longos comentários. :m um técnico
tureza destes' últimos é tal que os novos operários de uma fábrica capitalista a cuja honestidade
têm de ser recrutados noutras categorias. deve ser prestada homenagem, quem demole em
«0 hiato entre a produção e a formação pro­ dez linhas sóbrias toda a mitologia do «pro­
gresso» capitalista. Basta sublinhar aqui a sig­
fissional é um outro problema fundamental da
automação. O plano de formação profissional da nificação das indicações que fornece sobre os
fábrica . . . foi incapaz de prever com três anos salários. A automação retira uma base «objec­
de antecipação aquilo de que a produção teria tiva» mais à diferenciação dos salários ; a direc­
necessidade. Há alguns anos, eram necessários ção reage procedendo a uma « reavaliação alar­
fresadores, ajustadores e torneiros. Agora, há gada das diversas tarefas» - é o «estudo dos
lugares de trabalho», cada vez mais espalhado -,
sobretudo necessidade de operadores e outras
que, com toda a evidência, não pode deixar de ser
categorias de operários.
arbitrária, visando uma única coisa : manter a
«As horas de trabalho não foram reduzidas
'· divisão entre os operários.
e, embora um pouco mais bem pagos, os operá-
Para compreender os efeitos da automação
rios das secções que foram automatizadas não
sobre a estrutura concreta da fábrica capitalista,
receberam as vantagens anunciadas pelos pro­
é necessário captar a função social que é cha­
fetas da automação. O isolamento do operário
mada a preencher na sociedade de exploração
no meio de um conjunto complexo de máquinas
e o seu lugar na história das relações entre o
pode ter repercussões muito sérias e acentuar
capital e o trabalho.
a «desumanização» do trabalho, que é ainda mais
Consideradas abstractamente, as grandes mo­
duramente sofrida na ausência de um trabalho
dificações da técnica produtiva na sociedade
físico esforça do.»
capitalista apresentam-se como resultado de uma
No que se refere aos salários, M. Colomb evolução tecnológica relativamente «autónoma»,
disse que, evidentemente, não era possível utili­ e o seu emprego na produção como resultado da
zar o pagamento à peça ou os prémios, uma vez aplicação de um princípio de rentabilidade igual­
que é a máquina quem determina o ritmo do tra­ mente « autónomm>, quer dizer, independente de
balho. Foi necessário proceder a uma reavalia- todas as considerações sociais. De facto, a apli-

40>2 403
A E X PEIU:E:NGIA DO MOVIMENTO OPERARIO A E XPERI:l!:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO

cação em massa destas aplicações na indústria Mundial, a introdução das máquinas semi-auto­
assume um conteúdo social extremamente pre­ máticas e da cadeia de montagem, surgiu ao ca­
ciso ; brutalmente falando, constitui quase sem­ pital como devendo desembaraçá-lo definitiva­
pre um momento da luta das classes, uma ofen­ mente dos operários qualificados e deixá-lo
siva do capital contra o trabalho considerado perante uma massa de «serventes embrutecidos »,
como força produtiva originária. Na sociedade que poderia manejar à sua vontade. Vinte anos
capitalista, que começa por corromper tudo e mais tarde, teve de desiludir-se : a aplicação
levar tudo a servi-Ia, as modificações técnicas universal dos novos processos levara à criação
são em cada etapa o, único meio· aparentemente de uma massa de operários semi-qualificados,
definitivo de «disciplinar» os operários ; isto é homogénea e disciplinada por sua própria conta
feito por meio de um ataque contra as forças e que, por força do desaparecimento das estrei­
produtivas vivas do operário, das quais, a cada tas qualificações profissionais anteriores, não
nova vez, nova faculdade é arrancada para se era menos decisiva para a marcha da produção,;
incorporar na máquina. Não podendo suportar sendo ao mesmo tempo muito mais capaz de re­
a resistência permanente dos operários, o capi­ solver o problema da gestão operária da produ­
tal estropia a aplicação da técnica na produção ção. De facto, o capitalismo revela-se muito me­
e subordina-a à prossecução do seu objectivo nos capaz de disciplinar, tanto na produção como
utópico : a eliminação da esfera da produção do na sociedade, o proletariado de 1955 do que o
homem enquanto homem. Mas em cada etapa, de 1905. Só o consegue graças à burocracia sin­
esta eliminação de novo se revela impossível: a dical e política.
nova técnica só pode ser aplicada em massa se E neste contexto que a aplicação das téc­
milhões de operários se apropriarem dela, abre nicas da automação vai tomar o seu sentido.
mesmo novas possibilidades que só podem ser Seria fácil recompor as ligações que levam dos
aproveitadas se os operários colaborarem mini­ imperativos «económicos» e «técnicos» das fir­
mamente. Cedo ou tarde, a dialéctica concreta mas à significação histórica do movimento ; mas
da acção humana na produção - da técnica e é esta última que mais nos importa aqui. O que
da luta de classe - faz surgir no primeiro plano objectivamente visa a aplicação da automação
o elemento dominante do processo de produção no período actual é isto : substituir cada centena
moderno : o proletariado. de operários semi-qualificados por uma vintena
Foi assim que a revolução tecnológica que de «serventes embrutecidos» e outra vintena de
teve lugar nas proximidades da Primeira Guerra «trabalhadores especializados comprados». Mas

405
A EXPERI:f:: NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO AS GREVES DA AUTOMAÇÃO EM INGLATE RRA

o que se sabe desde já acerca das aplicações da


automação (na Renault, por exemplo) mostra
que os serventes, em contacto com as máquinas
de substituição e os trabalhadores profissionais
tendem a apropriar-se do «saber fazer» relativ �
aos novos métodos (11 ) Em seguida e acima de

t�do, o q�e parece ter um certo sentido para a


. .
firma mdzvzdual torna-se absurdo à escala do
capitalismo no seu conjunto.
Aplicada ao conjunto da produção, esta trans­
formação acarretaria a aquisição de uma cul­ N O TA S
t �r� tec:_nológica superior pela maioria dos ope­
rarws. A falta de poder reduzir 60 por cento da (1 ) Foi o que se pas,sou em vária's greve's importantes
população ao desemprego, o capitalismo teria en­ de 19154 e 19,5,5 ; ver n!lis páginas' anteriores As greves dos
tão d e enfrentar uma massa proletária ainda rkckers ingleses.
mais qualificada, consciente e intratável do que ( 2) Manchester Guardian, 2:8 de Maio d!e 19,56 .
actualmente.
(3) The Times, 3 de Maio de 19'5!5:.
(4) Amalgamated Engineering Union: Manchester
Guardian, 2,5 de Abril de l9,5 6.
(5 ) Electrical Trades Union: Manchester Guardian,
t6 de Maio de 1%16.

(6) Manchester Guardian, ];8 de Maio de 1:956�.


(7) Se assim fosse, o desemprego de há um século e
meio para cá teria atingido propo�rções inimagináveis.
(S) Assdm, The Economist de lei de Mai() (p. 592:) ,
depois de ter repudiado' a ideia «géralmente adiantada
hoje em dia» - pelos capitalistas, e seus porta-vozes ­
segundo a qual «os efeitos a curto prazo da automação
inevitav:elmente dolo!l'OS()S, mas a longo prazo a automa­
ção criará de modo igualmente inevitável mais' empre�­
gos», propõe substituí-la, por uma <<Versão revista ho-

406 407
A EXPERil!:NCIA DO MOVIMEN T O OPERARIO

nesta» ( !) que s eria : «. . . Uma C()Ísa é certa e deve


reconfortar-nos. : a automação não pode ter lugar sem
uma procura efectiva - provavelmente amplamente dis­
tribuída - capaz de comprar os bens adicionais que ela
criará». A única justificação para esta ideia dada pelo
Economist é que uma companhia não procederá aos in­
vestimentos dispendiosos •implicados pela automação a
não ser se espera;r um aumento das. suas vendas . Mas
esta expectativa não se verificará obrigatoriamente; e
está longe de s1er a única razão que empurra à automa­
ção, Na maior parte das vezes, hav·erá ao mesmo tempo
aumento da produção e redução do pessoal ; é até possível
que a introdução da automação tenha lugar perante uma
procura estagnada, simplesmente para redução de custos.. BALANÇO'" PERSPECTIVAS, TAREFAS *
Acima de tudo, no quadro de uma. revolução tecnológica,
o aumento da procura, efectiva não tem relação necessá­
O primeiro número de Socialisme ou Barbarie
ria com um aumento do emprego ; aquela pode aumentar
e este declinar precisamente porque a, nova técnica •sig­ está datado d e Março-Abril de 1949. Com o pre­
nifica que um nível dado de produção, pode s1er atingido sente número, o vigésimo primeiro da revista,;
- e um nível correspondente de procura satisfeito - com esta começa o nono ano da sua existência. Não
uma quantidade diferente (menor) de trabalho. É difícil é, no entanto, este aniversário que hoje nos in­
dizer em que medida o Economist quer enganar os' outros
cita a proceder a um breve balanço do nosso
e em que medida se 'engana a, si próprio,
trabalho, a tentar prescrutar o futuro e a de­
(9) «Cada equipa dev:eria incluir um especialista sin­ finir novas tarefas. Não, o que torna esta re­
dical . . . » para s1e ocupa.r dos aspectos mais especificamente trospectiva possível e nos impõe que trace�os
op•erários dos problema.s, não é verdade? De modo ne­
novos projectos é que, entre 1949 e 1957, eXIste
nhum : « . . . que possa aplanar as dificuldades que podem
surgir se um homem quis,er mudar de sindicato». A bu­ já muito mais que apenas oito vezes doze meses,
r<>cracia do Labour Party não perde o norte e jamais é que uma nova época acaba de começar. Entre
esquece a necessidade que continua a ·ter de proteger as estas duas datas, há a crise do estalinismo e as
suas coutadas,.
primeiras revoluções proletárias contra a buro­
(10) Manchester Guara.""ian, 18 de Maio de 19;56·. cracia.

(11) Isto ·surge claramente no recente livro de Alain


Tl)uraine, L'évolution du t ravail ouvrier aux usines Re­
nault, Paris 1955,. * S. ou B., n.0 21, (Março de 1957) .

409
COMO LUTAR ? *

TRÊS MESES DE FRACASSOS

Desde o fim das férias ( a ) , sucederam-se nu­


merosos movimentos de greve. Os trabalhadores
tinham voltado de férias preparados para lutar
contra a baixa do seu poder de compra, que é
acompanhada por um aumento do rendimento,
uma intensificação das cadências e da fadiga.
Por várias vezes, ora espontaneamente, ora por
ordem dos sindicatos, operários, empregados e
funcionários deixaram o trabalho. Em certos
sectores, manifestaram uma combatividade ex­
traordinária : em Nantes, as greves rotativas du­
raram várias semanas. Em Saint-Nazaire, vio­
lentos conflitos com os G. R. S. (1 ) tiveram lugar.

* S. ou B., n.• 2� (Janeiro de 1958) .


(a) Quex dizer, Outono de 19M.

439
A EXPERI�NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO COMO LUTAR. ?

As greves de vinte e quatro horas da Electrici­ dia, paragem do trabalho da electricidade e do


dade e do Gás, a 16 de Outubro, da S. N. C. F. ( 2 ) , gás, depois da S. N. C. F., depois novamente da
a 25 de Outubro, da função pública, a 17 de No­ metalurgia, depois da função pública. De todas
vembro, foram seguidas com uma unanimidade as vezes tudo fica para recomeçar. único resul­
raramente atingida no passado. tado tangível : a irritação e o desencorajamento
No entanto, é bem necessário verificar que dos trabalhadores.
todos estes movimentos não chegaram a nada
ou quase nada. Pelo contrário, a situação só tem
NA SITUAÇÃO ACTUAL
piorado. Não só os poucos aumentos obtidos aqui
«MANIFESTAÇõES» E «PRESSOES»
e ali permaneceram largamente inferiores à su­
bida dos preços entretanto registada, mas esta NÃO CONDUZEM A NADA
subida continuou posteriormente e, no começo
de Dezembro, o governo Gaillard permitia-se de­ Será que as confederações sindicais pensam
cretar importantes aumentos de preços atin­ que as simples «pressões» podem levar à satis­
gindo uma série de artigos essenciais. fação das reivindicações dos trabalhadores ? Será
Quais as razões deste fracasso ? que o patronato e o seu governo cederão a sim­
Os movimentos de greve destes três últimos ples manifestações de descontentamento ?
meses, esporádicos, limitados, não coordenados, Ninguém o pode acreditar, porque ninguém
não foram verdadeiras lutas. Os trabalhadores ignora a causa do actual ataque contra o nível
não entraram em greve até à satisfação completa de vida dos trabalhadores. A burguesia francesa
das reivindicações, aplicando todos os meios ne­ não pode continuar a guerra da Argélia a não
cessários para o período da acção. Limitadas, na ser reduzindo o poder de compra dos assalaria­
maioria dos casos, a algumas horas ou um dia, dos. As despesas ocasionadas directamente por
as greves foram simples manifestações de des­ esta guerra, e por si sós, - estando longe de re­
contentamento ou quando muito «meios de pres­ presentar o seu custo total -, atingiam, a mea­
são». As direcções sindicais, · que conservaram dos de 1957, 700-800 mil milhões anuais, e con­
quase sempre o seu controlo, não· estão, é evi­ tinuam a aumentar. No começo de Outubro, em
dente, dispostas nem a conduzi-las seriamente plena crise industrial, a Defesa Nacional pedia
como verdadeiras lutas, nem a alargá-las, a coor­ ainda cem mil milhões de créditos suplementa­
dená-Ias, a generalizá-las. Num dia, paragem do res. Estas somas representam cerca de 15 por
trabalho na metalurgia e na construção,. outro cento da massa dos salários em França - 15 por

440 441
A E XPERif:: N GIA DO MOVIMENTO O PE RARIO
COMO LUTAR ?

cento que o patronato quer ir buscar aos salá­ flito. Se abandonar a Argélia, teme perder toda
rios, através do aumento dos preços, sem con­ a África. Realizar um compromisso ? Mas foi ela
trapartida. Porque está fora de questão, hem quem eliminou todos os Argelinos partidários de
entendido, reduzir os lucros, que aumentam vá­ uma solução de compromisso. A burguesia fran­
rias centenas de milhar de milhões anualmente. cesa receia que qualquer compromisso abra ca­
E a cada semana que passa agrava-se a situação. minho para a independência total da Argélia.
Por um lado, as despesas da guerra aumentam.. Finalmente, e sobretudo, os capitalistas e os
Por outro lado, o paleativo provisório utilizado colonos de Argel, estreitamente ligados ao capi­
pelo governo desde 1956, e que consiste em de­ tal metropolitano, apoiados por amplas camadas
vorar as reservas de ouro e de dólares do Banco da população europeia do território, recusam-se
de França, já não pode continuar a ser aplicado. absolutamente a qualquer concessão. Dispondo
Estas reservas estão agora quase esgotadas, e de enormes fortunas, comprwn tanto quanto ne­
o governo foi obrigado a contingentar as impor­ cessário deputados e impõem a sua política ao
tações e a desvalorizar o franco. A diminuição conjunto da 'burgue&ia francesa.
das mercadorias vindas do estrangeiro, e a sua Esta tornou-se aliás absolutamente incapaz
compra por meio de taxas mais elevadas, é outra de gerir os seus próprios assuntos. O seu par­
causa da alta dos preços que já se faz sentir. lamento, desde há muito emperrado na irrespon­
Os trabalhadores deverão sofrer passivamente sabilidade total, desde há seis meses que acabou
esta espoliação esperando que a burguesia acabe de se cobrir de ridículo aos olhos do mundo in­
a sua guerra na Argélia ? Mas quando terminará teiro. Que são, afinal de contas, estes partidos
a guerra ? E como ? que põem o seu programa na algibeira logo que
A guerra da Argélia não tem solução militar. estão no poder ,passam todo o seu tempo em ma­
Dura há três anos, mas a «pacificação» que La­ nobras e intrigas, que são inteiramente incapazes
coste prometia para o próximo quarto de hora de dizer ao país seja o que for sobre a maneira
continua a fazer-se esperar. Se parece impossí­ de sair da crise actual ? Que são, afinal de con­
vel que os nacionalistas argelinos vençam mili­ tas, estes governos de que já não sabemos o nú­
tarmente, está fora de questão que seja possível mero, que nunca têm maioria no parlamento,
matar a revolta de um povo de dez milhões, a menos ainda no país, que estão prontos a tudo
não ser exterminando-o. para ganhar aqui dez votos, ali quinze votos ? O
A burguesia francesa é igualmente incapaz regime está podre até ao osso. Só continua a cor­
de encontrar uma solução pacífica para o con- rer devido à força da inércia.
442 443

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A EXPERIE:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO COMO LUTAR ?

Desde há três anos que a guerra dura, os tra­ Em vez disto, que exigem as direcções sindi­
balhadores em nada entravaram a política dos cais ?
governos. A burguesia tem tido as mãos livres. Exigem aumentos, mas pedem um número em
Que fez para resolver os seus problemas ? Nada. Nantes, outro em Paris, um número para a cons­
Só os agravou, mergulhando o conjunto do país trução, outro para a metalurgia - e assim por
numa situação que cada dia que passa se torna diante. Dão ordem de greve na Renault, a 27 de
mais intolerável.
Setembro, mas não nas outras fábricas de auto­
móveis ; na metalurgia e na construção, para 3
AS DIRECÇõES SINDICAIS RECUSAM de Outubro, mas não nos outros sectores. Decre­
UMA LUTA COORDENADA E SÉRIA tam a greve da electricidade e do gás a 16 de
Outubro, sem atender ao que se passa noutros
Que fazem as direcções sindicais perante esta
locais e por reivindicações que deixam de lado
situação ?
o problema da revalorização dos salários perante
Na realidade, tentam não fazer coisa nenhuma.
a alta dos preços. Agem do mesmo modo na
No entanto, os problemas são claros. O p oder
S. N. C. F. e na metalurgia, a 25 de Outubro,
de compra dos trabalhadores decresce de mês
para mês. :li: necessário exigir e obter a sua re­ na função pública, a 17 de Novembro.
valorização integral. A alta dos preços é a mesma No entanto, se existem confederações sindi­
para toda a gente. Portanto, é necessário exigir cais e não somente sindicatos por profissão, é
um aumento uniforme para todos. A revaloriza­
�ão que é necessário obter é importante. Por­
) porque os trabalhadores têm interesses comuns,
independentes da sua pertença a esta ou aquela
tanto, não se vê como uma única empresa ou corporação. Em que outra circunstância melhor
uma corporação isolada a possam vir a conceder, que hoje poderiam destacar-se estes interesses
se as outras a recusarem. :É o conjunto do patro­ comuns, e a reivindicação comum que deles re­
nato e do governo que é necessário fazer ceder. sulta ? Em que circunstâncias seria possível dis­
Estes opor-se-ão encarniçadamente, porque para tinguir mais claramente a necessidade de uma
eles está em jogo uma questão vital. Portanto, luta generalizada e coordenada contra um ataque
só uma luta geral e séria, envolvendo o maior que todas as categorias de trabalhadores sofrem
número de empresa's e de sectores, ,e prosseguida no mesmo grau ?
até ao fim com toda a obstinação, poderá fazer A atitude das direcções sindicais na Renault
recuar o patronato. é absolutamente característica.

444 445
A EXPERit!;NCIA DO MOVIMENTO OPERARI O GOMO LUTAR ?

Perante a efervescência crescente dos operá­ tados e ineficazes deste género e que estavam
rios, a F. O. lançou para 27 de Setembro uma prontos a empenharem-se a fundo na única for­
ordem de greve de cinco horas, a horas diferentes ma de luta eficaz : greve ilimitada com ocupação
para as diferentes equipas : a C. G. T. e a C. F. dos locais de trabalho. Mas os sindicatos lançam
T. G. ( " ) , receando verem- s e ultrapa.ssadas, publi­ de novo para 3 de Outubro uma palavra de or­
cam então um comunicado criticando a palavra dem de greve . . . de quatro horas - desta vez
de ordem da F. 0., entre outras coisas, porque para toda a metalurgia. E depois, nada. Nova­
decretava a greve separadamente nas diferentes mente, a 25 de Outubro, decretam no entanto
equipas, c dão, pelo seu lado, para o mesmo 27 uma greve - desta vez, de vinte e quatro horas.
de Setembro, uma ordem de greve de duas ho­ Como era de esperar, esta greve só muito
ras . . . por equipas. parcialmente foi seguida. Por um lado, os ope­
Um pouco por toda a parte na fábrica, os rários sentiam que aquilo não era mais do que
operários criticavam furiosos estas palavras de uma simples manifestação de descontentamento,
ordem, dizendo que estava fora de causa obter que não incomodava a sério a Direcção e que
fosse o que fosse por meio de «demonstrações» a não faria certamente ceder. Por outro lado,
deste tipo. Com efeito, tudo o que se obteve foi não fora feita qualquer preparação séria da
uma carta insolente do P. D . G. da Régie, Drey­ greve, nenhuma discussão nas oficinas a prece­
fus, na qual afirmava não poder dar aos operá­ dera, nem quanto aos objectivos nem quanto aos
rios nem mais um tostão, e lembrava aos sindica­ meios de acção. Fora simplesmente dada uma. or­
tos que se haviam comprometido, assinando o dem burocrática aos operários : larguem o tra­
famoso «Contrato Renault», a não perturbar a balho durante vinte e quatro horas. Nada há de
produção. surpreendente em que os operários a não tenham
Na semana seguinte, as discussões alcança­ seguido.
vam um rápido andamento nas oficinas. Todos Ainda mais característica é a experiência
estavam profundamente irritados com a atitude feita este Outubro pelos operários de Nantes e
das direcções sindicais. A maior parte exprimia Saint-Nazaire.
a convicção de que sem um barulho feito a sério No regresso de férias, os operários dos esta­
nada se obteria. Numa oficina, os operários reu­ leiros navais e das fábricas metalúrgicas da Loi­
nidos durante o abandono do trabalho tinham re-Atlantique estavam prontos a entrar em luta.
votado uma resolução afirmando que era a últi­ Estavam tão decididos como por ocasião do seu
ma vez que participavam em movimentos limi- magnífico movimento de 1955 no Verão. Alguns

446 447
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO COMO LUTAR ?

quase não tinham feito férias para se poderem Os operários de Nantes estavam, no entanto,
aguentar financeiramente durante as lutas que desde o início, convencidos da ineficácia das gre­
julgavam próximas. Mas as direcções sindicais, ves rotativas ; mas que podiam fazer ? Compreen­
em perfeita unidade entre si, recomendavam cal­ diam que lançarem-se numa greve da metalurgia,
ma e expectativa. Finalmente, para dar paciên­ limitada a Nantes e a Saint-Nazaire, não levaria
cia aos operários, lançaram a ordem de «greves a nada ; essa greve não poderia vencer se conti­
rotativas» por oficinas. Durante mais de um mês nuasse isolada, e o governo reunira milhares de
·esta ordem foi aplicada. De um modo geral, não C. R. S. nas duas cidades. A única saída era a
incomodou as empresas : a Direcção e os especia­ generalização do movimento a toda a metalur­
listas, sabendo o momento e o lugar em que seria gia do país. Por várias vezes, operários, sindi­
interrompido o trabalho, arranjavam a produção calistas minoritários, expressaram-se publica­
de modo a que as perdas fossem mínimas. Os mente durante os meetings a favor da generali­
únicos c;�sos em que estas quebras do t ra balh o zação ; até alguns responsáveis sindicais locais
poderão ter tido alguma eficácia foram aqueles lançaram, no decurso desse meeting, apelos a to­
em que os operários as desencadearam por si dos os metalúrgicos de França e em particular
próprios, extorquindo ao sindicato uma ordem aos metalúrgicos parisienses. Mas as organiza­
de greve em branco, e escolhendo o momento ções sindicais nunca difundiram esses apelos de­
e o lugar desta. Mas estes casos foram forçosa­ sesperados.
mente limitados, e de qualquer maneira, por fim, Qual o resultado destes movimentos ? Terão
foram os patrões que começaram a fazer lock-out feito ceder o patronato ? Os factos falam por si.
aos operár ios . As sim, os sindicatos•, que p roibiam Mas o que podem provocar é o cansaço e o des­
a verdadeira greve e preconizavam as greves ro­ gaste dos trabalhadores. Efectivamente, é o que
tativas sob o pretexto de que estas são «mais procuram as direcções sindicais. Durante algum
económicas», puseram os operários face aO lock­ tempo, a base não os incomodará mais, exigindo
-out patronal e finalmente obrigaram-nos a reto­ acção. E com efeito, desde o fim das greves ro­
rnar pura e simplesmente o trabalho. Entretanto, tativas, o cansaço apoderou-se dos metalúrgicos
as direcções sindicais em Paris discursavam so­ de Nantes ----.,.. corno, a partir de 25 de Outubro,
bre a magnífica unidade realizada em Nantes e dos operários da Renault. Verifica-se um fenó­
sobre a eficácia das greves rotativas que permi­ meno análogo na maior parte das outras corpo­
tiam aos operários economizar uma verdadeira rações. As direcções sindicais podem agora di­
greve ! zer : que havemos de fazer, os operários estão

