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O ESPELHO DO
TERROR
Autor
KURT MAHR
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
SKIRO
Dez terranos — suas lutas e pesquisas...
e as descobertas fascinantes!
— Quer dizer que o senhor é Joel Carso — disse a moça ruiva, enquanto fitava Joel
entre as pálpebras semicerradas.
Joel sentiu-se acuado. Não desconfiara de nada quando se afastou do bloco XLVI
para tomar um lanche na cantina. Neste bloco estava estacionada a Carol-D, com
decolagem marcada para as 12:15 h. Dessa forma Joel dispunha de tempo suficiente para
distrair-se um pouco. Em meio as distrações, resolvera fazer um bom lanche, que deveria
ser desfrutado tranqüilamente e com todo o conforto.
Porém não tivera tempo para tomar seu lanche, pois mal atravessara a porta de
entrada da cantina, alguém o chamara pelo nome. O Dr. Spencer pedira para falar com ele
no reservado. Esse reservado era uma pequena sala onde os oficiais superiores pediam
que lhes servissem os coquetéis, antes ou depois das refeições, e mesmo quando não
houvesse nenhuma refeição. De início, por mais estranho que fosse, teve a impressão de
que o nome “Spencer” lhe era totalmente desconhecido. Foi só quando a entrada do
reservado se abriu à sua frente e Joel viu a moça ruiva confortavelmente numa poltrona
que ficava junto à janela, que se lembrou de que ainda faltava um membro de seu grupo:
era a Dra. Barbara Spencer, uma bióloga.
Atendendo ao amável convite de Barbara, Joel sentou à sua frente, numa cadeira
bastante desconfortável. Estava com os cabelos desgrenhados, porque, antes de ter ido
para o lanche, mal os penteara. Porém conservava o mesmo aspecto de um jovem
preocupado que se dirige à cantina às sete e trinta da manhã, sem desconfiar de que se
encontrará com uma dama.
— Sim, sou eu — confessou Joel, um tanto embaraçado. — E a senhora é a Dra.
Spencer, o membro de nossa equipe que estava faltando. Fico satisfeito em saber que a
senhora ainda conseguiu, agora que só faltam quatro horas para a decolagem.
Procurou usar um pouco de sarcasmo para salvar a situação. Mas Barbara não se
impressionou nem um pouco. Sorriu como se estivesse falando com um amigo íntimo e
cruzou as pernas num gesto elegante.
— Apresentei-me voluntariamente para a missão — informou. — A única coisa que
sei a respeito do trabalho são algumas coisas muito vagas: que o trabalho talvez me custe
a vida, que por algumas semanas ou meses terei de renunciar a toda espécie de conforto, e
que também farei um trabalho biológico muito interessante. Será que o senhor poderia
dar-me informações mais detalhadas?
Joel conhecia as normas que devia cumprir. A Segurança Galáctica tinha motivo
para cercar a tarefa que, dentro de algumas horas, começaria a ser executada com a
Carol-D no maior sigilo. A tripulação propriamente dita era formada por voluntários, aos
quais foram expostos claramente os perigos daquela missão. No entanto, não lhes foram
fornecidos os detalhes. Por enquanto ninguém, a não ser Joel, sabia do que se tratava. E
este recebera ordens para só informá-los depois que a Carol-D tivesse deixado a Terra.
Além disso não gostava que qualquer mulher acreditasse que só precisava de um
olhar amável e de algumas palavras delicadas para amolecê-lo.
— Não posso — disse em tom resoluto.
Levantou-se.
— Aliás, a senhora já sabe disso. As informações lhe serão fornecidas assim que a
nave tiver decolado.
Barbara continua a sorrir.
— Era o que eu pensava. Será que pelo menos teremos uma companhia agradável a
bordo?
— Se eu fosse a senhora, não me preocuparia com isso. A senhora se alistou para a
missão, e por isso terá que dar-se com essa gente, quer queira, quer não.
— Ah — disse Barbara. — Será que realmente não teremos nenhuma distração?
Joel olhou para o relógio.
— Escute aí, senhorita Spencer... — principiou em tom de impaciência.
— Senhora Spencer — interrompeu Barbara em tom enfático. — Mas não se
aborreça por isso. Fui feliz no casamento, mas infelizmente o mesmo foi muito curto.
Meu marido morreu num acidente.
— Está bem, senhora Spencer. Agora não tenho tempo. Vá para bordo. Falaremos
depois.
A porta abriu-se à frente de Joel, que se virou mais uma vez:
— Se eu fosse a senhora, não me preocuparia tanto com as comodidades que
teremos de dispensar ou com as características da tripulação. Eu me preocuparia em saber
se daqui a alguns meses, quando regressarmos de nossa missão, ainda carregaremos a
cabeça sobre os ombros.
***
Só voltou a encontrar-se com a Dra. Spencer depois que a Carol-D já havia
decolado. Reuniu os membros do grupo na pequena sala dos oficiais. Haviam
comparecido prontamente, pois estavam curiosos para saber o que os esperava. Quando
Joel Carso apareceu, já haviam afastado as mesas e colocado as cadeiras num amplo
semicírculo. Estavam discutindo em altas vozes, mas, quando notaram sua presença, a
conversa chegou ao fim.
Joel colocou-se no centro do semicírculo e observou-os à medida que tomavam seus
lugares.
À esquerda estava Harney Creeser, um homem gigantesco, que noventa e nove por
cento das pessoas acreditariam ser um desportista profissional. Na verdade era geólogo, e
um geólogo muito competente, conforme Joel fora informado pelos escalões superiores.
Creeser havia prestado serviço externo em tudo quanto era lugar.
Ao lado de Creeser estava Karl Halbein, um homem baixinho e de aspecto humilde.
“A Segurança Galáctica deve saber por que o escolheu para ir a Zanmalon”, pensou
Joel. “Ainda descobriremos se vale alguma coisa.” Sabia qual era a profissão de Karl
Halbein: psicotécnico. E isso era tudo.
Ainda à esquerda, ao lado de Karl Halbein, a Dra. Spencer se havia acomodado
numa poltrona. Não deu a menor atenção a Joel, o que o deixou muito satisfeito.
Depois vinha Nino Lamarre, um homem esbelto, de estatura mediana e cabelos
escuros, que era biólogo. Joel só o conhecera no dia anterior, quando se apresentara, já a
bordo da Carol-D, e se queixara no mesmo instante de que seu camarote era muito
pequeno.
No centro do semicírculo, bem afastado de Nino, erguia-se a figura rígida de Pitter
Laurensen, biofísico e professor do Perciral Politechmical Institute de Augusta. Era
difícil avaliar a idade de Pitter. De pé, chegava a dois metros de altura. Porém o que a
natureza lhe proporcionara em altura, lhe negara em largura. Pitter era de uma magreza
assustadora. Seus gestos e seu aspecto poderiam ser descritos pelo adjetivo anguloso. Não
era de admirar que Pitter não gostasse de Nino, e este não gostasse de Pitter.
Eric e Fran Jorgens se haviam acomodado à esquerda de Pitter. Joel estava
preocupado com os dois, porque nunca conseguia distingui-los: eram gêmeos perfeitos.
Ambos se haviam dedicado ao estudo da Química, especialidade em que
alcançaram êxitos notáveis. Eram altos e robustos. Tanto um como o outro tinham
cabelos louros. A boca era estreita e se notava em cada um, o mesmo hábito estranho de
colocar a mão direita na face toda vez que falavam... E falavam com o mesmo timbre e
entonação.
A pessoa seguinte na fileira era Jaycie Ridell, uma moça que desde o primeiro
instante representara um mistério para Joel. Era tímida e retraída. Ninguém lhe daria mais
de vinte anos, embora tivesse vinte e oito. Ao vê-la pela primeira vez, Joel teve suas
dúvidas de que aquela moça servisse para outra atividade que não fosse a de babysitter.
Acontece que seus documentos diziam que era física, e as recomendações que a
Segurança Galáctica lhe havia dado eram redigidas em superlativos. Não era que Jaycie
não tivesse boa aparência. Era bonita, e se soubesse cuidar de si seria, na opinião de Joel,
uma rival séria para Barbara Spencer. Mas a atitude reservada da moça, e também seu
aspecto introvertido, faziam com que muita gente não lhe desse atenção e se esquecesse
de sua presença. Joel não saberia explicar o que teria levado uma jovem como Jaycie a
participar de uma missão como esta.
Joey Peters fechava o semicírculo do lado direito. Tinha cinqüenta e três anos, mas
em virtude de uma vida “bem vivida” parecia ter sessenta e cinco. Os exames haviam
revelado que gozava perfeita saúde e provavelmente estaria em condições de enfrentar
qualquer esforço. Joey não tinha nenhuma capacidade especial, mas em compensação
sabia fazer muitas coisas razoavelmente. Não tinha uma tarefa bem delimitada no interior
do grupo. Fora contratado para todo o serviço, e no final das contas seria a pessoa sobre a
qual todos descarregariam seu mau humor. A Segurança Galáctica julgara que por
motivos psicológicos o grupo deveria contar com um elemento como este. Provavelmente
Joe sabia o que o esperava. Era pequeno, grisalho e um pouco corpulento. Em seus olhos
matreiros havia um brilho de autoconfiança. Sabia que seria capaz de sair são e salvo de
todos os contratempos que tinha pela frente.
“Por fim, o grupo ainda conta comigo”, pensou Joel, “pois sou um nada em
comparação com essas sumidades científicas, e estou nas mesmas condições de Joey, isto
é, sem nenhum grau acadêmico. Mas este ao menos não manda nada, enquanto que eu é
que chefio o grupo. Estamos numa operação militar. Mandarei prender quem não
obedecer imediatamente. Quanto tempo levarão estes homens para descobrir que sabem
fazer as coisas muito melhor que eu?”
Joel olhou em torno. Os homens começaram a impacientar-se. Harney Creeser, o
gigante, pigarreou fortemente, recuou o cotovelo sobre a braçadeira da poltrona e disse:
— Bom dia, mister Carso. Como vê, estamos todos aqui.
— Isso mesmo — observou Pitter Laurensen. — Temos o direito de...
Joel interrompeu-o com um gesto.
— Calma, os senhores saberão em tempo — resmungou. — Quando souberem,
talvez nem gostem. Os senhores estão a bordo de um cruzador especial da Segurança
Galáctica, isto é, de uma nave de guerra. Como sabem, ao assinar o contrato
transformaram-se em membros da tropa. Devem obedecer às minhas ordens. Talvez
consigam compreender isso sem muita demora e no futuro se abstenham de observações
felinas e outras coisas do mesmo tipo. Quando tiver que dizer-lhes alguma coisa, eu o
farei no momento que achar adequado.
As pessoas reunidas pareciam perplexas. Fitaram Joel como se naquele momento
tivesse saído de um buraco no chão. Joey foi o único que soltou uma risada alegre. De
repente, os olhos esverdeados de Barbara Spencer pareciam brilhar num interesse
inteiramente novo.
— Nosso destino é Zanmalon — prosseguiu Joel depois de uma ligeira pausa. —
Trata-se de um planeta pertencente ao sistema de Zanma. Talvez tenham ouvido falar nos
acontecimentos que se desenrolaram por lá há quatro meses, talvez não tenham. Na época
ainda não se sabia do que se tratava. Não se impôs qualquer tipo de sigilo. Seja como for,
nossa visita a Zanmalon está ligada a um mistério do qual poderá depender a existência
ou a destruição de nossa civilização.
— Gafanhotos córneos! — gritou Nino Lamarre, erguendo-se um palmo acima da
poltrona.
Joel acenou calmamente com a cabeça.
— Isso mesmo. Há quatro meses Zanmalon foi atacado pelos gafanhotos córneos.
Espalharam-se com a rapidez que lhes é peculiar e é de supor que neste meio tempo
tenham inundado todo o planeta.
Alguém soltou um gemido abafado. Joel não conseguiu ver quem era.
— Mas nosso interesse não está voltado tanto para os gafanhotos córneos —
prosseguiu. — Interessamo-nos mais pela sua secreção, uma massa estranha conhecida
pelo nome de molkex. Na verdade, não é conhecida. A parte mais difícil de nossa tarefa
consistirá em levar para casa algumas amostras de molkex, a fim de que nossos analistas
possam trabalhar com elas.
— E daí? — gritou Harney Creeser. — Qual é o problema? Por isso o senhor não
precisaria pintar as coisas tão negras.
Joel não lhe deu atenção.
— Faz quatro meses — disse — que os gafanhotos córneos apareceram pela
primeira vez. Pareciam inofensivos. Reproduziram-se através da divisão multicelular. Seu
número aumentava a cada hora que passava, até que percebemos o perigo que
representavam. Atacamo-los, mas esses animais são praticamente invulneráveis. Sempre
que nos defrontamos com eles, tivemos de fugir. Nem sequer tivemos tempo para realizar
observações mais precisas. Sabemos que durante cada divisão, que o transforma em dois
descendentes, o gafanhoto córneo solta uma estranha substância transparente. As
propriedades dessa substância são ainda mais fenomenais que a matéria orgânica do
animal. Basta dizer que absorve energia, o que a endurece. Existem indícios de que essa
substância, dominada molkex, desempenha um papel muito mais importante que a de um
simples excremento no ciclo vital dos gafanhotos. Os analista acreditam que poderão
solucionar este problema, se dispuserem de material suficiente.
“A Carol-D não pousará em Zanmalon. A tripulação propriamente dita permanecerá
a bordo e manterá a nave numa órbita em torno do planeta. O grupo de dez terranos
descerá num barco espacial. Examinaremos a situação e elaboraremos nosso planos.
Prometo-lhes que as discussões serão travadas num ambiente democrático. Acho que
todos temos a mesma experiência sobre as condições reinantes nos mundos atacados
pelos gafanhotos córneos, isto é nenhuma.”
— Dentro de quatro horas avistaremos Zanma. Até lá ficaremos... Pois não, Dr.
Creeser.
— Minha pergunta continua de pé — disse Creeser e levantou-se. — Nossa tarefa
consistirá unicamente em recolher uma quantidade suficiente de amostras de molkex?
— Não. Também deveremos descobrir o que aconteceu em Zanmalon nestes quatro
meses e deveremos estar em condições de fornecer uma descrição viva das condições ali
reinantes.
— Isso poderá ser liquidado em poucos dias — afirmou Harney Creeser em tom
enfático.
Olhou em torno, para verificar se suas palavras haviam causado a impressão que
esperara, e combinou:
— Ainda não compreendo por que acharam que deviam apresentar-nos esta missão
como uma coisa tão perigosa.
— Doutor Creeser — perguntou — quais serão as chances de um homem que flutua
no espaço, só e desarmado, e tem de atacar um couraçado fortemente armado?
Creeser fitou-o com uma expressão de espanto.
— Essa pergunta é uma infantilidade — gaguejou. — É claro que um homem como
este não terá a menor chance.
Joel meneou a cabeça.
— Tem uma chance mínima. Pode entrar às escondidas por uma das eclusas e
demolir a sala de comando. Ou então... — ergueu abruptamente a cabeça e fitou Creeser
com uma expressão penetrante — ...o senhor acha que seria capaz de rasgar com as mãos
uma solda elétrica entre duas chapas de ferrit de dois metros de espessura?
