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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE ARTES E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO DE LETRAS

LITERATURA E FIGURAÇÕES DA ALTERIDADE

Mônica Saldanha Dalcol

O salão de beleza como o grande palco da humanidade


Escrevo o paper uma semana após ter lido a novela de Mário Bellatin, Salón de
Belleza. Apesar de o professor Anselmo ter nos alertado sobre a temática da narrativa, o
modo como ela me afetou transcendeu qualquer expectativa, uma noite acordada e
muitas lágrimas derrubadas. A atmosfera que a minha existência está inserida faz com
que as contingências da vida ou aquilo que Camus de “absurdo” estão muito presentes.
Ler sobre doença, morte e a finitude humana que se esvai entre os dedos é sempre duro
para quem mantém dentro do peito ainda um resquício de “idealismo” e insistem, por
vezes, que a vida se desenrole com o mínimo de sentido possível.

Todas minhas memórias relacionadas a um salão de beleza caem por terra com a
escrita de Bellatin, a compreensão de algo relacionado à vivacidade, à beleza, à
festividade saem de cena e dão lugar à finitude, à doença, à degeneração e, por fim, o
processo de “coisificação” da vida humana. A onipresença da dor faz com que o salão
se transforme em um “morredouro” para homens homossexuais acometidos por uma
grave doença e degenerativa “peste”, que inclusive acomete a própria narrador (a),
cabeleireira e dona do salão são acometidas. Nessa atmosfera de vida que vai se
esfarelando tudo se acaba definhando - os peixes no aquário, os corpos dos homens. O
salão de beleza vira um abrigo para pessoas completamente desconhecidas, porém,
unidas pela doença. De que modo o salão de beleza não configura de certo modo, o
nosso próprio mundo? Não é a dor, o sofrimento e a finitude que faz com que possamos
enxergar uns aos outros? Não é na experiência eminente da morte que conseguimos ser
solidários? Numa espécie de “balanço final” que “passamos a limpo” as nossas decisões
e escolhas?

Fiquei pensando quantos “morredouros” não há nas quebradas, nos asilos, nos
hospitais e nos presídios? O quanto nós fugimos deles e não suportaríamos vivenciar
aquilo que já é doloroso a partir da experiência ficcional. Porém, apesar da experiência
dolorosa de leitura de Salón de Belleza, compartilho da premissa colocada pelo
professor Anselmo Perés Alos que: “A invocação e um compromisso radical com o
outro, e em especial com o outro desvalido, despoderado, e de quem não se pode esperar
um gesto ou uma “resposta” à solidariedade” ( p.317). Deste modo, apesar do salão de
beleza transformar-se numa “sala de espera da morte”, a atitude da/o dono/a/ do salão
abre espaço para uma abertura ética, sem esperanças da atuação da “providência
divina”, uma vez que não há melhora, não há esperança, nem redenção, mas há o
exercício compassivo de reconhecer no outro o seu próprio padecimento. Se somos
todos sujeitos passíveis de enfermidades, dores e a caminho fim irredutível que assola
nossos corpos, por outro lado, são essas mazelas da vida que ainda nos “ salva” de uma
perda total da nossa humanidade. Assim, a novela de Bellatin figura de forma ficcional
a proposta schopenhaueriana de ética, segundo a qual, quando o ser humano encontra-
se na situação onde não há mais diferença egoística entre o “eu” e o “outro”, ocorre a
identificação necessária para ação moral, quando os sofrimentos alheios são
apreendidos como se fossem meus, como afirma Schopenhauer:

[...] esse homem reconhece em todos os seres o próprio


íntimo, o seu verdadeiro si-mesmo, e desse modo tem de considerar
também os sofrimentos infindos de todos os viventes como se fossem
seus: assim, toma para si mesmo as dores de todo mundo; nenhum
sofrimento lhe é estranho[...]. Vê, para onde olha, a humanidade e os
animais sofredores. Vê um mundo que desaparece. E tudo isso lhe é
agora tão próximo quanto para o egoísta a própria pessoa
(SCHOPENHAUER, 2005, p.481).

Parece- me que a lição mais marcante que sobra depois da experiência


devastadora da leitura de Salón de belleza é a torcida inestimável para que haja por esse
mundão muitos personagens como o dono/a do salão, quando não há Deus para salvar-
nos, nem a ciência, nem a ficção, que haja salvação pela pequenez das nossas vidas e
pelo reconhecimento de que a dor dos outros é também a nossa.

Referências:

ALÓS. Anselmo Peres. Mario Bellatin: agonizando no Salón de Belleza. Disponível


em: http://periodicos.unb.br/index.php/cerrados/article/download/304-321/1565.
Acessado em: 20/09/2017.

BELLATIN, Mário. Salón de belleza. In____. Obra reunida. Barcelona: Alfaguara,


2013.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tradução
Jair Barbosa. São Paulo:Unesp, 2005.

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