448 44{!
A J•; X PKIW: :NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO COMO LUTAR ?

tqJCtticos ? No entanto, enganam-se. Enquanto pa.: Razões políticas, em primeiro lugar: a F. O.


rocem apáticos, os operários extraem silenciosa­ e a C. F. T. C. estão ligadas a partidos que se
mente as suas conclusões sobre a política das encontram no governo ou que o apoiam há vá­
direcções sindicais e reflectem sobre os meios de rios anos. Procuram tornar-lhes a tarefa mais
acção eficazes. fácil, evitando e limitando as «perturbações so­
ciais». A C. G. T., pelo seu lado, subordinada ao
QUE SIGNIFICA A ATITUDE Partido Comunista, serve-lhe de instrumento
DAS DIRECÇõES SINDICAIS ? para realizar « a unidade de acção» com os so­
cialistas, prelúdio a uma Frente Popular que per­
A experiência dos três últimos meses, como a mitiria ao P. C. voltar finalmente ao governo,
dos anos precedentes, mostra que · as direcções coisa pela qual este se dispõe a todas as infâ­
sindicais enrolam os trabalhadores, que tentam mias - como, por exemplo, votar os poderes es­
por todos os meios canalizar o descontentamento peciais para Guy Mollet em 1956, permitindo que
para escaramuças insignificantes. Tal não quer Lacoste e os pára-quedistas massacrassem a seu
dizer que necessariamente e sempre se oponham gosto os Argelinos.
à acção : Por vezes, são até capazes de tomar a Mas há sobretudo a ligação cada vez mais
dianteira e lançar uma greve, se sentirem que profunda que existe entre os Sindicatos, por um
a pressão é demasiado forte e que correm o risco lado, o Estado e as empresas, por outro. Os sin­
de uma explosão ; nesses casos, e foi o que se dicatos sentam-se ao lado dos representantes do
passou com a electricidade e o gás, a 16 de Outu­ patronato e do governo no Conselho Económico,
bro, tomarão a cabeça do movimento, para me­ cuja função é aconselhar o governo sobre os me­
lhor o controlarem e limitarem. Mas a sua linha lhores meios de gerir a economia francesa - quer
geral é clara : criar a impressão de que «estão dizer os interesses do capital. Participam no «es­
a tentar fazer qualquer coisa» e ao mesmo tempo forço para o desenvolvimento da produtivi­
desgastar os trabalhadores por meio do cansaço dade» - quer dizer do aumento do rendimento
e do desencorajamento resultantes dessas formas e da exploração dos trabalhadores. Desempe­
de acção absolutamente ineficazes. Numa pala­ nham um papel cada vez mais importante em
vra, querem evitar a todo o preç o· que tenham todas as questões respeitantes à sorte do pessoal
lugar lutas importantes. \ e em particular às promoções. Em várias fábri­
Há várias razões para esta atitude das direc­ cas, a possibilidade de promoção depende do
ções sindicais. sindicato ou do apoio sindical : para consegui-

450 451
A EXPERif:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO
COMO LUTAR ?

rem fiéis entre os trabalhadores, os sindicatos que não é assim. Em Inglaterra, na Alemanha,
procuram favores da direcção, coisa que não nos Estados Unidos não há divisão sindical. A
ohtêm gratuitamente. A G. G. T. parece, de um atitude dos sindicatos nestes países é, no entanto,
modo g.era-1, merguiihar menos na colahoração a mesma que em França : por meio de concessões
com os patrões, mas é porque o P. C. está na opo­ menores negociadas com o patronato, acalmar os
sição ; entre 1945 e 1947, não agiu de modo dife­ trabalhadores e evitar que tenham lugar lutas
rente da F. O. e da C. F. T. C. hoje em dia, e não importantes. Na Rússia e nas «Democracias Po­
agirá diferentemente amanhã. Na Renault, todos pulares», existe apenas um sindicato ; a sua fun:­
os sindicatos - incluindo a C. G. T. - assinaram ção essencial é incrementar o rendimento do tra­
o acordo com a Direcção, comprometendo-se a fa­ balho e de modo nenhum defender os trabalha­
zer todos os esforços para desenvolver a produ­ dores.
ção, c reconhecendo que toda e qualquer greve Mas falemos da unidade sindical em França.
seria ilegal se não fosse anunciada à direcção com A seguir á guerra, a C. G. T. estava unificada.
oito dias de antecedência. Isso não a impediu de se opor violentamente,;
Os sindicatos não são mais que «intermediá­ até ao Verão de 1947, a toda a luta dos traba­
rios» entre os trabalhadores e o patronato, o seu lhadores. A sua palavra de ordem era «primeiro
papel ó acalmar os trabalhadores, mantê-los liga­ produzir» enquanto a inflação reduzia de dia
dos à produção, evitar que haja lutas, obtendo para dia o poder de compra dos assalariados.
de tempos a tempos, e quando isso não incomoda A unidade de acção entre os diversos sindi­
muito o patronato, algumas concessões. Isso não catos realizou-se por várias vezes recentemente
os impede, bem entendido, de se entregarem en­ e em diversos sectores. Para que serviu ?
tre si ao jogo habitual da concorrência e da de­ Em Julho passado, teve lugar a greve dos
núncia recíprocas. bancos. Magnífico movimento, desencadeado es­
pontaneamente pelos trabalhadores de uma cor­
UNIDADE DOS SINDICATOS poração até então considerada como «atrasada»
OU UNIDADE DOS TRABALHADORES e «pouco combativa» . A enorme maioria dos em­
pregados bancários - exceptuando os quadros -
Alguns trabalhadores pensam ainda que a participou com entusiasmo na greve e apoiou-a
raíz do mal é a divisão sindical. Se os sindicatos \ por meio de vigorosas manifestações de rua. A
agissem conjuntamente ou se unificassem, dizem, generalização rápida do movimento, a combati­
a situação seria diferente. A experiência prova vidade dos grevistas teriam, sem dúvida, permi-

453

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-- ---· -· - ------ - -- - ·- - ·-·
A EXPE RIE:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO GOMO LUTAR ?

tido obter uma vitória final. Se a greve se tivesse todos os casos, esta unidade serviu unicamente
prolongado até 31 de Julho, dia, do fim do mês, para melhor controlar o movimento e para o li­
seria a paralisia completa da economia francesa. mitar. Todas estas greves nada trouxeram aos
O patronato seria obrigado a ceder em toda a trabalhadores dos respectivos sectores.
linha. É necessário não confundir a unidade dos
As direcções sindicais não tinham participado trabalhadores com a unidade dos aparelhos sin­
minimamente no desencadear da greve. Realiza­ dicais. A unidade dos trabalhadores é condição
ram à pressa a sua «unidade de acção», uma vez indispensável de toda a luta séria. Realiza-se por
começada a greve. Para fazer o quê ? Para impor si própria a partir do momento em que os tra­
arbitrariamente comissões de greve, compostas balhadores decidem agir pelos seus verdadeiros
pelos seus próprios representantes e não por de­ interesses, porque esses interes,ses são funda­
legados eleitos pelos grevistas. Para retardar sis­ mentalmente os mesmos. A esta autêntica uni­
tematicamente a entrada em greve do Banco de dade são precisamente os aparelhos sindicais que
França - o que teria permitido a todos os gre­ se opõem. Em primeiro lugar, opõem-se introdu­
vistas a satisfação das suas reivindicações em zindo cada um deles as suas palavras de ordem.
p oucos dias. E por fim, para dar ordem de reto­ Opõem-se a seguir apoiando as categorias mais
mada do trabalho quatro dias antes do prazo favorecidas e a hierarquia em geral, hierarquia
decisivo de 31 de Julho, negociando com o pa­ sistemati ca men te mantida também pelo patrO'­
tronato um acordo que abandonava o essencial nato a fim de dividir os assalariados. A unidade
das reivindicações dos grevistas e de que apro­ dos aparelhos sindicais, quando se realiza, não
veitavam sobretudo os quadros (que, repitamo­ tem: senão uma função : enquadrar melhor um
-lo, não tinham feito greve) e não a massa dos movimento a fim de controlar mais eficazmente
empregados que haviam lutado durante quinze os trabalhadores e de mais facilmente os recon­
dias. duzir ao redil.
Os que pensam ainda que a unidade dos sin­
dicatos pode trazer alguma coisa aos trabalha­ A DIRECÇÃO SINDICAL E A BASE
dores só têm que interrogar os empregados ban­
cários sobre a sua greve de Julho passado. Se os sindicatos podem agir assim, é porque
Mas recentemente, na S. N. C. F., no Gás e \ desde há muito não são dirigidos pela massa dos
na Electricidade, na função pública, as grandes seus aderentes. A burocracia que os dirige, for­
centrais realizaram a sua «unidade de acçáol». Em mada por permanentes privilegiados, escapa in-

