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AO COLENDO JUÍZO DE UMA DAS VARAS CÍVEIS FEDERAIS DA SEÇÃO

JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL.

ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO DISTRITO FEDERAL – ACDF,


pessoa jurídica de direito privado, devidamente inscrita no CNPJ
sob o nº 00.031.211/0001-91, com endereço no SCS Qd. 02, Bloco B,
Salas 125 a 135, nº 20, Edifício Palácio do Comércio, Asa Sul,
Brasília/DF, CEP 70.318-900, neste ato representado por seu
Presidente, CLEBER ROBERTO PIRES, brasileiro, casado, empresário,
residente e domiciliado em Brasília, portador da carteira de
identidade nº 707.817 SSP/DF, inscrito no CPF sob o nº 184.947.651-
91, por seus advogados legalmente constituídos, vem,
respeitosamente, à presença desse colendo juízo, com fulcro no
inc. V do art. 5º da Lei 7.347/1985 e arts. 319 e seguintes do
Código de Processo Civil – CPC, propor a presente AÇÃO CIVIL
PÚBLICA COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR inaudita autera pars contra
o art. 6º da Resolução nº 43/2009 e o art. 14, I, da Resolução nº
41/2013, ambas da AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO, GÁS NATURAL E
BIOCOMBUSTÍVEIS – ANP, entidade integrante da Administração
Federal Indireta, submetida ao regime autárquico especial, como
órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus
derivados e biocombustíveis, vinculada ao Ministério de Minas e
Energia (art. 7º da Lei 9.478/1997), situada na SGAN, Qd. 603,
Módulo I, 3º andar, Asa Norte, Brasília/DF, CEP 70.830-902, com
base nos fatos e fundamentos que a seguir serão aduzidos.
1. DO CABIMENTO.

A presente ação civil pública tem supedâneo no inc.


V do art. 1º da Lei 7.347/1985. Veja-se:

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem


prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade
por danos morais e patrimoniais causados: [...]
V - por infração da ordem econômica;

A infração da ordem econômica está veiculada no


art. 6º da Resolução nº 43/2009 da ANP - a qual estabelece os
requisitos de comercialização de etanol combustível – e no art.
14, I, da Resolução nº 41/2013 da ANP, que regula a atividade de
revenda varejista de combustíveis. Vejam-se:

Resolução nº 43/2009
Art. 6º O fornecedor somente poderá comercializar
etanol combustível com:
I - outro fornecedor cadastrado na ANP;
II - distribuidor autorizado pela ANP; e
III - mercado externo.

Resolução nº 41/2013
Art. 14. O revendedor varejista de combustíveis
automotivos somente poderá adquirir:
I - combustíveis automotivos a granel e querosene
iluminante a granel ou envasado de distribuidor de
combustíveis autorizado pela ANP, observado o art. 25.
desta Resolução;

Em suma, conforme será demonstrado no decorrer


desta peça inaugural, esses dispositivos restringem mercado e
maculam a livre concorrência ao coibirem a venda direta de etanol

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pelo fornecedor aos postos de combustíveis (revendedores),
sistemática que se busca combater com a presente demanda.

2. DA LEGITIMIDADE.

A legitimidade da associação autora decorre do


inc. V do art. 5º da Lei 7.347/1985, o qual expõe:

Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal


e a ação cautelar:
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos
termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a
proteção ao patrimônio público e social, ao meio
ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre
concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos
ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico.

O Estatuto Social da parte autora, assim como o


cartão CNPJ juntado aos autos, demonstra o preenchimento do
requisito temporal previsto na alínea “b” do dispositivo legal
supramencionado.

Por outro lado, cabe observar que a Associação


Comercial do Distrito Federal – ACDF foi instituída com o objetivo
de defender os interesses de seus associados, empresas do comércio,
indústria, agropecuária, serviços em geral, profissionais,
autônomos, liberais, direta ou indiretamente ligados a atividades
econômicas do Distrito Federal (art. 1º do Estatuto Social).

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Nesse contexto, no que interessa ao caso, a ACDF
tem a finalidade de (art. 2 do Estatuto Social):

- Representar seus associados e promover a defesa


de seus interesses e direitos, judicial ou
extrajudicialmente (alínea “a”);

- Pugnar pela qualidade de vida e bem-estar, pelo


desenvolvimento social e fortalecimento da
economia do DF, especialmente das áreas de
indústria, comércio, serviços, turismo, meio
ambiente e educação, dentre outras, visando a
soluções para problemas econômicos, financeiros,
tributários, trabalhistas e sociais (alínea “b”);

- Concorrer para a solução de conflitos


decorrentes de negócios comerciais, contratos e
relações jurídicas em geral (alínea “d”); e

- Atuar na defesa dos princípios e das ideias que


permitam ao empresário cumprir seu papel econômico
e social, representando os interesses de seus
associados, na forma do estatuto, perante a
sociedade civil, administração pública federal e
estadual, poderes legislativos, executivo e
judiciário.

Todos esses desígnios da ACDF deságuam na defesa


da propriedade privada e da livre concorrência, fortalecidas pela
valorização do trabalho humano e pela livre iniciativa, que são os
sustentáculos da ordem econômica e financeira constante dos arts.
170 e seguintes da Constituição Federal.

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Resumidamente, a busca pelo desenvolvimento social
e fortalecimento da economia do DF, pela solução de problemas
econômicos e financeiros decorrentes de negócios comerciais, a
defesa dos princípios que possibilitem ao empresário o cumprimento
de seu papel econômico e social, são finalidades da ACDF que
consubstanciam a proteção ao patrimônio social, à ordem econômica
e à livre concorrência, razão pela qual também está satisfeito o
requisito da alínea “b” do inc. V do art. 5º da Lei 7.347/1985.

3. DO OBJETO DA DEMANDA. DA PERTINÊCIA TEMÁTICA.

É cediço que o Supremo Tribunal Federal assentou


que “a propositura de Ação Civil Pública por sindicato ou
associação exige que o ente coletivo comprove a relação entre suas
finalidades institucionais e os direitos e interesses difusos e
coletivos defendidos (art. 5º, ‘b’, da Lei 7.347/85)” - RE 606.722,
Rel. Ministro Luiz Fux, DJe 20.3.2013 -, situação que será
comprovada adiante.

Em apertada síntese, o ajuizamento da presente


ação civil pública pela ACDF tem a finalidade de viabilizar a
comercialização do biocombustível etanol pelos
produtores/fornecedores diretamente aos postos de combustíveis
revendedores (comércio varejista), independentemente da imposição
compulsória da ANP – ilegal e inconstitucional – de distribuidoras
intermediárias, determinada pelo art. 6º da Resolução nº 43/2009
e art. 14, I, da Resolução nº 41/2013, todas da ANP, as quais
estabelecem, respectivamente, os requisitos de comercialização de
etanol combustível e a regulação da revenda varejista de
combustíveis. Vejam-se:

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Resolução nº 43/2009
Art. 6º O fornecedor somente poderá comercializar
etanol combustível com:
I - outro fornecedor cadastrado na ANP;
II - distribuidor autorizado pela ANP; e
III - mercado externo.

Resolução nº 41/2013
Art. 14. O revendedor varejista de combustíveis
automotivos somente poderá adquirir:
I - combustíveis automotivos a granel e querosene
iluminante a granel ou envasado de distribuidor de
combustíveis autorizado pela ANP, observado o art. 25.
desta Resolução;

Esses dispositivos restringem mercados, atentam


contra a livre concorrência, a higidez e a funcionalidade da
economia, colocam em risco a saúde, a segurança, o fornecimento de
bens e serviços públicos e particulares a serem livremente providos
a partir das interrelações comerciais no bojo da economia do país,
relacionando-se diretamente com as finalidades para as quais foi
instituída a ACDF, motivo pelo qual se conclui pela presença da
pertinência temática entre os desígnios estatutários defendidos
pela entidade associativa e o objeto desta demanda.

Destarte, objetivamente, a pretensão postulada


pela ACDF é o afastamento da restrição do art .6º da Resolução nº
43/2009 e do art. 14, I, da Resolução nº 41/2013, ambas da ANP, de
modo que se desobstrua a venda direta pelos
produtores/fornecedores de etanol combustível aos postos
revendedores varejistas.

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4. SÍNTESE DOS FATOS.

A ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO DISTRITO FEDERAL – ACDF,


parte autora, no desempenho de suas finalidades, busca o
desenvolvimento social, o fortalecimento da economia do DF, a
solução de problemas econômicos e financeiros decorrentes de
negócios comerciais, a defesa dos princípios que possibilitem ao
empresário o cumprimento de seu papel econômico e social.

