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Todas minhas memórias relacionadas a um salão de beleza caem por terra com a
escrita de Bellatin, a compreensão de algo relacionado à vivacidade, à beleza, à
festividade saem de cena e dão lugar à finitude, à doença, à degeneração e, por fim, o
processo de “coisificação” da vida humana. A onipresença da dor faz com que o salão
se transforme em um “morredouro” para homens homossexuais acometidos por uma
grave doença e degenerativa “peste”, que inclusive acomete a própria narrador (a),
cabeleireira e dona do salão são acometidas. Nessa atmosfera de vida que vai se
esfarelando tudo se acaba definhando - os peixes no aquário, os corpos dos homens. O
salão de beleza vira um abrigo para pessoas completamente desconhecidas, porém,
unidas pela doença. De que modo o salão de beleza não configura de certo modo, o
nosso próprio mundo? Não é a dor, o sofrimento e a finitude que faz com que possamos
enxergar uns aos outros? Não é na experiência eminente da morte que conseguimos ser
solidários? Numa espécie de “balanço final” que “passamos a limpo” as nossas decisões
e escolhas?
Fiquei pensando quantos “morredouros” não há nas quebradas, nos asilos, nos
hospitais e nos presídios? O quanto nós fugimos deles e não suportaríamos vivenciar
aquilo que já é doloroso a partir da experiência ficcional. Porém, apesar da experiência
dolorosa de leitura de Salón de Belleza, compartilho da premissa colocada pelo
professor Anselmo Perés Alos que: “A invocação e um compromisso radical com o
outro, e em especial com o outro desvalido, despoderado, e de quem não se pode esperar
um gesto ou uma “resposta” à solidariedade” ( p.317). Deste modo, apesar do salão de
beleza transformar-se numa “sala de espera da morte”, a atitude da/o dono/a/ do salão
abre espaço para uma abertura ética, sem esperanças da atuação da “providência
divina”, uma vez que não há melhora, não há esperança, nem redenção, mas há o
exercício compassivo de reconhecer no outro o seu próprio padecimento. Se somos
todos sujeitos passíveis de enfermidades, dores e a caminho fim irredutível que assola
nossos corpos, por outro lado, são essas mazelas da vida que ainda nos “ salva” de uma
perda total da nossa humanidade. Assim, a novela de Bellatin figura de forma ficcional
a proposta schopenhaueriana de ética, segundo a qual, quando o ser humano encontra-
se na situação onde não há mais diferença egoística entre o “eu” e o “outro”, ocorre a
identificação necessária para ação moral, quando os sofrimentos alheios são
apreendidos como se fossem meus, como afirma Schopenhauer:
Referências: