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Alejo Carpentier
Digitalização e Arranjo
Agostinho Costa
os Passos
PerdIdos
Alejo Carpentier
Índice
O autor.....................9/0
Capítulo Primeiro..........11/0
Capítulo Segundo...........37/1
Capítulo Terceiro..........67
Capítulo Quarto...........131
Capítulo Quinto...........155
Capítulo Sexto............195
Nota......................225
O AUTOR
CAPÍTULO PRIMEIRO
Deuteronómio, 28-23-28
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II
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frequentemente, a disposições tomadas um século, dois
séculos
antes. Mas sob os títulos das partituras estavam inscritas
em
forma de signos as ordens de homens que apesar de mortos,
jazendo em pomposos mausoléus ou de ossos perdidos na
sórdida
desordem
da vala comum, conservavam direitos de propriedade sobre o
tempo, impondo lapsos de atenção ou de fervor aos homens do
futuro. Acontecia às vezes - pensava eu - que esses póstumos
poderes sofriam alguma perda ou, pelo contrário, aumentavam
em
virtude do grande favor de uma geração. Assim, quem fizesse
um
balanço das execuções sinfónicas, poderia chegar à conclusão
de
que, em tal ou tal ano, o grande fruidor do tempo fora Bach
ou
Wagner, comparado com a magra contribuição de Telemann ou
Cherubini. Havia três anos, pelo menos, que eu não assistia
a
um concerto sinfónico: quando saía dos estúdios estava tão
saturado de má música ou de boa música utilizada com fins
detestáveis, que se me tornava absurda a ideia de mergulhar
num tempo feito quase tangível pela submissão a
enquadramentos
de fuga ou de forma-sonata. Pela mesma razão, encontrava o
prazer da novidade de me sentir levado, quase de surpresa,
para o canto sombrio das caixas dos contrabaixos, donde
podia
observar o que se passava sobre o palco nesta tarde de chuva
cujos trovões, apaziguados, pareciam rolar sobre os charcos
da
rua vizinha. E após o silêncio quebrado por um gesto, foi
uma
ligeira quinta de trompas, acompanhada de um frémito de
tresquiálteras pelos segundos violinos e violoncelos, sobre
a
qual se desenharam duas notas descendentes, como que caídas
dos primeiros arcos e violetas, com uma inapetência que se
tornou em angústia, em necessidade imperiosa de fuga,
perante o terrível assalto de uma força subitamente
desenfreada... Levantei-me aborrecido. No momento em que me
encontrava na melhor das disposições para ouvir
música, após um longo período de indiferença, é que havia
de surgir esta coisa que agora inflava em crescendo atrás de
mim.
Devê-lo-ia ter pressentido, ao ver entrar no palco os
elementos do coro. Mas podia tratar-se também dum
oratório clássico. Porque se soubesse que era a partitura da
Nona
Sinfonia, o que estava disposto nas estantes, teria seguido
o
meu caminho mesmo debaixo do aguaceiro. Pois se não
tolerava certas músicas ligadas à recordação da minha
infância, menos
suportaria o Freun, Scloner Gotterfunken Tochter aus
Elvsium! que eu evitara, desde então, como quem aparta os
olhos, durante anos, de certos objectos evocadores da morte.
Além disso, como muitos homens da minha geração,
detestava tudo o que tivesse um ar «sublime». A Ode de
Schiller era-me tão desagradável como a Ceia de Montsalvat
e a
Elevação do Graal... Agora encontro-me
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num rito possessional de sua voz, para que a caça lhes seja
propícia: "É a primeira comprovação da tua teoria", diz-me o
velho, abraçando-me quase, num acesso de tosse. E como não
compreendo lá muito bem o que me quer dizer, perante o disco
que ressoa novamente, invade-me uma crescente irritação que
dois cálices emborcados a seguir vêm avivar ainda mais. O
pássaro que não é pássaro, com seu canto que não é canto,
mas
uma mágica
imitação, provoca uma intolerável ressonância em meu
coração,
recordando-me os trabalhos realizados por mim há tanto
tempo -
os anos não me assustavam, mas a inútil rapidez do seu
percurso - acerca das origens da música e da organografia
primitiva. Fora na época em que a guerra interrompera a
composição da minha
ambiciosa cantata sobre o Prometheus Unbound. No meu
regresso
sentia-me tão mudado que o prelúdio terminado e os guiões da
cena inicial ficaram empacotados dentro de um armário,
enquanto me voltava para as técnicas e os sucedâneos do
cinema
e da rádio. No ilusório ardor que punha na defesa dessas
artes
do século, afirmando que abriam infinitas perspectivas aos
compositores, procurava provavelmente uma consolação para o
complexo de
culpa perante a obra abandonada e uma justificação para o
meu
ingresso numa empresa comercial, depois que Ruth e eu
destruíramos, com a nossa fuga, a vida de um homem
excelente.
Quando esgotámos o tempo da anarquia amorosa convenci-me
rapidamente de que a vocação de minha mulher era
incompatível
com o género de vida comum que eu desejava. Por isso
arranjara
a
maneira de as suas ausências, motivadas pelas
representações e
temporadas teatrais, se me tornarem menos ingratas,
orientando-me em tarefas que pudesse levar a cabo aos
domingos
e dias feriados, sem a continuidade de projectos exigida
pela
criação. Assim, dirigira-me à casa do Conservador, cujo
Museu
Organográfico era o orgulho de uma venerável universidade.
Sob
este mesmo tecto travara eu conhecimento com os instrumentos
de percussão elementares, troncos perfurados, litófonos,
queixadas de animais, chocalhos, guizeiras, donde o homem
extraíra os mais variados sons nos longos primeiros dias da
sua aparição sobre um planeta ainda eriçado de ossaturas
gigantescas, ao empreender um caminho que o conduziria à
Missa
do Papa MarceTo e à Arte da Fuga. Impelido por essa forma
peculiar da preguiça que consiste numa entrega com vigorosa
energia a tarefas que não são exactamente aquelas que nos
deveriam ocupar, apaixonei-me pelos métodos de
classificação e
do estudo morfológico desses objectos em madeira, barro
cozido, cobre de caldeiraria, junco, tripa e pele de chibo,
antepassados dos modos de produzir sons que perduram,
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quanto à originalidade de sua inspiração. Conhecera-a dois
anos antes, durante uma das muitas ausências profissionais
de
Ruth, e embora as minhas noites se tenham iniciado ou
acabado
na sua cama, entre nós poucas palavras carinhosas eram
pronunciadas. Lutávamos, às vezes, de maneira terrível, para
seguidamente nos abraçarmos com raiva, enquanto as nossas
caras, tãojuntas que se não viam, trocavam insultos que a
reconciliação dos corpos ia transformando em descarnados
elogios do prazer recebido. Mouche, que era bastante
comedida
e até parcimoniosa no falar, utilizava nesses momentos uma
linguagem de rameira, à qual era necessário responder nos
mesmos termos para que dessa excrescência da linguagem
surgisse, mais agudamente, o prazer. Mas era difícil de
saber
se era verdadeiro amor o que a ela me ligava. Exasperava-me
frequentemente com o seu dogmático apego a
ideias e atitudes muito em voga nas cervejarias de
Saint-Germain-des-Près, cuja estéril discussão me obrigava a
abandonar a sua casa com a ideia de não mais voltar. Mas na
noite seguinte
enternecia-me só de pensar nas suas insolências, e
regressava
à sua carne que me era necessária, pois encontrava na sua
intimidade a exigente e egoísta animalidade que tinha o
poder
de transformar o carácter da minha eterna fadiga, passando-a
do plano nervoso ao plano físico. Quando isto acontecia,
vinha-me, às vezes, um sono tão estranho e tão desejado que
se
me fechavam os olhos depois de um dia passado no campo -um
desses raros dias do ano em que o cheiro das árvores,
provocando um relaxamento em todo o meu ser, me deixava como
que entontecido. Cansado de esperar, ataquei furiosamente os
acordes iniciais de um grande Concerto romântico; mas nisto,
abriram-se as portas e o apartamento
encheu-se de gente. Mouche, cujo rosto estava rosado como
quando bebia um pouco, vinha de jantar com o pintor do seu
estúdio, dois dos meus assistentes, os quais não esperava
encontrar aqui, a decoradora do rés-do-chão, que andava
sempre
a bisbilhotar o que se passava entre as outras mulheres, e a
bailarina que preparava, nessa altura, um ballet sobre
simples
ritmos de bater de mãos. "Trazemos uma surpresa", anunciou a
minha amiga, rindo. E rapidamente ficou montado o projector
com a cópia do filme apresentado na véspera, cujo caloroso
êxito determinara o imediato começo das minhas férias.