Nesse sentido, a entidade defende os interesses da


classe ligada ao comércio em geral do DF, na qual se inclui os
postos de combustíveis (comércio varejista de combustíveis), que
se encontram impedidos de comprarem etanol combustível diretamente
dos fornecedores/produtores devidamente cadastrados na ANP, por
expressa previsão normativa do art. 6º da Resolução nº 43/2009 e
do art. 14, I, da Resolução nº 41/2013, ambas da ANP.

Essa restrição tomou grande proporção nesse


momento de crise de desabastecimento vivido pelo país sem
precedentes históricos, causando danos extensos e profundos de
diversas ordens que afetam a sociedade e ameaçam desarticular suas
relações econômicas, deflagrando um ciclo vicioso de escassez de
recursos e meios necessários ao funcionamento mínimo da vida em
sociedade.

Todos esses nefastos efeitos impõem eliminar as


barreiras normativas das citadas resoluções, que têm evidentemente
componentes potencialmente antieconômicos e anticoncorrenciais,
ofendendo a higidez da nossa ordem econômica e financeira, que já
atravessa anos de acentuada recessão.

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Afastar as imposições em questão da ANP facilita
e promove a interligação comercial entre produtores e vendedores
de etanol de maneira mais direta, removendo obstáculos ao livre
mercado de etanol combustível, abrindo caminho ao restabelecimento
do abastecimento com maior rapidez, prontidão e eficiência nos
postos de combustíveis, o que permitiria, inclusive, a
disponibilização do produto ao consumidor em preço mais justo.

Assim, com o fito de extrair-se a máxima


efetividade dos princípios balizadores da ordem econômica e
financeira apregoados na Constituição Federal, em especial dos da
propriedade privada e da livre concorrência, propõe-se a presente
demanda a fim de possibilitar a compra direta de etanol combustível
dos fornecedores/produtores pelos postos de combustíveis.

5. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS.

5.1. DA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA.

A livre concorrência e a livre iniciativa são


garantidas pela Constituição Federal e configuram-se como
sustentáculos estruturais da economia nacional. Esse é um dos
entendimentos subjacentes à norma estampada no art. 170 da
Constituição Federal. Veja-se:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do


trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
IV - livre concorrência;

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Antes mesmo disso, observa-se que a própria
República tem por fundamento expresso a valorização da livre
iniciativa e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III e IV, da
CF).

Afere-se disso que o constituinte ressaltou a


necessidade de empenhos com o fim de impulsionar a existência
continuada de empresas privadas que tenham possibilidades
financeiras e econômicas, bem como o anseio de compartilhar
conjuntamente com o país do desenvolvimento e progresso,
proporcionando, para tanto, condições de garantir força necessária
para atuação, sem esquecer da livre concorrência.

Nesse contexto, com a ideologia totalmente


adversa, indo de encontro aos fundamentos republicanos de uma
sociedade livre que tem, na liberdade, o meio palpável e consagrado
de se alcançar a prosperidade, atingindo a tão almejada justiça
social, tem-se contrariamente a Resolução nº 43/2009 e a Resolução
nº 41/2013, todas da ANP. Veja-se:

Resolução nº 43/2009
Art. 2º Para os fins desta Resolução, adotam-se as
seguintes definições:
I - agente operador de etanol: pessoa jurídica que atua
em bolsa de mercadorias e futuros na condição de
cliente de etanol;
II - empresa comercializadora de etanol: pessoa
jurídica controlada diretamente ou indiretamente por
dois ou mais produtores ou cooperativas de produtores
de etanol, que se enquadre no art. 116 e no § 2º do
art. 243 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e
que não poderá conter, em seu objeto social, a produção
ou qualquer outra forma de industrialização de etanol;
[...]

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V - distribuidor: pessoa jurídica, constituída sob as
leis brasileiras, autorizada para o exercício da
atividade de distribuição de combustíveis líquidos
derivados de petróleo, etanol combustível, biodiesel,
mistura óleo diesel/biodiesel especificada ou
autorizada pela ANP e outros combustíveis automotivos;
VI - fornecedor: produtor com unidade fabril instalada
no território nacional, cooperativa de produtores de
etanol ou empresa comercializadora de etanol que
possuam código de cadastramento no Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, agente operador
de etanol e importador de etanol, não podendo ser
agente econômico que exerça outra atividade regulada
pela ANP; e
VII - importador de etanol: pessoa jurídica,
constituída sob as leis brasileiras, que adquire etanol
combustível exclusivamente de procedência do mercado
externo para comercialização no mercado interno. [...]
Art. 6º O fornecedor somente poderá comercializar
etanol combustível com:
I - outro fornecedor cadastrado na ANP;
II - distribuidor autorizado pela ANP; e
III - mercado externo.
Parágrafo único. O etanol comercializado somente
adquirirá a denominação combustível se atender à
especificação estabelecida pela ANP, inclusive quanto
à adição de corante no caso do etanol anidro, e se tal
finalidade for indicada no respectivo documento fiscal.

