Professional Documents
Culture Documents
Todos nós temos nossos segredos. Alguns partilháveis, outros, todavia bem
ocultos. Impossíveis, impossíveis de comunicar, de se deixar ir.
Imagine como deve ser difícil carregar tudo isso em silêncio. Sem partilhar. Os
pensamentos e ruminações circulando dentro de você. A angústia diante da
possibilidade de que isso se torne de alguma maneira público, em parte ou na totalidade.
Imagine toda esta montoeira de emoções armazenadas internamente. Acumuladas como
lixo, jamais descartadas...
Ou pelo menos é esta a argumentação do inicio. Porém após dias, meses e anos
nada será feito com estes objetos recolhidos. Continuarão ali apenas se acumulando,
ocupando espaço. Intocáveis.
Como se pode concluir o que deve ser acumulado será variável de pessoa a
pessoa assim como a maneira de lidar com o objeto
Em alguns casos, por exemplo, acumulam bens que socialmente são muito bem
aceitos como carros, imóveis, jóias, perfumes, sapatos. Porém em excesso. Estes
embora vistos como excêntricos, passam despercebidos.
Sim as pessoas podem, por vezes, recolher mais animais do que têm a
capacidade de cuidar, sem consciência de que seus animais não recebem cuidados
adequados.
Todas, coisas sobre as quais a mera ideia de descarte irá provocar uma angústia
intensa. E que no principio, caso ocorra o desvendamento deste segredo tão sofrido para
as pessoas de fora, irá causar extremo desconforto e mal estar. Por isso quando seu
espaço é visitado outro mal estar vem à tona e se adiciona a este da compulsividade em
acumular. E isto se dá não exatamente pelo estado deplorável em que o ambiente fica,
mas muito mais pelo risco de ser criticado e pela tentativa de ser convencido a jogar
fora os objetos guardados ou pelo risco de que o façam sem seu consentimento.
Com isso o convívio social vai sendo gradativamente minado pela necessidade de
guardar coisas. E a casa passa a ser uma fortaleza inacessível ao mundo lá fora. Assim
como já era o mundo interno deste sujeito que precisou criar novas defesas além das
relacionais que já mantinha.
Acredito que agora sim tenha conseguido criar um quadro vivo em sua
imaginação. Um quadro deste terror acumulativo que se assemelha a um
encarceramento desesperador já que um grande impasse sempre se mantém. Não é
possível viver em meio a todos estes objetos sem que seu cotidiano e suas inter-
relações, profissionais e afetivas e sua saúde sejam de alguma maneira afetadas. Porém
emocionalmente não é possível viver sem elas. E quando é necessário fazer uma escolha
todas as outras possibilidades são esquecidas pela preponderância da necessidade em
acumular.
Esta manifestação mais grave foi tecnicamente descrita pela primeira vez pelos
estudiosos Macmillan e Shaw¹ em 1966 e então denominada pelo conjunto de
características de Síndrome de Esqualides Senil (Senile Squalor Syndrome) ou ruptura
social no idoso (Social Breakdown of the Elderly) porque uma estranha magreza
costuma acometer a estes pacientes que passam a descuidar de si mesmos no afã de
acumular.
a obstinação que é a inflexibilidade que crescente no sujeito que acumula pode termina
por alheá-lo da vida e esta associada à ira e as tendências vingativas que são
encontradas no temperamento dos acumuladores conhecidos por seu gênio difícil.
Como já foi pontuado, a percepção destes objetos como bens preciosos decorre
das muitas simbolizações em longos encadeamentos que se constituem neste lixo
acumulado, decorrentes de todas as muitas emoções estagnadas e intocáveis que ali
estão projetadas e impossíveis de serem descartadas ou trazidas à consciência.
E é por isso que toda esta tralha, todo este lixo, necessita ser mantido, de
preferência de maneira secreta. E é desta maneira que sua compulsão os encaminha ao
final a uma retirada definitiva do convívio social.
trabalham ou estudam e que são obrigados a tê-lo em seu convívio familiar. Esconder
sua compulsão é sempre impossível, já que em algum momento para os membros mais
sociáveis será necessário receber pessoas em casa.
E embora a maioria dos casos seja de idosos que vivem sozinhos, pode ser observado
nos mais jovens e ser um sintoma decorrente de várias doenças orgânicas e mentais.
Nestes casos aparece em associação principalmente à outras condições de saúde mental
como alcoolismo crônico, como fobia social, fobias específicas, transtorno bipolar,
esquizofrenia paranoide e a depressão maior, autismo ou demência .
Alguns em estágios mais brandos percebem que estão vivendo numa situação
problemática e tem desejo de fazer algo a respeito. Os casos mais perigosos são
daqueles que são incapazes de perceber que vivem em meio à sujeira e o lixo e que
estão perdendo muito mais do que ganham ao acumular. Estes abrirão mão de toda
convivência social, de todos os afetos para preservar seus objetos intactos empilhados
dentro de casa. A saúde e o bem estar dos outros possíveis moradores que necessitarem
conviver terá menor importância diante da compulsão de acumular.
Cinthya Bretas
É psicologa , picoterapeuta de base psicanalítica e se especializou em terapias de casais .
http://psicoterapiacinthyabretas.blogspot.com
1
Em 1975 esta Síndrome foi descrita e nomeada, uma certa injustiça ao filósofo grego Diógenes de
Sínope, também chamado Diógenes "o Cínico" (kynikos, kynon = cachorro). Diógenes acreditava que a
virtude não deveria ser uma teoria, mas uma ação prática, resultado da própria vivência, assim optou por
viver na miséria, habitando um grande barril como lar e carregando à luz do dia uma lanterna acesa em
busca de um homem honesto; acreditava que faria bem ao ser humano aprender com o cão: "Afinal o cão
é capaz de realizar suas funções corporais naturais em público sem constrangimento, um cachorro comerá
qualquer coisa, e não fará estardalhaço sobre que lugar dormir. Cachorros vivem o presente sem
ansiedade, e não possuem as pretensões da filosofia abstrata. Somando-se ainda a estas virtudes,
cachorros aprendem instintivamente quem é amigo e quem é inimigo. Diferente dos humanos que
enganam e são enganados uns pelos outros, cães reagem com honestidade frente à verdade.".
2
MacMillan D, Shaw P. Senile breakdown in standards of personal and environmental
cleanliness. Br Med J. 1966;2: 1032-1037
9
3
Clark ANG, Mankikar GD, Gray I. Diogenes syndrome. A clinical study of gross neglect in old
age. Lancet. 1975;1: 366-368.
4
FREUD, S. Caráter e erotismo anal (1908). In: ______. “Gradiva” de Jensen e outros trabalhos (1906-
1908). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 159-164. (Edição
standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 9).
5
O Instituto de Neuropsiquiatria da UCLA é um ensino interdisciplinar e pesquisa
dedicado à compreensão do complexo instituto comportamento humano, inclusive
genéticos bases comportamentais e socioculturais, biológicos do comportamento
normal, e as causas e consequências dos distúrbios neuropsiquiátricos