Agora,
com todas as luzes apagadas, renasciam as imagens perante os
meus olhos: a pesca do atum, com o ritmo admirável das
almadrabas e a desesperada agitação dos peixes cercados por
barcos negros; as lampreias espreitando das cavidades das
suas
torres de rocha; o envolvente desprezo do polvo; a chegada
das
enguias e o vasto vinhedo cobreado do Mar
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CAPÍTULO SEGUNDO
Shelley
IV
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(Quinta feira, 8)
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mambrú cantado pelas crianças que brincavam num pátio com
odor
a natas. E assim, atraído agora pela frescura matinal de um
velho cemitério, caminhava à sombra dos seus ciprestes,
entre
tumbas que estavam como que abandonadas no meio de ervas e
campânulas. Às veses, atrás de um vidro encardido pelos
fungos, aparecia um velho retrato do defunto que ali jazia
sob
o mármore: um estudante de olhos febris, um veterano da
Guerra
das Fronteiras, uma poetisa coroada de loureiros. Eu
contemplava o monumento às vítimas de um naufrágio fluvial,
quando o ar foi rasgado, em alguma parte, como papel
encerado,
por uma descarga de metralhadoras. Eram os alunos de uma
escola militar, sem dúvida, que se adestravam no manejo das
armas. Fez-se um silêncio; e depois voltaram a enredar-se
novamente os arrulhos das pombas que inflavam o papo em
redor
dos vasos romanos.
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VI
(Sexta feira, 9)
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de má catadura, amaldiçoando os agitados que, com a sua
revolução, haviam impedido os ensaios do Requiem de Brahms.
No seu despeito evocava uma carta em que Goethe cantava a
natureza domesticada, "liberta para sempre das suas loucas e
febris comoções".
"Aqui, a selva!", rugia ele, estendendo os seus
compridíssimos braços, como quando arrancava um fortissimo
som
à sua orquestra. A palavra «selva» fez-me olhar para o pátio
das arecas em potes, que tinham algo de grandes palmeiras
quando vistas através da penumbra, na reverberação de
paredes fechadas, em cima, por um céu sem nuvens que
traçava, às vezes, o voo de um abutre atraído pela carne
putrefacta. Julgava que Mouche tinha voltado para o seu
canapé; ao não a ver ali, pensei que estaria a vestir-se.
Mas
também não estava no nosso quarto. Depois de a esperar algum
tempo, o álcool bebido manhã cedo, em grandes quantidades,
levou-me a procurá-la. Saí do bar como quem decide um
importante empreendimento, subindo a escada que partia do
hall, entre duas cariátides de aspecto marmóreo e solene.
Uma aguardente local com sabor a mel, misturada a outros
álcoois vulgares, dera ao meu rosto uma expressão falsamente
impassível; subitamente bêbado, fui do corrimão à parede,
tacteando como um cego na escuridão. Quando me vi sobre
degraus mais estreitos, numa espécie de falso mármore
amarelo,
apercebi-me de que já tinha ultrapassado o quarto andar,
depois de muito ter andado, sem ter a menor ideia de onde se
encontrava a minha amiga. Mas continuava o meu caminho,
alagado de suor, obstinado, com uma tenacidade que não
chegava
a distrair aqueles que se afastavam ironicamente para me
deixar passar. Percorria intermináveis corredores sobre uma
passadeira vermelha, da largura de um carreiro, perante
portas
numeradas - intoleravelmente numeradas - que ia contando na
passagem, como se isso fizesse parte do trabalho imposto. De
súbito, uma forma conhecida fez-me deter, titubeando, com a
sensação estranha de que não tinha viajado, de que sempre
estivera além, em alguma das minhas deslocações quotidianas,
em alguma casa sem estilo e impessoal. Eu conhecia este
extintor de metal vermelho, com a sua placa de instruções;
eu
conhecia, há muito tempo também, a passadeira que pisava, os
modilhões do tecto, e esses algarismos de bronze por detrás
dos quais estavam os mesmos móveis, os mesmos utensílios, os
mesmos objectos dispostos de idêntica maneira, junto de
alguma
gravura representando a Jungfrau, o Niagara ou a Torre de
Pisa. Essa ideia de não me ter mudado fez passar sobre o meu
corpo a
contracção do rosto. Regressado a um mundo de colmeias,
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desencadeasse um terrível jogo de azar. Pensava, por uma
inesperada
associação de ideias, no jogador de Buffon que lança um
alfinete sobre o soalho, com a esperança de que não se cruze
com as suas paralelas. Aqui as paralelas eram balas
disparadas
ao acaso, alheias aos meus desígnios, que fendiam o espaço
exterior quando menos se esperava, e aterrava-me pensar que
poderia ser eu o alfinete do jogador, e que, num ponto, num
ângulo de possível incidência, o meu corpo se encontraria na
trajectória do projéctil. Por outro lado, a presença de uma
fatalidade não intervinha nesse cálculo de probabilidades,
já
que dependia de mim o risco de tudo perder e nada ganhar. Eu
devia reconhecer, ao fim e ao cabo, que não era o desejo de
regressar ao hotel que me tinha desesperado no outro lado da
rua. Repetia-se o que me havia impulsionado horas antes, na
minha bebedeira, a caminhar através daquele edifício de
imensos corredores. A minha impaciência de agora era devida
à
pouca confiança que eu depositava em Mouche. Pensando nela
daqui, neste lado do fosso, sobre o detestável palco das
probabilidades, julgava-a capaz das piores perfídias
físicas,
ainda que jamais tivesse podido formular uma acusação
concreta
contra ela, desde que nos conhecíamos. Eu não tinha em que
fundamentar as
minhas suspeitas, o meu eterno receio; mas sabia muito bem
que
a sua formação intelectual, rica em ideias que justificavam
tudo, em argumentações - pretextos, podia incitá-la a
prestar-se a qualquer experiência insólita, favorecida pela
anormalidade do meio que esta noite a envolvia. Pensei que,
por essa razão, não valia a pena enfrentar a morte só para
me
ver livre de uma simples dúvida. E, no entanto, não podia
suportar a ideia de a saber ali, naquele edifício habitado
pela embriaguez, liberta do peso da minha vigilância. Tudo
era
possível naquela casa da confusão, com suas adegas sombrias
e
seus inumeráveis quartos, acostumados a todo o tipo de
relações que não deixam marca. Não sei por que razão se
insinuou no meu espírito a ideia de que este leito da rua,
que
se alargava a cada tiro disparado, esse fosso profundo que
cada bala tornava mais irrecuperável, era como uma
advertência, como uma prefiguração de acontecimentos
futuros.