O rosto de Creeser contorceu-se numa expressão de repugnância.
— Acho que é ridículo... — principiou.
Joel interrompeu-o:
— Pois teremos de resolver ambos os problemas, Creeser. Quando estivermos em
Zanmalon, nossa situação não será melhor que a do homem desarmado que deverá atacar
um couraçado, ou daquele que tem de rasgar uma solda com as mãos.
Creeser parecia perplexo.
— Espere mais algumas horas — acrescentou Joel — e o senhor verá...
***
— Poppa, essa gente me deixa nervoso.
— Sim senhor — respondeu o Tenente Poppa, sem tirar os olhos da tela.
— Ora, cale a boca — disse Joel Carso, fora de si. — Quem dera que pudesse
encarregar um de vocês desse trabalho, para ficar na ponte de comando enquanto vocês
estiverem andando lá embaixo.
— Não tenho nenhuma objeção, sir — respondeu Gino Poppa, enquanto enxugava a
testa proeminente sob as mechas de cabelos negros e erguia o corpo pequeno e bem-
nutrido da poltrona anatômica do piloto. — Basta olhar para a Jaycie, e minhas dúvidas
se desvanecem.
— Ora veja — disse Joel com uma risada de espanto. — Quer dizer que não é a
Barbara?
Poppa sacudiu a cabeça. Estava muito sério.
— Não, de forma alguma. Ela não vale nada. Quando se vir diante de qualquer
perigo, soltará gritinhos histéricos e sairá correndo.
Joel parecia pensativo.
— Quem sabe se você não está enganado? — perguntou.
Logo entesou o corpo e acrescentou:
— Seja como for, Poppa, cuide para sempre estar por perto. Prendo a primeira
pessoa que me desacatar. Isso servirá de lição aos outros. Traga um café. Enquanto isso
assumirei a nave.
Poppa olhou para o relógio.
— Sairemos dentro de seis minutos — informou.
Desapareceu por uma escotilha lateral. O silêncio passou a reinar no recinto circular
em que ficava a ponte de comando. Os postos estavam vazios. A Carol-D seguia por uma
rota bem conhecida. A aparelhagem automática conduzia-a pelo espaço linear, situado
fora do Universo normal. Os geradores haviam sido regulados de forma tal, que
impeliriam a nave para o espaço normal a meia unidade astronômica de Zanmalon, e com
uma velocidade interplanetária. As telas óticas mostravam a confusão das linhas
luminosas e um cinza-negro sombrio, que eram características do vôo linear. Os
goniômetros lineares haviam sido acoplados ao piloto automático. A única coisa que os
oficiais da ponte de comando tinham a fazer era esperar.
Gino Poppa voltou com dois canecos de café. Joel pegou um deles sem olhar.
Tomou um gole, sacudiu-se e disse em tom de repreensão:
— Não é permitido tomar álcool em serviço, Tenente Poppa!
— Ora! Não fique nervoso — respondeu Poppa em tom áspero. — Misturado com o
café o álcool não faz mal a ninguém. Aliás...
Foi interrompido em meio à frase. Os jatos-propulsores entraram em funcionamento
com um forte zumbido nas entranhas da nave. Um lampejo fulgurante atravessou a tela.
O tapete luminoso das estrelas, que permanecera invisível durante as quatro horas do vôo
linear, apareceu à sua frente. A Carol-D acabara de retornar ao espaço normal.
Poppa sorveu gulosamente o café quente.
— O telescópio! — exclamou. — Não houve nenhuma advertência. O salto foi
bem-sucedido. Bem que tenho vontade de dar uma olhada no seu estranho Zanmalon.
Joel ficou sentado. Poppa deixou cair o caneco de café e correu ao lugar em que o
oficial de rastreamento fazia seu trabalho. Joel ouviu-o comprimir botões e girar
manivelas. Enquanto isso olhava para a tela e viu a extremidade do sol Ex-Zanma entrar
no campo de visão, vindo da direita. Os filtros que o acompanhavam de forma
imperceptível protegiam os olhos dos observadores. Não havia nada de extraordinário
para ver, com exceção desse sol. O restante do espaço estava tomado pelo oceano de
estrelas. A foice estreita de Zanmalon, que ficava a quase oitenta milhões de quilômetros
de distância, era praticamente invisível em meio à torrente de luz escaldante.
— Então, o que houve? — perguntou Joel, sem virar a cabeça para Gino Poppa.
Não obteve resposta. Virou a cabeça, espantado. Viu Poppa parado diante da tela
telescópica, imóvel que nem uma estátua, com os braços pendurados molemente junto ao
corpo.
— Ei, Poppa! Acorde! O que foi que você viu por aí?
Poppa virou-se com o corpo duro. Até parecia que um ser invisível o girava na
altura dos ombros. Estava com o rosto cinzento. Os olhos estavam arregalados de pavor.
Até parecia que acabara de ver o demônio em pessoa. Joel levantou-se da poltrona; estava
desconfiado.
— Que coisa horrível! — conseguiu dizer Poppa depois de algum tempo. — Quase
não consigo acreditar, Joel.
Joel fitou a tela que ficava atrás de Gino. O telescópio projetava a foice de
Zanmalon com um tamanho tal, que a fazia ocupar toda a extensão da tela. De início Joel
não conseguiu ver os detalhes. A única coisa que notou foi a luminosidade da imagem,
pois esta era muito mais intensa do que seria de esperar de uma ampliação desse tipo.
Chegava a ofuscar, como um espelho que formasse um ângulo de noventa graus com os
raios do sol.
A primeira reação de Joel foi um espanto misturado com incredulidade.
Quando apareceram os gafanhotos córneos, Zanmalon era um planeta semelhante à
Terra. Era de se supor que a torrente desses animais tivesse deixado vestígios na
superfície do planeta, que pudessem ser reconhecidos com o telescópio até uma distância
de meia unidade astronômica. Mas o quadro que viam à sua frente não tinha a menor
semelhança com a Terra.
Joel girou os controles, para aumentar a ampliação. Em meio à superfície luminosa
do planeta surgiram manchas pálidas e apagadas. “São montanhas”, conjeturou Joel.
Deviam ser elevações baixas e insignificantes, pois do contrário sua imagem seria mais
nítida. Mas até mesmo as manchas estavam cobertas pelo brilho cintilante que toda a
superfície do planeta parecia irradiar. Joel esfregou os olhos, mas o brilho não
desapareceu.
Parecia que alguém revestira Zanmalon com uma camada de vidro. Essa camada
cobria tudo, desde a superfície dos oceanos até as cumeeiras mais elevadas.
Uma camada de vidro!
De repente Joel compreendeu. Seus olhos enxergaram a terrível realidade, com uma
nitidez que a imagem telescópica era incapaz de transmitir. Aquilo não era nenhuma
camada de vidro. Era um manto de molkex, a tal massa transparente segregada pelos
gafanhotos, durante o processo de cisão. A manta envolvia todo o planeta. E embaixo
dela não poderia existir nenhuma forma de vida.
Os gafanhotos córneos haviam criado um deserto...
Joel afastou-se da tela. Gino Poppa estava um pouco mais afastado. Cobrira o rosto
com as mãos. Joel sentiu uma pressão dolorosa na nuca.
— Está bem — disse em tom amargurado. — Devoraram um mundo...
***
Dali a uma hora o grupo de Joel Carso iniciou o serviço propriamente dito. A Carol-
D contornava Zanmalon a trezentos quilômetros de altitude. A distância era
suficientemente reduzida, para permitir o funcionamento dos aparelhos ultra-sensíveis
pertencentes ao equipamento do grupo. Além disso permitia a visão direta da superfície
do planeta, que há quatro meses ainda fora um mundo apropriado para a colonização.
Joel notava perfeitamente como os homens de seu grupo reagiam ao quadro que se
descortinava diante deles. Quando entravam na sala de comando, não fazia nenhum
comentário. Preferia que enfrentassem o choque sozinhos. Harney Creeser, Nino Lamarre
e o Dr. Spencer pareciam apavorados, mas faziam um pouco de drama para convencer
Joel de que seus sentimentos eram verdadeiros. Outro grupo, ao qual pertencia Pitter
Laurensen e os irmãos Jorgens, não parecia impressionar-se nem um pouco. No início
Karl Halbein, Jaycie Ridell e Joey Peters também não pareciam impressionados. Só quem
os observasse atentamente e notasse as contrações de seus rostos e os esforços
desesperados de encontrar uma ocupação que pudesse distraí-los, perceberia que
experimentavam uma sensação de medo e repugnância.
No momento Karl Halbein era o único que realmente tinha alguma coisa a fazer.
Pôs em funcionamento seu encefalógrafo e começou a rastrear a superfície de Zanmalon,
à procura das emanações de algum cérebro vivo. Era um aparelho que quase chegava a
ser primitivo, formado por um receptor e analisador de radiações eletro-magnéticas.
Todas as emanações dos seres pertencentes ao chamado “primeiro grupo” moviam-se
numa faixa de freqüência muito reduzida, na qual praticamente não havia nenhuma
radiação proveniente de outra fonte. Por isso tornava-se fácil separar as interferências.
Dessa forma, apesar de seu feitio primário, o encefalógrafo era um aparelho eficiente e de
grande alcance.
Quando as primeiras linhas e ângulos surgiram na tela de Karl, as conversas
cessaram. Gino Poppa abafara as luzes da sala de comando, para que todos pudessem
acompanhar a recepção. Joel Carso só possuía conhecimentos bastante superficiais sobre
os métodos empregados na encefalografia. Seria capaz de distinguir entre os impulsos de
um cérebro extremamente desenvolvido e os de um órgão mais rudimentar. Também
conhecia a forma de que costumam revestir-se esses impulsos. Esses conhecimentos
reduzidos bastaram para que compreendesse, prontamente, que nunca vira coisa igual ao
que aparecia na tela de Karl Halbein.
Karl ficou observando por algum tempo as sombras eletrônicas fugazes. Finalmente
virou-se lentamente.
— É só o que conseguimos captar — disse com seu sotaque peculiar.
Depois de algum tempo acrescentou em tom de resignação:
— Os senhores estão vendo.
O vulto alongado de Pitter Laurensen aproximou-se.
— Tem certeza — perguntou com a voz fanhosa — de que isso aí não são simples
interferências?
O rosto de Karl contorceu-se num sorriso triste.
— Professor, o senhor conhece os princípios do funcionamento de um
encefalógrafo.
Sacudiu a cabeça.
— Não, não são interferências. São emanações de alguma matéria orgânica. Quase
me sinto inclinado a dizer que são idéias pensadas no subconsciente.
— Será que os impulsos vêm dos gafanhotos córneos? — conjeturou Nino Lamarre.
— Talvez. A única coisa que sabemos a seu respeito é que não pertencem ao
primeiro grupo. Os impulsos cerebrais dos outros grupos não costumam ser recebidos
nesta faixa de freqüência, pelo menos por enquanto. Mas é claro que não há nenhuma lei
que proíba, a um grupo inteiramente desconhecido, o uso da mesma faixa do primeiro
grupo.
Joel tinha uma pergunta na ponta da língua. Esperou até ter certeza de que ninguém
mais desejava falar.
— Será que os impulsos podem vir da massa de molkex, Karl?
Harney e Nino riram. A boca de Barbara Spencer contraiu-se num sorriso irônico.
Pitter Laurensen sacudiu a cabeça como alguém que não entende nada, mas quer
repreender alguém. Joel sentiu-se como um aluno de escola primária, ao qual o professor
acaba de perguntar se a floresta realmente está cheia de bruxas.
Karl esperou até que todos se acalmassem. Finalmente disse, com toda ênfase que
conseguiu colocar em sua voz aguda:
— Perfeitamente, Joel. Tenho certeza de que vêm de lá.
2
Dali a pouco o barco espacial, no qual o grupo de Joel Carso desceria à superfície
do planeta, estava pronto para decolar.
Alguns minutos de discussões violentas se haviam seguido à pergunta de Joel e à
resposta de Karl Halbein. Karl, que era especializado no assunto, disse que os impulsos
constantes que estava captando não podiam provir de uma multiplicidade de seres, mas
sim de uma só criatura. Logo retificou o termo usado. Passou a substituir a palavra
criatura pela expressão fonte de radiações.
Explicou que o quadro de impulsos produzido por uma série de fontes individuais
era extremamente perturbador. Para facilitar a exposição, orientou o receptor para a sala
de comando e projetou a imagem das emanações irradiadas pelos cérebros humanos. Foi
uma experiência impressionante. A série de impulsos retratada por uma linha sinuosa
lenta e achatada, vinda da superfície do planeta, formava um contraste com as linhas
nervosas e saltitantes, produzidas pela multiplicidade dos fluxos mentais que se
desenvolviam no interior da sala de comando.
Karl repetiu que só havia uma única fonte de radiações, cuja subdivisão era
insignificante. Para um cérebro, a palavra “subdivisão” representava o equivalente de
grau de evolução ou capacidade intelectual. Karl não aludiu a essa equivalência, mas
todos tinham consciência da mesma, inclusive Joel Carso. O que os esperava lá embaixo
era uma coisa única, gigantesca e incrivelmente estúpida.
O barco espacial dispunha de todos os aparelhos de que precisava o grupo para
cumprir sua missão. Sabia-se que os gafanhotos córneos possuíam uma capacidade de
localização energética extremamente precisa, e por isso deixou-se de levar, na medida do
possível, todo e qualquer instrumento híbrido. Como instrumento híbrido devemos
entender todo aquele que gere energia por meio da fusão nuclear ou de processos mais
avançados, ou consuma certas quantidades de energia produzida por um reator de fusão
ou um equipamento ainda mais avançado. O efeito disseminador dessas fontes produtoras
ou consumidoras de energia pode ser detectado a uma distância muito grande.
Joel achava que seria muito arriscado prevenir os gafanhotos que se encontrassem
no pólo sul de Zanmalon, no momento em que ele e seu grupo estivessem descendo no
pólo norte. Por isso só havia um único hipertransmissor no equipamento do grupo. As
únicas máquinas transportadoras de pequeno porte consistiam em autogiros individuais,
que a pessoa prendia no corpo e que, movidos por um motor a combustão e dirigidos a
partir do cinto, a levantavam para os ares como se fosse um helicóptero.
Naturalmente o próprio barco espacial representava um perigo. Seus geradores eram
tão potentes, que os gafanhotos córneos provavelmente notariam sua presença a uma
distância de milhões de quilômetros. Por isso Joel resolveu que, assim que pousassem,
todos deveriam abandonar o barco imediatamente.
Um silêncio deprimente reinou entre os membros do grupo, enquanto se
preparavam para a partida. Até mesmo Joey Peters, o brincalhão incorrigível, conservava
os lábios cerrados.
Joel examinou as escotilhas e fez a ligação com a sala de comando da Carol-D. O
rosto triste e desconfiado de Gino Poppa apareceu na tela.
— Estamos prontos, Poppa — disse Joel com a voz tranqüila. — Fique com os
olhos bem abertos e cuide de nós.
— Sim senhor — respondeu Poppa e sua boca contorceu-se. — Se você olhar para
o céu durante a noite e vir uma estrela muito grande, somos nós.