Resolução nº 41/2013
Art. 14. O revendedor varejista de combustíveis
automotivos somente poderá adquirir:
I - combustíveis automotivos a granel e querosene
iluminante a granel ou envasado de distribuidor de
combustíveis autorizado pela ANP, observado o art. 25.
desta Resolução;

Perceba-se que as resoluções da ANP não permitem


que o fornecedor venda diretamente etanol combustível para postos

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de combustíveis (revendedor varejista), o que restringe
indevidamente o comércio, atenta contra a liberdade de mercado,
contra a livre concorrência, submetendo produtores e fornecedores
ao – sempre – pequeno grupo de distribuidoras, o que favorece o
abuso do poder econômico tendente à dominação do mercado e a
formação de cartel, práticas contrárias ao art. 173, §4º, da
Constituição Federal1.

Essa regulamentação também impõe obrigatoriamente


um alargamento da cadeia de comercialização, no caso, do etanol
combustível, com clara ineficiência do fornecimento e
abastecimento da sociedade, situação que onera ainda mais o
consumidor final do produto.

Imperioso destacar que, em 29 de Maio de 2018, foi


publicada decisão da 1ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo,
nos autos do Mandado de Segurança n.º 5012573-66.2018.03.6100
[Anexo 01] autorizando o fornecimento direto de etanol de
produtor/usina (fornecedor) a postos de combustíveis e, por esse
meio, afastando a aplicabilidade das restrições constantes da
Resolução ANP n.º 43/2009 (art. 2º c/c art. 6º,II). Vejamos a
decisão do juiz federal Marco Aurélio de Mello Castrianni:

A impetrante tem razão ao afirmar que é notório que há


um verdadeiro caos, no país, provocado pela paralisação
dos motoristas, bem como que deveria ser facilitada a
distribuição dos combustíveis, o que possibilitaria
fossem honrados inclusive compromissos financeiros,
inclusive folha de pagamento, para não se deixar, à
míngua, milhares de empregados. No presente caso, o
combustível deveria sair da região de Araçatuba e ser
levado até Paulínea, em uma viagem de mais de cinco

1
CF. Art. 173. § 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à
dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário
dos lucros.

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horas. Depois disso, deveria fazer o percurso de volta,
por mais de cinco horas pelo menos, para poder chegar
a um posto e, finalmente, ao consumidor. Há, de fato,
um verdadeiro colapso no país. Não é só a mídia que
informa; é possível observar diretamente andando pelas
ruas desta capital. Não se trata de uma mera ameaça; o
desabastecimento já ocorre. É público e notório que
muitas pessoas estão impedidas de se locomover para o
trabalho e para outras atividades, tais como estudo e
até mesmo tratamento de saúde. Tem razão a impetrante
ao alegar que o risco de dano pode atingir proporções
inimagináveis. É público e notório, por exemplo, que
médicos e outros profissionais de saúde não conseguem
chegar ou chegam com muito esforço a seus locais de
trabalho. Há vidas em risco, pois há pessoas que
aguardam cirurgias e outros atendimentos urgentes. É
do meu conhecimento que até mesmo o SAMU já deixou de
realizar atendimento por causa dessa situação caótica.
No presente caso, tem-se a Resolução ANP nº 43/2009,
que proíbe a produtora de etanol ser, também,
fornecedora (art. 2º, inc. II), bem como de vender
combustível para posto revendedor (art. 6º). Em resumo,
não se permite à impetrante vender para
posto/revendedor varejista. Está a mesma, portanto, em
situação de risco da própria sobrevivência. Mas não é
só. Há uma situação emergencial, no país, de risco para
a população que está desabastecida de combustível e,
por consequência, também de outras mercadorias e
serviços essenciais para a vida. Tem razão, ainda, a
impetrante ao alegar que a referida resolução traz uma
limitação que a própria lei não traz. Diante da
situação de desabastecimento, acima mencionada, bem
como até mesmo de risco à saúde e à vida das pessoas,
o contraria inclusive o que estabelece o art. 5º,
caput, da Constituição Federal, tem-se como presente o
necessário fumus boni juris. Presente ainda o periculum
in mora, pois a demora na resolução da presente demanda
poderá tornar ainda pior tanto a situação específica
da impetrante como a população em geral. Diante do
exposto, DEFIRO O PEDIDO LIMINAR, para autorizar as
impetrantes a realizarem a venda do etanol combustível
produzido diretamente aos postos revendedores da
região, bem como determinar à autoridade impetrada que
se abstenha de aplicar qualquer penalidade decorrente