Naquele momento aconteceu qualquer coisa de estranho no
hotel.
As músicas e os risos pararam simultaneamente. Ouviram-se
gritos, choros, apelos, em todo o edifício. Apagaram-se as
luzes, acenderam-se outras. Havia como que uma surda comoção
ali dentro; um pânico irremediável. E de novo rebenta a
fuzilaria à entrada da rua mais próxima. Mas desta vez vi
aparecer várias patrulhas de infantaria, com espingardas e
metralhadoras. Os soldados começaram a avançar lentamente,
por
detrás das colunas das arcadas, atingindo o local onde
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VII
(Sábado, 10)
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mulher que, segundo a sua expressão, "falava a mesma
língua".
entregava-se a essa nova amizade com uma dedicação
desmesurada, uma delicadeza tal, um desassossego, que
chegava
a desesperar-me. Não lhe duravam muito tempo essas crises
efusivas; acabavam tão depressa como tinham começado. Mas
enquanto se mantinham, chegavam a despertar em mim as mais
intoleráveis suspeitas. Agora, como de outras vezes, era um
simples pressentimento, uma inquietação, uma dúvida; nada me
provava haver algo de repreensível. Mas uma ideia lancinante
apoderara-se de mim na tarde anterior, depois do enterro do
Kappelmeister. No regresso do cemitério, onde fora com uma
comissão de hóspedes, ainda restavam pétalas de flores
mortuárias - demasiado perfumadas neste país -sobre o
pavimento do hall. Os varredores de ruas procediam à remoção
da carne putrefacta cujo fedor se fizera sentir tão
abominavelmente durante o nosso isolamento, e como as patas
do
cavalo, descarnadas pelos abutres, não cabiam no carro,
cortavam-nas à machadada fazendo voar os cascos, com ossos e
ferraduras, por entre nuvens de moscas verdes que
revolutavam
sobre o asfalto. No interior, regressados da revolução como
de
um estado de coisas normal, os criados colocavam os móveis
no
seu lugar e davam brilho aos puxadores das portas com peles
de
camurça. Mouche, aparentemente, saíra com a sua amiga.
Quando
ambas reapareceram, passado o toque de recolher, declarando
terem andado pelas ruas, perdidas entre a multidão que
celebrava o triunfo do partido vitorioso, tive a impressão
que
qualquer coisa de estranho se passava com elas. As duas
tinham
um não sei quê de fria indiferença perante tudo, de
suficiênciacomo de gente que regressasse de uma viagem a
domínios defendidos -, que não lhes era habitual. Eu
observara-as insistentemente para lhes surpreender algum
olhar
de entendimento; pesava cada frase dita por uma ou outra
parte, procurando-lhes um sentido oculto e revelador;
esperava
surpreendê-las com perguntas desconcertantes,
contraditórias,
mas sem o menor resultado. A minha prolongada frequência de
certos lugares, o meu alardeado cinismo, mostravam-me que
este
comportamento era grotesco. E, no
entanto, sofria de qualquer coisa muito pior que os ciúmes:
a
insuportável sensação de ter sido deixado de fora de umjogo
que por não ser mais do que isso se tornava detestável. Não
podia tolerar essa perfídia, a simulação, a representação
mental dessa «coisa» oculta e deliciosamente urdida nas
minhas
costas por um pacto entre duas fêmeas. De súbito, a minha
imaginação dava uma forma concreta às mais idiosas
possibilidades físicas e, apesar de me ter repetido mil
vezes
que era uma habituação dos sentidos e
não amor o que me unia a Mouche, sentia-me disposto a
comportar-me como um marido de melodrama. Eu sabia que
quando passasse a tormenta e confiasse essas torturas à
minha
amiga, ela encolheria os ombros, afirmando que era demasiado
ridículo para provocar a sua cólera, e atribuiria o machismo
de tais reacções à minha primeira educação, decorrida num
meio
hispano-americano. Mas uma vez mais, na quietude destas ruas
desertas, as suspeitas me assaltaram. Acelerei o passo para
chegar a casa quanto antes, ora com temor ora com desejo de
uma evidência. Mas lá o inesperado aguardava-me: havia uma
tremenda balbúrdia no estúdio, com muitos copos à mistura.
Três jovens artistas tinham chegado momentos antes,
fugindo, como nós, de um toque de recolher que os obrigava a
encerrarem-se nas suas casas a partir do fim da tarde. Era
tão
branco o músico, tão índio o poeta, tão negro o pintor, que
não pude deixar de pensar nos Reis Magos ao vê-los rodear a
cama-de-rede em que Mouche, preguiçosamente recostada,
respondia às perguntas que lhe faziam, como que
prestando-se a
uma espécie de adoração. O tema era um só: Paris. E eu
observava agora que estes jovens interrogavam a minha amiga
como os cristãos da Idade Média podiam interrogar o
peregrino
que regressava dos Lugares Santos. Não se cansavam de pedir
pormenores acerca de como era o físico de tal chefe de
escola
que Mouche se gabara de conhecer; queriam saber se
determinado
café era ainda frequentado por tal escritor; se dois outros
se
tinham reconciliado depois de uma polémica acerca de
Kierkegaard; se a pintura não-figurativa continuava a ter os
mesmos defensores. E quando o seu conhecimento de francês e
de
inglês não chegavam para entender tudo o que lhes contava a
minha amiga, eram olhares implorantes na direcção da pintora
canadiana para que se dignasse traduzir alguma anedota,
alguma
frase cuja preciosa essência se podia perder para eles.
Agora
que, tendo-me intrometido na conversa com a maligna
intenção de impedir Mouche de brilhar (eu interrogava esses
jovens sobre a história do seu país, os primeiros balbuceios
de sua literatura colonial, suas tradições populares), podia
observar como lhes era pouco agradável o desvio da conversa.