454 455

·---- · -··---···-
A EXPERIÊ NCIA D O MOVIMENTO OPERÁRIO COMO LUTAR ?

teiramente ao controlo da base. Há certamente É esta situação que explica o enorme movi­
muitas profissões, localidades ou empresas onde mento de desafecção relativamente aos sindicatos
as secções sindicais ou os sindicatos locais con­ que se desenvolve em França, desde há dez anos,
tinuam ligados aos seus aderentes e tentam ex­ e que se traduz por uma baixa considerável do
pressar as suas aspirações. E certamente, a número dos efectivos sindicais ; os trabalhadores
grande maioria dos militantes sindicais de base que permanecem sindicalizados pagam as quo­
são militantes operários sinceros e honestos. Mas tas, mas nunca aparecem nas reuniões sindicais,
porque constataram simplesmente que o que aí
nem esses militantes, nem as secções que animam
possa dizer-se ou mesmo decidir-se não terá
podem influir sobre a atitude das federações ou
qualquer influência sobre a política real da or­
das confederações. Quanto mais nos aproxima­
ganização. Mas mesmo onde as secções sindicais
mos das cúpulas da organização sindical, mais
permanecem vivas, nada podem fazer quando
verificamos que esta tem a sua própria vida,
problemas um pouco gerais se levantam. São
segue a sua p�ópria política, independentemente obrigadas, na maior parte dos casos, a submeter­
da sua base. As direcções sindicais são, de facto, -se à linha da direcção sindical - mas esta, ja­
inamovíveis e incontroláveis. Apesar das comé­ mais podem influenciá-Ia. Se os militantes des­
dias dos «Cadernos de reivindicações» e dos «re­ tas secções puserem em causa as instruções do
ferendos» organizados de tempos a tempos para sindicato, arriscam-se à expulsão. De facto, estão
dar uma aparência democrática às acções do sin­ privados de meios de expressão : na imprensa
dicato, a sua linha em nada leva em conta, bem sindical, só é exprimida a linha oficial da direc­
vistas as coisas, a vontade dos seus membros. ção. Estes camaradas acabam por encontrar-se
Ou apenas, em todo o caso, o que é estritamente numa situação paradoxal : estão no sindicato
indispensável para não perder completamente a porque este devia, em teoria, permitir-lhes e faci­
sua influência. Qual o controlo efectivo que os litar-lhes os contactos com o conjunto dos tra­
trabalhadores de uma empresa têm sobre a de­ balhadores da sua empresa, da sua corporação,
signação dos delegados do pessoal ? O sindicato da sua localidade. Mas, de facto, estão tão iso­
nomeia os candidat os, e o pessoal só tem que lados como não importa que trabalhador não
os1 plehiscitar ou a'bs ter-'Se. Qual o traJbalhador organizado. Só podem entrar em contacto com o
que sente que ele próprio e os seus camaradas res� da sua classe por intermédio e sob o con­
podem influenciar verdadeiramente a linha do trolo da burocracia sindical. Estão ligados à sua
sindicato ? secção de empresa, mas quando querem ir mai11

456 457
A EXPERI:eNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO COMO LUTAR. ?

longe, depara-se-lhes uma barreira intransponí­ Finalmente, a resolução pede a supressão da


vel. A primeira preocupação da direcção sindical categoria «Manoeuvre gros travaux» * e a sua in­
é, aliás, estancar e isolar umas das outras estas corporação nos O. S.
secções de base, impedir que as ideias, as inicia­ A C. G. T. assumiu estas reivindicações ? Não.
tivas ,as experiências que aí surgem sejam di­ Tentou levar os operários dos outros departamen­
fundidas por toda a organização. Eis um exemplo tos a pronunciarem-se a seu respeito, a aceitá-las,
entre mil : a rejeitá-las, a formular outras ? Não. Tentou
No departamento 11 da Renault, em meados difundi-las na fábrica ? Não. Apenas a secção
de Setembro, os operários da secção sindical sindical do departamento 11 publicou a resolução
C. G. T. reuniram-se e discutiram reivindicações no seu próprio boletim, destinado em princípio
pelas quais queriam lutar. Chegaram finalmente, aos próprios operários daquele departamentot
quase por unanimidade, à resolução seguinte : que, bem entendido, já conheciam a resolução,,
«1. o - Um aumento por hora de quarenta uma vez que a havia preparado. A C. G. T. con­
francos para todOISI, com recusa de um aumento tinua a adiantar simplesmente as reivindicações
em percentagem, definidas pelos seus gabinetes.
2.0 - A semana de 45 horas, primeira base Criticou-se acima o facto de os sindicatos
para o regresso às 40 horas, sem diminuição de adiantarem actualmente reivindicações diferentes
salário nem aceleração das cadências, segundo os lugares e as profissões, frente a uma
baixa de poder de compra que é a mesma para
3.0 - Incorporação de todos os prémios no
todos. A isso, os sindicatos respondem por ve­
salário horário, considerando que esses prémios
zes : é que os trabalhadores adiantam reivindica­
são um salário que deve deixar de estar subme­
ções diferentes. Mas, quando são acusados de
tido a todas as espécies de restrições.
não levar em conta a opinião dos trabalhadores
Os trabalhadores sindicalizados no departa­
quanto às reivindicações, respondem : não se po­
mento 11 mandatam o seu sindicato para que
dem levar em conta essas opiniões, porque são
examine no ramo automóvel um novo coeficiente
diferentes entre si, e o sindicato deve ter uma
para os O. S·. ( "' ) que se aproxime mais do dos ope­
linha coerente e unificada. De facto, os dois ar-
rários qualificados, levando em conta que o O. S.
trabalha em máquinas aperfeiçoadas, exigindo
muita precisão e cada vez · mais peças. Propõem
* N. T.: aproximadamente significando «sen;ente pwra
o coeficiente 140». trabalhes pesados».

458

1
A EXPERI:i!:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO COMO LUTAR ?

gumentos destroem-se mutuamente. É efectiva­ as suas directivas à discussão dos trabalhado­


mente possível que os trabalhadores adiantem, res, onde se iria parar? Se por um acontecimento
de início, exigência,s diferentes, de um para ou­ extraordinário se verificasse que os trabalhado­
tro lugar, mas esta diversidade só pode ser ul­ res podem saber o que lhes faz falta e como obtê­
trapassada por uma verdadeira discussão colec­ -lo - para que serviriam, daí para diante, os
tiva, em que as diferentes posições se possam seus chefes geniais ?
reconhecer e dar lugar à formação de uma opi­
nião esclarecida. Em vez disso ' os sindicatos OS TRABALHADORES PODEM PASSAR
impedem precisamente todo o confronto de posi- SEM BUROCRACIAS SINDICAIS
ções e impõem a sua própria linha, que não é a
linha de ninguém. Esta unificação arbitrária e Perante esta situação e esta atitude dos sin­
ditatorial é, com toda a evidência, absolutamente dicatos, que podem fazer os trabalhadores ?
incapaz de criar uma verdadeira unanimidade Em primeiro lugar, compreender que não têm
dos trabalhadores e, portanto, também 'a sua so­ nada a esperar de ninguém, a não ser de si pró­
lidariedade e a sua coesão no combate. prios. O patronato e o seu governo não estão
A C. G. T. dirá, talvez, não ter tempo ou dispostos a concessões - e não cederão senão
meios para preencher o que deveria ser a sua forçados pela acção dos trabalhadores. Os sin­
função principal, quer dizer informar os habi­ dicatos passarão todo o tempo em demonstra­
tantes dessa autêntica cidade que é a fábrica ções ; manifestações, petições, conversações e es­
Renault do que pensam os seus camaradas. Mas tarão prontos a assinar compromissos apodre­
em vez de organizar meetings como os de 27 cidos sempre que se lhes oferecer ensejo.
de Setembro ou 3 de Outubro, em que Linet, di­ É completamente falso julgar que os traba­
rigente cegetista da Renault, veio ensinar aos lhadores não podem agir fora das organizações
operários que a sua situação é difícil - como se sindicais. Pelo contrário. Toda a história das lu­
eles não o pudessem saber sem Linet -, poderia tas operárias mostra que as acções mais impor­
perfeitamente ter utilizado a interrupção do tra­ tantes e mais eficazes se desenrolaram à margem
balho para convidar os operários a discutirem e das organizações existentes. Não foram os sin­
a decidirem democraticamente as suas reivindi­ dicatos que fizeram Junho de 1936 ; foram os
cações e asua acção. Linet nada ensinou aos ope­ trabalhadores que organizaram eles próprios a
rários, mas teria podido aprender muito com sua greve e ocuparam as empresas. Mais perto
eles. Mas se os sindicatos aceitassem submeter de nós, em 1955, em Nantes, não foram os sin-

