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A ESPIRITUALIDADE E A
EXPERIÊNCIA COMUNITÁRIA
COMUNHÃO COM O S ANTO
NA COMUNHÃO COM OS SANTOS
O
da Tijuca, no Rio de
Janeiro. Doutor em
pai se levantou no meio da reunião e decla-
teologia na área de
Espiritualidade pela rou, de maneira absolutamente comovedora, que no
Pontifícia Universidade período mais crítico do vício que seu filho enfren-
Católica (PUC), é tou, ele sentiu um desejo insistente de matá-lo. Pre-
professor de Ética senciei tão libertadora confissão quando dei suporte
Corporativa e espiritual aos dependentes químicos de uma clínica,
Responsabilidade
o que também me deu a oportunidade de freqüentar
Social das Empresas na
reuniões de seus familiares.
Fundação Getúlio
Vargas. Leciona Ética e
Acostumado com as reuniões na igreja, onde qua-
Espiritualidade no se sempre a confissão é uma dolorosa ausência,
Seminário Batista do inicialmente fiquei chocado com o intenso desnuda-
Sul do Brasil. mento emocional, tanto dos que lutavam contra o
vício escravizador de suas vontades quanto dos fa-
miliares, cansados de muitas recaídas, feridas, dores
causadas por aquela odiada dependência. Nunca, em
todos os meus mais de quinze anos como pastor,
ouvi, em tão curto período de tempo, tantas confis-
sões públicas.
O curioso é que aquelas reuniões não carregavam
nenhuma bandeira religiosa, tampouco ouvia-se uma
linguagem evangélica e muito menos um declarado
objetivo espiritual. Porém, a ausência destes elemen-
tos não significava a ausência de Deus — ao contrário,
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símbolo institucional? A igreja é uma fonte viva, capaz de fazer viver minha
espiritualidade? Ou ela é o túmulo da minha relação com Deus? No fim
das contas, a igreja, com sua humanidade, seus ranços e suas institucionali-
zações, não seria um forte fator de arrefecimento do vigor de nossa paixão
espiritual por Deus?
Essas e tantas outras questões inquietantes encontraram um forte eco
na experiência de Philip Yancey, relatada em seu livro Alma sobrevivente. Desde
o título, este é um livro capaz de reverberar com brilhantismo e elegância
literária o processo de desencantamento eclesiástico que estamos descre-
vendo.
Yancey considera-se sobrevivente de uma relação com a Igreja que teve o
potencial de cegar seu discernimento, enrijecer seus preconceitos e mesmo
minar uma autêntica relação com Deus e sua graça. Quem o resgata dessa
triste experiência comunitária são, entre outras, algumas pessoas que não
necessariamente estavam ligadas à Igreja, ou mesmo ao cristianismo. Elas,
porém, se tornaram faróis teológicos e existenciais com quem, seja através de
contato pessoal seja da literatura, ele estabeleceu um vínculo espiritual muito
além das pobres fronteiras estabelecidas pelas igrejas por que ele passou!
Tudo isso só confirma aquilo que já é lugar-comum em nosso saber: a
instituição Igreja não dá conta de preencher plenamente os profundos anseios
e as necessidades da alma humana no que diz respeito à espiritualidade!
Superadas ou reconhecidas as possíveis dificuldades que a Igreja possa
nos oferecer, o fato é que a espiritualidade cristã precisa desembocar neces-
sariamente numa experiência comunitária, pois há uma relação intrínseca,
visceral, complexa e instigante entre essas duas realidades. Uma não pode
ser vivida sem a outra, posto que elas se alimentam, se reclamam, se com-
pletam.
Pode ser que encontremos, dentro de outras tradições religiosas não cris-
tãs, uma ausência desta relação. Todavia, a espiritualidade cristã não pode
prescindir da experiência comunitária, sob pena de se desfigurar ou mesmo
se reduzir.
Diante de tal percepção, pergunta-se: quais bases bíblicas e teológicas
sustentam essa relação? Como ela se dá? Quais são as características e as
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É curioso notar que na Bíblia encontram-se reveladas pelo menos três ma-
neiras de perceber a Deus. Estas percepções de Deus terminaram por fun-
dar igualmente três modelos de espiritualidade. Não poderia ser diferente,
pois nossa visão de Deus determinará nosso modelo de espiritualidade.
Cada uma dessas visões e seus respectivos modelos foram vividos a seu
tempo, por diferentes protagonistas.