Perguntei-lhes então, para não deixar a palavra à minha
amiga,
se tinham experiência da selva. O poeta índio respondeu,
encolhendo os ombros, que nada havia para ver nesses sítios,
por mais longe que se andasse, e que tais viagens eram para
os
estrangeiros ávidos de coleccionar arcos e aljavas. "A
cultura" -afirmava o pintor negro, "não se encontrava na
selva". Segundo o músico, o artista actual não podia viver
senão onde o pensamento e a criação estivessem mais
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CAPÍTULO TERCEIRO
O Livro de Chilam-Balam
VIII
(11 de Junho)
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IX
(Mais tarde)
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primícias. Eu pensava que essas prostitutas
errantes, que vinham ao nosso encontro, introduzindo-se na
nossa época, eram primas das galdérias da Idade Média, das
que
iam de Bremen a Hamburgo, de Anvers a Gand, na altura das
feiras, para tratar dos maus humores de mestres e
aprendizes,
aliviando de passagem algum peregrino de Compostela, com a
permissão de elas beijarem a concha trazida de tão longe.
Depois de recolherem as suas coisas, as mulheres entraram na
sala de jantar do albergue com grande alvoroço. Mouche,
deslumbrada, convidou-me a segui-las, para observar melhor
os
seus vestidos e penteados. Ela, que até agora tinha
permanecido indiferente e sonolenta, estava como que
transfigurada. Há seres cujos olhos se iluminam quando
sentem
a proximidade do sexo. Insensível, queixosa desde a
véspera, a
minha amiga parecia reviver na primeira atmosfera turva que
se
lhe deparava. Declarando agora que essas prostitutas eram
formidáveis, únicas, de um estilo que se perdera, começou a
aproximar-se delas. Ao ver que se sentava num dos bancos do
fundo, junto de uma mesa que as recém-chegadas ocupavam,
procurando conversar por gestos com uma das mais vistosas,
Rosario olhou-me com surpresa, como querendo dizer-me alguma
coisa. Para evitar uma explicação que provavelmente não
entenderia, peguei na bagagem e fui à procura do nosso
quarto.
Sobre os muros do pátio dançava o resplendor das chamas.
Estava a fazer contas das últimas despesas quando me pareceu
que Mouche me chamava com voz angustiada. Pelo espelho do
armário via-a passar, no outro extremo do corredor,
parecendo
fugir de um homem que a perseguia. Quando cheguei ao pé
deles,
o homem agarrara-a pela cintura e
empurrava-a para dentro de um quarto. Ao agredi-lo com um
murro, voltou-se de repente e o seu golpe projectou-me sobre
uma mesa coberta de garrafas vazias que se despedaçaram ao
cair. Agarrei-me ao meu adversário e rebolámos no chão,
sentindo os vidros que se cravavam nas mãos e nos braços. Ao
cabo de alguns minutos de luta, em que o outro me deixou sem
forças, vi-me preso entre os seus joelhos, de costas no
chão,
sob dois grandes punhos que se erguiam para melhor cairem,
como uma maça, sobre o meu rosto. Naquele instante, Rosario
entrou no quarto, seguida pelo estalajadeiro. "Yannes!"
gritou, "Yannes!" Agarrado pelos pulsos, o homem levantou-se
lentamente, como que envergonhado pelo seu acto. O
estalajadeiro explicava-lhe qualquer coisa que, devido à
minha
excitação nervosa, não consegui ouvir. O meu adversário
parecia humilde; agora falava-me num tom comovido: "Eu não
sabia... Equívoco... Devia dizer tinha marido". Rosario
limpava-me a cara com um pano embebido em rum: "A culpa foi
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XII
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Primus ex apostolis
Martir Jerosolimis
Jacobus egregio
Sacer est martirio.
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XV
(Sábado, 16 de Junho)
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de uma comprida vara, a barca avançava agora rio acima,
bordejando um pouco para se esquivar ao poderoso ímpeto da
corrente. Sobre a vela triangular, vela de galera antiga,
bastante afastada do mastro, reflectiam-se as luzes do
poente. Nesta antecâmara da selva, a paisagem
apresentava-se simultaneamente solene e sombria. Na margem
esquerda, viam-se colinas negras, de argila xistosa,
estriadas
de humidade, ressumando uma avassaladora tristeza. Nas
suas faldas, jaziam blocos de granito em forma de
sáurios, de antas, de animais petrificados. Uma mole de três
corpos erguia-se na quietude de um estuário com aspecto de
cenotáfio bárbaro, rematada por uma formação oval que se
assemelhava a uma gigantesca rã prestes a saltar. Tudo
transpirava a mistério naquela paisagem mineral, quase
orfã de árvores. De quando em quando, surgiam amontoados
basálticos, monólitos quase rectangulares, caídos entre
arbustos escassos e dispersos, que lembravam ruínas de
templos antiquíssimos, de dólmens e menhires - restos de uma
necrópole perdida, onde tudo era silêncio e imobilidade. Era
como se uma civilização estranha, de homens distintos dos
que
conhecemos, tivesse florescido ali, deixando, ao perder-se
na
noite dos tempos, os vestígios de uma arquitectura criada
com
fins ignorados. E acontece que uma geometria cega viera a
intervir na dispersão dessas lajes erguidas ou tombadas
que desciam em diversas filas até ao rio: filas
rectangulares,
filas planas, em linha recta ,
filas mistas, unidas entre si por caminhos de ladrilhos
pontuados de obeliscos rachados. Havia ilhas, no meio da
corrente, que se assemelhavam a amontoados de blocos
errantes,
como punhados de inconcebíveis pedregulhos deixados um pouco
por toda a parte por um fantástico despedaçador de
montanhas.
E cada uma dessas ilhas reavivava em mim o peso latente de
uma
ideia fixa - deixada pelos parcos esclarecimentos de
Rosario.