— Obrigado, Poppa. Prepare a eclusa para a decolagem.
O rosto de Poppa assumiu uma expressão de indiferença.
— Escotilha interna sendo aberta. Boa viagem.
O barco deslizou em direção à saída do hangar. A pesada escotilha interna
escorregou para o lado, num movimento preguiçoso, como se hesitasse em privar os
homens da segurança proporcionada pela nave. O barco parou por um instante na câmara
da eclusa. Ouvia-se vagamente o chiado das bombas, vindo do lado de fora. O ruído foi
cessando, à medida que o ar se tornava mais rarefeito. De repente a escotilha externa
abriu-se. Sem dizer uma palavra, Joel comprimiu a placa vermelha do controle dos
propulsores. O barco foi-se libertando da eclusa. O neutralizador gravitacional não
permitiu que o barco e seus ocupantes sentissem a carga tremenda a que ficaram
expostos, enquanto a Carol-D desaparecia como uma bola vigorosamente arremessada. A
rapidez da superfície cintilante se precipitando sobre as telas, era a única coisa que
transmitia uma impressão da velocidade desenvolvida pelo barco.
O ar entrou em incandescência em torno da tela de visão direta. Uma torrente de
partículas ionizadas seguiu o barco, marcando seu caminho por meio de uma
luminosidade esbranquiçada. Joel lançou um olhar para a tela frontal. O barco passava
muito alto acima de uma superfície plana que parecia estender-se ao infinito. Joel viu
através da camada de molkex a coloração cinzenta da superfície sem vegetação.
Não havia a menor dúvida: Zanmalon era um mundo morto.
Dali a alguns minutos uma cadeia de montanhas baixas surgiu no horizonte visual.
Joel fez o barco descer. Tivera seus motivos para escolher esta parte da superfície
planetária como local de pouso. As colinas que via à sua frente deviam ser o resto da zona
montanhosa, em cujas cavernas os homens da Explorer-3218 haviam encontrado os
remanescentes de um verme do pavor. Pelo que haviam dito a Joel, as montanhas eram
íngremes e tinham milhares de metros de altura. Mas também lhe haviam avisado que
possivelmente não encontraria as coisas da mesma forma que a Explorer-3218 as deixara.
Joel revistava cuidadosamente as colinas, à procura de um sinal que permitisse
reconhecê-las. Não se erguiam a mais de cem metros acima da planície. As encostas eram
suaves e as cumeeiras bem arredondadas, como se estivessem assim há milhões de anos,
tendo adquirido seu formato atual sob a influência das águas e dos ventos.
Há quatro meses aquelas colinas ainda eram grandes montanhas.
Parecia não haver nenhuma fresta naquela massa reluzente de molkex. Era lisa e
transparente e cobria tanto o solo da planície como os topos das colinas. Joel lembrou-se
da entrada da caverna em cujo interior haviam sido encontrados os restos do verme do
pavor. Essa caverna desempenharia um papel muito importante nas investigações que
pretendiam realizar. Mas se a entrada tivesse sido fechada pela massa de molkex, teriam
de gastar muito tempo para vencer as dificuldades.
De repente descobriu o rio. Serpenteava suavemente, em inúmeras curvas, através
da planície, em direção ao sul. Joel viu mais uma curva no pé da colina. Naquele lugar o
rio quase chegava a descrever um círculo.
Vindo do norte, dobrava repentinamente para o oeste, corria para o sul e para o leste
e voltava a correr para o norte. Pouco antes de voltar para o curso anterior, descrevia
outra curva fechada para o leste. Formava uma península quase circular, ligada com o
resto da planície por uma faixa de terra que media apenas algumas centenas de metros de
largura.
Devia ser o lugar em que a Explorer-3218 pousara há algum tempo. Joel mudou de
rumo, tomando a direção da curva em círculo.
Pousou depois de alguns minutos. Os aparelhos automáticos já haviam feito a
análise do ar. Os resultados diferiam pouco daqueles obtidos pela Explorer-3218. Parecia
que os gafanhotos córneos haviam limitado sua atividade destruidora à matéria sólida. A
atmosfera era respirável.
O barco pousou na faixa de terra que ligava a península circular à planície. Dois ou
três quilômetros à frente erguiam-se as colinas mais próximas. Joel preveniu os homens
para que se apressassem ao descerem do barco e preparassem os autogiros o mais
depressa possível. Transmitiu a Gino Poppa uma informação lacônica sobre o pouso que
acabara de realizar. Escolheu entre os dez recipientes aquele que ele teria de transportar,
colocou a mochila do autogiro e abandonou o barco espacial.
Saiu lentamente da eclusa e caminhou para a massa reluzente de molkex. A
cobertura do planeta parecia dura. Joel abaixou-se e passou as mãos pela superfície lisa.
Parecia que estava tocando em vidro. A massa endurecera. Tirou um canivete do bolso,
fazendo saltar a lâmina, e tentou arranhar o material vidrado. Ouviu um ruído
desagradável, que soava como um grito, mas que não produzira nenhuma ranhura no
molkex. Era o que esperava. Mergulhado em suas próprias reflexões, fechou o canivete e
enfiou-o no bolso.
Viu perfeitamente que o revestimento de molkex só tinha alguns milímetros de
espessura. O relatório da Explorer-3218 dizia o contrário, pois falava em camadas
elásticas de alguns metros de altura. Neste meio tempo devia ter havido modificações
profundas. Joel procurou enxergar para além da massa vidrada e de repente sentiu pena
do chão miserável, que ficava a alguns milímetros de distância, mas era inatingível e,
privado de sua cobertura vegetal e da fauna, morria sufocado lentamente sob a pressão do
molkex.
Ouviu passos e ergueu-se. O grupo estava pronto para partir. Haviam ligado os
autogiros. Com sua magreza, Pitter Laurensen oferecia um aspecto ridículo, com a hélice
de quatro pás que ficava um metro acima de sua cabeça.
— Estão sentindo o cheiro? — perguntou Jaycie de repente e olhou em torno com
uma expressão de desconfiança.
— Sentindo o cheiro de quê? — perguntou Joel.
— Há um cheiro estranho no ar — respondeu Jaycie, sem olhar para ele.
Joel aspirou fortemente o ar. Estava acostumado a sentir um cheiro diferente em
cada planeta, e por isso não havia notado nada. Mas agora que Jaycie o havia alertado,
estava realmente sentindo um cheiro estranho de podridão e recintos poeirentos,
misturado a um odor repugnante de excrementos.
— Estou sentindo também — disse Barbara nesse momento. — Parece um cheiro
de cortiço, de porão e mansarda ao mesmo tempo.
Deu uma risada, mas ninguém mais achou graça.
— Só pode ser o molkex — disse Eric Jorgens com a voz ranhenta.
Olhou para cima, como se tivesse medo de encarar os outros. Joel não conseguiu
descobrir se era Eric ou Fran. O equipamento tornava os dois irmãos ainda mais
parecidos, se é que isso era possível.
— Seus vapores devem ter certa pressão — prosseguiu Jorgens. — A mistura das
moléculas de molkex com o ar atmosférico dá nisso. É claro que estamos sentindo o
cheiro.
Jaycie concordou com um gesto. Parecia pensativa. De repente levantou a cabeça.
— Há outro detalhe — disse, dirigindo-se a Joel. — Zanmalon não é um ambiente
muito sadio no que diz respeito às radiações nucleares.
Joel parecia surpreso.
— Não é muito sadio? O que quer dizer com isso?
Jaycie ergueu o braço direito e consultou um dos instrumentos parecidos com um
relógio de pulso, que trazia no antebraço.
— Cem miliroentgens por segundo — leu. Joel estremeceu de susto, mas Jaycie
nem tomou conhecimento disso. Prosseguiu em tom indiferente: — Isso significa que
dentro de trezentas horas no máximo absorveremos uma dose de radiações que, segundo
as normas de proteção, nos transformará em casos clínicos.
Harney Creeser soltou uma risadinha, para deixar claro que não acreditava que a
situação fosse muito séria. Os outros ficaram pálidos de susto, inclusive Joel.
— Vamos fazer nosso trabalho o mais depressa possível — decidiu este. — Talvez a
área em que as radiações são muito intensas seja limitada. É possível que entre as colinas
as condições sejam mais favoráveis.
Não disse o que o tinha levado a acreditar nisso, mas esforçou-se para dar ao seu
rosto a expressão de quem sabe o que está dizendo. Às vezes algumas palavras que
inspiram confiança podem ser muito importantes, porém não é necessário que elas
tenham significado.
Joel voltou a levantar sua carga e colocou-se em posição de decolagem. Manipulou
sem olhar os controles embutidos no cinto. A hélice de sustentação que ficava em cima de
sua cabeça começou a girar com um zumbido. Joel lançou um olhar para as colinas. O sol
já estava bem próximo à linha do horizonte. Desapareceria dentro de uma hora e meia a
duas horas. Seus raios vermelho-amarelentos batiam obliquamente na camada de molkex,
transformando-a num reluzente manto dourado.
Joel não deixou que as aparências o enganassem. Através do brilho dourado
enxergava o pavor sombrio irradiado pelo planeta morto. Quando moveu a alavanca de
decolagem, estremeceu. Até mesmo o ligeiro solavanco com que se ergueu do solo teve
os efeitos de um choque. Parecia que uma coisa invisível e desconhecida pretendia atacá-
lo.
***
Seguiram-no conforme havia ordenado. Deixaram para trás o istmo que ligava a
península à terra e seguiram em direção às colinas, deslocando-se a cerca de cinqüenta
metros de altura. O ar estava praticamente imóvel. Era fácil continuarem juntos.
Até mesmo embaixo do desajeitado aparelho de vôo, Barbara Spencer fazia boa
figura. Joel reconheceu isso a contragosto. Além disso não perdera a autoconfiança. A
moça olhou em torno com a impressão de quem acha que esse vôo sobre um planeta
destruído era a coisa mais natural do mundo. Dedicou um pouco de sua atenção ao solo e
às colinas que se estendiam à sua frente, mas ocupava-se principalmente com Nino
Lamarre e Harney Creeser.
“Ela nos criará problemas”, pensou Joel, bastante zangado. “A Segurança
Galáctica não deveria destacar mulheres para missões como esta.”
Distraiu-se então com a figura de Pitter Laurensen, que se movia como se tivesse
um bastão enfiado nas costas. Notava-se que fazia um grande esforço para conservar a
dignidade. “Quando tivermos terminado com isto seu comportamento será diferente”,
pensou Joel. “Os gafanhotos córneos não se importam com a dignidade humana.”
Karl Halbein estava pendurado sob as pás do autogiro, como alguém que tivesse
sido tirado da água pela mão de um gigante. Não passava de um montículo de miséria.
Joel lia no rosto de Karl que o mesmo gostaria de estar em outro lugar. Por estranho que
pudesse parecer, com Nino Lamarre as coisas não eram muito diferentes.
Os outros comportavam-se muito bem. Jaycie tinha a faculdade natural de conservar
a elegância em meio à perplexidade. Para Joey Peters tudo aquilo parecia uma brincadeira
muito divertida. Quanto aos dois Jorgens, notava-se que nem se interessavam pelo que
estava acontecendo em torno deles. A tarefa propriamente dita ainda não tinha começado.
Pouco importava como faziam para lidar com o autogiro.
Harney Creeser fez jus ao seu papel de Apoio. Quase chegava a ser maravilhoso ao
dirigir o autogiro com suas tremendas forças mais do que este o dirigia. Joel não se
importaria nem um pouco em tributar a Harney a admiração que este merecesse.
Acontece que Harney estava exagerando. Como Nino parecia tão desajeitado, concluiu
que chegara a hora de salientar-se diante de Barbara. Subia e descia, ficava de cabeça
para baixo, fazia loopings e outras macaquices. Joel resolveu dar-lhe uma lição assim que
chegassem às colinas, onde a vista não alcançava tão longe.
“Isso é uma feira de vaidades”, pensou Joel, aborrecido. Tinha certeza de que essa
gente acabaria compreendendo o que estava em jogo. Restava saber quanta desgraça
aconteceria antes disso.
Ainda estava pensando nisso, quando as coisas começaram...
***
Haviam atingido o pé das colinas e passavam pelo corte suave que separava duas
elevações. De repente Joel viu a pequena coluna de gafanhotos córneos que subia pelo
flanco de uma das colinas. Os animais não pareciam ter muita pressa. Não saltavam como
costumavam fazer, mas rastejavam lentamente pelo chão. Joel teve a impressão de que
estavam cansados. Mas não teve tempo para observações mais detalhadas. Pitter
Laurensen, que também notara a presença dos animais, soltou um grito estridente de
triunfo.
— São os primeiros que encontramos! — berrou. — Vamos buscá-los.
No mesmo instante reduziu a potência de seu autogiro e foi descendo. Por alguns
segundos Joel ficou paralisado com tamanha imprudência. Finalmente pôs-se a gritar:
— Volte, seu idiota! Pitter, volte imediatamente!
Pitter não o ouviu. Precipitou-se sobre os gafanhotos córneos com o entusiasmo do
cientista. Agitava os braços e movia as pernas como quem sente chão firme sob os pés.
Pôs a mão direita na arma térmica que trazia pendurada ao cinto. Arrancou-a. Estava a
uns vinte metros do gafanhoto mais próximo.
O grupo parou no ar. Todos se juntaram sem saber o que fazer. Os autogiros
zumbiam e formavam um círculo tremeluzente. Joel entrou violentamente no meio do
círculo. Seu autogiro rangeu ao bater no aparelho de Joey Peters. Joey voltou
apressadamente.
— Vamos ficar aqui! — gritou Joel. — Não quero que ninguém saia do lugar!
Não houve resposta. Joel afastou-se do grupo apenas alguns metros, para ver melhor
o que Pitter estava fazendo e intervir prontamente se mais alguém resolvesse agir por
conta própria.
Haviam ensinado a Pitter, durante semanas a fio, que um gafanhoto córneo só pode
ser morto por um raio concentrado que o atinja no lugar em que seu corpo é mais fino.
Mas Pitter esquecera tudo e abriu fogo. Fez o raio bem aberto passar pelo grupo de
gafanhotos córneos — e não conseguiu nada! Os animais ergueram-se. Estavam
prevenidos. Se Pitter não recuperasse a razão dentro de alguns segundos, estaria
irremediavelmente perdido.
Pousou no chão. Absorveu o choque com os movimentos que as pernas faziam
enquanto estava no ar. Escorregou na massa de molkex. Esperneou na queda e escorregou
um bom pedaço. Foi sua salvação. O gafanhoto córneo mais próximo abriu a boca
cercada de tenazes e esguichou um jato de ácido, exatamente no lugar em que Pitter
tocara o solo. O líquido verde-amarelento espalhou-se pela camada de molkex sem causar
nenhum mal.
Alguém deu uma cutucada em Joel, que se virou abruptamente. Era Karl Halbein,
que estava parado no ar, bem a seu lado.
— O senhor não pode deixar que ele se acabe assim — gritou. — Esse sujeito está
louco.
— É isso mesmo! — berrou Joel. — Antes perder um homem que dois.
Karl sacudiu a cabeça.