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das normas descritas na inicial ou outra sanção
administrativa.

Corroborando o raciocínio acima, o próprio


Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) já apresentou
uma série de medidas com o objetivo de aumentar a concorrência no
setor de combustíveis e reduzir os preços ao consumidor, sendo que
a primeira delas é justamente “permitir que produtores de álcool
vendam diretamente aos postos” [Anexo 02]2.

A justificativa do CADE é que a regulação


impositiva da ANP (art. 6º da Resolução nº 43/2009 e art. 14, I,
da Resolução 41/2013) “produz ineficiências econômicas, à medida
em que impede o livre comércio e dificulta a possibilidade de
concorrência que poderia existir entre produtor de etanol e
distribuidor de combustível”, ou seja, as próprias normas
regulamentadoras expedidas pela agência reguladora macula também
o princípio da eficiência que deve ser de observância obrigatória
por todos os entes que compõem a administração pública (art. 37 da
CF).

Seguramente, trata-se de convergências que falam


inequivocamente por si sós: imperioso afastar a regra nefasta do
art. 6º da Resolução nº 43/2009 c/c art. 14, I, da Resolução
41/2013, a qual – repita-se – viola a ordem constitucional
econômica, a livre iniciativa e a livre concorrência, consoante
norma do art. 170 da CF.

Remover as restrições em questão das mencionadas


resoluções da ANP implica permitir que o livre mercado cumpra sua

2
http://www.cade.gov.br/noticias/cade-apresenta-propostas-para-o-setor-de-
combustiveis - acessado em 04/06/2018.

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função de conectar eficientemente oferta e demanda, suprindo
necessidades e realizando a regulação econômica espontânea através
do equilíbrio de preços. É desse modo e para isso que a
Constituição garante, na ordem econômica, a livre concorrência
como mecanismo, por exemplo, de defesa do consumidor, ambos valores
constitucionalmente protegidos.

Inclusive, nesse mesmo sentido, foi apresentado na


Câmara dos Deputados Projeto de Decreto Legislativo de Sustação de
Atos Normativos do Poder Executivo, objetivando a sustação do art.
6º da Resolução ANP nº 43/2009. Veja-se:

Importante frisar que remover as restrições das


resoluções da ANP não prejudicará as distribuidoras, pois
continuarão tendo grande mercado e poder de negociação, apenas
retirará delas o poder e a exclusividade de permanecerem como
“atravessadoras” oficiais do etanol combustível fabricado pelas
destilarias.

Outrossim, não há que se falar em risco de venda


sem cadastro na ANP, uma vez que todos os fornecedores de etanol
combustível devem estar devidamente cadastrados na agência

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reguladora, bem como somente é possível efetuar a venda desse
produto para empresas também cadastradas naquela autarquia.

Por outro lado, não se pode olvidar que a


Constituição Federal, em seu art. 173, § 4º, dispôs que a lei deve
reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos
mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos
lucros. Eis mais uma norma constitucional malferida pelo art. 6º
da Resolução nº 43/2009 e art. 14, I, da Resolução 41/2013.

Isso porque o regulamento, ao impedir a compra


direta de etanol combustível dos fornecedores pelos postos de
combustíveis, cria, sem motivo algum ou qualquer justificativa
plausível, uma reserva de mercado às poucas distribuidoras
existentes no país, coibindo a livre concorrência que beneficiaria
o consumidor final com preços mais justos, propiciando a
cartelização do preço desse produto.

Dessa forma, a possibilidade de fornecimento


direto de etanol combustível pelos fornecedores aos postos é
juridicamente o meio adequado e necessário à eliminação dessa
ilegal dominação de mercado, atendendo ao princípio constitucional
da proporcionalidade para a proteção dos bens e valores
simultaneamente promovidos pela ordem econômica e financeira da
Constituição Federal.

