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POBREZA E FOME: DE MALTHUS A JOSUÉ DE CASTRO

Ana Carla Grigorio Silva Gomes1


Bruno Pereira de Santana2

RESUMO

A pobreza se concentra no pauperismo e em sua economia política. Existe no consenso geral


que pauperismo e progresso são inseparáveis, onde a riqueza de uma nação corresponde à sua
população, seus meios de produção e tecnologia, e sua miséria corresponde a sua riqueza
proporcionalmente. Quanto ao aumento da miséria humana podemos dizer que com o advento
da propriedade privada e seus novos processos de produção, seus resultados está relacionada
não mais para suprir as necessidades essenciais e sim seus desejos mais íntimos e supérfluos.
Se é de direito humano à alimentação e está intrinsecamente ligado ao direito à vida os ideais
de Malthus com relação a pobreza não poderia ser empregado em uma sociedade que visa o
bem-estar social, porém, quando deixamos o direito à alimentação ao livre jogo das forças do
mercado nos reportamos a tais ideais “malthusianos” indo em confronto com o que preconiza
a ONU em seu cerne levando em consideração a cobiça do capital.

Palavras-chave: Pauperismo; Pobreza; Fome.

1 INTRODUÇÃO

O grande problema da pobreza gira em torno do pauperismo e da economia política, os


quais são parte indissociável da sociedade. A íntima ligação entre pauperismo e progresso se
dá em virtude do crescimento da prosperidade da sociedade, visto que quanto mais próspera,
maior será o número de pobres daquele grupo social.
A ideia de pobreza surgiu no século a partir da primeira metade do século XVI na
Inglaterra. Os pobres eram considerados como um grupo à parte da sociedade, e a sua gradual
transformação em classe trabalhadora livre foi o resultado da perseguição aos vagabundos
(higienização social) com patrocínio da indústria doméstica e expansão do comércio exterior.
Em outras palavras, os pobres na Inglaterra passaram de ameaça evidente para mais
um encargo do Estado, onde uma sociedade semicomercial não poderia mais aceitar que a
1
Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: anacarlagrigoriosg@gmail.com.
2
Graduando em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: bp_santana@yahoo.com.br.
pobreza não representava um problema, tampouco que os desempregados eram pessoas
preguiçosas.
O homem, com suas necessidades básicas, adquire novas necessidades, tão
importantes para si quanto a própria vida. Ele cria novas necessidades, como educação,
hábitos e outras necessidades físicas. Em meio a uma sociedade considerada “selvagem”, as
necessidades do grupo não vão além de ter algo para comer e/ou beber; enquanto nas
sociedades consideradas “civilizadas”, tais necessidades vão além de fontes de prazer,
gerando assim a pobreza. Quanto mais prósperas as sociedades, mais diversificadas são as
suas fontes de prazer, e mais se buscam novos hábitos mediante o processo de imitação.

2 METODOLOGIA

A metodologia de pesquisa utilizada no presente trabalho foi de análise dos


documentos propostos, tais sejam, os textos base apresentados, bem como outras fontes
bibliográficas, como artigos científicos e livros.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 PAUPERISMO E UTOPIA

Segundo Polanyi (2000, p. 128), o problema da pobreza se concentrava em torno de


dois termos estreitamente relacionados: pauperismo e economia política. Apesar de serem
tratados separadamente, estes termos formam uma parte de um todo indivisível: a descoberta
da sociedade.
Para Marx, pauperismo é o empobrecimento da classe trabalhadora. Com o
crescimento e expansão do comércio e a aparente prosperidade da Inglaterra, que eclodiu após
a Guerra dos Sete anos, mostrou a oportunidade que aquele país teve em meio ao progresso
europeu.
No entanto, ao mesmo tempo em que tal prosperidade se aproximava, os rumos dessa
prosperidade seguiriam proporções gigantescas, as quais afetariam e modificariam toda a
humanidade. Desse modo, estava sendo preparado o cenário para o surgimento dos pobres.
Polanyi (2000, p. 130) afirma que "enquanto os pobres, na metade do século XVI,
representavam um perigo para a sociedade, (...), o final do século XVII eles constituíam
apenas uma carga para os postos". O autor ainda afirma que "as opiniões sobre o pauperismo
começaram a refletir uma concepção filosófica".
No século XVIII a questão da pobreza ainda não era tratada como um problema social.
Pensadores como Bellers, Owen e Bentham tinham visões distintas acerca do fenômeno da
pobreza. Bellers, o humanista, queria usar o trabalho dos desempregados, basicamente, na
assistência a outros sofredores. Owen, era socialista e cria na igualdade dos homens e seus
direitos naturais, ao passo Bentham desprezava a igualdade, ridicularizava os direitos
humanos e exaltava o liberalismo econômico (laissez-faire). Todavia, ambos estavam
convencidos de que uma organização correta do trabalho dos desempregados deveria produzir
um excedente. Os três acreditavam que deveria ser criada uma organização do excedente do
trabalho dos desempregados; entretanto, cada um deles tinha uma ideia diferente acerca da
destinação desse excedente. Enquanto Bellers idealizava o auxílio aos mais necessitados,
Benthan desejava repassar aos acionistas, ao passo que Owen almejava devolvê-lo aos
próprios desempregados.
O impasse entre os três era apenas o reflexo de um equívoco quanto à natureza do
pauperismo no seio da economia de mercado em crescimento. O pauperismo, apesar de ser
uma grande descoberta, ainda era uma incógnita.