— Não estou nessa — disse em tom energético. — Descerei para ajudar.
— O senhor vai ficar onde está! — ordenou Joel.
Num movimento tão rápido que Joel não conseguiu impedi-lo, Karl pôs a mão nos
controles embutidos no cinto e diminuiu a rotação do autogiro. Desceu que nem uma
pedra. Pouco antes de chegar à camada reluzente de molkex, controlou a queda numa
curva arrojada e elegante.
Joel inclinou o corpo para a frente e gritou atrás dele. Karl não lhe deu atenção. Joel
sentiu uma raiva insensata. Voltou a endireitar o corpo. Ninguém se interessava por ele;
todos estavam olhando para Karl e Pitter. Mas sua voz trovejante despertou-lhes a
atenção.
— Fiquem onde estão! — gritou Joel. — Ninguém vai fazer nada sem que eu dê
ordem! Quem tentar levará um tiro! Isto é tão verdade como estou pendurado aqui, bem
juntinho de vocês!
Manteve a arma de radiações apontada. Todos sabiam que estava falando sério.
Pitter teve mais sorte que juízo. Conseguiu escapar ao bombardeio de ácido dos
animais parecidos com lagartas. Era um quadro repugnante. Os corpos violetas dos
animais, que tinham um palmo de comprimento e cerca de cinco centímetros de
espessura, ergueram-se bem a pino. As cabeças esféricas com as quatro tenazes
descreviam movimentos pendulares. Pareciam espreitar alguma coisa. As bocas largas
abriam-se e fechavam-se em movimentos rítmicos, lançando de vez em quando um jato
de ácido amarelento. Se atingisse um dos dois homens, o destino do mesmo estaria
selado. Não havia nenhuma substância que resistisse ao ácido por mais que alguns
segundos.
Pitter já parecia ter compreendido que a missão que resolvera levar avante, por
conta própria, era muito mais perigosa do que supusera. Procurou abrigar-se. Continuava
a usar a arma, mas a cada tiro que disparava o raio saía mais fino. Começava a lembrar-se
daquilo que lhe fora ensinado.
Karl estava, por sua vez, nos seus calcanhares. Continuava com a arma guardada no
cinto. Via-se que estava empenhado unicamente em fazer Pitter subir do solo. Agitava os
braços e gritava tão alto que suas palavras eram compreendidas perfeitamente. Mas Pitter
estava tão absorto no seu entusiasmo científico, que não dava a menor atenção às
palavras de Karl.
Joel teve de fazer um grande esforço para não fechar os olhos, ao ver os primeiros
gafanhotos córneos se prepararem para saltar: a parte traseira dos seus corpos encurvou-
se, transformando-se num laço oval, e estes começaram a balançar acima do
estreitamento.
Karl alcançou Pitter. Quem o visse passar por baixo de um raio disparado pela arma
de Pitter, para alcançar mais depressa o companheiro, poderia ser levado a acreditar que
estava com vontade de morrer. Só por um segundo Pitter ficou estupefato. Foi quanto
bastou para que Karl pusesse a mão em seu cinto e batesse no controle. Pitter disparou
para o alto que nem uma flecha. O tiro seguinte foi descarregado no ar, sem produzir o
menor efeito.
De repente os gafanhotos córneos saltaram. Para a maior parte deles, a sucessão dos
fatos dos últimos três segundos foi rápida demais. Caíram elasticamente no lugar em que
pouco antes estivera Pitter. Os jatos de ácido por eles expelidos foram esguichados em
vão. Mas dois deles investiram contra o novo inimigo. Um deles pousou no ombro de
Karl e outro tocou o chão bem à frente de seus pés.
Karl não estava preparado. A mão que pretendia mover o controle hesitou por uma
fração de segundo. Os gafanhotos córneos abriram as bocas largas. Joel viu os jatos
finíssimos de ácido mortal iluminados pelos raios do sol vermelho. Vindos de cima e de
baixo, atingiram as vestes de Karl e espalharam milhares de gotículas fulgurantes.
Karl soltou um grito. Sua mão bateu no controle. O autogiro começou a funcionar
com um chiado. Karl desprendeu-se do solo, mas enquanto ia subindo o ácido começou a
devorá-lo. O gafanhoto córneo que saltara sobre seu ombro caiu sob os efeitos da
aceleração súbita, mas antes disso soltou outro esguicho de ácido que atingiu Karl no
peito.
A destruição progrediu com uma rapidez incrível. As vestes foram corroídas em
questão de segundos e esvoaçaram em farrapos marrons. Karl gritava, enquanto o
autogiro o arrastava para o alto. O ácido agora passou a agir sobre o corpo. A matéria
viva sucumbiu mais rapidamente aos efeitos do ácido que o plástico de suas vestes.
Era um quadro apavorante. Cada segundo parecia o pesadelo de um louco. Joel
quase chegou a sentir-se aliviado quando aquilo que já fora Karl se soltou dos cintos e o
aparelho voador, aliviado do seu peso, disparou que nem uma flecha. Por alguns instantes
ainda se ouviu seu apito agudo. Depois virou, totalmente descontrolado, e foi atingir o
solo entre as colinas.
Não se via mais o menor sinal de Karl. Os gafanhotos córneos reiniciaram sua
caminhada. Não deram a menor atenção à caixa que Karl estivera carregando e deixara
cair. Ouviu-se um leve zumbido, vindo de cima. Joel levantou a cabeça. Quase não tinha
consciência do que se passava em torno dele. Um par de pernas magras e compridas
entraram no seu campo de visão. Em cima delas havia uma cabeça alongada. Finalmente
distinguiu a estreita cabeça de Pitter Laurensen.
Pitter ficou parado ao lado de Joel. Seu autogiro de sustentação estava novamente
sob controle.
— Eu... eu — gaguejou — vi tudo. Não... não posso dizer como lamento o que
aconteceu. Não... não sabia...!
Joel encarou-o de frente.
— Cale a boca, seu estúpido! — disse em tom indignado.
Fez girar o eixo flexível do autogiro e disparou em direção à superfície. Pegou a
caixa deixada por Karl. Os gafanhotos córneos não lhe deram atenção. O aparelho era
muito precioso, e por isso não queria largá-lo por ali. Num vôo rápido voltou para junto
do grupo.
— Vamos! — gritou Joel para todos. — Daqui por diante ficaremos bem juntinhos.
Mais uma vez seguiu à frente do grupo. Não estava com vontade de falar. Sabia que
todos queriam ouvir uma explicação de sua boca. Ele a daria mais tarde. Naturalmente
não a compreenderiam. Ninguém era capaz de compreender uma explicação desse tipo, a
não ser talvez Pitter Laurensen, que se aproximara o bastante do inimigo.
Naquela hora Joel preferia ficar só.
E ficou só por algum tempo. De repente ouviu o ruído de outro autogiro ao seu lado.
Virou o rosto e viu Barbara Spencer, que acabara de alcançá-lo. Fitava-o com os olhos
semicerrados, numa expressão atenta e desconfiada. Até parecia querer elogiá-lo sobre o
talhe de seu traje.
Finalmente disse em voz tão baixa que mal conseguiu entendê-la:
— Muito bem; o senhor é um modelo de valentia e inteligência!
***
Dentro de alguns minutos atingiram a área coberta pelas colinas. Joey Peters, que
mesmo durante o vôo observava com seus instrumentos o terreno que ficara para trás, não
notara nenhum movimento suspeito nas proximidades do barco espacial abandonado.
Concluiu que, por ali, os gafanhotos córneos não podiam ser muito numerosos. Joel
estava pensativo. Sabia que o gafanhoto também precisa de algum tipo de alimento. Pelo
que se dizia, eram capazes de devorar a rocha nua e transformavam o granito em energia
orgânica. Acontece que por ali nem sequer conseguiam alcançar o granito, pois o mesmo
estava coberto pela massa de molkex. Também se lembrou que o grupo de gafanhotos que
matara Karl parecia muito cansado. “Será que os gafanhotos córneos de Zanmalon são
uma espécie em extinção?”, indagou-se.
Sabia-se muito pouco a respeito do ciclo vital dessas crias-do-inferno. Nasciam de
ovos. Este fato e o formato de lagarta davam a entender que representavam apenas um
estágio transitório na evolução biológica de um animal que se desenvolvia numa série de
metamorfoses, mais ou menos à maneira das lagartas que se transformam nas borboletas
terranas. Ainda não se encontrara nenhuma prova concludente dessa teoria resultante de
uma série de observações comparativas. Joel Carso esqueceu-se um pouco da tristeza
causada pela morte de Karl Halbein, quando se lembrou da possibilidade de terem
chegado a Zanmalon no momento crítico: os gafanhotos córneos estavam dando o passo
decisivo que os levaria do estágio atual ao ciclo biológico seguinte.
Era bem verdade que ainda não haviam encontrado nenhum indício de que
realmente fosse assim. A massa de molkex era um excremento das lagartas; não resultava
de um processo de metamorfose. E a única coisa vista por elas era exatamente o molkex.
Diante da quantidade enorme de gafanhotos córneos observados pelos tripulantes da
Explorer-3218, seria de se esperar que os produtos da transformação pudessem ser
encontrados em toda parte.
Joel não se preocupou com isso. Afinal, só haviam examinado uma fração
insignificante da superfície do planeta. Ele mesmo procurara explicar a Harney Creeser
que não poderiam contar com resultados imediatos.
Esforçou-se para fixar os detalhes topográficos das colinas. Procurou compará-los
com os relatórios fornecidos pelos tripulantes da Explorer. O resultado foi praticamente
zero. Tinha certeza de que a caverna suspeita ficava por ali, mas não viu nenhuma das
singulares rochas escarpadas que apareciam nas fotografias da Explorer-3218.
Depois de algum tempo resolveu pousar num lugar escolhido ao acaso. Tratava-se
de uma depressão suave cercada por quatro colinas. Estas não lhes davam a menor
proteção, pois seriam fáceis de transpor. Mas as elevações permitiam uma visão ampla
para quase todos os lados, e era o que mais lhe interessava. Joel, colocou o eixo do
autogiro na vertical e ficou parado no ar. Os outros foram parando em torno dele.
— Vamos estabelecer-nos por algum tempo nessa depressão — disse.
Ninguém respondeu. Joel deu-lhes as costas e foi descendo. A primeira coisa que
fez ao tocar o solo foi largar a bagagem de Karl Halbein. A barraca suplementar destinada
aos instrumentos ficava nessa bagagem. Joel espalhou o tecido fino pelo chão e esperou
que o pequeno condensador inflasse bem as paredes da barraca. Esta tinha pouco menos
de um metro de comprimento e um de altura. Acima dela erguia-se um telhado que tinha
mais um metro e meio. Joel colocou o resto da bagagem de Karl no interior da barraca e
fechou os grampos de vedação. Prendeu os ganchos da barraca em pequenas saliências da
massa de molkex. Depois disso sacudiu a barraca, para verificar se estava firme. Ficou
satisfeito. Pôs-se a montar sua barraca ao lado da que abrigava os instrumentos. Olhou
em torno e certificou-se de que os outros membros do grupo também montavam suas
barracas, de maneira a formarem um círculo em torno da sua e da dos instrumentos.
Não haviam discutido a disposição das barracas. De início Joel não viu nada de
estranho no fato de os membros do grupo terem escolhido esse arranjo sem consultá-lo.
Mas a idéia deixou-o intrigado e depois de algum tempo começou a estranhar.
Finalmente Joey Peters aproximou-se dele. Estava muito sério. O sorriso que
costumava trazer no rosto havia desaparecido. Chegou bem perto e falou baixinho, para
que ninguém mais pudesse ouvi-lo:
— Isso foi combinado entre eles, chefe. Haverá problemas. E não vai demorar.
3
Além das colinas do sul uma massa escura e sombreada balançava na parte traseira
do tronco, transformada em mola. A cabeça apontara para o norte. O monstro lembrava-se
do acampamento por cima do qual saltara para alcançar o fugitivo.
Joel planava sobre o topo da colina. Respirava profundamente e fez um esforço para
manter a mão quieta. O verme já não parecia tão nervoso. Ainda bem. Assim seria mais
fácil distraí-lo. Joel recapitulou o plano. O que tinha de fazer era atrair o monstro para
bem longe do acampamento, a fim de que este não se lembrasse de voltar para lá. O
verme do pavor devorava energia, da mesma forma que um verme terrano se alimentava
de folhas em decomposição. E Joel carregava consigo boas quantidades de energia. O
único problema era distribuir as iscas com bastante habilidade, para que a fera desistisse
de sua intenção inicial.
Joel sabia perfeitamente que uma das iscas seria ele, quer quisesse, quer não. E as
chances de escapar vivo da aventura não eram superiores a cinqüenta por cento.
Lembrou-se do pobre Joey Peters que, se alguma coisa lhe acontecesse, teria de
assumir o comando até que Gino Poppa chegasse.
Atirou. A salva reluzente da arma energética atingiu o animal bem no rosto. A fera
emitiu um ruído borbulhante e abriu a boca, para que a energia penetrasse em seu interior.
Joel viu os olhos cintilantes examinarem a escuridão. Quando se imobilizaram, dirigindo-
se numa rigidez diabólica para a origem do raio energético, Joel tirou o dedo do gatilho.
Reuniu todas as forças de seus músculos para atirar-se de lado, desaparecendo quase de
pernas para o ar atrás do grupo de colinas. Voltou a endireitar-se pouco acima da encosta
norte e manteve-se imóvel por um instante.
Um pequeno sol surgiu em cima da colina. Uma torrente de luz escaldante passou
com um chiado e desceu obliquamente para a noite. O verme queria a vítima. Joel
procurou imaginar como a boca muito aberta expelia um raio de energia concentrada. Se
tivesse ficado mais um segundo lá em cima, Joey Peters não encontraria nem um
pedacinho de sua pele.
Desta vez avaliara corretamente a reação do verme. “Como será da próxima vez?”,
pensou.
Seguiu junto à encosta da colina e atravessou o vale baixo, em direção ao flanco
norte da colina seguinte. Repetiu o jogo de antes, com a diferença de que desta vez se
encontrava mais longe do verme. A fera continuava sentada no mesmo lugar, à espera do
próximo disparo. Quando a arma energética de Joel soltou uma réstia de luz, a cabeça
esférica virou-se abruptamente, à procura do novo alvo. Mais uma vez Joel abrigou-se
um segundo antes que o verme abrisse a boca e começasse a cuspir energia.
O terceiro ataque de Joel foi desfechado a uma distância ainda maior. Desta vez
aconteceu o que esperara. O verme não respondeu ao tiro. Preferiu saltar atrás dele.
Joel recuou e continuou a atirar. O verme respondeu ao fogo, para que ele voltasse a
afastar-se para além do alcance do raio energético. O monstro voltou a saltar. A caça
parecia deixá-lo excitado, pois já não deixava passar tanto tempo entre dois saltos
sucessivos. Ao que parecia, desejava pegar Joel vivo. Raramente respondia aos tiros.