Finalmente, com um ar distraído acabei por perguntar pela
ilha
da missão abandonada. "É Santa Prisca", disse frei Pedro,
com
um ligeiro rubor. "Deviam chamar-lhe São Príapo" (*),
galhofou
daí a pouco o Adiantado
por entre as gargalhadas dos seringueiros. Soube assim que,
hájá alguns anos, as paredes arruinadas do antigo centro
franciscano tinham passado a albergar os pares que, no
povoado, não achavam lugar onde pudessem entregar-se aos
prazeres da carne. E tinham sido tantas as fornicações que
se
sucederam naquele lugar - afirmava o timoneiro - que o
simples
facto de se aspirar o odor
(Noite de sábado)
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XVII
(Domingo, 17 de Junho)
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a fidelidade ao varão, o respeito pelos pais, a rectidão de
procedimento, a palavra dada, a honra que obrigava e as
obrigações que honravam eram valores constantes, eternos,
impossíveis de ignorar, que excluiam qualquer
possibilidade de discussão. Faltar a certas leis era perder
o
direito à estima alheia, ainda que matar por honradez não
constitua uma culpa maior. Como nos mais clássicos dos
teatros, as personagens eram, neste grande cenário presente
e
real, as talhadas numa peça em que entravam o Bom e o Mau, a
Esposa Exemplar e a Amante Fiel, o Vilão e o Amigo Leal, a
Mãe
Digna ou Indigna. As canções ribeirinhas cantavam, em
décimas
de romance, a trágica história de uma esposa violada e morta
de vergonha e a fidelidade da zambo (*) que, durante dez
anos,
esperou o regresso do marido que todos consideravam que
tinha
sido comido pelas formigas, no mais remoto da selva. Era
evidente que Mouche estava a mais em tal cenário, coisa que
eu
devia reconhecer, a menos que renunciasse a toda a
dignidade, a partir do momento em que tinha sido avisado da
sua ida à ilha de Santa Prisca, na companhia do grego. No
entanto, agora que ela tinha sido prostrada pela crise
palúdica, o seu regresso implicava o meu - o que equivalia a
renunciar à minha única obra, a regressar endividado, de
mãos
vazias, envergonhado perante a única pessoa cuja estima me
era
preciosa. E tudo isto por cumprir uma louca função de
escolta junto de um ser que agora me aborrecia. Adivinhando
talvez a causa da tortura que certamente se reflectia no meu
semblante, Montsalvatje proporcionou-me o mais providencial
dos alívios, dizendo que não haveria inconveniente em levar
Mouche, amanhã. Levá-la-ia até onde ela pudesse aguardar-me
com toda a comodidade: forçá-la a ir mais longe, débil como
estaria depois do primeiro acesso, era pouco menos que
impossível. Ela não era mulher para tais andanças. Anima,
vagula, blandula - concluiu ironicamente. Respondi-lhe com
um
abraço. A Lua voltou a erguer-se. Além, ao pé de uma
pedra grande o fogo que reuniu os homens às primeiras horas
da
noite. Mouche suspira mais do que respira e o seu sono
febril
povoa-se de palavras que mais parecem estertores e
rouquidão.
Uma mão pousa sobre o meu ombro: Rosario senta-se a meu
lado,
na esteira, sem falar. Compreendo, contudo, que está
iminente
uma explicação, e espero em silêncio. O grasnar de um
pássaro
que voa na direcção do rio, despertando as cigarras do
tecto,
parece decidi-la. Começando com uma voz tão tímida que mal a
oiço, conta-me aquilo de que suspeito demasiado.
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XVIII
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CAPÍTULO QUARTO
Popol-Vuh
XIX
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XX
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XXI
(Tarde de terça feira)
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XXII
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mim, amassando o casabe (*), havia várias índias com o peito
nu, com o sexo apenas escondido por uma tanga branca,
amarrada
à
cintura com um cordão passado por entre as nádegas. Das
paredes de
folhas de palmeira, pendiam arcos e flechas de pesca e de
caça, zarabatanas, aljavas com dardos envenenados,
recipientes
de curare, e umas paletas em forma de espelho de mão que
serviam - saberia depois - para a maceração de uma semente
dispensadora de embriaguez, cujos pós se aspiravam por
canudos
feitos com esternos de pássaros. Em frente à entrada, entre
ramos ensarilhados, três grandes peixes vermelho-violeta
tostavam sobre um leito de brasas. As nossas redes, postas a
secar, recordaram-me porque dormíamos no chão. Com o corpo
um
pouco dorido saí da churuata, olhei, e parei estupefacto,
com
a boca cheia de exclamações que nada podiam livrar-me do meu
assombro. Além, atrás das
árvores gigantescas, erguiam-se enormes volumes de pedras
negras, enormes, maciças, com flancos verticais, como
tiradas
com prumo, que eram presença e verdade de monumentos
fabulosos. A minha memória tinha de ir ao mundo do Bosco, às
Babéis imaginárias dos pintores do fantástico, dos mais
alucinados ilustradores de tentações de santos, para
encontrar
qualquer coisa de semelhante ao que estava a contemplar. E
mesmo quando encontrava uma analogia, tinha de renunciar a
ela, por uma questão de proporções. Isto que agora olhava
era
qualquer coisa como uma cidade titânica - cidade de
edificações múltiplas e espaçadas -, com escadarias
ciclópicas, mausoléus metidos nas nuvens, esplanadas imensas
dominadas por estranhas fortalezas de obsidiana, sem ameias
nem bombardeiras, que pareciam estar ali para defender a
entrada de algum reino proibido ao homem. E além, sobre
aquele
fundo de cirros, afirmava-se a Capital das Formas: uma
incrível catedral gótica, com uma milha de altura, com as
duas
torres, a nave, a ábside e notaréus, erguida sobre um
penhasco
cónico feito de uma matéria estranha, com sombrias irisações
de hulha. Os
campanários eram varridos por névoas espessas que se
atorvelinhavam ao ser rompidas pelos gumes do granito. Nas
proporções daquelas Formas rematadas por vertiginosos
terraços, flanqueados por tubos de órgão, havia algo tão
fora
do real - morada de deuses, tronos e escadarias destinados à
celebração de algum Juízo Final - que o espírito, pasmado,
não
procurava a menor interpretação daquela desconcertante
arquitectura telúrica, aceitando sem raciocinar a sua beleza
vertical e inexorável. O Sol, agora, punha reflexos de
mercúrio sobre o impossível templo mais pendurado
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147
XXIII
XXIV
(Sábado, 23 de Junho)
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CAPÍTULO QUINTO
Salmo 119
XXV
(Domingo, 24 de Junho)
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-, o seu filho Marcos, então adolescente, deixou-o atónito
ao
contar-lhe a história do Dilúvio Universal. Na sua ausência,
os índios tinham ensinado ao moço que aqueles
petróglifos que contemplávamos agora, foram traçados em dias
de gigantesca crescente, quando o rio crescera até ali, por
um
homem que, ao ver subir as águas, salvou uma parelha de cada
espécie animal numa grande canoa. E depois choveu durante um
tempo que podia ter sido de quarenta dias e quarenta noites,
ao fim do qual, para saber se a grande inundação acabara,
despachou uma rata que
voltou para ele com uma maçaroca de milho entre as patas. O
Adiantado não quis ensinar a história de Noé -por ser
patranha
- aos seus filhos; mas ao ver que a sabiam sem outra
variante
que a de uma rata posta em lugar de pomba, e uma maçaroca de
milho em lugar do ramo de oliveira, confiou o segredo desta
cidade nascente a frei Pedro, a quem considerava um homem,
porque era dos que viajavam sozinhos por regiões
desconhecidas
e sabia fazer curas e distinguir as ervas. "Já que ao fim e
ao
cabo lhes contarão as mesmas histórias, que as aprendam
como eu as aprendi". Pensando nos Noés de tantas religiões,
ocorre-me objectar que o Noé índio parece-me mais ajustado à
realidade destas terras, com a maçaroca de milho, do que a
pomba com o seu ramo de oliveira, já que ninguém nunca viu
uma
oliveira na selva. Mas o frade
interrompe-me abruptamente, com tom agressivo,
perguntando-me
se esqueci o facto da Redenção: "Alguém morreu pelos que
nasceram aqui, e era mister que a notícia lhes fosse dada".
E
atando dois ramos em cruz com uma liana, planta-a de modo
quase raivoso, no lugar onde começará a erguer-se, amanhã, a
choça redonda que será o primeiro templo da cidade de
Henoch.
"Além disso, vem semear cebolas", adverte-me o Adiantado à
guisa de desculpa.