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A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO C O M O LUTAR. ?

dicatos, mas os operários que tiveram tanto a AS REIVINDICAÇõES


iniciativa da greve como a da reivindicação
essencial : mais 10 francos por hora para todos, Os objectos reivindicativos que podem rea­
que galvanizou e unificou o movimento ; não fo­ lizar a unanimidade dos trabalhadores são actual­
ram os sindicatos, mas os operários que impuse­ mente evidentes. O problema que se põe é o
ram aos patrões a capitulação ; foram ainda os mesmo para todas as empresas, todas as corpo­
operáriol-l que se organizaram a si próprios para rações, todas as localidades : a deterioração rá­
lutar contra os C. R. S. Os militantes sindicais pida do poder de compra. Frente a esta deterio­
que participaram no movimento puderam agir ração, as reivindicações específicas deste ou da­
efectivamcnte na medida em que se colocar,am quele sector, sem que desapareçam, só podem
do lado dos operários, em que tentaram servir ocupar um lugar secundário. Quanto às reivin­
o movimento autónomo dos trabalhadores e não dicações separadas por categorias, e especial­
impor-lhe as directivas dos sindicatos - com os mente as reivindicações que favorecem o alarga­
quais precisamente se encontraram em oposição. mento ou mesmo a simples manutenção da
Na greve dos bancos, em Julho de 1957, foram hierarquia salarial existente, os trabalhadores
os empregados que desencadearam a greve e se devem .condená-las em absoluto. Esta hierarquia
bateram, e foram os sindicatos que a sabotaram. sistematicamente mantida e alargada pelo pa­
A partir do momento em que a situação e tronato e pelo Estado com o auxílio dos sindi­
a sua experiência os conduzem a conclusões unâ­ catos, a fim de dividir os trabalhadores e os
nimes sobre as questões essenciais, os trabalha­ lançar uns contra os outros, já em nada corres­
dores actuando colectivamente revelam-se a ponde ao trabalho realizado nas empresas con­
maior força de organização existente. Ora, é temporâneas, que se t orna cada vez mais se­
fácil verificar que um número sempre crescente melhante para todas as categorias.
·de trabalhadores extrae -c01nclusões essencial­ Reivindicações como as do departamento 11
mente idênticas da experiência destes últimos da Renault, citadas acima :
meses. Estas conclusões podem resumir-se como - Aumento uniforme de 40 francos por hora
se segue : para todos, e incorporação de todos os prémios
- Reivindicações não hierarquizadas ; no salário,
- Eleição democrática das comissões de - Regresso ao horário de 45 horas,
greve ; - Redução do leque hierárquico,
- Generalização das lutas. correspondem sem dúvida à situação actual e

462 463
A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO
COMO LUTAR ?

provavelmente às aspirações de todos os secto­


por assim dizer o que significa uma verdadeira
res. Mas as melhores reivindicações do mundo
greve. Fazer greve não significa voltar para
nada valem se não expressarem a opinião livre­
casa, nem jogar às cartas ou tratar de arranjos
mente formada daqueles que devem defendê-las.
radiofônicos. As condições para que uma greve
Cabe aos próprios trabalhadores, nas oficinas,,
seja eficaz são :
nos escritórios, nas empresas, definir as suas
- Primeiro, a direcção da greve pelos pró­
reivindicações e levá-las ao conhecimento dos
prio·s grevistas. São as reivindicações dos gre­
seus camaradas.
vistas que estão em jogo, não as dos sindicatos.
Serão os grevistas a pagar se a greve falhar,
OS MEIOS E A ORGANIZAÇÃO DA LUTA não os permanentes sindicais. São, portanto, os
grevistas que devem dirigir a sua greve. Para
Haverá meios de luta eficazes ? isso, uma comissão de greve é certamente indis­
Sim, existe incontestavelmente um e só um :
pensável. Mas, sob pretexto nenhum, esta comis­
a greve ilimitada até à satisfação completa das são deve ser arbitrariamente nomeada pelos sin­
reivindicações.
dicatos. Sem exclusão inicial de ninguém, a comis­
Desde há anos que os sindicatos se ultrapas­
são de greve deve ser eleita pelos grevistas. Os
sam em engenho para inventar maneiras total­
seus membros devem ser revogáveis a todo o
mente ineficazes de fazer greve. Paragens de
instante, quer dizer que os trabalhadores devem
trabalho por um quarto de hora ou uma hora,
poder substituir imediatamente qualquer dele­
ou por duas horas ; greves a horas diferentes gado em que já não tenham confiança. A comis­
para as diferentes equipas ; greves em que uma
são de greve deve dar regularmente contas da
oficina ou uma fábrica têm de se entregar à
sua actividade perante a assembleia geral dos
luta isoladamente até ao esgotamento para que
grevistas. A comissão não deve em caso algum
no dia seguinte seja lançada a greve isolada­
poder concluir acordos com o patrão, mas ter de
mente noutra oficina ou outra fábrica. Estas
submeter sempre . qualquer proposta à assem­
. paródias de luta em nada incomodam o patro­
bleia g'eral dos grevistas que a dis.cutirá e 7otará .

nato. Só servem para desgastar os trabalhado­


É necessário acabar com os acordos negociados
res que nada ganham assim além de perder al­ secretamente pelos sindicatos e a seguir impos­
guma parte do salário.
tos aos grevistas. É necessário acabar igualmente
Os sindicatos aplicaram-se tão bem a esta com a comédia dos «referendos», que na reali­
tarefa que os trabalhadores quase esqueceram
dade colocam os grevistas perante um facto con-
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465

______ .. _____ ----- · - - ·- - ----- .. -


A EXPERII!:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO COMO LUTAR ?

sumado, sem que tenham a possibilidade de dis­ car aos seus camaradas a sua acção e DS seus
cutir um acordo que só os deixam aprovar ou objectivos.
recusar.
- A ocupação das in:'r talações pelos grevistas. A PREPARAÇÃO DA GREVE
Só esta ocupação permite aos grevistas que per­
maneçam unidos, que conservem a própria acção Mas como pode ser organizada esta greve ?
sob o sou controlo, que desarnwrn ns manobras Como, nas grandes empresas que ocupam milha­
do patronato, que impeçam o dc�gm;tc gradual res de pessoas, nas localidades em que as em­
da desmoralização. presas estão dispersas, ultrapassar o isolamento
- A extensão da greve às outra.'! empresas.
que separa cada oficina, cada escritório, cada
O patronato pode resistir tanto melhor à acção empresa de todas as outras ? Como fixar um
dos trabalhadores quanto mais esta for fragmen­ acordo colectivo sobre uma acção, os seus objec­
tivos e os seus meios ?
tada. A exten s ão da luta é sobretudo i n d ispen­
sável nas circunstâncias presentes em que ne­ Eis as questões que actualmente detêm os
nhum patrão pode ceder separadamente sem trabalhadores. A maioria vê as reivindicações
enormes dificuldades. Isoladamente, as empresas que se impõem e que só uma luta séria as poderá
não concederão mais do que migalhas, apenas satisfazer ; e mesmo, na maior parte do tempo,
uma luta generalizada pode obrigar o patronato todos sabem que não há grande coisa a esperar
a aceitar reivindicações importantes. Esta gene­ dos sindicatos. O que se não vê é como esta luta
ralização da luta não se fará por si própria e possa ser preparada, organizada e dirigida fora
sem mais ; menos ainda é de esperar que os sin­ dos sindicatos.
dicatos a ordenem. Os sindicatos nem sequer in­ Só há uma resposta para o problema da greve
e da sua direcção : a direcção da greve por aque­
formam os trabalhadores de uma empresa do
que se passa noutra empresa. Na Renault, em les mesmos que a fazem. A assembleia geral dos
1956, os trabalhadores de uma oficina fizeram grevistas, as comissões de greve por oficina ou
greve durante uma semana e o res,to dos traba­ escritório e para o conjunto da empresa, a reu­
lhadores só o soube quando a greve tinha aca­ nião de representantes destas comissões for­
mando uma comissãD de greve para o sector pro­
bado. Só haverá extensão do movimento se os
trabalhadores se ocuparem disso - enviando, I fissional ou para- a localidade - eis as formas
da organização, as únicas perfeitamente adapta­
por exemplo, deleg.ações maciças às outras em­
presas da profissão ou da localidade para expli- das às necessidades da luta a conduzir. São ne-