Assim que Joel aparecia, a parte traseira do tronco do animal se dobrava, o gigantesco
corpo começava a balançar e o monstro saltava. Sempre que isso acontecia, uma forte
tormenta rugia sobre as colinas e arrastava Joel para longe. Isso representava outro
perigo. Joel não contara com uma possibilidade: o rotor talvez não fosse capaz de resistir
aos choques provocados pelas rajadas de vento. Se o autogiro falhasse, suas esperanças
de escapar ao verme, que sempre ficava perto dele, seriam bastante remotas.
Agiu com mais cuidado. Esforçou-se para permanecer ainda mais perto das colinas
que lhe serviam de abrigo. Dessa forma as rajadas de vento se quebrariam nos flancos das
elevações, enquanto Joel se protegeria atrás das mesmas. Mas apesar de toda essa cautela,
o verme conseguiu chegar mais perto dele. Era bem possível que este se aproximasse a
uma distância crítica, e o alcançasse num único salto.
Joel procurou avaliar a distância que o separava do acampamento. Deviam ser uns
quinze ou vinte quilômetros. Esforçara-se para locomover-se em linha reta, sempre que
isso fosse possível, e o verme dera pelo menos uma dezena de saltos. “Não demorarei a
chegar ao fim da área das colinas, e na planície não haverá nenhum lugar em que eu
possa abrigar-me”, pensou.
Chegara a hora de fazer alguma coisa.
Levantou-se atrás de uma fileira de colinas e procurou localizar a sombra negra do
monstro. Encontrou-a numa depressão ampla e pouco profunda, a uns duzentos metros de
distância. Fez um disparo ligeiro contra a sombra e imediatamente procurou abrigo,
apressando-se em afastar-se o mais possível na direção oeste.
Desta vez o verme não saltou. Tudo permaneceu em silêncio. Joel parou no pé de
uma coluna, procurou escutar por algum tempo e voltou para onde estava. O rotor
zumbia. O silêncio era deprimente.
O verme continuava deitado no mesmo lugar. Joel observou-o por algum tempo,
para certificar-se de que estava vivo. Apesar da escuridão viu perfeitamente os ligeiros
movimentos convulsivos da sombra. Era mesmo uma idéia esquisita. De que poderia ter
morrido o monstro?
Joel voltou a disparar, desta vez por mais tempo. Permanecia fiel à estratégia inicial
de atirar e afastar-se o mais depressa que podia. Mais uma vez o verme não reagiu.
Joel ficou perplexo. O que teria acontecido? Por que o monstro estava mudando de
tática? Voltou e aplicou a terceira salva. Desta vez não se deu ao trabalho de retirar-se
imediatamente. Abrigou-se atrás do topo da colina, mas logo voltou a aparecer, pois
notou que o verme permanecia imóvel. Lentamente, metro após metro, Joel desceu pela
encosta sul da colina, em direção à depressão em cujo interior a fera jazia praticamente
imóvel. Queria ver de perto o que estava acontecendo. Sabia que se colocaria em situação
perigosa, mas estava tão exaltado que não se importou com isso. Afinal tinha bastante
mobilidade, mesmo em comparação com o monstro e seus saltos longos. Se necessário,
poderia subir por meio do rotor e colocar-se numa posição segura.
Parou a uns cinqüenta metros da montanha de carne que era o verme. A blindagem
dura da fera, capaz de absorver energia, crepitava baixinho, enquanto os movimentos
quase imperceptíveis do corpo faziam com que os anéis roçassem uns nos outros. O
animal estava vivo; quanto a isso não havia a menor dúvida.
Por que não reagia mais?
Lentamente, como se não tivesse muita certeza do que estava fazendo, Joel levantou
a arma. Achou que seria arriscado demais usar a lanterna. A cabeça esférica era apenas
uma sombra apagada que se destacava lá em cima, no meio da escuridão. Teria de atingi-
la, pois o verme nem sentiria o impacto do raio em outro lugar do corpo.
Puxou o gatilho. O tiro produziu um chiado — e de repente Joel compreendeu que
entrara numa armadilha...
A reação do verme foi mais rápida que de qualquer das vezes anteriores. Ouvido de
perto, o ruído dos anéis blindados que roçavam uns nos outros pareciam tiros de fuzil.
Joel atirou-se para o lado e regulou o rotor para potência máxima. Bem em cima dele um
pequeno ponto luminoso branco surgiu em meio à escuridão. Parecia crescer enquanto
caía sobre ele. Numa fração de segundo transformou-se numa esfera, num sol, numa
torrente luminosa fulminante. A luz produziu um rugido ao atingir o solo. Um jato
escaldante de ar, vindo de baixo, atingiu Joel e arrastou-o para o alto.
Talvez fosse sua salvação, pois o raio energético do verme não passara a mais de
três ou quatro metros dele.
Joel deixou que a corrente de ar o arrastasse e, quando sua força diminuiu,
concentrou toda a potência do rotor no movimento de subida. O verme podia saltar longe,
mas não muito alto. Joel sabia que logo saltaria. O monstro ficara imóvel, à espera de que
o inimigo se aproximasse o suficiente para poder ser eliminado com um único tiro
energético. A armadilha se fechara, mas não prendera a vítima. O verme não desistiria.
Saltaria. Não poderia agir de outra forma.
Joel procurou calcular a distância. Encontrava-se cerca de vinte metros acima da
cabeça do monstro, e uns setenta ou oitenta metros mais ao norte. Se o verme saltasse
naquele momento, estaria exatamente no ponto mais alto de sua trajetória.
Então o verme saltou!
Joel estava tão preocupado com seus problemas, que nem teve tempo para observar
a fera. Não viu quando a mesma se preparou para o salto, mais depressa do que fizera em
qualquer das vezes anteriores. Mas ouviu o ruído rouco que o gigantesco corpo provocou
durante o impulso, e viu a sombra do colosso aproximar-se em meio à noite. Fez um
esforço desesperado para afastar-se da trajetória. Praguejou contra a lentidão do eixo do
rotor e usou a força dos músculos para afastar-se de lado.
Foi atingido pela tormenta. Turbilhonou na mesma. Em comparação com a força do
vento, a força do rotor era como a pressão de um dedo contra uma chapa blindada. Joel
viu as estrelas executarem uma dança louca em torno dele. Os contornos das colinas
entravam em seu campo de visão ora de cima, ora de baixo, ora da direita, ora da
esquerda. Começou a ficar tonto. Já não sabia onde estava. Aguardava a todo instante o
impacto fulminante com que o corpo do verme o atingiria em pleno vôo.
Mas não houve nenhum impacto. O rugido que o verme provocou ao concluir o vôo
e tocar o solo fez estremecer o ar. A tormenta cessou tão repentinamente como havia
começado. Joel Carso ficou espantado ao constatar que mais uma vez escapara ao
desastre.
Desta vez usou a lanterna para orientar-se. A rajada de vento devia tê-lo arrastado
obliquamente para baixo, pois viu a menos de dez metros de distância o fundo da
depressão da qual tentara fugir. O verme devia ter tocado o chão mais ao norte. Joel girou
a lanterna e iluminou as colinas.
Logo encontrou o que estava procurando. O verme estava encolhido no topo de uma
colina, a uns cem metros de distância. Já descansava novamente sobre a parte traseira do
tronco, e seu corpo fazia balanços rítmicos. Estava pronto para dar mais um salto. Desta
vez a vítima estava ao seu alcance. Além disso estava abaixo dele e a luz forte da lanterna
traía sua posição.
Por uma fração de segundo Joel ficou incapaz de fazer qualquer movimento. Ficou
paralisado de susto, a ponto de não saber o que fazer.
De repente lembrou-se por que havia vindo. E lembrou-se do único meio que ainda
podia salvá-lo. Venceu o pavor, pôs a mão no bolso e tirou um objeto oval, que trouxera
do acampamento. Gastou duas horas para avaliar a distância e o tempo de que ainda
dispunha. Finalmente comprimiu o pequeno detonador e atirou o ovo para cima do
verme.
O rotor levou-o para o sul. Não tinha muita pressa. Agora, que chegara o momento
crítico, de repente estava perfeitamente calmo. Não importava que nos poucos segundos
que restavam, até o salto do verme, percorresse vinte ou trinta metros. Se o plano não
funcionasse, de qualquer maneira estaria perdido.
Uma luz vermelha surgiu ao pé da colina, no lugar em que atirara o ovo. Cresceu
rapidamente, e sua cor passou do amarelo para o verde e depois para o branco-azulado.
Uma bola de fogo, que irradiava um calor tremendo, foi crescendo sobre a terra e subiu
para além do topo da colina.
Joel ainda viu o verme impelir o corpo para a frente. Pôs as mãos na frente dos
olhos, para protegê-los contra a luz ofuscante que saía da fogueira, e ficou espiando por
entre os dedos. Viu o verme sair do fogo. O salto fora dado sem muita força e mal chegou
a dezessete metros. Até parecia que no último instante o animal resolvera outra coisa.
Virou a cabeça logo após o impacto e rastejou, o mais depressa que pôde, em direção à
bola de fogo saída da explosão.
O ar aquecido vindo da colina começou a espalhar-se. Tangia Joel à sua frente. A
única coisa que este teve de fazer foi regular a altitude por meio do rotor. O calor que o
cercava quase o impedia de respirar.
Viu o monstro desaparecer no círculo luminoso da explosão. O ovo não passava de
uma bomba nuclear de detonação lenta. Era uma câmara de fusão que, nas próximas vinte
horas, receberia constantemente combustível novo, a fim de manter a explosão em
atividade. Durante vinte horas a bomba produziria quantidades enormes de energia e as
irradiaria para todos os lados, e o verme se regalaria num banho energético muito
diferente dos que já tinha tomado.
Joel soltou um suspiro de alívio. A movimentação do ar quente cresceu,
transformando-se numa tempestade. Joel pôde dedicar sua atenção exclusivamente às
manobras do rotor. A atenção do verme fora atraída por outra coisa. Por um bom tempo
não representaria perigo para ninguém.
Joel procurou orientar-se. Depois de sair do acampamento, voara para o oeste. Não
tivera tempo de consultar demoradamente a bússola. Mas se seguisse para o leste haveria
de encontrar seu caminho.
Perguntou a si mesmo o que teria sido feito dos outros. Lembrou-se de que deixara
de cumprir suas próprias ordens, pois não ligara seu transmissor e receptor de pulso.
***
Uma série de vozes confusas saiu do receptor. A preocupação com os outros
membros do grupo caiu de cima de Joel como uma carga pesada, cuja pressão só
começara a sentir nos últimos minutos. Não entendia as palavras. Isso significava que
estavam conversando sem auxílio dos rádios de pulso. Tinham-se reunido de novo assim
que passou o perigo.
De repente uma voz destacou-se em meio à confusão e pôde ser ouvida com toda
nitidez.
— Vamos com calma — disse alguém, que devia ser Joey Peters. — Três homens
estão desaparecidos: o comandante, um dos Jorgens e Harney Creeser. Provavelmente
morreram.
Joel sorriu. Joey iria arregalar os olhos de espanto quando o visse.
— Ouvi Harney gritar enquanto estava fugindo de alguma coisa — disse a voz de
Barbara Spencer. — Deve ter enlouquecido.
Joel encostou o receptor ao ouvido. Outra voz, mais abafada, acrescentou:
— Eric e Carso ficaram para trás. Provavelmente pretendiam ajudar Creeser. E ali
deve ter acontecido.
A pessoa que falava concluiu em tom de perplexidade, com a voz quase
incompreensível.
— A propósito, eu sou Fran. Agora pelo menos não haverá mais essa confusão.
Joel engoliu em seco. Sabia que um dos dois Jorgens fora morto pelo verme. Os
dois gritos sucessivos que ouvira ao sul do acampamento, quando a fera queria pegar
Harney Creeser, falavam por si. Uma pessoa atacada pelo verme não gritava mais de uma
vez.
Joey Peters parecia realizar uma verdadeira conferência de estado-maior. As vozes
já eram mais nítidas. Ao que parecia, cada um tinha de pedir a palavra para falar. Não
havia mais o murmúrio nos fundos.
— O que vem a ser este cogumelo de fogo no leste? — perguntou alguém que,
segundo acreditava Joel, devia ser Nino Lamarre.
— Por que esse monstro saiu saltando para o leste? — acrescentou uma suave voz
feminina.
— Ora essa, não sei de nada! — gritou Joey, muito nervoso. — Vamos voltar ao
acampamento. Parece que o perigo já passou. Distribuiremos sentinelas e esperaremos até
amanhã de manhã. Depois que ficar claro poderemos dar uma olhada por aí. Além disso
precisamos entrar em contato com a Carol-D. Se o Capitão Carso faltar, o Tenente Poppa
deverá assumir o comando por aqui.
Joel admirou seu gênio enérgico. Era possível que no fundo Joey não se importasse
muito com sua morte, mas sem dúvida não se sentia muito à vontade no papel de
comandante. Porém não deixava perceber nada. Dava ordens claras e razoáveis e
ninguém parecia contraditá-lo. Joey Peters acabara de vencer o primeiro round.
Nem sequer se esqueceu do dever que tinha para com aqueles que, segundo
acreditava, estavam mortos. Depois de alguns minutos de silêncio profundo, sua voz
voltou a sair do receptor:
— Aqui fala Joey Peters. Estou chamando o Capitão Carso, o Dr. Creeser e o Dr.
Eric Jorgens. Favor responder.
Joel sabia que nunca conseguiria voltar ao acampamento se não houvesse alguém
que lhe desse sinais ininterruptamente, para que pudesse orientar sua antena
goniométrica. Por isso encostou o microfone à boca e disse:
— Estou aqui, Joey. Joel Carso anunciando seu regresso. Transmita o sinal, meu
velho, para que eu possa encontrar o caminho.
Seguiram-se alguns segundos de silêncio, após o que Joey Peter deu um grito de
júbilo, que quase arrebentou os tímpanos de Joel.
***
Levaram quatro horas para conduzi-lo de volta ao acampamento. Já era quase dia.
Quando Joel voltou a pôr os pés no chão, no meio do círculo de barracas, o sol já ia
subindo acima das colinas.
Ninguém tinha dormido. A excitação das últimas horas e o medo de perder as
novidades que Joel teria de contar mantiveram todo mundo acordado.
A equipe que Joel encontrou foi bem diferente daquela que guardara na lembrança.
Faltavam mais dois homens: Eric Jorgens e Harney Creeser. Já haviam perdido um total
de três homens desde o momento em que puseram os pés em Zanmalon. Mas não foi a
perda dos três homens e o aspecto cansado e pálido do restante do grupo que despertou a
atenção de Joel, pois ele já esperava por isso; foi a capacidade de resistência daqueles
cientistas obstinados e arrogantes que se desmoronara. Eles, que se julgavam os donos do
Universo porque acreditavam poder enfrentar as coisas mais terríveis com seus
conhecimentos, haviam capitulado diante das coisas medonhas com que se depararam em
Zanmalon.
Joey Peters foi ao encontro de Joel e apresentou seu relatório de forma quase
militar.
— Todos presentes — disse — com exceção de Creeser e Eric Jorgens. O verme
desapareceu.
Joel tirou o rotor, colocou-o cuidadosamente no chão e deixou-se cair.
— Será que alguém tem uma xícara de café para mim? — perguntou.
Barbara Spencer logo saiu andando.