XXVI
(27 de Julho)
Amanhece sobre as Grandes Mesetas. As névoas da noite
permanecem entre as Formas, estendendo véus que se
adelgaçam e
aclaram quando a luz se reflecte num alcantilado de granito
rosa e desce ao nível das imensas sombras recostadas. Ao pé
dos paredões verdes, cinzentos, negros, cujos cumes parecem
diluir-se entre brumas, os fetos sacodem o leve aquilão que
os
aformoseia.
161
assomado a um vão em que apenas se poderia esconder uma
criança, contemplo uma vida de líquenes, de musgos de
pigmentos, de
ferrugens vegetais, que é, em escala minúscula, um mundo tão
complexo como o da grande selva de baixo. Há tanta vegetação
diferente, num palmo de humidade, quantas as espécies que
disputam além o espaço que deveria ser suficiente para uma
árvore. Este plâncton da terra é como uma pátina que se
torna
espessa ao pé de uma cascata caída de muito alto, cujo
constante fervor de espumas cavou um reservatório na rocha.
Aqui é onde tomamos banho nus, os da Parelha, em água que se
agita e corre, brotando de altos já iluminados pelo Sol,
para
cair em branco verde, e derramar-se, mais abaixo, em caudais
que as raízes do tanino tingem de ocre. Não há alarde, não
há
fingimento edénico, nesta nudez limpa,
muito diferente daquela que arqueja e se vence nas noites da
nossa choça, e que libertamos aqui com uma espécie de
travessura,
espantados por ser tão agradável sentir a brisa e a luz em
partes do corpo que a gente de além morre sem ter exposto
alguma vez ao ar livre. O Sol enegrece-me a franja das ancas
às coxas que os nadadores do meu país mantêm brancas, ainda
que se tenham banhado em mares de sol. E o Sol entra-me pelo
meio das pernas, aquece-me os testículos, trepa para a minha
coluna vertebral, rebenta-me pelos peitorais, escurece as
minhas
axilas, cobre a minha nuca de suor, possui-me, invade-me, e
sinto que no seu ardor endurecem-se os meus canais seminais
e
volto a ser a tensão e o latejar que as obscuras pulsações
de
entranhas caladas no mais profundo procuram, sem encontrar
limite para um desejo de me integrar que se torna nostalgia
do
útero. E imediatamente, é a água outra vez, em cujo fundo
desembocam mananciais gelados que vou buscar com a cara,
metendo as mãos numa areia grossa, que é como limalha de
mármore. Mais tarde virão os índios e banhar-se-ão em pêlo,
sem outro vestuário que não seja as mãos abertas sobre o
pénis. E ao meio-dia será frei Pedro, sem sequer cobrir os
pêlos brancos do seu sexo, ossudo e enxuto como um São João
pregando no deserto... Hoje tomei a grande decisão de não
regressar para além. Tratarei de aprender os simples ofícios
que se praticam em Santa Mónica de los Venados e que já se
ensinam a quem observe as obras da edificação da sua igreja.
Vou subtrair-me ao destino de Sísifo que o mundo de onde
venho
me impôs, fugindo das profissões insignificantes, do girar
do
esquilo preso em tambor de arame, do tempo medido e dos
ofícios de trevas. As segundas-feiras deixarão de ser, para
mim, segundas-feiras de cinza, nem haverá motivo para
lembrar
que a segunda-feira é segunda-feira, e a pedra que eu
carregava será de quem quiser dobrar-se ao seu peso inútil.
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163
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XXVII
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168
XXVIII
Sentado atrás de uma mesa estendida de esteio a esteio,
tendo ao alcance da mão um caderno escolar em cuja capa se
lê:
Caderno de... Pertencente a... quase nu por causa do calor
que
acentuou muito nestes últimos dias, o Adiantado está a
legislar, em presença de frei Pedro, do Capitão de Índios e
de
Marcos, que é o Responsável da Horta. Gavião está sentado ao
lado do seu amo, com um osso guardado entre as patas
traseiras. Trata-se de chegar a um certo número de acordos
em
proveito da comunidade e deixá-los consignados por escrito.
Tendo comprovado que, na sua ausência, se caçaram corças, o
Adiantado institui a proibição absoluta de matar o que chama
«o veado fêmea e ruminantes, salvo força
maior de fome, e mesmo assim, o levantamento da interdição
será objecto de uma disposição de emergência, submetida ao
critério dos presentes. A emigração de certas manadas, a
caça
descontrolada, a acção das feras, diminuiram a existência do
veado vermelho na comarca, justificando-se a medida». Depois
de todos terem jurado acatá-la e respeitá-la, a Lei fica
assentada no Livro de Actas do Cabido e passa-se a
considerar
uma questão de obras públicas. Aproxima-se a época das
chuvas,
e Marcos informa que os canteiros feitos
169
170
Pobre é a minha história quanto a perigos enfrentados - se
deixarmos de lado a tormenta dos caudais. Mas, em troca,
encontrei em toda a parte a solicitação
inteligente, o motivo de meditação, formas de arte, de
poesia,
mitos, mais instrutivos para compreender o homem do que
centenas de livros escritos nas bibliotecas por homens
jactanciosos de conhecer o Homem. Não só o Adiantado fundou
uma cidade, como sem o
suspeitar, está a criar, dia a dia, uma polis que acabará
por
se apoiar num código assentado solenemente no Caderno de...
Pertencente a... E chegará um momento em que terá de
castigar
severamente quem matar o animal vedado, e bem vejo que então
este homenzinho de fala pausada, que nunca levanta a voz,
não
vacilará em condenar o culpado a ser expulso da comunidade
e a
morrer de fome na selva, a não ser que institua qualquer
castigo impressionante e espectacular, como aquele dos povos
que condenam o parricida a ser lançado ao rio, fechado num
saco de couro com um cão e uma víbora. Pergunto ao Adiantado
que faria se
visse aparecer em Santa Mónica, imediatamente, um
pesquisador
de ouro, daqueles que mancham qualquer terra com a sua
febre.
"dava-lhe um dia para se ir embora", responde-me. "Este não
é
lugar para essa gente", sublinha Marcos, com um súbito
acento
de rancor na voz. E fico a saber que o mestiço foi além, há
algum tempo, contra a vontade do pai, mas dois anos de maus
tratos e humilhações por parte daqueles de quem se queria
aproximar,
amistoso, dócil, fizeram-no regressar um dia com ódio a
tudo o
que viu no mundo recém-descoberto. E mostra-me, sem
explicações, as marcas dos grilhões que lhe rebitaram num
remoto posto fronteiriço. Agora, pai e filho calam-se; mas
por
trás daquele silêncio adivinho que ambos aceitam sem
reticências uma dura possibilidade criada pela Razão de
Estado: a do Pesquisador, empenhado em regressar ao Vale das
Mesetas, e que nunca voltará da segunda viagem - "por se ter
perdido na selva", julgarão logo aqueles que possam
interessar-se pelo seu destino. Isto acrescenta um tema de
reflexão aos muitos que compartem o meu espírito a todos os
momentos. E é que depois de vários dias de uma tremenda
preguiça mental, durante os quais fui um homem físico,
alheio
a tudo o que não fosse sensação, queimar-me ao Sol,
divertir-me com
Rosario, aprender a pescar, habituar-me a sabores de uma
desconcertante novidade para o meu paladar, o meu cérebro
pôs-se a trabalhar, como depois de um repouso necessário,
num
ritmo
impaciente e ansioso. Há manhãs em que gostaria de ser
naturalista, geólogo, etnógrafo, botânico, historiador, para
compreender tudo, anotar tudo, explicar na medida do
possível.
