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Ensaios
contratar um paparazzi para uso pessoal. Além de acariciar
Celebridade para todos: a impagável sensação de ser famoso — porque o cliente não
Um antídoto contra a solidão? sabe exatamente quando será fotografado nem conhece
o profissional em questão —, o serviço permite que, depois,
Paula Sibilia o sujeito se veja a si próprio nas fotos como os demais o
enxergam em sua vida cotidiana. E como o público o admi-
O que significa ter uma experiência? Em 1933, o filósofo raria na mídia, caso ele fosse digno de tais esplendores.
Walter Benjamin escreveu um lúcido e contundente en-
saio, no qual constatava algo terrível: após as vertigens que Ser visto para confirmar que existo “Sem poses nem artifí-
tomaram conta das paisagens urbanas e rurais no século cios”, explicam os paparazzi de aluguel, “a câmera captura a
XIX, na correnteza da modernização do mundo, nossa ca- beleza natural de cada pessoa”. A julgar pelos depoimentos
pacidade de vivenciar experiências teria se empobrecido. dos usuários e pelas citações da sua repercussão midiática,
A voracidade industrialista teria atropelado as condições o produto à venda parece fazer certo sucesso. Até que nem
que permitiram aos narradores pré-modernos colocar em surpreende tanto assim, pois ser famoso tem se tornado
circulação os relatos da tradição coletiva. Portanto, traduzir uma das metas mais ambicionadas por boa parte da popu-
o real em narrativas teria se tornado inviável num universo lação global. E o que essa empresa vende é mais ou menos
arrasado pelo frenesi das novidades, com uma aluvião de isso, ou pelo menos ela oferece a possibilidade de se ter a
dados que em sua rapidez incessante não se deixam digerir “experiência” de algo assim. A ideia é que o cliente possa se
pela memória nem se recriar pela lembrança. Toda essa agi- sentir uma estrela por meio dessa singela artimanha, mes-
tação teria gerado uma perda das possibilidades de refletir mo que mais não seja durante um único e grandioso dia.
sobre o mundo, bem como um inevitável distanciamento Por que não se permitir, então, brincar de ser uma dessas fi-
com relação às próprias vivências e uma impossibilidade guras fascinantes que irradiam seu encanto nas revistas de
de transformá-las em experiência. celebridades? Aquelas que não só enfeitiçam os especta-
E agora, o que acontece? Na primeira década do século XXI, dores nas telas do cinema e da televisão, mas também
nossa vida cotidiana se encontra ainda mais atiçada pela ló- costumam aparecer nos programas e nas publicações de
gica veloz da informação, aquele turbilhão denunciado pelo fofocas, seja fazendo compras por trás de um enorme par
filósofo alemão como o responsável pela morte do narrador de óculos escuros ou andando pela rua sem maquiagem
e, junto com ele, a agonia da experiência. Quase oitenta nem vestes dignas do tapete vermelho. Ou, quem sabe, um
anos depois dessa trágica constatação, porém, a palavra dia de mais sorte, arrumando algum escândalo na saída de
“experiência” aparece por toda parte. O termo foi apropria- uma boate ou numa praia longínqua com escassas roupas
do pelo mercado, pela publicidade e pelo marketing, que e companhias inesperadas.
expelem convites sedutores para que o prezado consumidor Agora existe a democrática possibilidade de adquirir ta-
sucumba à tentação de comprar tal experiência única ou manha experiêcia. Portanto, aqueles desventurados que
aquela outra ainda mais extraordinária. Na internet, por não costumam despertar o menor interesse desse tipo
exemplo, a empresa MethodIzaz oferece a possibilidade de de fotógrafos e, portanto, suas rotinas diárias raramente
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