— O café ficará pronto dentro de dois minutos — disse, falando por cima do ombro.
Joel estava tão cansado que nem conseguiu surpreender-se. Fran Jorgens
aproximou-se e agachou-se a seu lado. Joel fitou-o com uma expressão de surpresa. O
rosto de Fran irradiava alegria. Parecia descontraído. Joel perguntou a si mesmo se entre
os dois gêmeos talvez teria existido uma inimizade secreta, da qual Fran se sentia
libertado. Nunca tivera essa impressão. Mas quem saberia julgar o que se passa com dois
homens, tão estreitamente ligados por todos os laços imagináveis criados pela natureza e
pela civilização?
— O que sabe a respeito de Eric, capitão? — perguntou Fran.
Joel fez seu relato.
— Não quis dar atenção ao que eu lhe dizia — concluiu. — Quando se afastou, tive
a impressão de que pretendia ir a um lugar mais seguro. Mas deve ter voado atrás de
Creeser. Provavelmente o verme o agarrou depois do salto.
Fran acenou com a cabeça. Parecia pensativo e havia um sorriso ligeiro em seus
lábios.
— É, isso costuma acontecer às vezes — disse em tom indiferente.
Depois levantou-se e foi embora. Jaycie Ridell saiu de sua barraca.
— É possível que depois do café queira comer alguma coisa — disse com a timidez
de quem fez algo de errado. — Eu lhe preparei um pouco de comida.
Entregou a Joel um prato quadrado de papelão no qual havia arrumado biscoitos
com lingüiça de lata. Joel pegou o prato e sorriu para a moça.
— Obrigado, Jaycie. A esta hora já estou com fome.
Pegou um biscoito e enfiou-o na boca. Barbara trouxe um bule de café e encheu um
caneco. Ajoelhou-se a seu lado e deu-lhe o caneco.
— Tome — disse em tom amável. — Isso o ajudará a pôr-se de pé.
Joel tomou um gole de café e respondeu:
— Obrigado, mas não quero nada disso. No chão é muito melhor.
— Ouvi o grito de Harney — disse Barbara apressadamente e em voz baixa, como
se fizesse questão de que ninguém mais a ouvisse. — Já sei que era um covarde; sempre
foi. O senhor teve razão desde o início.
Inclinou a cabeça de lado e sorriu.
— Pode me perdoar?
Joel não gostou do olhar que ela lhe lançou.
— Bem — respondeu com a boca cheia — não se deve falar mal dos mortos. Havia
gente pior que Harney. Até para fugir precisa-se de um pouco de coragem.
Apesar do esforço que isso lhe custou, levantou-se e foi até a barraca.
— Muito obrigado pelo café — disse por cima do ombro.
Barbara seguiu-o com os olhos. O sorriso encantador que havia em seu rosto
congelou, transformando-se numa careta.
***
Depois do lanche Joel sentiu-se bastante forte para informar os membros do grupo
sobre a aventura que tivera com o verme. Teve o cuidado de fazer com que o relato
parecesse otimista.
— Daqui em diante tudo dependerá de que continuemos juntos — disse. —
Precisamos ficar com os olhos e os ouvidos bem abertos e, o que é mais importante, não
podemos permitir-nos outras brincadeiras. Notaremos em tempo qualquer verme que se
aproxime, e dispomos de uma quantidade de cápsulas de detonação lenta, que nos
permitirá manter ocupado tudo quanto é monstro que se encontre em Zanmalon.
Depois disso expôs seus planos para o futuro imediato. Precisavam encontrar a
caverna em que a equipe da Explorer-3218 havia descoberto aquela estranha máquina.
Além disso tinham de desprender pequenas porções da massa de molkex e enviar as
amostras à Carol-D por meio de foguetes. Joel demonstrou muita confiança de que,
durante esses trabalhos, ainda surgissem e fossem solucionados mais alguns problemas.
Mandou que o acampamento ficasse em repouso por algumas horas e distribuiu as
sentinelas em turnos horários. Assumiu o terceiro turno. Teve duas horas de sono
tranqüilo e profundo. A primeira coisa que viu, quando Nino Lamarre o acordou, foi a
coluna de fumaça e de vapores que a bomba por ele largada lançava para o alto bem a
oeste. A coluna ainda se mantinha imóvel sob o céu azul, e Joel fazia votos ardentes de
que o verme também continuasse no mesmo lugar.
Nino Lamarre não foi dormir logo. Seguiu Joel quando o mesmo fez uma ronda em
torno do acampamento.
— Tudo calmo, Joel — observou em tom indiferente, apenas para dizer alguma
coisa.
— Gosto de ouvir isso — respondeu Carso e acenou com a cabeça.
Sabia que Nino queria dizer alguma coisa, mas preferia que ele o fizesse por
iniciativa própria, sem que ninguém o ajudasse. Continuou andando, com Nino atrás dele.
— Será que por aqui existem muitos vermes desse tipo?
Joel hesitou.
— A ciência dos gafanhotos córneos e dos vermes do pavor ainda se encontra no
estágio inicial, doutor — respondeu. — Ainda não se pode fazer prognósticos.
— Ah, é? — fez Nino e voltou a ficar quieto por algum tempo.
Depois de algum tempo ele mesmo devia achar que estava fazendo um papel muito
esquisito. Deu dois passos rápidos em direção a Joel e disse:
— Ontem de noite agimos que nem uns estúpidos, capitão. Da minha parte
reconheço isso e quero pedir desculpas.
Joel parou e encarou-o.
— Somos todos adultos e não pertencemos à classe dos ignorantes, Nino —
respondeu em tom sério. — Cada pessoa tem direito de ter sua opinião. No fundo o
senhor não fez nada de errado e não precisa pedir desculpas. De qualquer maneira, fico-
lhe muito grato, pois vejo que quer facilitar meu trabalho no futuro.
Ofereceu a mão a Nino, e este apertou-a. Estava radiante. Até parecia que alguém
acabara de dar-lhe um presente valiosíssimo. Depois de algum tempo afastou-se em
direção à barraca, sem dizer uma palavra.
Durante o tempo em que Joel ficou de sentinela não houve nenhum incidente. Joel
teve tempo para transmitir um relatório minucioso dos acontecimentos ao Tenente Poppa,
que se encontrava a bordo da Carol-D. A mensagem foi condensada pelo transmissor de
códigos e transmitida num impulso de pouco mais de um microssegundo. Joel esperava
que a transmissão fosse suficientemente curta, para evitar que outros monstros
localizassem o acampamento.
Notou que Fran Jorgens, que ficaria de sentinela depois dele, levantou-se vinte
minutos antes da hora. Esperara que todos estivessem dormindo profundamente. Mas no
fundo ficou satisfeito. Fran sentou a seu lado e ficaram conversando por algum tempo
sobre os vermes do pavor e sua invulnerabilidade. Fran continuava tão alegre como
estivera na manhã daquele dia. Até parecia que nunca tivera um irmão que fora morto na
noite anterior.
Joel agüentou até que sua hora terminasse. Depois disso entrou na barraca, esticou-
se e procurou dormir. As duas horas de sono que já tivera não tinham sido suficientes
para apagar os sinais das canseiras da noite anterior. Por sentir-se todo moído deveria
adormecer, via de regra, imediatamente.
Porém, uma preocupação estranha e angustiante mantinha-o acordado. Procurou
avaliar a situação em que se encontrava a expedição e ele mesmo. Teve a impressão de
que estava completando um quadro cujo pintor cometera algum erro.
Era um erro insignificante, escondido atrás do cenário principal, mas incomodava a
vista sem que o apreciador se desse conta disso.
Joel não conseguiu descobrir o erro. Consolou-se com a idéia de que de tarde
encontrariam a caverna e talvez já disparariam as primeiras amostras de molkex para a
Carol-D. No fundo Harney Creeser tivera razão. Não havia nada que os obrigasse a ficar
muito tempo em Zanmalon. Apenas precisavam de um pouco de sorte. Tinham de
encontrar um lugar em que a massa de molkex fosse bastante fina, para ser arrancada por
meio de forças mecânicas. Precisavam também de uma indicação sobre a situação da
caverna e de uma entrada aberta que desse para a mesma.
“Seria muita sorte de uma só vez”, pensou Joel. Deu-se conta de que se entregava a
ilusões, em vez de refletir como um comandante responsável sobre o êxito da expedição.
As amostras de molkex, a caverna e a inspeção da misteriosa mecânica ainda não
representariam a solução do enigma de Zanmalon. Tornava-se necessário esclarecer a
questão da origem dos vermes do pavor. A equipe da Explorer-3218 tinha certeza de que,
quando desceu no planeta, não havia vermes vivos. Haviam encontrado apenas a casca de
um monstro morto, além de um depósito de objetos em forma de cápsula, que a um
exame mais detido foram reconhecidas como ovos. Desses ovos saíram gafanhotos
córneos. E assim começou a invasão dos gafanhotos em Zanmalon. Agora, quatro meses
depois, já não havia mais gafanhotos córneos por ali — ou melhor, havia apenas uns
poucos, totalmente exaustos, que se arrastavam penosamente pela superfície do planeta.
Em Zanmalon não havia mais alimento para os vorazes animaizinhos. Depois que os
seres de sua espécie haviam devorado toda a superfície do planeta, só poderiam esperar a
morte.
O que vinha depois dos gafanhotos córneos?...
A idéia de que uma espécie animal cumprisse seu ciclo de vida, devorando um
planeta e cobrindo-o com uma estranha camada transparente, contrariava toda lógica
biológica. Aquilo devia ter uma finalidade. Joel pensou que naqueles dias Zanmalon
talvez se encontrasse numa fase de transição. Transição para quê? Era ali que estava o
problema.
O verme do pavor que se deleitava lá no oeste, em seu banho energético, não
parecia ser um velho remanescente de sua espécie. Naturalmente era difícil julgar o
comportamento de um animal desse tipo, mas Joel tinha a impressão de que aquela fera
era jovem e bastante ativa.
Onde estaria a resposta? Será que os vermes do pavor vinham depois dos
gafanhotos córneos? Ou será que os vermes do pavor por seu lado faziam com que os
gafanhotos córneos voltassem a aparecer?
Não, desse jeito a conta não fechava. Em Zanmalon já não havia lugar para outra
invasão de gafanhotos córneos. Não encontrariam alimento. O trecho seguinte da sinfonia
louca que estava sendo executada em Zanmalon devia ser procurado em outro lugar.
Os pensamentos de Joel voltaram a ocupar-se com os membros de seu grupo, com
as seis pessoas que restavam além dele. Voltou a sentir-se preocupado. Parecia ter certeza
de que havia algo errado. Mas não conseguiu encontrar a idéia que pudesse lançar uma
luz em seu subconsciente.
Finalmente o sono veio. Adormeceu com a idéia confusa de que alguma desgraça
estava para acontecer...
5
Até mesmo Joel teve certa dificuldade em lembrar-se de que tivera, quando saíram
em missão, um plano definido. Finalmente conseguiu. A bomba de Jorgens já estava
inteiramente queimada. Funcionava pelo princípio da fusão, e por isso emitira uma
radiatividade pouco intensa. Poderiam aproximar-se do local da explosão sem correr
maiores riscos.
Valia a pena. Havia pedaços de molkex espalhados em torno da depressão. A
explosão havia modificado o formato da bacia. Estava mais funda e tinha o aspecto de
uma entrada de galeria desmoronada. O pão de açúcar de molkex que, segundo Joel
Carso continuava a acreditar, lhe salvara a vida por ter absorvido a maior parte da
explosão, não existia mais. Joel procurou localizar fragmentos do verme do pavor, mas
não encontrou nada.
Reuniram as amostras de molkex que podiam carregar e puseram-se a caminho. O
sol já não estava muito alto. Joel pretendia chegar ao acampamento antes que a bomba,
com a qual na noite anterior distraíra o outro verme do pavor, se apagasse. Era possível
que o animal voltasse sobre o caminho percorrido e se interessasse novamente pelo
acampamento.
O rotor de Nino Lamarre estava inutilizado. Joel e Pitter seguraram Nino embaixo
dos ombros e carregaram-no. Dessa forma o vôo tornou-se muito mais lento. Apesar
disso chegaram ao acampamento antes do pôr do sol.
Joel não tolerou a menor demora. Todos tiveram de ajudar para preparar uma
dezena dos foguetes teleguiados, de um palmo de comprimento, que levariam as amostras
de molkex para a Carol-D. Os pequenos projéteis eram verdadeiras obras-primas da
microtécnica de Sigurd. Podiam decolar a qualquer momento. Encontrariam a Carol-D,
mesmo que esta se encontrasse embaixo da linha do horizonte. Se necessário, esperariam
até que a nave penetrasse na área de alcance de sua aparelhagem de rastreamento.
Gino Poppa foi informado sobre a remessa que estava prestes a ser expedida.
Prometeu ter cuidado. Era bem verdade que isso não era tão importante. A Carol-D havia
realizado certas medições. Poppa parecia muito nervoso enquanto relatava um dos
resultados.
— Existe um campo elétrico de pequena intensidade que parte de Zanmalon e se
estende em direção ao astro central. É muito estranho. Para conservar a direção, o campo
tem de modificar seu ponto de origem de acordo com a hora. Esse ponto de origem
contorna o planeta uma vez por dia. Examinei todos os microcatálogos, Joel, mas nunca
se viu uma coisa dessas. Parece coisa de louco. Até parece que no sol existe uma pessoa
com uma chapa metálica de carga positiva, enquanto outra pessoa se desloca
constantemente em torno de Zanmalon com uma placa de carga negativa.
Joel teve uma idéia.
— Quer dizer que Zanmalon representa a extremidade negativa do campo?
— Isso mesmo. Você tem alguma explicação para...
— Não, não tenho. Mas havemos de descobrir. Por enquanto providencie para que
as amostras sejam recolhidas a bordo.
— Cuidarei disso, Joel.
— Está bem. Desligo.
Joel desligou o receptor e ficou imóvel. Lembrou-se da experiência feita por Karl
Halbein, ainda a bordo da Carol-D. Viu perfeitamente a seqüência dos impulsos
projetados no encefalógrafo. Eram emanações de um cérebro estranho, que na opinião de
Karl devia estar encerrado no molkex.
E as emanações mentais não eram a única coisa produzida pelo molkex. Há tempo
Joel já perguntara a si mesmo de que se alimentava essa estranha substância, se é que a
mesma encerrava uma porção de vida. Sabia-se que o molkex era capaz de absorver
energia. Provavelmente para essa substância a energia era o equivalente das refeições do
homem. Mas onde conseguia um suprimento adequado dessa energia? A luz solar, cujo
espectro ia do ultravioleta ao infravermelho, não representava uma oferta suficiente para
a camada de molkex que cobria todo o planeta.
Parecia que já tinha a resposta. As radiações das partículas tinham um elevado
conteúdo energético. Uma única partícula de radiações possuía bilhões ou trilhões de
vezes mais energia que um quantum luminoso. Essas partículas eram núcleos atômicos de
carga positiva; geralmente de hidrogênio, ou seja, eram constituídos de prótons. Na
verdade o número das partículas que atingiam a superfície de um planeta a cada segundo
era tão reduzido que, em comparação com a energia solar, seu volume energético era
desprezível. Mas isso podia ser corrigido por meio de um campo elétrico. Um campo que
ligasse o sol Ex-Zanma ao seu planeta Zanmalon, de tal maneira que a extremidade
negativa ficasse em Zanmalon, multiplicaria por mil o número das partículas radiantes
que atingiriam o planeta.