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Diz-me que junte as minhas coisas para partir com eles sem
demora, pois a chuva começa outra vez a ameaçar e só estão à
espera de que a bruma
liberte o topo de uma meseta para porem o motor em marcha.
Faço um gesto de recusa. Mas nesse mesmo momento soa dentro
de
mim, com festiva e enérgica sonoridade, o primeiro acorde da
orquestra do Cântico Fúnebre. Recomeça o drama da falta de
papel para escrever. E vem a seguir a ideia do livro, da
necessidade de alguns livros. Pois em breve se me tornará
imperioso o desejo de trabalhar no Prometheus Unbound - Ah,
me! Alas, pain, pain ever,,for ever! O piloto volta a falar,
de costas para mim. E aquilo que diz, que é sempre o mesmo,
desperta em mim a lembrança de outros versos do poema: I
heard
a sound of voices; not the voice which I grave, forth (*). O
idioma dos homens do ar, que foi o meu idioma durante tantos
anos, colide esta manhã na minha mente com o idioma
original -
o da minha mãe, o de Rosario. Mal
consigo pensar em espanhol, como tinha voltado a fazer,
perante a sonoridade de vocábulos que lançam a confusão no
meu
espírito. No entanto, não me quero ir embora. Mas admito que
careço aqui de algumas coisas que se podem resumir em duas
palavras: papel, tinta. Consegui chegar a prescindir de tudo
aquilo que me era habitual noutros tempos: abandonei
objectos,
sabores, telas, prazeres, como quem se liberta de um lastro
desnecessário, acabando por alcançar a suprema simplicidade
da
rede, do corpo lavado com cinza e do prazer sentido em roer
espigas assadas na brasa. Mas não posso ter falta de papel e
tinta: de coisas que se expressam ou podem expressar-se
através do papel e da tinta. A três horas daqui há papel e
tinta, há livros feitos de papel e tinta, há cadernos, há
resmas de papel, há frasquinhos, garrafas, garrafões de
tinta.
A três horas daqui... Olho para Rosario. Há no seu semblante
uma expressão fria e ausente, que não expressa desgosto,
angústia ou dor. É inegável que se dá conta da minha
indecisão, pois os seus olhos, que evitam os meus, exibem um
ar duro, altivo, de quem quer demonstrar perante todos que
em
nada lhe importa aquilo que possa acontecer. Nesse interim,
chega Marcos com a minha velha mala de mão enverdecida pelos
fungos. Volto a fazer um gesto de recusa, mas a minha mão
abre-se para receber os Cadernos de... Pertencentes a... que
nelas colocam. A voz do piloto, a quem muito deve agradar a
recompensa oferecida, soa energicamente para me apressar. O
mestiço sobe agora ao avião, levando consigo os instrumentos
musicais que deveriam estar na posse do Curador. Começo por
lhe dizer que não, mas depois acabo por
192
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CAPÍTULO SEXTO
XXXIV
(18 de Julho)
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coisas. Aquilo que venderei será, pois, uma patranha que fui
imaginando durante a viagem: prisioneiro de uma tribo mais
desconfiada do que cruel, consegui evadir-me, percorrendo
sozinho centenas de quilómetros através da selva; por fim,
perdido e esfomeado, cheguei à «missão» onde me encontraram.
Tenho na minha pasta uma novela famosa de um escritor
sul-americano, onde são mencionados nomes de animais e de
árvores, referindo-se a lendas indígenas, acontecimentos
antigos, e tudo o necessário para dar um ar de veracidade ao
meu relato. Receberei pela minha prosa e, com uma soma de
dinheiro que pode assegurar a Ruth uns três anos de vida
aprazível, proporei o meu divórcio com menos remorsos.
Porque
é indiscutível que o
meu caso se agravou, no plano moral, com esta dúvida acerca
da
sua gravidez -gravidez que explicaria a sua brusca deserção
do
teatro e a necessidade de se aproximar de mim. Sinto que
terei
de combater a mais terrível das tiranias: a que os que amam
costumam exercer sobre a pessoa que não quer ser amada,
ajudados pela tremenda força de uma ternura e uma humildade
que desarmam a violência e acalmam as palavras de repúdio.
Não
há pior adversário, numa luta como a que vou travar, do que
aquele que aceita todas as culpas e pede perdão antes que
lhe
indiquem a porta.
Logo que desço as escadas do avião, a boca de Ruth vem ao
meu encontro e o seu corpo procura-me na inesperada
intimidade
criada pelos casacos abertos, que se tornam num só de ambos
os
lados dos nossos corpos; reconheço o contacto dos seus
seios e
do ventre sob o fino tecidos que os cobre e há logo um
prorromper de soluços sobre o meu ombro. Estou cego pelos
mil
relâmpagos que são como espelhos partidos ao entardecer do
aeródromo. Porém, chega logo o Curador, que me abraça
emocionado; chega também a delegação da Universidade,
encabeçada pelo Reitor e os Decanos das Faculdades; vários
altos funcionários do governo e do município, o director do
jornal - também não estava lá Extieich com o pintor das
cerâmicas e a bailarina? - e, finalmente, o pessoal do meu
estúdio de sincronização, com o presidente da empresa e o
comissário de relações públicas - já completamente ébrio. De
entre a confusão e o atordoamento que me envolvem, vejo
surgir, como que vindos de muito longe, rostos quejá
esquecera: rostos de tantos e tantos que convivem
estreitamente connosco durante anos, pela prática comum de
um
ofício ou a concorrência obrigatória numa área de trabalho e
que, sem dúvida, pouco depois de deixarem de se ver,
desaparecem com os seus nomes e o som das palavras que
pronunciavam. Escoltado por esses espectros, encaminho-me
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e subtil que fora produzida na época cai para mim em
descrédito com os seus arsenais de falsas maravilhas. O
cheiro
peculiar deste apartamento devolve-me a uma vida que não
quero
viver segunda vez... Ao entrar, Ruth inclinara-se para
apanhar
um recorte de jornal que alguém - decerto um
vizinho -metera por baixo da porta. Agora parece que a sua
leitura lhe causa uma crescente surpresa. Agrada-me esta sua
distracção que retarda os temidos gestos de carinho,
dando-me
tempo de pensar o que vou dizer-Lhe quando tomar uma atitude
mais violenta e se aproximar com os olhos chamejantes de
ira.