Essa é a mens legis subjacente aos arts. 170 e


173, § 4º, da Constituição Federal, como meio de conciliar
propriedade privada e função social da propriedade de maneira
harmônica com a livre concorrência, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa como objetivo maior de
assegurar a todos existência digna.

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Portanto, as circunstâncias expostas impõem a
pronta eliminação de barreiras normativas de caráter
potencialmente antieconômicas e anticoncorrenciais, quais sejam as
veiculadas no art. 6º da Resolução nº 43/2009 e art. 14, I, da
Resolução 41/2013, todas da ANP.

5.2. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.

É cediço que as normas infralegais funcionam como


fontes subsidiárias ou complementares das regras constantes dos
atos legislativos e somente podem substituí-los ou mesmo
regulamentá-los se houver expressa autorização constitucional ou
legal para tanto. Fora desse permissivo, a chamada delegação
legislativa não é permitida em face do princípio da legalidade ou
da reserva legal.

Além de violar preceitos constitucionais, como


visto alhures, é de se observar também que as restrições do art.
6º da Resolução nº 43/2009 e do 14, I, da Resolução 41/2013 não
têm amparo legal na Lei Federal 9.478/1997 (Lei Nacional de
Petróleo, Gás, Biocombustíveis e da ANP).

A Lei 9.478/1997 define atividade de produção e de


distribuição nos seguintes termos:

Art. 6° Para os fins desta Lei e de sua regulamentação,


ficam estabelecidas as seguintes definições: [...]
XX - Distribuição: atividade de comercialização por
atacado com a rede varejista ou com grandes
consumidores de combustíveis, lubrificantes, asfaltos
e gás liquefeito envasado, exercida por empresas

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especializadas, na forma das leis e regulamentos
aplicáveis;
XXI - Revenda: atividade de venda a varejo de
combustíveis, lubrificantes e gás liquefeito envasado,
exercida por postos de serviços ou revendedores, na
forma das leis e regulamentos aplicáveis; [...]
XXVIII - Indústria de Biocombustível: conjunto de
atividades econômicas relacionadas com produção,
importação, exportação, transferência, transporte,
armazenagem, comercialização, distribuição, avaliação
de conformidade e certificação de qualidade de
biocombustíveis;
XXIX - Produção de Biocombustível: conjunto de
operações industriais para a transformação de biomassa
renovável, de origem vegetal ou animal, em combustível;
XXX - Etanol: biocombustível líquido derivado de
biomassa renovável, que tem como principal componente
o álcool etílico, que pode ser utilizado, diretamente
ou mediante alterações, em motores a combustão interna
com ignição por centelha, em outras formas de geração
de energia ou em indústria petroquímica, podendo ser
obtido por rotas tecnológicas distintas, conforme
especificado em regulamento; e

Os postos de combustíveis são classificados


legalmente como revendedores, sendo que a lei não faz qualquer
restrição para que eles se relacionem comercial e diretamente com
a indústria de biocombustível.

No mais, conforme exposto acima, consta da própria


definição legal de Indústria de Biocombustível as atividades de
transferência, transporte, armazenagem, comercialização e
distribuição de biocombustível – como é o caso do etanol.

Ocorre que, por meio da Resolução nº 43/2009, a


ANP restringiu o alcance esse conceito legal ao proibir que uma
pessoa jurídica que se enquadre legalmente como Indústria de

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Biocombustível – conforme o art. 6º da Lei 9.478/1997 – possa ser
também fornecedora para os fins daquela resolução. Veja-se:

Resolução nº 43/2009
Art. 2º Para os fins desta Resolução, adotam-se as
seguintes definições: [...]
II - empresa comercializadora de etanol: pessoa
jurídica controlada diretamente ou indiretamente por
dois ou mais produtores ou cooperativas de produtores
de etanol, que se enquadre no art. 116 e no § 2º do
art. 243 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e
que não poderá conter, em seu objeto social, a produção
ou qualquer outra forma de industrialização de etanol;
[...]
V - distribuidor: pessoa jurídica, constituída sob as
leis brasileiras, autorizada para o exercício da
atividade de distribuição de combustíveis líquidos
derivados de petróleo, etanol combustível, biodiesel,
mistura óleo diesel/biodiesel especificada ou
autorizada pela ANP e outros combustíveis automotivos;
VI - fornecedor: produtor com unidade fabril instalada
no território nacional, cooperativa de produtores de
etanol ou empresa comercializadora de etanol que
possuam código de cadastramento no Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, agente operador
de etanol e importador de etanol, não podendo ser
agente econômico que exerça outra atividade regulada
pela ANP; e