Joel não tinha a menor idéia de como o molkex criava o campo elétrico, mas ao que
tudo indicava alimentava-se muito bem.
Sentiu-se tomado pelo pavor, um pavor provocado pela estranheza inconcebível da
capa de hipermatéria que mantinha Zanmalon aprisionado.
***
Passaram uma noite tranqüila. Para o oeste a bomba lançada por Joel começava a
extinguir-se. Mas o verme parecia ter perdido a pista. Não voltou ao acampamento.
Quando o sol nasceu, tiveram a impressão de que passariam o primeiro dia tranqüilo em
Zanmalon. Joel tinha alguns planos e, para executá-los, quase não precisava afastar-se do
acampamento. Acreditava que seus companheiros mereciam um descanso.
Gino Poppa chamou de bordo da Carol-D.
— Dois objetos voadores não identificados aproximam-se de Zanmalon —
anunciou em palavras lacônicas. — Provavelmente são espaçonaves. O formato exterior
parece ser irregular, mas não respondem ao código de identificação dos pos-bis. Quer
dizer que não são naves fragmentárias. Passarei a seguir o plano F.
Por um segundo Joel ficou pensando na importância que a palavra fim assumiria no
curso da missão. Logo despertou para uma atividade resoluta e bem orientada. O plano F
previa que a Carol-D se afastaria dez unidades astronômicas de Zanmalon e ali se
manteria à espera, mantendo os aparelhos de rádio em silêncio absoluto, até que a
situação, no planeta que era seu objetivo, se modificasse. O plano F seria adotado se
houvesse uma interferência inesperada e incontrolável vinda de fora, que afetasse a
missão Zanmalon. Ao que parecia, Gino Poppa sabia o que estava fazendo. As duas
espaçonaves eram desconhecidas.
Joel convocou os companheiros e informou-os sobre o que acabara de saber.
Mandou que Nino Lamarre e Joey Peters se preparassem para partir. Diante do olhar de
espanto dos mesmos, disse:
— Por aqui a situação pode ficar crítica. Não sabemos quem são os desconhecidos e
o que vêm fazer aqui. Por isso os feridos só serão um estorvo. Nino, o senhor voltará para
a Carol-D. Como não está em condições de dirigir o barco espacial, Joey irá com o
senhor para servir de piloto.
Viu a expressão de contrariedade no rosto de Nino e julgou conveniente acrescentar:
— Caso haja um contratempo mais sério conosco, deverá haver alguém na Terra
que tenha testemunhado os acontecimentos de Zanmalon.
— Isso é um consolo muito fraco — afirmou Nino.
Joel fez um gesto de indiferença.
— Espere até chegar em casa, quando será colocado na máquina de interrogatório.
Aí descobrirá se o consolo realmente é tão fraco assim. Aliás — a voz de Joel assumiu
um tom áspero — faça o que digo. Não podemos perder tempo.
Nino e Joey deram-lhe as costas e largaram a bagagem. A única coisa que tinham a
fazer era colocar os rotores e pôr-se a caminho.
Joel seguiu Nino e Joey com os olhos enquanto desapareciam entre as colinas.
Dali a alguns minutos viu o barco espacial decolar. Joey e Nino estavam
praticamente em segurança. Restavam quatro pessoas — Pitter, Jaycie, Barbara e ele
mesmo — num mundo estranho, com habitantes desconhecidos, ameaçadas de
espaçonaves estranhas, longe de qualquer auxílio.
Entrou na barraca dos instrumentos e ligou os aparelhos que acreditara não precisar
durante essa missão. Eram rastreadores compactos do tamanho de uma caixa de fósforos,
cujas telas de reflexos, feitas de plástico fluorescente, tinham de ser infladas e
estabilizadas juntamente com o mecanismo direcional de impulsos, antes que pudessem
captar as primeiras indicações. O barco espacial e a Carol-D, que já estava acelerando,
apareceram na tela como pontos luminosos verdes. Porém mais ao longe havia dois
outros pontos luminosos, que se deslocavam lenta mas ininterruptamente em direção ao
centro.
Eram as duas espaçonaves desconhecidas.
Joel sabia que espaçonaves de uma civilização desconhecida já haviam aparecido
em lugares nos quais havia gafanhotos córneos, vermes do pavor e molkex. Isso
acontecera há poucos dias ou semanas. Joel ouvira boatos a esse respeito, antes que a
Carol-D decolasse da Terra. Devia haver alguma ligação entre os construtores dessas
naves e a praga dos gafanhotos e dos vermes. A idéia de estar em Zanmalon, talvez pela
oportunidade para colher informações mais precisas sobre essa relação, era fascinante.
“Quem me dera que não tivesse sempre essa maldita sensação de que alguma coisa
nos acontecerá”, pensou Joel, amargurado.
Lembrou-se das normas. Se o grupo fosse atacado por vários vermes do pavor ao
mesmo tempo, ou se ocorresse outra emergência não prevista, seria recomendável, face
aos órgãos de localização extremamente precisos dessas feras, usar em vez dos radiadores
térmicos convencionais as antiquadas armas de projéteis. O regenerador de uma arma
térmica produzia ininterruptamente um campo energético difuso, que poderia orientar os
vermes do pavor. Já uma carabina era totalmente silenciosa do ponto de vista energético.
De qualquer maneira, o tipo de arma era totalmente indiferente diante de um
inimigo que não se importava com as maiores descargas energéticas.
Joel montou quatro carabinas, encheu os bolsos de munição, saiu da barraca.
Dispunha-se a preparar os três companheiros para a nova situação, quando as duas
espaçonaves desconhecidas mergulharam embaixo do horizonte de rádio, do lado oposto
de Zanmalon, desaparecendo das telas luminosas dos rastreadores compactos.
***
Barbara estava sentada, um tanto afastada dos outros. Mantinha-se em silêncio,
enquanto Pitter e Jaycie estavam entretidos numa conversa animada.
Joel atirou as carabinas no chão e começou a dar suas instruções. Informou os
companheiros sobre as estranhas espaçonaves irregulares, sobre cuja presença fora
informado pouco antes da decolagem da Carol-D. De forma um tanto desconexa, passou
a aludir às circunstâncias que havia atrás da troca dos radiadores térmicos pelas carabinas
antiquadas. Ao concluir as instruções, confessou:
— Como vêem, estamos tateando no escuro. Pelo meu plano, vamos ficar à espera
nas proximidades do acampamento, em hipótese alguma no interior do mesmo, até que
apareçam as espaçonaves desconhecidas, e passaremos a observá-las. Se assumirem uma
atitude hostil, ainda poderemos resolver sobre o que devemos fazer. Provavelmente não
poderemos fazer nada. Se não notarem nossa presença ou nos deixarem em paz por não
se interessarem por nós, também ficaremos quietos e esperaremos até que se afastem.
Sinto não poder oferecer-lhes um plano estratégico mais genial, mas paciência, a situação
é esta mesma. Não sabemos absolutamente nada. Viemos para cá para aprender alguma
coisa. Parece que teremos oportunidade para isso.
Ninguém teve qualquer objeção. Ficaram de cabeça baixa enquanto ouviam a
exposição de Joel. Jaycie e Pitter retomaram a discussão. Barbara sentou no chão e
continuou em silêncio. Joel sentou a seu lado.
— Estamos chegando ao fim — disse em voz baixa. — De uma forma ou de outra.
Barbara fez que sim.
— Sei disso — respondeu. — E o pior é que tudo isso me parece completamente
inútil. Duas naves vão pousar, e seus ocupantes diferem tanto de nós que não temos a
menor chance de comunicar-nos com eles. Por que tem que ser assim? Por que o
Universo não é habitado exclusivamente por seres iguais a nós, que têm duas pernas e
dois braços, trazem o cérebro na cabeça, possuem um crânio com dois olhos e não sei
mais o quê? Por que existem tantas espécies diferentes? Por que temos tantas dificuldades
em comunicar-nos com outras raças inteligentes?
Fitou-o. Joel desviou o olhar e abanou lentamente a cabeça.
— Não sei. Talvez Deus tivesse medo de que sentíssemos tédio se só víssemos
criaturas iguais a nós. Talvez o fato possa ser explicado com os princípios da Biologia
Estatística. Realmente não tenho a menor idéia. Será que a senhora precisa saber disso
justamente agora?
Barbara soltou uma risada áspera.
— Bem que gostaria de ter seu senso de humor — disse. — Quanto a mim, estou
com medo, muito medo.
— Ah, é? — respondeu Joel. — Não pense que é só a senhora que tem medo.
Barbara fitou-o com uma expressão de espanto.
— O senhor também? — perguntou em tom hesitante.
— Isso a surpreende?
— O fato em si não. O que me surpreende é sua confissão.
Joel soltou um suspiro.
— Gostaria de saber por que tem uma opinião tão desfavorável a meu respeito.
Achou preferível mudar de assunto.
— Será que nossa Jayciezinha está apaixonada pelo velho Pitter? — perguntou.
— E por que não? — respondeu Barbara em tom de desprezo. — Desde ontem não
pensa em outra coisa senão encontrar um meio de pescá-lo.
Joel levantou-se.
— Acho que é melhor irmos andando — disse com um bocejo e espreguiçou-se. —
Não sei quanto tempo levarão as duas naves para aparecer por aqui.
Falara bem alto. Jaycie e Pitter interromperam a discussão e olharam para ele.
— Peguem os fuzis, liguem os rotores e acompanhem-me! — ordenou. — Vamos
abandonar o acampamento.
Mal acabara de falar, o chão começou a tremer. Uma força estranha sacudiu o ar.
Um dos aparelhos guardados na barraca dos instrumentos deu o alarma.
— Está na hora! — gritou Joel.
7
Saíram voando e deixaram o acampamento para trás. Enquanto subiam pela encosta
da colina que ficava ao sul, viram os dois monstros disformes acima do topo. Pairavam
pouco acima da superfície, a apenas alguns quilômetros de distância. Pareciam estar à
espera de alguma coisa.
Abrigaram-se um pouco abaixo do topo da colina. Joel mandou que todos ficassem
com as cabeças abaixadas. Rastejou até o alto da colina e olhou em torno. Nunca vira
figuras tão assimétricas. Seria incapaz de acreditar que vinham do espaço se Gino Poppa
não lhe tivesse dito.
Só podiam ser espaçonaves — que espaçonaves!
Provavelmente uma rocha de trezentos metros de altura, fustigada durante séculos
pelo vento e pela chuva, seria parecida a elas. Era bem verdade que sua superfície seria
áspera e pouco vistosa, enquanto que a daquelas naves reluzia à luz do sol. Fora das
irregularidades não se notava nenhuma divisão do corpo delas. Joel não viu comportas de
eclusas ou outras entradas. Procurou descobrir o que significava o estranho ruído e qual
era sua origem. Mas a única coisa que descobriu foi que vinha das duas naves.
Virou a cabeça para informar os companheiros sobre o que acabara de ver. Antes
que tivesse tempo de abrir a boca, o rugido ininterrupto foi interrompido por um ruído
áspero e borbulhante. Joel voltou à posição anterior. O quadro que se descortinava na
planície estava modificado. Junto às duas naves outra coisa cintilante flutuava rente ao
solo. Parecia a neblina do amanhecer que acabara de desprender-se da superfície. Joel
levou alguns segundos para compreender que era molkex. A camada desprendera-se do
solo. Um buraco marrom-escuro acabara de surgir na grande manta reluzente.
A superfície de molkex começou a contrair-se diante dos olhos arregalados de Joel,
aglomerando-se num formato esférico. O diâmetro da esfera não era superior a três
metros. Flutuou em direção à nave mais próxima. De repente uma abertura surgiu no
envoltório irregular da mesma. A esfera de molkex seguiu na direção dessa abertura e
desapareceu dentro de alguns segundos. A abertura no casco da nave continuou.
Outra porção de molkex desprendeu-se mais ao leste, produzindo o mesmo ruído
indescritível. Também se transformou numa esfera e desapareceu no interior da nave mais
próxima. O processo voltou a repetir-se. Enquanto Joel ainda observava os
acontecimentos, surgiu outro ruído, vindo de longe. Parecia uma sucessão rápida de
explosões. As naves não tomaram conhecimento do mesmo. Continuaram a retirar o
molkex do solo com seus aparelhos invisíveis, conglomerá-lo em esferas e recolhê-lo aos
seus compartimentos de carga. A outra nave também já havia dado início a esse trabalho.
Demoraria apenas alguns minutos até que toda a terra situada ao sul das colinas ficasse
livre de molkex.
O ruído surgido por último também vinha do sul. Joel viu vários pontos no
horizonte. Saltitavam que nem petecas. Pareciam tão pequenos que dificilmente poderiam
dar origem ao ruído trovejante. Foi ao menos o que Joel pensou no início. Mas à medida
que se aproximavam os pontos foram crescendo, e finalmente Joel percebeu do que se
tratava.
Era uma manada de vermes do pavor que se aproximava. Vinham em direção às
colinas, procedentes do sul. Por alguns segundos o pavor imobilizou Joel. Era difícil
defender-se contra um único verme do pavor, e ali vinha pelo menos uma dezena deles.
De repente lembrou-se de que talvez a manada se dirigisse às naves. Parecia haver
uma ligação estreita entre o molkex e os vermes do pavor. Por isso os monstros
provavelmente deixariam Zanmalon juntamente com o molkex. Quanto mais refletia
sobre isso, mais plausível lhe parecia a idéia. Apesar disso, sabia perfeitamente que
estava assumindo um risco quando resolveu ficar à espera, abrigado pelas colinas.
O próximo que viu o que se aproximava do sul foi Pitter. Sugeriu que fugissem
imediatamente. Não ficou muito convencido com os argumentos de Joel. Este teve de
gritar e explicar que só ele dava ordens por ali. Só assim Pitter resolveu calar-se.
O ruído trovejante transformou-se numa série de estrondos que doíam nos ouvidos.
A manada de vermes do pavor aproximava-se das colinas. Já se distinguia perfeitamente
os animais. Executavam seus saltos enormes com uma precisão matemática. Eram quinze
monstros que se aproximavam aos saltos!
Joel tinha razão. Quando os primeiros vermes do pavor ainda se encontravam a
quatro quilômetros de distância, começaram a mudar de rumo. Tomaram a direção das
naves, e o resto da manada acompanhou-os. Apesar da distância tinham sido monstros
gigantescos, cuja simples aparição espalhava o medo e o terror. Mas agora, que seguiam
em direção às naves, seus corpos pareciam encolher. Quando finalmente pararam
embaixo das enormes escotilhas negras, pareciam simples anões, apesar da força que
corporificavam. Em comparação a eles as espaçonaves pareciam colossos deprimentes.