Dá-me o recorte do jornal e estremeço ao ver uma fotografia
de
Mouche em colóquio com um jornalista conhecido pela
exploração
do escândalo. O título do artigo fala de revelações acerca
da
minha viagem. O seu autor relata uma conversa tida com
aquela
que fora minha amante. Esta declarou-lhe da forma mais
surpreendente que foi minha colaboradora na selva: segundo
as
suas palavras, enquanto eu estudava os instrumentos
primitivos
do ponto de vista organográfico, ela considerava-os sob o
aspecto astrológico -pois, como é sabido, muitos povos da
antiguidade relacionaram as suas escalas com uma hierarquia
planetária. Com uma intrepidez aterradora, cometendo erros
ridículos para qualquer especialista, Mouche fala da «dança
da
chuva» dos índios Zunis, com a sua espécie de sinfonia
elementar em sete movimentos; cita rajás indostânicos,
menciona Pitágoras, com exemplos devidos, obviamente, à
amizade com
Extieich. E é hábil, apesar de tudo, já que com este
desenrolar de falsa erudição trata de justificar, aos olhos
do
público, a sua presença a meu lado na viagem, fazendo
esquecer
a verdadeira índole das nossas relações. Apresenta-se como
uma
estudiosa da astrologia que se aproveita da missão confiada
a
um amigo para se aproximar das noções cosmogónicas dos
índios
mais primitivos. Termina o seu relato afirmando que
abandonou
voluntariamente a empresa, durante a qual fora atacada de
paludismo, regressando na canoa do doutor Montsalvatje. Nada
mais disse, ciente de que isto basta para que os
interessados
entendam o que devem entender: na realidade, está a
vingar-se
da minha fuga com Rosario e do grandioso papel que a opinião
pública atribuiu à minha mulher. E aquilo que não disse
deduziu-o o jornalista com maldosa ironia: Ruth empenhou a
nação inteira no resgate de um homem que, na realidade, foi
para a selva com uma amante. O aspecto equívoco da história
ficava evidenciado pelo silêncio de quem, agora, saía da
sombra com o mais pérfido oportunismo. Subitamente, o
sublime
teatro conjugal da minha mulher afundava-se no ridículo. E
ela
olhava-me, nesse instante, com um ódio que era mais
significativo
do que quaisquer palavras; o seu rosto parecia feito da
matéria gípsea das máscaras trágicas e a boca, imobilizada
num
trejeito sardónico, deixava ver os dentes - era defeito que
muito ocultava - em arco demasiado fechado. Enterrara as
suas
mãos crispadas na cabeleira, como que em busca de apertar ou
partir algo. Compreendi que me devia antecipar ao explodir
de
uma cólera que já não era possível conter-se e precipitei a
crise revelando de súbito tudo aquilo que só pensara dizer
alguns dias mais tarde, quando apoiado pela abjecta mas
inegável força do dinheiro. Atribuí as culpas ao teatro, à
sua
vocação sobreposta a tudo, à separação
física, ao absurdo de uma vida conjugal reduzida à
fornicação
do sétimo dia. E movido pela vingativa necessidade de
juntar o
pormenor ao revelado, disse-lhe como a sua carne, um belo
dia,
me parecera distante; como a sua pessoa se transformara,
para
mim, na mera imagem do dever que se cumpre para evitar os
transtornos que uma ruptura, aparentemente injustificada,
durante algum tempo acarreta. Falei-lhe então de Mouche, dos
nossos primeiros encontros, do seu estúdio decorado com
figuras astrais, onde, pelo menos, encontrara algo de
juvenil
desordem, de alegre impudor um tanto animalesco, que, para
mim, era inseparável do amor físico. Ruth, caída sobre a
carpete, arquejante, com todas as veias do rosto desenhadas
a
verde, apenas conseguia dizer-me, numa espécie de estertor
lamentoso, como que querendo chegar quanto antes ao fim de
uma
operação insuportável: "Continua... Continua... Continua".
Mas eu estava então a contar-lhe o meu desprendimento de
Mouche, o meu presente asco pelos seus vícios e mentiras, o
meu desprezo pelo significado das falácias da sua vida, a
sua
tarefa de enganar e o contínuo atordoamento dos seus amigos
enganados pelas ideias enganosas de outros enganados - pois
agora via tudo aquilo com outros olhos, como que tivesse
voltado com a vista renovada, de uma longa viagem por terras
de verdade. Ruth pôs-se de joelhos para me ouvir melhor. E a
certa altura vi nascer no seu olhar o perigo de uma
compaixão
demasiado fácil, de uma generosa indulgência que de modo
algum
queria aceitar. O seu rosto ia-se suavizando de compreensão
humana, perante a debilidade castigada, e em breve estaria
disposta a ajudar o pecador, dando-lhe o seu perdão
soluçante
e magnânimo. Por uma porta aberta, via a sua cama demasiado
arranjada, com os melhores lençóis, as flores na mesinha de
cabeceira, as minhas pantufas ao lado das dela, como
antecipação de um abraço previsto, ao qual não faltaria a
reconfortante conclusão de uma agradável refeição que devia
estar algures no apartamento, com os seus vinhos a esfriar.
O
perdão estava tão próximo que julguei chegado o
200 201
202
XXXV
(Mais tarde)
203
204 205
XXXVI
(20 de Outubro)
206 207
208
210 211
XXXVII
(8 de Dezembro)
212 213
214
215
XXXVIII
(9 de Dezembro)
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XXXIX
(30 de Dezembro)
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224
NOTA
Embora o local onde decorre a acção dos primeiros capitulos
do presente livro não necessite de maior indicação, embora a
capital latino-americana, as cidades de provincia que
aparecem
mais adiante, sejam meros protótipos aos quais não foi dada
uma situação precisa, já que os elementos que os integram
são
comuns a muitos países, O autor julga necessário esclarecer
para satisfazer qualquer curiosidade leegitima, que a partir
do lugar chamado Puerto Anunciación, a paisagem cinge-se a
imagens muito precisas de lugares pouco conhecidos e apenas
fotografados - se é que alguma vez o foram. O rio descrito
que, a princípio, podia ser qualquer grande rio da América,
torna-se, muito claramente, o Orenoco no seu curso
superior. O
lugar da mina dos gregos poderia situar-se não muito longe
da
confluência do Vichada. A passagem com a tripla incisão em
forma de V, que assinala a entrada da passagem secreta,
existe, efectivamente, com o Sinal, à entrada do Ribeiro da
Guacharaca, situado a umas duas horas de navegação, mais
acima
do Tiichada: conduz, sob abóbadas de vegetação, a uma aldeia
de indiosgaibas i que tem o seu atracadouro numa enseada
oculta.
A tempestade acontece num lugar que pode ser o Caudal del
Muerto. A Capital das Formas é o Monte Autana, com o seu
perfil de catedral gótica. A partir dessa jornada, a
paisagem
do Alto Orenoco e do Autana é substituida pela da Grande
Savana, cuja imagem é dada em várias passagens dos capitulos
III e IV. Santa Mónica de Los Venados corresponde ao que
Santa
Elena del GUarirén pode ter sido durante os primeiros anos
da
sua fundação, quando o modo mais fácil de chegar à
incipiente cidade era uma subida de sete dias, partindo do
Brasil, ao longo de uma torrente tumultuosa.
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