Após as definições acima, a resolução da ANP, em


seu art. 6º, não permite que o fornecedor venda etanol diretamente
para postos de combustíveis (revendedores), excluindo-o do rol de
transações comerciais possíveis. Anote-se:

Resolução nº 43/2009
Art. 6º O fornecedor somente poderá comercializar
etanol combustível com:

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I - outro fornecedor cadastrado na ANP;
II - distribuidor autorizado pela ANP; e
III - mercado externo.
Parágrafo único. O etanol comercializado somente
adquirirá a denominação combustível se atender à
especificação estabelecida pela ANP, inclusive quanto
à adição de corante no caso do etanol anidro, e se tal
finalidade for indicada no respectivo documento fiscal.

Ato contínuo, o art. 14, I, da Resolução ANP nº


41/2013, restringe aos postos de combustíveis (revendedores
varejistas) a compra de combustível somente dos poucos
distribuidores autorizados pela autarquia reguladora. Veja-se:

Resolução nº 41/2013
Art. 14. O revendedor varejista de combustíveis
automotivos somente poderá adquirir:
I - combustíveis automotivos a granel e querosene
iluminante a granel ou envasado de distribuidor de
combustíveis autorizado pela ANP, observado o art. 25.
desta Resolução;

Destarte, vê-se que a resolução criou uma reserva


de mercado às margens da lei ao proibir o produtor (fornecedor) de
vender etanol combustível diretamente para a rede varejista
(postos de combustíveis).

Frisa-se que o próprio art. 6º da Lei 9.478/1997


determinou que as definições nele estabelecidas devem ser
observadas para fins de regulamentação, porém as citadas
resoluções da ANP distorceram e restringiram os conceitos
prefixados na referida lei, criando uma etapa a mais na cadeia de
comercialização de etanol, que, ao fim, onera ainda mais o
consumidor.

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Ademais, ao iniciar as disposições sobre as
atividades econômicas da indústria de biocombustíveis, a Lei
9.478/1997 determina que:

Art. 68-A. Qualquer empresa ou consórcio de empresas


constituídas sob as leis brasileiras com sede e
administração no País poderá obter autorização da ANP
para exercer as atividades econômicas da indústria de
biocombustíveis.
§ 1º As autorizações de que trata o caput destinam-se
a permitir a exploração das atividades econômicas em
regime de livre iniciativa e ampla competição, nos
termos da legislação específica.
§ 2º A autorização de que trata o caput deverá
considerar a comprovação, pelo interessado, quando
couber, das condições previstas em lei específica, além
das seguintes, conforme regulamento:
I - estar constituído sob as leis brasileiras, com sede
e administração no País;
II - estar regular perante as fazendas federal,
estadual e municipal, bem como demonstrar a
regularidade de débitos perante a ANP;
III - apresentar projeto básico da instalação, em
conformidade às normas e aos padrões técnicos
aplicáveis à atividade;
IV - apresentar licença ambiental, ou outro documento
que a substitua, expedida pelo órgão competente;
V - apresentar projeto de controle de segurança das
instalações aprovado pelo órgão competente;
VI - deter capital social integralizado ou apresentar
outras fontes de financiamento suficientes para o
empreendimento.

Observa-se que a lei de regência não restringe a


atividade econômica da indústria de biocombustíveis (produtor)

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para que ela apenas comercialize com as pessoas definidas no art.
6º da Resolução nº 43/2009 da ANP.

Ao contrário disso, o § 1º do supramencionado art.


68-A expõe que as autorizações concedidas a esse tipo de indústria
pela ANP destinam-se a permitir a exploração das atividades
econômicas em regime de livre iniciativa e ampla competição, ideal
totalmente oposto ao que dispõe a regulamentação em referência da
ANP.

Portanto, conclui-se que as restrições


anticomerciais e anticoncorrenciais do art. 6º da Resolução nº
43/2009 da ANP e do art. 14, I, da Resolução ANP nº 41/2013 não
têm fundamento legal na Lei Federal 9.478/1997 (Lei Nacional de
Petróleo, Gás, Biocombustíveis e da ANP), motivo pelo qual também
é evidente a violação ao princípio da legalidade que deve ser de
observância cogente pela Administração Pública (art. 37 da CF).