466 467
·�.
A EXPERI�NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO COMO LUTAR ?

cessárias, são suficientes. São as únicas formas tiva iniciativa devem levá-la ao conhecimento
de organização eficazes, capazes de levar a luta dos seus camaradas. Podem difundir o seu texto
à vitória. e enviar delegados a estabelecer contactos com
:m verdade que estas formas só podem existir os outros sectores da empresa e a manter com
uma vez que a acção já esteja em curso. E é eles uma comunicação permanente. Se a maioria
precisamente o desencadear da acção que é tra­ das oficinas ou dos escritórios designarem estes
vado pelos sindicatos. E é perante este obstá­ delegados, se estes delegados se reunirem para
culo que os trabalhadores hesitam. Existe um desbravar caminho, se a seguir uma assembleia
problema da preparação da greve que, portanto, geral do pessoal discutir e decidir o programa
a muitos pode parecer insolúvel. das reivindicações e as modalidades da acção
Aqui a resposta é no fundo a mesma : a ma­ - a greve será infinitamente mais bem prepa­
neira mais eficaz de preparar a acção é associar rada do que a poderia preparar qualquer sin­
a essa preparação o maior número possível de dicato. Porque terá sido preparada por aqueles
trabalhadores. São muitos os lugares em que, mesmos que terão de realizá-la, que saberão en­
aliás, esta preparação colectiva se faz desde já, tão por que se batem e para quem a luta será
espontaneamente e de modo não oficial. Nas apenas o meio livremente escolhido de fazer vin­
oficinas,. nos escritórios, sindicalizados e não sin­ gar as próprias necessidades e ideias.
dicalizados discutem a sua situação, as reivindi­ Assim, camaradas de uma oficina da Renault
cações, a acção possível. Estas discussões que propuseram ao conjunto do seu sector o seguinte
se revelam sempre extremamente fecun das, pO!­ apelo a ser dirigido a todos os outros operários
dem facilmente ser . generalizadas, tomar uma da fábrica e que foi adaptado n o decurso de uma
forma organizada e levar a conclusões precisas, dis;cussão realizada durante uma paralis,ação do
passiveis de serem passadas ao papel. :m destas trabalho decidida para o efeito :
discussões nos locais de trabalho que se desta­ «1. o queremos que todos os operários de to­
carão as ideias que vão guiar a acção. Uma vez dos os sectores decidam conjuntamente, sem dis­
clara e precisamente formuladas, estas ideias po­ criminação política ou sindical, as reivindicações
dem ser comunicadas às outras oficinas, aos a fazer e as possibilidades de acção.
outros escritórios ou empresas. «2. o Que os operários enviem amplas dele­
Se, por exemplo, uma resolução como a do gações a fim de se reunir uma assembleia geral
departamento 11 da Renault acima citada, for de todos os sectores à Comissão de Empresa,
votada, os trabalhadores que tomaram a respec- para coordenar e aplicar as decisões que forem

468 469

J
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A EXPERIJ!:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO COMO LUTAR ?

tomadas nos sectores. Pretendemos que o maior Os signatários comprometem-se a difundir o


número possível de operários venha a esta assem­ mais largamente possível E:)Stas propostas e a
bleia e nela se expresse.» contribuir para as despesas da respectiva im­
Depois de retomarem por sua conta as rei­ pressão».
vindicações do departamento 11 da fábrica aci­ Não deve haver ilusões quanto à atitude que
ma mencionada, os autores do apelo continuam : adaptarão as direcções sindicais frente a toda a
«Para obter estas reivindicações propomos : tentativa dos trabalhadores de prepararem e di­
- 1. o Que esta assembleia geral decida lan­ rigirem eles próprios a sua acção. Opor-se-ão
çar a ordem de greve em toda a fábrica e apele por todos os meios ; a violência e a astúcia, a
simultaneamente por meio de comunicados e atra­ brandura e a calúnia, a recusa brutal e as ma­
vés da imprensa a que todas as fábricas parali­ nobras dilatórias. Muitas vezes, os trabalhado­
sem ao mesmo tempo que a Renault. res querendo agir de modo autónomo chocarão
- 2. o Que por altura da greve, cada sector antes do mais com a ditadura dos sindicatos.
que ainda o não tenha feito designe uma comis­ Nesta luta, os camaradas mais decididos, vendo
são de greve eleita e responsável perante todos, mais claramente os problemas, podem desempe­
a fim de a greve ser acompanhada pela ocupação nhar um papel decisivo desarmando as manobras
das instalações. Cada sector deverá fornecer um dos sindicatos, respondendo sistematicamente aos
contingente de piquetes de greve proporcional seus argumentos, tornando-se veículo das infor­
aos seus efectivos. mações sobre o que se passa noutros lugares,
informações que os sindicatos apenas bloqueiam,
- 3.o A organização de contactos com as
organizando discussões colectivas e insistindo
outras fábricas :
para que nelas toda a gente expresse a sua ma­
- pelo envio de amplas delegações que em neira de ver. Se pequenos grupos de camaradas
massa pedirão aos operários das outras fábricas se constituíram nesta base nas oficinas e nos
que sigam o movimento ; escritórios, com a única preocupação de quebrar
- por reuniões comuns com as comissões de o monopólio que actualmente exercem os sindi­
greve das outras fábricas ; catos sobre a informação e a comunicação entre
- pela constituição de uma comissão de greve os trabalhadores, e de permitir aos trabalhado­
regional e de uma comissão de greve nacional. res a livre expressão das suas necessidades, do
Propomos igualmente que seja incluído nas seu pensamento e da sua vontade, obterão ra­
reivindicações o pagamento dos dias de greve. pidamente o apoio da grande maioria no seu

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A J•:XPERIJ!:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO COMO LUTAR ?

esforço. Tal como doravante desconfiam dos agi­ recente mostra que um número crescente de tra­
tadores profissionais importadores de palavras balhadores tomam consciência de que uma pre­
de ordem que vêm de fora, os trabalhadores es­ paração democrática para toda e qualquer luta
tarão abertos a alguns dos seus que ajam em é a primeira condição da sua eficácia.
vista de lhes permitir a formulação da vontade Ê possível conseguir uma vitória duradoura ?
comum. Assim preparada, organizada, dirigida pelos
Semelhantes grupos minoritários, reunindo participantes, a luta poderá vencer. Mas outra
camaradas conscientes da necessidade de que os questão se levanta ainda no espírito de muitos.
trabalhadores tomem nas suas próprias mãos a Supondo que as nossas reivindicações logram
direcção das suas lutas, existem já em diversas impor-se, que conseguimos arrancar um aumento
empresas. Por vezes formados por camaradas substancial, que se passará a seguir ? A burgue­
que deixaram os sindicatos, por vezes reunindo sia não tentará retomar o que cedeu por meio
sindicalizados e não sindicalizados, todos visam de novas subidas de preços ? E então que se terá
essencialmente o mesmo objectivo : informar os ganho afinal, se se obtiverem 40 francos de au­
trabalhadores sobre a situação na sua empresa e mento e a seguir os preços subirem 10 ou 15
sobre as lutas nas outras empresas, promover por cento ?
uma larga discussão democrática sobre os objec­ Esta pergunta é absolutamente justificada,,
tivos e os meios das lutas. A acção destes grupos a burguesia pode reagir a uma elevação dos sa­
encontrou sempre um eco favorável junto dos lários por meio de uma nova elevação dos pre­
trabalhadores. Há assim, nas fábricas Renault, ços - como fez entre 1945 e 1949. Não é fatal,
um grupo de camaradas que publica desde há mas é, apesar de tudo, provável. Ao contrário
quatro anos «Tribune ouvriere» ; nas Assuran­ do que acontecia no período 1952-1955, a bur­
ces Générales-Vie de Paris, camaradas agrupa­ guesia tem actualmente pouca margem disponi­
dos em torno de um «Bulletin employé» ; nas vel. Não pode manter os seus lucros, equilibrar
fábricas Bréguet de Paris, um grupo de operá­ as suas contas com o estrangeiro e continuar a
rios sindicalizados e não sindicalizados publica guerra da Argélia sem atacar o nível de vida dos
em comum, desde a Primavera passada, uma operários. Se for . batida nos salários, reatacarã
«Tribune libre» ; muito recentemente ainda, ca­ nos preços.
maradas professores primários começaram a pu­ Os operários poderão defender-se exigindo e
blicação de uma «Tribune des enseignants» . A impondo uma escala móvel dos salários na base
multiplicação de tais manifestações no período dos preços ? Essa «escala móvel» existe desde

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A EXPERI:l!:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO COMO LUTAR ?