3.2 SOBRE O DESENVOLVIMENTO PROGRESSIVO DA POBREZA ENTRE OS


NOSSOS COETÂNEOS E OS MÉTODOS UTILIZADOS PARA COMBATÊ-LA

Para Tocquerville (2003, p. 75), os países que aparentam ser os mais pobres são
aqueles que, na realidade, têm menos indigentes, enquanto que, entre os povos mais
admirados por sua opulência, parte da população é obrigada a contar com doações de outros
para sobreviver, pois estão focados nas necessidades mais mundanas e sua principal
preocupação é com seu bem estar e lazer.
Tocquerville tomou por base fundamentadora os dados comparativos de indigentes
existentes entre Inglaterra, Portugal e França, e constatou que na Inglaterra a proporção de
indigentes é de 1 para cada 25 habitantes, enquanto em Portugal é de 1 para cada 98
habitantes. Já na França, há de se constatar um interessante fenômeno de diferentes
proporções, de acordo com a região. Tomando uma média geral, tem-se 1 indigente para cada
20 habitantes, podendo chegar a 1 sexto de sua população. No entanto, nas regiões mais
prósperas, essa proporção é de 1 para cada 26 habitantes, ao passo que nas regiões menos
industrializadas e consideradas mais pobres, a proporção chega a ser de 1 indigente para cada
58 habitantes. Assim, temos que quanto mais próspera economicamente, mais indigentes (ou
pobres) aquela região terá. E este número cresce proporcionalmente.
O homem primitivo, considerado não-civilizado, buscava suprir apenas suas
necessidades básicas com o mínimo esforço. A partir do momento em que os homens
possuem a terra e passam a produzir, encontram no cultivo do solo os recursos abundantes
para combater a fome. Nesse momento, tem-se o advento da propriedade privada, onde surge
a abundância, o supérfluo e a busca pela satisfação das suas necessidades físicas, e é então
que os primeiros sinais da desigualdade social começam a aparecer. Tocquerville (2003, p.
80) afirma que:
Entre a independência selvagem, a qual não mais desejam, encontram-se indefesos
perante a violência e o logro, e parecem prontos a submeter-se a qualquer tipo de
tirania, conquanto tenham a permissão de viver ou mesmo vegetar em seus campos.
(...) Ao invés de ameaçar a condição política dos povos, como acontece hoje, a
guerra ameaça a propriedade privada de cada cidadão. O espírito de conquista, que
foi o pai e a mãe de todas as aristocracias duráveis, é reforçado e a desigualdade
atinge seu limite mais extremo.

Desse modo, podemos perceber que, com o surgimento da propriedade privada, o


homem se dispôs a sujeitar-se a qualquer tipo de exploração, de sorte que este não tenha
preocupação com a falta de terra para cultivar e suprir suas necessidades.
No século IV, os povos considerados bárbaros conquistaram o Império Romano. A
partir de então, a desigualdade passou a ser legalizada, ou seja, a sociedade feudal surgiu, e
com ela a Idade Média. De um lado estavam os “proprietários” do solo, e do outro aqueles
que o cultivavam.
Com o passar do tempo, de acordo com Tocquerville (2003, p. 83), a população que
cultivava o solo adquire novos gostos, e a satisfação das necessidades básicas já não é mais
suficiente. Com o progresso da sociedade ao longo dos séculos, os agricultores foram, aos
poucos, substituindo o trabalho agrícola pela indústria, o arado pela lançadeira e o martelo,
mudando das suas casas no campo para os imóveis nas proximidades das fábricas. Tais
mudanças não se restringiram apenas ao trabalho ou domicílio.

3.2.1 Lumpemproletariado

Para Marx, os ladrões, os mendigos e as prostitutas que estavam em situação de


desvalorizados enquanto um grupo inferior, considerados como a "classe perigosa", a escória
social, descartada pelas camadas mais baixas da velha sociedade, foram chamados por ele
como lumpemproletariado (MARX apud LINDEN, 2016).
3.3 GEOGRAFIA DA FOME

O direito humano à alimentação, o mais básico e essencial, está definido no art. 11 do


Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ZIEGLER, 2013, p.
31):
O direito à alimentação é o direito a ter acesso regular, permanente e livre,
diretamente ou por meio de compras monetárias, a um alimento qualitativo e
quantitativamente adequado e suficiente, que corresponda às tradições culturais do
povo de que é originário o consumidor e que lhe assegure uma vida psíquica e física,
individual e coletiva, livre de angústia, satisfatória e digna.

A alimentação é um direito intrinsecamente ligado ao direito à vida, e é também o


mais violado. Para Ziegler (2013, p. 31), “a fome assemelha-se ao crime organizado”, dada
restrição cada vez maior do acesso ao alimento por parte de determinados grupos, tendo em
vista que é retirado da mão do mais pobre seu sustento por parte do seu próximo.
Para Organização Mundial de Saúde (OMS) “Dolorosa é a morte pela fome. A agonia
é longa e provoca sofrimentos insuportáveis. Ela destrói lentamente o corpo, mas também o
psiquismo. A angústia, o desespero e um sentimento de solidão e de abandono acompanham a
decadência física.” (ZIEGLER, 2013, p. 32).
A fome, de acordo com o autor supracitado, foi classificada pela Organização das
Nações Unidas (ONU) em : fome estrutural e fome conjuntural. A fome estrutural tem a ver
com o sistema de produção e distribuição ineficaz e insuficiente do alimento, ao passo que a
fome conjuntural tem relação direta com causas e catástrofes naturais ou guerras, as quais não
podem ser controladas pelo ser humano (ZIEGLER, 2013, pp. 37-38).
A ONU apontou três grandes grupos que estão mais expostos à fome: os pobres rurais,
os pobres urbanos e as vítimas de catástrofes (ZIEGLER, 2013, p. 39).
Os pobres rurais na sua maioria são desprovidos da tutela Estatal, pois, não recebem
do mesmo serviços como saúde pública, educação e higiene e em sua totalidade estão
inseridos no países do Sul.
Já os pobres urbanos estão inseridos em “bairros informais” nos grandes centros
urbanos com limitações orçamentárias para suprir suas necessidades alimentares.
As vítimas de catástrofes são sazonais tendo haver com o momento histórico e recorte
social que envolve os indivíduos.
Para Ziegler (2013, p. 53) nos países subdesenvolvidos como Ásia e África, as
mulheres sofrem uma discriminação permanente, vinculada a subalimentação. Por se tratar de
uma sociedades patriarcal e machista, as mulheres e suas filhas se alimentam dos restos de
seus esposos e filhos do sexo masculino.

3.4 A FOME COMO FATALIDADE: MALTHUS E A SELEÇÃO NATURAL

Até o período da Segunda Guerra Mundial, o entendimento sobre a fome estava


baseado do pensamento de Thomas Malthus. Ele contribuiu fortemente para a visão fatalista
acerca da fome na história da humanidade.
Malthus se viu diante de um grande questionamento: como alimentar as grandes
massas de proletários e suas famílias sem que o abastecimento dos grandes centros fosse
prejudicado? Ele entendia que o principal problema da sua época estava exatamente no grande
contingente da população subalterna, onde deveria existir um limite para a produção de itens
de subsistência e outros itens essenciais à vida.
Para Malthus, era necessário a redução da população, a qual se daria mediante a fome
e que este processo era encarado de forma natural. Só assim seria possível evitar uma
catástrofe econômica. Em seu livro “Ensaio sobre o princípio da população”, ele criticava as
leis sociais, visto que ele entendia que não era dever do Estado e da sociedade “sustentar” as
famílias dos proletários. Além disso, ele ainda afirmava que “as epidemias são necessárias”
como forma de controle da população, sobretudo a população mais pobre (ZIEGLER, 2013,
p. 106).