6. DA MEDIDA LIMINAR.

O art. 12 da Lei 7.347/1985 permite a concessão de


medida liminar no âmbito da ação civil pública. Veja-se:

Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com


ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a
agravo.

No mais, é sabido que a medida liminar exige a


presença de dois requisitos essenciais, quais sejam: o fumus boni
iuris e o periculum in mora.

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O pressuposto do fumus boni iuris está latente na
exposição dos fundamentos jurídicos da presente exordial, os quais
detalham a mácula, por parte do art. 6º da Resolução 43/2009 e do
art. 14, I, da Resolução ANP nº 41/2013 da ANP, aos princípios
balizadores da ordem econômica e financeira constante da
Constituição Federal e ao princípio da legalidade.

O periculum in mora está evidenciado na efetiva e


concreta situação atual e em curso de restrição mercadológica que
onera ainda mais os cidadãos diuturnamente, vulnerando a sua
condição socioeconômica, comprometendo a eficiência do
abastecimento e provocando agravamento dos processos produtivos de
bens e serviços de uma economia que luta para sair de um prolongado
quadro recessivo.

Não se olvide que a ineficiência de abastecimento


de combustível ficou ainda mais evidente com a greve dos
caminhoneiros que castigou a população, que, em lugares de acessos
mais limitados, ainda sofre com a falta desse recurso, sendo que
as resoluções da ANP objurgadas dificultam e tornam lenta a
recuperação dos efeitos dessa greve.

A persistência da regulação da ANP impede a


interligação comercial entre produtores e revendedores de etanol
de maneira mais direta, além de ser obstáculos constantes ao livre
mercado de combustíveis e dificultar o restabelecimento do
abastecimento com maior rapidez, prontidão e eficiência nos postos
de combustíveis, que permitiria – repita-se - a disponibilização
do produto ao consumidor final em preço mais justo.

Portanto, estão integralmente comprovados de forma


robusta os requisitos ensejadores da concessão da medida liminar,

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nos moldes do art. 12 da Lei 7.347/1985, razões pelas quais se
requer seu deferimento inaudita autera pars.

7. DO PEDIDO.

Ante o exposto, requer-se:

1) Em regime de cognição sumária, o deferimento da


medida liminar inaudita autera pars para
autorizar que produtores e fornecedores de
etanol possam realizar a venda direta aos postos
de combustíveis revendedores em todo Brasil,
suspendendo-se os efeitos do art. 6º da
Resolução nº 43/2009 c/c art. 14, I, da
Resolução nº 41/2013, ambas da ANP,
determinando-se que as autoridades
fiscalizadoras se abstenham de aplicar
quaisquer penalidades ou sanções
administrativas decorrentes dessa medida;

2) Após, a citação da Agência Nacional de Petróleo,


Gás e Biocombustíveis - ANP;

3) A intimação do Ministério Público Federal;

4) Em sede de cognição exauriente, a total


procedência desta Ação Civil Pública para
possibilitar que produtores e fornecedores de
etanol possam vender diretamente esse produto
aos postos de combustíveis revendedores em todo
país, declarando-se a ilegalidade e a

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inconstitucionalidade incidental do art. 6º da
Resolução nº 43/2009 e do art. 14, I, da
Resolução nº 41/2013, todas da ANP;

5) A imposição de multa diária à parte demandada


em caso de desobediência, nos moldes do art. 11
da Lei 7.347/1987;

6) A cominação de demais medidas coercitivas que


esse colendo juízo entender necessárias e
suficientes para garantir a efetividade da
tutela jurisdicional, nos termos do art. 297 do
CPC;

7) A permissão para a produção de provas de todas


as espécies legalmente previstas, especialmente
a documental consubstanciada nos arquivos
anexados à exordial.

Por fim, requer-se que as publicações/intimações,


sob pena de nulidade, sejam sempre lançadas em nome dos patronos
ARLESSON PEREIRA DA MATA, OAB/DF 34.790, BRUNO BELEZA DE QUEIROS,
OAB/DF 43.186.

Atribui-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil


reais).

Nesses termos, pede-se deferimento.

Brasília-DF, 4 de junho de 2018.

ARLESSON PEREIRA DA MATA BRUNO BELEZA


OAB/DF 34.790 OAB/DF N.º 43.186

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