Foi a primeira vez que Joel pôde observar essas criaturas sem experimentar a
sensação do medo. Notou a elegância dos seus movimentos enquanto erguiam e
baixavam os corpos gigantescos, preparando-se para o salto. Admirou a leveza aparente
com que se erguiam do chão para desaparecer nas aberturas das escotilhas. Foram
entrando um após o outro, até que todos tinham desaparecido. Joel lembrou-se de que
talvez tivessem cometido um erro quando, desde o início, se deixaram dominar
inteiramente pelo medo e pela repugnância causada por esses vermes. Eram seres de um
mundo desconhecido. Não se sabia de onde vinham. E nas imensidões do espaço, nos
inúmeros planetas da Via Láctea, existiam seres mais feios que os vermes do pavor.
Quase chegou a pedir, em pensamento perdão aos vermes do pavor.
De repente sentiu o chão mover-se embaixo de seu corpo. Houve um forte
solavanco e Joel escorregou encosta abaixo. Alguém soltou um grito a seu lado. Era uma
voz feminina. Joel esticou a mão e conseguiu agarrar-se a uma saliência do terreno.
Ergueu o corpo e viu a camada de molkex enrolar-se a partir do pé da colina.
Por um instante sentiu-se perplexo, não tanto pelo fenômeno em si, mas antes pelo
fato de não prevê-lo. Por algum motivo as duas naves estavam recolhendo toda a camada
de molkex para levá-la.
Os acontecimentos se precipitaram com uma rapidez inquietante. Joel mal teve
tempo para soltar um grito confuso. Deu um salto e escorregou. Mas conseguiu colocar
em funcionamento o rotor. Sentiu um alívio imediato ao sentir a tração suave e ver que se
afastava da superfície.
Olhou para baixo. Barbara seguia-o de perto. Já estava fora de perigo. Mas o idiota
do Pitter Laurensen continuava lá embaixo. Suas mãos desajeitadas não conseguiram pôr
em movimento o rotor. O molkex rolava em sua direção, num movimento rápido e
seguro. Até parecia que de repente uma nova espécie de vida surgira em seu interior. O
ruído borbulhante, que acompanhava o desprendimento da camada vitrificada, enchia o
ar.
Jaycie Ridell já se encontrava a dois metros de altura, quando percebeu o drama de
Pitter. Não perdeu tempo. Desligou o rotor e voltou à superfície. Joel gritou que deixasse
Pitter entregue à própria sorte e procurasse colocar-se em segurança. Jaycie nem levantou
a cabeça. Começou a lidar com o rotor de Pitter. Não era necessário ser profeta para se
prever que estava prestes a cometer suicídio.
Joel constatou que Barbara estava em segurança. Reduziu a velocidade de seu rotor
e desceu para onde estavam Pitter e Jaycie. Sentiu uma raiva selvagem quando viu a
camada de molkex chegar mais perto, dobrando-se e enrolando-se ininterruptamente.
Pegou a carabina e começou a atirar. As balas silvavam e chicoteavam. Os projéteis não
penetraram na massa dura. Os ricochetes uivavam. O molkex não se impressionou:
prosseguiu no avanço. Jaycie e Pitter estavam parados numa ilha circular, cujo diâmetro
diminuía rapidamente.
Durante o vôo Joel pegou o ombro da moça. Jaycie soltou um grito e caiu. Joel
porém ficou atrás dela, para segurá-la de novo. A moça contorcia-se no chão que nem um
gato selvagem e levantou-se de um salto. Joel foi-lhe no encalço numa ânsia cega e
recebeu em cheio um soco no rosto, que freou o vôo e o colocou na vertical.
Fitou o rosto enfurecido de Jaycie com uma expressão de perplexidade.
— Dê o fora! — gritou a moça. — Ficarei com Pitter, aconteça o que acontecer. O
senhor não tem o direito de impedir-me.
O molkex crepitava e borbulhava em torno deles. A ilha tinha menos de dez metros
de diâmetro. Joel refletiu se devia atacar de novo. Mas Jaycie ergueu a carabina num
movimento rapidíssimo e apontou-a para ele.
— Experimente! — gritou, enfurecida. Joel recuou. Era inútil. Só dispunham de
oito ou dez segundos para pôr em movimento o rotor de Pitter.
Quando viu Joel afastar-se, Jaycie baixou a carabina. Saltou para junto de Pitter e
enlaçou-o com os braços.
A camada de molkex fechou-se em cima deles. Desprendeu-se aos solavancos,
produzindo um ruído borbulhante, e voou por cima da colina, em direção às duas naves.
Joel parecia ter um nó na garganta. Foi atrás de Barbara, que descia suavemente
junto ao flanco da colina, em direção à depressão que havia lá embaixo.
***
Ficaram no ar até que todo o molkex fosse retirado da superfície. Se as duas naves
tinham notado sua presença, pareciam não se interessar por eles.
Não disseram uma palavra. Assim que as colinas que os cercavam ficaram livres de
molkex, desceram como se tivessem feito um acordo secreto e se sentaram. Barbara
abraçava os dois joelhos e fitava os topos das colinas com uma expressão pensativa.
Ainda se ouvia, muito mais fraco, o crepitar e o borbulhar com que o molkex se
desprendia na superfície e se aglomerava em esferas. O ruído vinha de longe.
— Coitada da Jaycie — disse Barbara de repente. — Uma moça dessas acha que o
caminho do acontecimento é o único que pode trilhar, mas de repente descobre que, para
uma mulher, um único homem vale mais do que todo o saber científico.
Joel pôs-se a refletir.
— Os psicotestes deveriam ter descoberto isso, não é?
Barbara abanou lentamente a cabeça.
— Não. Não se trata de um complexo, de uma tara psicológica. É uma evolução
anômala, mas continua a ser uma evolução. Uma coisa dessas não pode ser prevista, nem
mesmo pelo melhor analista.
— De qualquer maneira foi a moça mais valente que já vi — constatou Joel.
De repente prestou atenção para ouvir melhor. O ruído crepitante e borbulhante
cessou abruptamente. Levantou-se e preparou o rotor. Antes que o mesmo começasse a
girar, um rugido surdo passou por cima das colinas. Uma tempestade violenta parecia
nascer no sul. Nuvens de pó levantaram-se do solo ressequido. Eram visíveis por cima
das colinas.
Acima das nuvens de pó distinguiram-se as formas estranhas das duas espaçonaves.
Avançaram velozmente para o céu azul, foram diminuindo e acabaram por desaparecer de
vez. O rugido cessou quase no mesmo instante.
Sem dizer uma palavra, Joel virou-se para Barbara.
— Permita que lhe diga que estamos sós, capitão — disse Barbara em tom seco.
Joel aproximou-se dela, segurou-a pelos ombros e beijou-a.
— Já sei, doutora — respondeu e conseguiu esboçar um sorriso triste.
Foi quando a tempestade sonora desabou sobre eles.
***
Era incrível. Parecia o fim do mundo: a explosão de centenas de bombas nucleares e
o ruído provocado pelo funcionamento de todas as máquinas do Grande Império ao
mesmo tempo. Foi um furacão de trovões, estrondos e rugidos. Apagava qualquer grito,
por mais forte que fosse, fazia lacrimejar os olhos e provocava vibrações no cérebro.
Joel quase desmaiou quando o fragor passou por cima dele. Caiu no chão.
Comprimiu as mãos contra os ouvidos, mas isso não adiantou nada. Os ruídos
penetravam pela testa, pelo nariz, pela caixa craniana. Gritou, mas não ouviu a própria
voz. Fez um grande esforço para pôr-se de joelhos e viu Barbara executar uma dança
louca. Levantou-se, cambaleou em sua direção e segurou-a pelos ombros. Barbara parou
e fitou-o com os olhos injetados de sangue. Parecia que não o via.
Os pensamentos que ainda restavam na mente de Joel concentraram-se num ponto:
“Se as coisas continuarem assim por cinco minutos, enlouquecerei.”
Não sabia de onde vinha o ruído. Não sabia qual era sua causa ou finalidade. Mas
sabia que tinha que desligá-lo, se quisesse continuar vivo.
Não teve forças para preocupar-se com Barbara. Saiu cambaleando. Nem se deu
conta do que estava fazendo. Levantou a mão e ligou o rotor. Levantou vôo e seguiu em
direção ao sul. O ruído parecia diminuir. Reanimou-se e aumentou a velocidade do
aparelho. Dali a trinta segundos teve certeza de que realmente se afastava da fonte do
ruído. Mas também compreendeu que, dentro do tempo muito limitado que ainda restava
ao seu cérebro martirizado, não conseguiria afastar-se o bastante para ficar em segurança.
Parou e voltou atrás. Viu que Barbara o seguira. Fez sinal para que continuasse a
voar para o sul. Ele mesmo seguiu para o norte. Virou-se uma única vez e viu que
Barbara continuava a segui-lo. Fizera meia-volta e estava voando atrás dele. Joel parou,
deixou que ela se aproximasse e virou seu rotor para o sul, para que voasse nessa direção.
Esperou alguns segundos, para certificar-se de que sua manobra fora bem-sucedida. Só
prosseguiu no seu caminho, quando viu Barbara passar por cima de uma colina e afastar-
se por cima da planície.
O ruído cresceu. Mas isso não importava. Pouco importava que o cérebro
executasse saltos de um ou dois milímetros no interior do crânio. Joel já não controlava
os próprios pensamentos. Só num canto da mente continuou a ter consciência de que,
para continuar vivo, teria que descobrir e destruir a fonte do ruído. Passou entre duas
colinas baixas. Vomitou sem que percebesse.
Já deixara para trás o acampamento. Entrou numa depressão que parecia ser muito
mais profunda que as que havia visto até então. Seguiu em direção ao flanco de uma
colina que parecia ser muito mais íngreme que os outros.
A intensidade do ruído continuava a aumentar. Num canto do cérebro Joel sabia que
só metade de seu ser continuava vivo. Logo morreria de vez, se o ruído não cessasse.
Viu uma abertura negra no flanco rochoso da colina.
Os pensamentos voltaram a coordenar-se. A lembrança acabara de agrupá-los.
Era a caverna!
A caverna em cujo interior os tripulantes da Explorer-3218 haviam descoberto os
restos do verme do pavor.
O ruído vinha do interior da caverna.
E nessa caverna estava instalada a misteriosa máquina.
O som era uma arma!
Uma arma que tinha por fim matar qualquer estranho. Qualquer ser que se
encontrasse em Zanmalon e tivesse assistido ao transporte da camada de molkex e dos
vermes do pavor.
“Este som foi feito para matá-lo, Joel Carso”, pensaram as idéias lentas de Joel.
“Deverá matá-lo para que não possa contar a ninguém o que você viu.”
Os dedos cansados e doloridos apalparam a carabina. O polegar débil colocou-se
sobre o botão acionador. O rotor carregou o corpo mole, praticamente imobilizado, para
dentro do buraco negro. Atrás desse buraco estendia-se a penumbra, uma penumbra que
bramia, trovejava.
Lá atrás ficava a máquina. Era uma caixa gigantesca, que parecia se estender à luz
crepuscular que nem uma montanha.
O cano da carabina ergueu-se lentamente. O botão comprimiu o acionador. A arma
descarregou-se, completamente silenciosa em meio ao rugido.
Os projéteis romperam a máquina. Traçaram uma linha oblíqua em seu revestimento
e destruíram peças importantes em seu interior. O barulho infernal cessou de um instante
para outro.
A mudança repentina foi demais para Joel Carso. Desmaiou, pendurado no rotor.
***
Quando viu o rosto de Barbara em cima dele, ainda estava surdo. Viu Barbara
mover os lábios, mas não ouvia suas palavras. Num gesto cansado levantou a mão direita,
colocou-a no ouvido e sacudiu a cabeça. Barbara compreendeu. Sorria e acenava com a
cabeça. Finalmente fez um gesto com o braço. Joel viu que se encontrava no seu
camarote: no seu camarote, a bordo da Carol-D.
Estava indo para casa!
No dia seguinte recuperou a audição. Descobriu como fora salvo. A decolagem das
duas naves desconhecidas fora observado pela Carol-D, que desceu em Zanmalon e
pousou nas proximidades do acampamento. Barbara havia resistido à tempestade sonora.
Viu a nave pousar e apresentou a Gino Poppa ou relato provisório dos acontecimentos
que se haviam desenrolado nesse meio tempo. O próprio Gino pegou um planador e
vasculhou as áreas adjacentes ao acampamento. Descobriu a caverna. No interior desta
Joel Carso estava desmaiado. Continuava pendurado em seu rotor, que trabalhava
ininterruptamente. Levaram-no à nave e dispensaram-lhe o tratamento médico de que
precisava. Além disso a máquina foi desmontada e levada a bordo.
Neste momento a Carol-D encontrava-se a duas unidades astronômicas da Terra e já
se preparava para o pouso.
***
Naquele mesmo dia o Capitão Joel Carso entrou no gabinete de seu superior e
apresentou-se conforme mandava o regulamento:
— O Capitão Carso vem se apresentar, sir. Missão cumprida. Seis homens do grupo
morreram, um está ferido e três não sofreram nada.
O homem grisalho sentado atrás da escrivaninha retribuiu seu olhar com uma
expressão séria e amável ao mesmo tempo.
— Sente-se, Carso — pediu. Depois prosseguiu:
— Tenho um relatório elaborado pela Dra. Spencer e pelo Tenente Poppa, que
contaram com a ajuda de mister Peppers. O relatório veio às minhas mãos cinco horas
antes da chegada do senhor. Já foi examinado por alguns especialistas.
O homem grisalho levantou os olhos.
— Já temos certeza de que os gafanhotos córneos, o molkex e os vermes do pavor
constituem manifestações de um mesmo processo biológico. Em outras palavras, são
estágios de uma série de metamorfoses. Além disso acreditamos que certas inteligências
desconhecidas, de cuja existência nem desconfiávamos, estão envolvidas nesse jogo
mortífero. Ainda somos de opinião que os gafanhotos córneos e os vermes do pavor são
usados para um objetivo estranho à finalidade biológica desses seres, consistente em
crescer e multiplicar-se.
“Quem descobriu isso foi o senhor e seus companheiros, Capitão Carso. Não posso
deixar de reconhecer que não teve muita sorte em sua missão. Perdeu seis pessoas em
dez. Mas quanto ao resultado da missão, não estarei contando nenhum segredo ao dizer
que o comando supremo lhe fica muito reconhecido.”
Joel pôs-se de pé. Ainda cambaleava.
— Obrigado, sir, muito obrigado — gaguejou. — Entregarei meu próprio relatório o
mais depressa possível. Além disso peço permissão para apresentar um relatório à
Divisão Psicanalítica.
O homem grisalho fitou-o com uma expressão indagadora.
— A respeito de quê, Carso?
Os olhos de Joel brilharam.
— A respeito do grupo de paisanos mais teimoso, convencido, presunçoso, estúpido,
valente e maravilhoso que jamais foi comandado por um oficial, sir.
***
**
*
Uns aprenderam, outros morreram! Estas
palavras caracterizam perfeitamente os grandes
acontecimentos descritos sobre os vermes do pavor.
O comando de dez terranos pousou em
Zanmalon, mas os homens encontraram-se em
situação desesperadora, pois viram-se diante de um
perigo que não podem enfrentar com as armas de
que dispõem...
O próximo volume da série traz o título
Quatro Agentes da USO.