1952 ; acaso funcionou quando chegaram as su­ actual será determinada pelo grau de força, de
bidas de preços em 1956 ? Não, tudo se limitou consciência, de coesão que os trabalhadores de­
à manipulação e falsificação dos indicadores dos monstrarem.
preços. Há uma escala móvel no contrato Re­ Se os trabalhadores se organizarem nas em­
nault. Não funcionou nunca. presas em torno de comissões democraticamente
E não se diga que se trata então de obter uma eleitas e que expressem as suas aspirações per­
escala móvel «melhor». Toda a escala móvel tem manecendo sob o seu controlo ; se lutarem a uma
de assentar em indicadores de preços - e esses escala geral, utilizando todos os meios capazes
indicadores estão nas mãos dos patrões, do go­ de impor as suas reivindicações ; se, no decurso
verno e das burocracias sindicais. Os trabalha­ desta luta, obrigarem o patronato e o seu go­
dores não têm sobre eles o mínimo controlo e verno a recuar - então, o problema dos pre­
não podem transformar-se em estatísticos. Quan­ ços e dos salários poderia muito bem vir a ser
do o problema dos salários e dos preços se torna ultrapassado. As consequências de uma tal luta
vital, a escala móvel só funciona quando há luta poderiam vir a ser de um alcance extraordinário.
para a fazer funcionar. Porque s e o poder de Semelhante movimento, análogo nas suas dimen­
compra dos assalariados tivesse sido mantido sões ao de Junho de 1936, seria capaz de ir muito
pelo funcionamento da escala móvel, outros focos mais longe do que este último, porque só poderia
das despesas nacionais teriam sido reduzidos. ter agora lugar criando à medida do seu desen­
Seria necessário que a burguesia aceitasse parar volvimento formas de organização que agrupas­
a guerra da Argélia, ou diminuir os seus lucros, sem a massa dos trabalhadores · e expressassem
ou ambas as coisas. E isto não depende de uma a sua vontade, formas sobre as quais as mano­
lei sobre a escala móvel, mas da capacidade de bras da burocracia teriam infinitamente menos
luta dos trabalhadores pela imposição de tais peso que as de Blum e de Thorez que finalmente
transformações - transformações a que a bur­ reconduziram à ordem o movimento de 1936. Em
guesia e o seu governo resistirão com todas as tais condições, uma greve, coordenada por comis­
suas forças. sões de fábrica e desenvolvendo-se até ao seu
Que fazer, então ? Está fora de causa, bem termo, poria a questão da gestão da produção
entendido, que os trabalhadores suportem pas­ e do país pelos trabalhadores.
sivamente a sobre-exploração que o patronato Mas seria falso pensar que, na ausência de
lhes quer impor para prosseguir na sua guerra. uma tal transformação profunda, os trabalha­
Mas não há solução mágica. A saída da crise dores se encontrariam de novo à mercê da poli-

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A EXPERI:eNCIA DO MOVIMENTO OPERáRIO COMO LUTAR ?

tica do patronato e do governo. Se os trabalhado­ deixarmos os sindicatos dirigir a greve enquanto


res, após terem imposto a revalorização integral voltamos para casa ; se, depois de termos lutadot
do seu poder de compra, manifestarem a sua deixarmos a sorte final da luta entre as mãos
determinação de ripostar imediatamente a qual­ dos sindicatos que negociarão um compromisso
quer tentativa da burguesia no sentido de reti­ apodrecido com o patronato - a nossa situação
rar com a mão esquerda o que deu com a direitat piorará e disso seremos nós os únicos responsá­
poderão fazer a burguesia recuar. Mas para isso veis. Nesta comédia, o patrooato, o govern o, os
é necessário que esta determinação se materia­ partidos, os sindicatos, jogam, cada um, o seu
lize concretamente, é necessário que a força e a próprio jogo e prossegue os seus próprios inte­
coesão dos trabalhadores se manifestem de modo resses. Ninguém se preocupa com os nossos e
visivel e permanente. Para isso, só há um meio : nós nada temos a esperar de ninguém. Só por
1!: necessário que os órgãos de luta criados nós próprios podemos ser salvos (b ) .
pelos trabalhadores, e em particular as comissões
de greve democraticamente eleitas, não se dis­
solvam uma vez satisfeitas as reivindicações. :m
necessário que estes órgãos se mantenham, que
organizem os seus contactos de empresa para
empresa e de localidade para localidade, que pro­
clamem publicamente a sua intenção de controlo
,.sobre a evolução da situação em geral e do poder
de compra em particular, e de apelar de novo (b) Um primeiro projecto deste te:x;to, redigido em

para a luta dos trabalhadores à menor tentativa, Setembro de 1.91517, br21 objecto de vãrias discussões no
vtenha ela de onde vier, de atentar contra o seu interior do grupo S. ou B. Estas levaram à sua modifi­
cação, graças 'lli contribuições de camaradas do grupo,
nível de V·ida.
nomeadamente de H. Simon, D. Mothé e outros cama­
Os sindicatos dirão que esses órgãos perma­ radas <la Régia Renault. A versão modificada fora difun­
nentes já existem e que são eles próprios. Os dida, nos fins de Outubro de 11915.7, por vãrias dezenas
trabalhadores dispõem de uma experiência de de trabalhadores da região pari·sien� que, convocados
vários anos que lhes permite responder-lhes. - para uma reunião par·Si eS\Sie efeito, o discutiram longa­
mente. O texto final, que leva em conta os pontos de
Se confiarmos no bom resultado das nego­
vista �xpres•sos nessa reunião, foi, para além da sua
ciações sindicais ; se nos limitarmos a seguir di­ publicação em S. ou B., impresso à parte e düundido em
rectivas para 2 horas de greve sem futuro ; se numerosas empresas.

476 177
COMO LUTAR ?

NO TAS

(1) Vd. p .. 3179· (N. do E.).

( 2 ) A C . P. franoesa (N. do E.).

( 3) F. O . ____. Force Ouvriére ; C. G. T. Conféderatiorn


Général des1 Travailleurs ; C.F.T.C. - Conféderation Fran­


çaise des Travailleurs Chrétiens. (N. do E.).

( 4) Ouvrier Slpéciali'Sé (N.. do E.).

479
f N D IGE

Advertênci'a . . . . .. ... . .. . .. . .. .. . .. . 5

Introdução: A qures:tão d:a história da movimento


operário (11917'3) ... ... ... ... 7
O partido l'levoluciooário (191491) 127
A direcção prolretária (11915121) 15.1
Poscfácio a O pa;rtido T'evolu�onário, e a A direcção
proletária ... ... ... ... ... ... ... ... ... 169
S!artre, o asrtialinismo e os operrários ( 1195�,) 187
Resposta ao r etaan�arada Pannekoek ( 1:9154r) . . . 2163
Posfácio à Respos,ta ao camw;rada Pannekoek 275
Uma car1Ja, de Anton Pannekoiek .. . . . . . . . . . . 279
Segunda carta die Anton Pannekoek 28!9

As gr;e'Vles selV'agens da indústl'lia automóVIel ame-


ricana ( 1191516) . .. . . . ... . . . .. • .. • .. • 297
As greves dOSl docklers ingleses (1195r6) 3126
Os O']_)eél·ários ÍI'Ioote à burocmcia ( l9r5r6) 35!5
.A.s gr;eves da autoonaçã01 em Inglaterra (119t5 6) 381
B alanço, perspectivas, tarefars ( 19M) 409

Como lutar? ( 1:958) ... ... ... ... .. . ... ... ... 43'9

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