3.5 JOSUÉ DE CASTRO, PRIMEIRA ÉPOCA

Como herança da Segunda Guerra Mundial temos o despertar de consciência da


humanidade em um movimento de transformação da sociedade em busca de independência,
democracia e justiça social, abandonando os ideais Malthusianos e tutelando os pobres à
proteção social necessária do Estado e do terceiro setor. Ziegler (2013, p.110) afirma que: “A
consciência da identidade entre todos os homens é o fundamento do direito à alimentação.
Ninguém poderia tolerar a destruição de seu semelhante pela fome sem colocar em perigo sua
própria humanidade, sua própria identidade”.
Como resposta à teoria de Malthus, Josué de Castro em suas pesquisas demonstra que
não era a superpopulação a responsável pela progressão da fome, que o contingente familiar
tinha a ver com um modo de pensar no futuro, como uma ajuda no processo de sobrevivência
e sustento no envelhecimento dos seus patriarcas (ZIEGLER, 2013, p. 114).
Para Castro, as classes brasileiras brancas estavam cegas nos ideais malthusianos,
cheias de preconceitos raciais e ideológicos, ao afirmar que os afro-brasileiros, índios, e os
caboclos eram preguiçosos, poucos inteligentes e avessos ao trabalho e, portanto,
subalimentados. Desse modo, podemos apontar a tese central de Castro alicerçada na
premissa “quem tem dinheiro come, quem não tem morre de fome ou torna-se um inválido”
(ZIEGLER, 2013, pp. 115-116).
Em sua célebre obra “Geopolítica da fome”, Castro afirma que além das condições
geográficas a questão da fome no mundo é uma questão política e que a construção de uma
sociedade pacífica é humanamente impossível com a existência da fome, onde se cria um
estado de guerra permanente e em desenvolvimento. A subalimentação e a má nutrição
impossibilitam a construção de uma sociedade pacificada. Desse modo, afirma que “A metade
dos brasileiros não dormem porque tem fome. Também a outra metade não dorme, porque
tem medo daqueles que passam fome” (CASTRO apud ZIEGLER, 2013, pp. 116-117).

CONCLUSÕES

Com o aumento vertiginoso do número de pobres, um outro problema se insurge: a


fome e as condições insalubres de existência. Em meados do século XIX, Malthus propôs em
sua teoria da seleção natural que a verdadeira ameaça estava o vertiginoso crescimento
demográfico, onde era necessária a eliminação dos mais fracos mediante a fome, pois
chegaria o dia em que nenhum ser humano teria condições de sobreviver, já que não teria
acesso a água, alimento ou ar para respirar.
Em contraposição à teoria malthusiana, e dados os resultados desastrosos da Segunda
Guerra Mundial, surgiu a consciência da identidade entre todos os homens como fundamento
do direito à alimentação. Este figura como um direito humano fundamental tanto na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, como no Pacto Internacional sobre os
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Josué de Castro, ao contrário de Malthus, afirmou veementemente que a fome
impossibilitava a construção de uma sociedade pacífica, visto que a fome estabelece um
permanente estado de guerra. Castro também demonstrou que, diferentemente das afirmações
de Malthus, o grande problema da fome não estava na superpopulação dos campos e das
cidades e sim nas políticas aplicadas no seu combate.
REFERÊNCIAS

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Disponível em


https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2543654/mod_resource/content/2/Bottomore_dicion
%C3%A1rio_pensamento_marxista.pdf. Acesso em 11 mar 2018.

BRANCO,Rodrigo Castelo. A teoria marxiana do pauperismo e o debate com o reformismo


social-democrata. Disponível em
http://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/comunicacoes/gt1/sessa
o2/Rodrigo_Castelo_Branco.pdf. acesso em 11 mar 2018.

LINDEN, Marcel van den . O Conceito Marxiano de Proletariado: uma crítica. In: Sociol.
Antropol. vol.6 no.1 Rio de Janeiro Jan./Apr. 2016. Disponível em
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752016v614 . Acesso em 12 mar 2018.

POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as origens da nossa época. - 2 ed. - Rio de


Janeiro: Campus, 2000.

TOCQUERVILLE, Alexis. Ensaios Sobre a Pobreza. - Rio de Janeiro: UniverCidade, 2003.

ZIEGLER, Jean. Destruição em Massa: geopolítica da fome. - 1 ed. - São Paulo: Cortez,
2013.

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