Dinheiro, mercadoria e Estado nas origens da sociedade moderna
Pedro Rocha de Oliveira
Apresentação Geral
A experiência social contemporânea tem mostrado com insistência o caráter violento da
socialização capitalista. Os ditames do mercado esmagam as pessoas através de condições destrutivas de trabalho, de moradia, de alimentação; elites internacionais submetem populações inteiras ao extermínio pela miséria ou pela guerra enquanto depredam recursos naturais; a concentração de riqueza e de capacidade repressiva tornam o policiamento militarizado e o encarceramento em massa expedientes normais de governo, enquanto as decisões administrativas passam crescentemente ao largo das necessidades das pessoas comuns. O objetivo deste livro é mapear a origem histórica dessas formas específicas de violência social, em especial na medida que estão baseadas na mercadoria, no dinheiro e no Estado, entendidos enquanto estruturas sociais de mediação e controle da vida. Trata-se de uma investigação sobre as origens da sociedade moderna propriamente dita, empreendida através da análise de processos econômicos e políticos que tiveram lugar no berço do Capitalismo: a Inglaterra, entre o final do século XV e o início do século XVII. O foco de nossa atenção são as multifacetadas transformações sociais que possibilitaram a monetarização, por um lado, e implicam, por outro, a concentração de poderio político e econômico, destruindo a possibilidade da produção para subsistência nas comunidades aldeãs e desarticulando-as enquanto espaços de organização material autônoma a nível local. Sem assumir conhecimento especializado por parte do leitor, e reconhecendo a escassez de material em português sobre o período, o livro adota uma linguagem não-técnica, e aposta na compreensão de fenômenos que, devidamente entendidos, lançam luz simultaneamente sobre o passado e o presente. Esse esforço de interpretação histórica beneficia-se de literatura atualizada, baseada em documentação ampla, que fornece material para a compreensão dos violentos mecanismos econômicos, políticos e jurídicos de expropriação da terra, mercadorização social e concentração de poder estatal, bem como da concertada relação entre a Coroa e as elites cujos interesses e poderio impulsionaram as transformações sociais que estão na origem do sistema capitalista. E embora a inspiração fundamental desse trabalho seja o conceito de “Acumulação Primitiva de Capital”, exposto por Karl Marx no famoso Capítulo 24 do Livro 1 do Capital, este livro não se dedica a questões técnicas do marxismo, mas transita por diferentes perspectivas teóricas para iluminar o período histórico em questão com o máximo de detalhe e clareza possíveis. No Capítulo 1, traçamos um mapa da estrutura da sociedade inglesa através do exame das capacidades políticas e funções econômicas do campesinato, da aristocracia, da Coroa, da Igreja e das cidades. No Capítulo 2, partindo dessa estrutura de distribuição de poder, analisamos os impactos econômicos e sociais do processo de mercadorização da terra. No Capítulo 3, focando nas consequências dessas transformações econômicas para a administração social, analisamos reconfigurações das instituições de governo, e das relações de força e de interesse entre a monarquia e as elites novas e tradicionais. No Capítulo 4, debruçamo-nos sobre as rebeliões sociais do período, que entendemos como reação popular à violência econômica e extraeconômica envolvida nas transformações descritas nos capítulos 2 e 3. No Capítulo 5, sobre o esforço colonial inglês, damos conta da maneira como tais transformações impulsionaram a elite inglesa a estender suas práticas econômicas sobre territórios e populações na Irlanda e no continente americano. Na Conclusão, procuramos sugerir formulações gerais a respeito da natureza e do sentido histórico da modernização capitalista, intencionando reportar a experiência social contemporânea do leitor àquilo que, conforme argumentamos, está em suas origens.